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quarta-feira, 24 de junho de 2020

Entrevista ao presidente do Eurogrupo, Mário Centeno

Os líderes da União Europeia estão reunidos para debater o orçamento a longo prazo que será gerido pela Comissão Europeia. Esse orçamento inclui o fundo de recuperação para fazer face à recessão criada pela pandemia de covid-19. Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, falou à Euronews sobre os desafios que os 19 países da zona euro têm pela frente, numa era pós-pandémica, e como os respetivos ministros das Finanças vão tentar ultrapassar a crise.

Isabel Marques da Silva, Euronews: O senhor demitiu-se do cargo de Ministro das Finanças de Portugal há alguns dias e não se vai candidatar a um segundo mandato como presidente do Eurogrupo, que será eleito no início de Julho. Porque é que não quis manter um papel no combate a esta crise criada pela pandemia?

Mário Centeno, presidente do Eurogrupo: Não é por nenhuma razão política específica. Para mim, como presidente do Eurogrupo, é apenas o fim de um ciclo, tal como o é enquanto ministro das Finanças de Portugal. Penso que conseguimos muito durante os últimos dois anos e meio. ¨[O que] pudemos mostrar em abril deste ano prova que o grupo está bem e muito concentrado no combate à crise. E, por isso, foi uma coisa natural.

I.M.S.: Mas não se deve também ao facto de a reforma da zona euro não estar a avançar muito, de faltar algum poder ao Eurogrupo para produzir resultados mais concretos?

M.C.: Conseguimos muito com a Grécia, com a reforma do Tratado sobre o Mecanismo de Estabilidade Europeu (MES). Aprovámos também, em outubro passado, o embrião do orçamento da zona euro que constitui agora a base para o mecanismo de resiliência e recuperação proposto pela Comissão Europeia. Penso que provámos efetivamente que o Eurogrupo é muito importante para a Europa e estou muito satisfeito com os resultados que alcançámos.

Os mercados estão a reagir muito, muito bem a todas as decisões que os países e a União Europeia estão a tomar. Há muita liquidez, não há dificuldades no acesso ao mercado

Mário Centeno

Presidente do Eurogrupo

I.M.S.: O Eurogrupo aprovou três instrumentos de empréstimo, no valor de 540 mil milhões de euros, para fazer face ao impacto da covid-19, mas as medidas não suscitaram grande entusiasmo. Há Estados-membros a recorrer a estes instrumentos?

M.C.: Existe um mecanismo de apoio para as empresas, com o Banco Europeu de Investimento, quase a ser implementado. E tenho quase a certeza de que os 200 mil milhões de euros de garantias do Banco Europeu de Investimento serão plenamente utilizados. Existe um para os trabalhadores, o SURE e, os países já informaram a Comissão (Europeia) da sua intenção de utilizar estes empréstimos para financiar programas de apoio ao emprego. E depois a terceira, que é o Mecanismo de Estabilidade Europeu. Mais um apoio às (dívidas). O que temos de avaliar, nesta fase, é que os mercados estão a reagir muito, muito bem a todas as decisões que os países e a União Europeia estão a tomar. Há muita liquidez, não há dificuldades no acesso ao mercado.

A Europa está de volta com base num verdadeiro plano europeu

Mário Centeno

Presidente do Eurogrupo

I.M.S.: Mas o Banco Central Europeu aumentou o programa de compra de dívida pública em 600 mil milhões de euros. Está confiante de que os mercados não esperam a turbulência que vem desta parte do globo?

M.C.: A resposta do Banco Central Europeu (BCE) faz parte da nossa resposta coletiva. Desde o início da crise, os programas do BCE totalizam quase 1,5 biliões de euros. É uma resposta muito forte e que é muito necessária para evitar a fragmentação. É por isso que tenho dito a todos que a Europa está de volta e que a Europa está de volta com base num verdadeiro plano europeu.

I.M.S.: Relativamente ao plano de recuperação apresentado pela Comissão Europeia, o senhor afirmou, e passo a citar, "deveria haver um enfoque na qualidade das despesas". Mas há um debate acalorado sobre o equilíbrio entre subvenções e empréstimos. No final, o que será possível fazer em termos de convencer os Estados-membros, os famosos frugais e os mais expansionistas?

M.C.: A negociação vai ser dura. Isso é certo. Mas existe uma possível base comum para que a negociação possa ocorrer. Vai ser uma mistura de empréstimos e subvenções, com certeza. Esta é, de qualquer modo, a proposta da Comissão. Mas temos de nos concentrar em duas coisas. Primeiro, existem contigências. Não se trata de financiar despesas passadas, transferências correntes permanentes. O objetivo é financiar uma mudança estrutural na Europa relacionada com a economia verde e o digital. Isto é muito importante e temos de nos manter concentrados nisso. E a segunda ideia é que não existe uma troika como contingência. Por isso, somos mais fortes, porque somos flexíveis e unidos.

Temos agora uma possibilidade histórica de emissão temporária de dívida comum pela Comissão Europeia

Mário Centeno

Presidente do Eurogrupo

I.M.S.: Estamos no ponto de partida, mas como garantir que, dentro de um ou dois anos, os países vão manter-se nessas condições nos seus programas nacionais, quando as condições políticas podem mesmo mudar? Haverá eleições...

M.C.: Estou sempre a repetir, para que as pessoas se lembrem que tivemos as posições fiscais mais coordenadas de sempre em toda a Europa no momento pré-covid. Por conseguinte, os compromissos estavam a ser aplicados. Eles estavam a ser seguidos. A redução dos riscos foi uma realidade durante os nossos já mais de cinco anos. A coordenação destes planos de relançamento é da competência da Comissão Europeia, mas também estou bastante confiante de que o Eurogrupo continuará a desempenhar um papel muito importante na coordenação das políticas económicas na zona euro.

I.M.S.:Pensa que em breve, dentro de alguns anos, os Estados-membros vão aceitar ter impostos europeus comuns para pagar a dívida comum.

M.C.: Temos agora uma possibilidade histórica de emissão temporária de dívida comum pela Comissão Europeia, que será, evidentemente, paga na totalidade num prazo mais longo a ser definido, talvez em 20 ou 30 anos. Faz todo o sentido, de um ponto de vista económico e político, fazer corresponder estas emissões de dívida a recursos próprios. Por conseguinte, temos de trabalhar em conjunto para encontrar estas novas fontes de receitas para a União no seu conjunto. E há uma ideia muito interessante, que é a de ligar estes recursos aos pilares do processo de recuperação, ou seja, à digitalização e à economia verde. Portanto, se ligarmos essas duas partes da nossa história, é muito mais fácil torná-la compreensível para os cidadãos europeus.

Covid-19: Países europeus recuam no desconfinamento com aparecimeno de novos casos

De  euronews  •  Últimas notícias: 23/06/2020 - 09:24

Covid-19: Países europeus recuam no desconfinamento com aparecimeno de novos casos

Direitos de autor INA FASSBENDER/AFP or licensors

Vários países europeus registam um aumento do número de novos casos de covid-19, o que está a fazer com que muitos governos recuem nas medidas de desconfinamento.

Em Espanha, o governo abriu as fronteiras e, no dia seguinte, foi obrigado a colocar vários distritos da região de Aragão em cerca sanitária devido a novos surtos, ligados a uma empresa de produção agrícola.

Na Alemanha, um foco de infeção numa fábrica de produção de carne levou a que o governo aplicasse novas medidas para combater a doença, uma delas, cerca sanitária onde vários dos trabalhadores dessa empresa vivem.

Também no País de Gales a hipótese de 'dar um passo atrás' no desconfinamento está em cima da mesa depois de 175 trabalhadores de uma empresa terem testado positivo para coronavírus; hipótese que já foi adotada por Portugal, que, nos últimos dias viu surgir um aumento de novos casos de infeção, muitos deles ligados a festas privadas ilegais.

O primeiro-ministro português recuou no desconfinanento em vários concelhos, um deles, Lisboa. Quem não cumprir arrisca ser punido até um ano de prisão.

Transformar Lisboa na capital mediática da covid?

Posted: 23 Jun 2020 03:35 AM PDT

«Como escrevi na sexta-feira, não acompanhando a excitação de quem olha mais para os infetados do que para os internados. Sou cauteloso a olhar para números diários e não me deixo ir pelos humores pendulares que a comunicação social alimenta. Mas acho que o Estado deve tomar cuidados. Não apenas os óbvios, em relação à pandemia. Mas reputacionais. Sobretudo quando os destinos turísticos estão em concorrência. Suspeito que seja essa guerra que leva a Grécia a colocar Portugal, seu concorrente, nos pontos de origem de onde não aceita turistas. Marcar a concorrência como lugar perigoso faz parte de um jogo que a descoordenação europeia alimenta.

É nesta altura que todos os cuidados com a imagem também devem contar. E é por isso que a festa com a vinda da fase final da Champions para Portugal é idiota. Já nem falo da duplicidade de critérios com o campeonato nacional, se estas competições tiverem público. Já nem falo da inacreditável declaração do primeiro-ministro, que apresentou isto como um prémio para o pessoal de saúde. Fico por uma abordagem mais fria. Qual a vantagem de um risco reputacional neste momento?

Não acredito que a Champions vá acontecer com público vindo de todo o mundo. Era preciso que, em agosto, tudo estivesse quase resolvido. Não parece que vá ser o caso. Sendo sem público, o que ganhamos com isso? Dizem que ganhamos publicidade, que contribuirá para a recuperação mais rápida do turismo. Mas isso é partir do princípio que as coisas estarão bem em agosto. Não fazemos ideia se assim será.

Se as coisas piorarem, e o que está a acontecer na China não nos permite mesmo saber o que nos espera, a publicidade só pode ser negativa. Se a fase final das competições europeias for desmarcada, teremos um foco na situação portuguesa que seria evitável. Se não for desmarcada, teremos televisões de todo o mundo, sem público como tema de reportagem, a apontar os seus holofotes para cada caso e cada perigo, transformando Lisboa na capital europeia da covid. Mesmo que esteja a correr pior noutras paragens. Vale o risco?»

Daniel Oliveira

“São João, santo malvado/Foste num balão à China/E vieste de lá infetado”

Curto

Pedro Lima

Pedro Lima

Editor-adjunto de Economia

24 JUNHO 2020

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Bom dia,
Os versos que fazem o título deste Expresso Curto foram publicados na página de Facebook “Só quem vive no Porto sabe”, onde foi lançado o desafio de criar versos alusivos ao São João versão Covid-19 e depois simulados cartazes publicitários com alguns deles. Lá encontrará muitos outros versos, alguns mais ‘apimentados’, mas todos com um objetivo bem definido: fazer-nos rir apesar de o coronavírus ter colocado em suspenso as nossas vidas e as nossas tradições, em especial as comemorações dos santos populares – neste caso o São João, mas já antes a 13 de junho o Santo António e em breve, no dia 29, o São Pedro.
Não será só o humor a salvar-nos, mas o humor tem claramente ajudado a tornar menos tristes estes dias de pandemia que se perpetuam desde há mais de três meses, quando o surto iniciado na China chegou em força a Portugal. Todos os dias somos confrontados com uma mesma ‘ladainha’: o número de mortos (ontem foram mais seis em Portugal), o número de infetados (mais 345), o número de doentes recuperados (mais 281) e as consequências económicas dramáticas que aí estão à vista, por todo o mundo. A nível mundial, o novo coronavírus já fez 473.475 vítimas e infetou mais de 9,1 milhões de pessoas. Índia e México apresentam recordes diários de casos. Veja aqui a infografia "Coronavírus no mundo em 12 gráficos".
Foi por isso uma noite de São João anormal porque, para evitar que o vírus se espalhe, não houve festa – leia aqui a reportagem que fizemos no Porto “Não foi à moda do Porto. O silêncio e o vazio da noite mais longa do ano que ‘parece um enterro’”. Assim como anormal será o feriado municipal desta quarta-feira assinalado em muitas cidades e vilas do país de norte a sul – no Porto ou Braga a norte, em Tavira ou Castro Marim a sul, no Porto Santo na Madeira ou em Angra do Heroísmo nos Açores.
A câmara do Porto cancelou todos os festejos – na cidade houve fogo de artifício mas no âmbito do jogo de futebol entre o FC Porto e o Boavista. Outras cidades tomaram medidas para controlar comemorações – ali ao lado, por exemplo, em Matosinhos, as praias foram encerradas das 19h de ontem às 9h de hoje.
Estes cuidados são essenciais para controlar a propagação do vírus e evitar novos focos de contágio como o que se está a verificar na região de Lisboa, que desconfinou mais tarde do que as outras zonas do país e teve agora de confinar novamente.
Os dados divulgados esta terça-feira mostram que a maior parte dos infetados voltou a ter origem em Lisboa e Vale do Tejo (87%), em especial em 19 freguesias, que vão continuar em estado de calamidade. O que justifica medidas especiais para a zona de Lisboa – “beber copos” na rua, por exemplo, passa a ser crime, mas as limitações passam também por encerrar os estabelecimentos comerciais às 20h, à exceção dos restaurantes. Pode conferir aqui o que mudou a partir desta terça-feira na região de Lisboa e Vale do Tejo.
O stresse que está a afetar Lisboa deu entretanto origem a uma desnecessária troca de palavras entre o presidente da câmara de Lisboa, o presidente da câmara de Ovar e o presidente do PSD. O de Ovar sugeriu um cerco sanitário a Lisboa, o de Lisboa respondeu que o de Ovar não sabe do que fala e tinha saudades de ir falar à televisão e o do PSD veio dizer que o de Lisboa esteve muito mal.
Será preciso ajustar o discurso político? O Presidente da República já deu sinais de que se deve explicar melhor a realidade à opinião pública. Confinámos bem e desconfinámos mal? Passámos efetivamente do 8 para o 80? Passaram-se sinais errados à população, transmitindo a ideia de que estava tudo bem? Houve claramente contradições e avanços e recuos no discurso sobre a pandemia, como lhe contamos aqui.
Tendo o turismo a importância que tem e tendo Portugal sido muito elogiado pela forma como lidou com a pandemia, o surto em Lisboa é uma muito má notícia e as consequências estão ao virar da esquina: Portugal pode ser excluído da lista de países considerados seguros pelo Reino Unido. E a Finlândia reabriu as fronteiras a mais 12 países europeus mas deixou Portugal e Espanha de fora.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Rui Rio e a arte da espera

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 23/06/2020)

Daniel Oliveira

Ao PS interessaria iniciar um novo ciclo político antes do pico da crise económica e social. Ao PSD, pelo contrário, é fundamental impedir que Costa vá a votos quando está numa posição confortável. A inteligência de Rui Rio foi colocar-se numa posição que lhe permite manter um guião coerente que o deixa em espera, até ao momento mais favorável. Ele sabe que as eleições se perdem, não se ganham.


Logo depois da reunião com António Costa, Rui Rio deixou claro que o Orçamento Suplementar não teria resistência do PSD. Isto, mesmo antes de o conhecer. E cumpriu, juntando-se à abstenção dos partidos mais à esquerda no hemiciclo e afastando-se do resto da direita, que votou contra.

A parte relevante do anúncio quase imediato de Rui Rio não era o que iria acontecer, foi o tom que o líder do PSD tencionava manter durante todo este período. Sempre pontuado com avisos que o protegem. Esse tom foi dado na intervenção que fez no Parlamento, logo no inicio da pandemia. Não quero parecer cínico e afastar o patriotismo do seu comportamento. Mas também não devo ser ingénuo e afastar o taticismo. Quando se faz a História para consumo popular, cheia de heróis e vilões, costuma ficar apenas um destes lados. Mas a política, mesmo a melhor, faz-se de um tempero entre cinismo e princípios.

António Costa esteve, durante a primeira fase da pandemia, em alta. Aprendeu com Pedrógão e esta crise apelou ao que ele tem de melhor: negociar, gerir urgências, tomar decisões de curto e médio prazo. Conseguiu, ao contrário do Presidente da República, manter a calma desde o início. E teve a sorte de estarmos na ponta da Europa, podendo contar com mais informação do que vinha de oriente para ocidente. Juntou-se a isto um Serviço Nacional de Saúde em melhor forma do que a propaganda privatizadora sempre nos vendeu. E uma oposição que percebeu que usar o medo das pessoas era uma jogada perigosa que poderia ter um efeito de boomerang.

Não sabemos se os números da pandemia não derraparão demasiado no desconfinamento. Nem como evoluirá a situação na região de Lisboa e Vale do Tejo. Nem, mesmo que as coisas corram bem, se a perceção de muita gente demasiado assustada se mantém positiva. Nem se não vem aí uma segunda vaga. Como se tem visto pela ansiedade instalada nos últimos dias, tudo é uma incógnita. Mas, até agora, esta crise sanitária reforçou a posição do primeiro-ministro. Se fosse a votos brevemente esmagaria.

Sem me enfiar por agora nas contas dos apoios europeus e nas contrapartidas exigidas, é inevitável que aí venha uma grande crise económica e social. Não digo que a austeridade é inevitável, porque há uma confusão nos termos – austeridade é uma política que aprofunda a crise para manter as contas equilibradas, não são as consequências inevitáveis da própria crise. Mas as dificuldades vão ser muitas. O tempo que se segue será de grande desgaste político.

Ao PS interessaria iniciar um novo ciclo político antes do pico da crise económica e social. Ao PSD, pelo contrário, é fundamental impedir que Costa vá a votos quando está numa posição confortável. Como está nas mãos do PSD haver ou não uma crise política, essa crise não existirá tão cedo. Mesmo que Costa a venha a desejar muito. A inteligência política de Rui Rio, que a direita trauliteira sempre subestimou, foi colocar-se, logo no início desta pandemia, numa posição que lhe permite manter um guião coerente que o deixa em espera, até ao momento mais favorável. E sempre com ganho de respeitabilidade. Nunca será responsabilizado pelo que corra mal, não perderá com o que corra bem. Ele sabe, ao contrário dos miúdos excitados que queriam fazer a Costa o que o PP e a VOX estão a fazer a Sánchez, que as eleições se perdem, não se ganham. Chegará o momento em que Costa as perde. E esse momento não é este nem será tão próximo.