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segunda-feira, 20 de julho de 2020

Estatuto do Antigo Combatente aprovado na especialidade

O Ministério da Defesa Nacional congratula-se com a aprovação, na especialidade, do texto do Estatuto do Antigo Combatente, em sede de Comissão parlamentar de Defesa Nacional. Trata-se de mais um passo para a concretização de um processo histórico, que reconhece a importância dos serviços prestados pelos militares e a enorme dívida de gratidão que o país tem para com eles.

Ainda no final do ano passado, o Executivo aprovou uma Proposta de Lei que constituiu a importante base de trabalho para a prossecução do diálogo constante e construtivo com todos os partidos no âmbito da Comissão de Defesa Nacional e que se materializou na redação agora aprovada na especialidade.

Com o objetivo de obter um Estatuto que reunisse o mais amplo consenso possível e que constituísse um ato de reconhecimento coletivo e transversal da Nação assente na dignificação, solidariedade e valorização destes militares, a proposta do Governo colheu contributos das associações representativas, reforçando apoios destinados aos Antigos Combatentes, como o aumento do Complemento Especial de Pensão de 3,5% para 7% e introduzindo novos benefícios como a utilização gratuita de transportes públicos, livre acesso a museus e monumentos nacionais, a criação do Cartão do Antigo Combatente e a definição do Dia Nacional do Combatente. Entre outras medidas, a proposta contempla também um Plano de Apoio aos Antigos Combatentes em Situação de Sem-Abrigo e a inclusão, no Estatuto, do Plano de Apoio aos Deficientes Militares, dando força de lei a um instrumento fundamental que já chegou a um milhar de beneficiários.

É com expetativa que se aguarda a conclusão do processo de votação na Assembleia da República, ainda nesta sessão legislativa.

Bater em mortos

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso, 17/07/2020)

Daniel Oliveira

Em princípio, um colunista não se cita. Mas tem de ser. Em 2005, notícias publicadas no Expresso envolvendo o BES irritaram Ricardo Salgado, que mandou retirar a publicidade. Chegado há pouco tempo a este jornal, escrevi o que repeti vezes sem conta: “Nos jogos de poder, o Espírito Santo está sempre entre nós. Talvez todos fiquem finalmente a saber quem manda neste país.” Um mês depois chamava a atenção para a promiscuidade entre o novo ministro Manuel Pinho e o BES, seu anterior patrão. Salgado, o banqueiro intocável, foi tema recorrente das minhas crónicas (não estive sozinho, mas pouco acompanhado). Em 2010, António Mexia dizia na página do “Compromisso Portugal” que os portugueses tinham de “assumir sacrifícios”. Escrevi: “Fez a sua vida profissional à boleia da política e do Estado e quer menos Estado. Faz-se pagar como os 200 que mais recebem nos EUA e exige sacrifí­cios. [...] São estes homens, transformados pela imprensa em oráculos da Nação, que nos dão lições de competitividade, meritocracia e estoicismo. Falam de cátedra. Mas não sabem do que falam.” Gostava de afrontar o poder de Mexia e Salgado quando um ainda andava de braço dado com o atual dono do “Observador” e outro ainda pagava campanhas a todo o arco do poder. Estavam longe de ter caído em desgraça.

Há uns dias, José Gomes Ferreira disse, na SIC, que Carlos Alexandre era criticado porque havia agências de comunicação e advogados de defesa a fazer o seu trabalho. O jornalista Luís Rosa, do “Observador”, acompanhou: porque criticam Carlos Alexandre e nunca Ivo Rosa? Como estou no lote dos que criticaram as medidas de coação contra Mexia e critico com frequência Carlos Alexandre, não vou assobiar para o lado. Começo por esclarecer que só falo com agências de comunicação para marcar entrevistas e que recebi um e-mail anódino de um advogado ligado ao processo da EDP, que não conheço, depois de ter escrito sobre o assunto. Ainda nem respondi. Não sou impressionável pela lisonja nem pressionável pela ameaça. Vantagens de ser um radical mal-encarado e com longo currículo de inimizades. As críticas que faço a Carlos Alexandre são ditadas pelo escrutínio a qualquer poder. Estou livre para o fazer porque, não investigando estes casos como Luís Rosa investiga, não criei relações de dependência com ninguém. Se investigasse, teria de gerir a relação com juiz, MP e advogados de defesa. Porque o jornalismo cruza fontes. Não depende apenas de uma, tomando as suas dores e atirando sobre os restantes.

Nada me liga a Carlos Alexandre ou Ivo Rosa. Nem os conheço. Tenho a minha opinião, vivo bem com a dos outros e gosto pouco de passar a cúmplice dos que sempre denunciei por não gostar do modus operandi de Carlos Alexandre. Não aceito essa chantagem.

Uso da mesma liberdade que usei com Mexia e Salgado quando o pecado era criticá-los. Mas presto mais atenção a quem tem poder do que a quem já o perdeu. E também gosto de afrontar o poder do novo intocável, Carlos Alexandre. Se resisto a superbanqueiros e supergestores, também resisto a superjuízes. Nunca fui dos corajosos que batem em mortos. 

Tão livre como Gomes Ferreira, repito que um juiz justiceiro não nos serve. Serve-nos um país onde a banca não manda em políticos, os monopólios não são privados e os processos não morrem em manchetes oferecidas por magistrados.

As máscaras da Europa

Posted: 19 Jul 2020 02:42 AM PDT

«Não há grandes segredos. Verdadeiramente, no final é sempre uma questão de quem detém e distribui o capital. Poucas vezes a construção europeia, da solidariedade e do Estado de direito, do Estado social, da união entre povos e culturas, de conquistas civilizacionais únicas, esteve tão à prova como agora.

Os sinais são preocupantes, agigantam-se e não são recentes. Refletem-se, também, num desalento dos povos, que cada vez menos se reconhecem nas decisões burocratas de Bruxelas, da renitência empedernida de governos contabilistas, tendo como sintomas mais evidentes o crescimento dos populismos e dos extremismos.

O Conselho Europeu, onde se discute a resposta económica após a crise da covid-19, parte este domingo para a terceira ronda como começou. Dividido entre os países do Norte, os chamados frugais, e os do Sul, sem nome de registo, porque pelo menos há agora o pudor de não apontar o dedo aos gastadores, os do bom vinho, das mulheres bonitas e do modo de vida, esse sim, pior do que frugal quando se olha para os números e para a realidade: salários abaixo da média europeia, milhares de famílias dependentes das redes familiares e sociais, condições de vida precárias.

A pandemia que nos assaltou a todos agravou as diferenças sociais, entre quem resiste e quem mal subsiste. É esse o ponto que está em cima da mesa. A impassividade perante a pressão dos governos do Sul, numa frente que juntou Portugal, Espanha, Itália e França, sem que a visão da chanceler alemã ou da comissária europeia, ambas ainda a segurarem o que resta dos laços de interajuda comunitários, consiga evitar o risco de empurrar um acordo para outubro. Tarde, provavelmente demasiado tarde como depressa se verá na subida dos juros das dívidas soberanas.

O que está em cima da mesa não é muito mais do que a diferença entre ajudar sem exigir contas e apoiar com um caderno de encargos violento, à semelhança do que sucedeu durante a intervenção da troika. Mas hoje é o dia do Senhor. Pode ser que recebam alguma iluminação. A bem de todos nós.»

Domingos Andrade

domingo, 19 de julho de 2020

Os três macacos sábios

por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Público, 18/07/2020)

Se há defeito de carácter que infelizmente se repete em Portugal, vez após vez, sem culpa nem remorso, é a adulação dos poderosos seguida pelo seu escárnio público quando deixam de ser poderosos. Todos os que tinham a cerviz bem dobrada, a boca bem calada, a vénia pronta, o tom untuoso, a mão estendida para o pequeno ou grande favor, o silêncio oportunista, correm para a imensa fila, de pedras na mão, para abjurar o anterior senhor. Já vi isto muitas vezes. Já escrevi isto muitas vezes. Suspeito de que não será a última.

Um caso exemplar foi Sócrates, em que se contava pelos dedos de uma mão aqueles que percebiam bem de mais o que ele estava a fazer e a multidão de sicofantas e aproveitadores que lhe servia de barreira contra tudo aquilo que o podia afectar. Alguns desses foram depois profissionais do atirar da pedra, muitos na política, a começar pelo PSD, e muitos na comunicação social. Mas o vento virou e foram logo para a fila do arremesso. O remake actual desta conduta cívica exemplar passa-se hoje com Ricardo Salgado e o BES, só que com a gravidade de esquecimentos e fugas à responsabilidade que nos custaram milhares de milhões de euros e, diferentemente do caso Sócrates, este passa-se na alta finança e não na baixa política.

Comecemos pelo primeiro esquecimento. Salgado e a família Espírito Santo começaram por ser um dos heróis do anti-PREC. Lembram-se, os grandes empreendedores que, espoliados dos seus bens pelas nacionalizações gonçalvistas, tiveram que fugir para a o Brasil, de onde regressaram por cima, heróis do capital, com a capacidade de reconstruir o que o PREC lhes tinha tirado? O O Independente, adorado pelos nossos jornalistas como modelo, desenvolveu pela pena de Paulo Portas a tese de que havia dois “dinheiros” em Portugal: o “velho dinheiro”, com pergaminhos e pedigree, e o “novo dinheiro”, dos novos-ricos que tinham ganho dinheiro de forma obscura e pelas ligações ao PSD e ao PS, a canalha sem modos. O O Independente considerava intocável o “velho dinheiro” (com o enorme preconceito pequeno-burguês de Portas, que não tinha nascido na nobreza nem na família certa), gente que sabia comer à mesa e vestia nos melhores alfaiates de Londres, e os da “meia branca”, que não se sabiam comportar, eram provincianos e toscos.

Esta apreciação só começou a mudar muito mais tarde, quando o longo período de governação do PS mostrou as cumplicidades de Salgado com o poder socialista. Esta também foi uma das razões por que Passos Coelho lhe disse que não, esquecendo-se as pessoas que, depois disso, o BES pôde ir de novo ao mercado, com uma emissão validada pelo Presidente, pelo regulador, pelo governador do Banco de Portugal e por alguns comentadores… Isto da cronologia é uma maçada.

O segundo esquecimento é pior do que um esquecimento, é uma cumplicidade. As pessoas comuns não fazem a ideia da enorme quantidade de informação que o círculo de confiança da elite portuguesa – quem, na verdade, manda no país – obtém quase como respira. Circulando de conselhos de administração para lugares políticos, de escritórios de advocacia de negócios para consultoras financeiras, ou pura e simplesmente falando com os seus pares dentro desse círculo de confiança, tudo o que é relevante lhes chega aos ouvidos. Numa rede politicamente transversal, em que, para além da informação privilegiada, o poder de veto de pessoas é o mais importante para manter intacto o poder, essas pessoas não podem alegar que “não sabiam”. E, se tivermos em conta a endogamia de meios pequenos como é o caso de Portugal, as elites bancárias que circulam em meios semelhantes e/ou muito próximos, que vão das ilhas Virgens ao Panamá, aos offshores, aos bancos suíços e ingleses, aos negócios portugueses, nem que fosse por razões de competição, não podiam desconhecer as manobras do BES.

É por isso que, pura e simplesmente, não acredito – não por fé, mas por razão – que o BES e Salgado pudessem fazer tudo de que são acusados sem que tal fosse, pelo menos em traços largos, conhecido, a começar pelos seus pares na banca e, por maioria de razão, do Banco de Portugal. E, das duas, uma: ou esse tipo de práticas era mais comum do que hoje se faz crer singularizando o BES, ou uma conspiração corporativa de silêncio permitiu a continuada violação da lei pelo BES, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Ou Salgado e o BES mantinham as protecções dadas ou compradas e ainda não tinham caído politicamente.

O festival de hipocrisia a que hoje se assiste, publicitado por muitos jornalistas económicos (salvo raras excepções) que estiveram também debaixo da asa do BES, não é apenas deprimente, mas é também perigoso. É a melhor garantia de que tudo se pode repetir, com outros protagonistas e outros métodos, mas com o mesmo mecanismo de ganância e silêncio. Até porque há um aspecto que não tenho espaço para referir aqui e fica para outra altura: não se cai na justiça antes de se cair politicamente.

Bom, os macaquinhos japoneses, esses nunca vão ficar desempregados.

Não era mesmo para funcionar

Posted: 18 Jul 2020 03:48 AM PDT

«Com mais de um mês de atraso, está agora anunciado que a app portuguesa de rastreio de contactos com doentes covid será lançada em finais de julho. A Comissão Nacional de Proteção de Dados, não se opondo, apresentou no entanto duas limitações preocupantes: a adoção do sistema da Apple-Google “subtrai uma parte substantiva da operacionalização da aplicação ao controlo dos seus criadores” e, em segundo lugar, há dúvidas sobre se o mecanismo permite a localização dos telemóveis (os criadores prometiam que isso seria informação privada). Mesmo admitindo que a segunda seja acautelada, o panorama das aplicações com que se compara o engenho nacional é devastador. Os sistemas estão a falhar em todo o lado.

Em França, dois milhões de pessoas descarregaram a app em poucos dias. Só houve 14 casos de contacto registados, havendo 170 mil infetados. Na Áustria, um quarto da população descarregou a app; só num em cada quatro casos de contacto com alguém infetado é que o sistema o assinalou. No estado de Vitória, na Austrália, que agora voltou ao confinamento dada a reincidência de casos, os contactos registados foram zero. Na Norue¬a, uma em cada cinco pessoas descarregou a app; em junho, o sistema foi abandonado depois de se terem constatado violações de privacidade. Na Índia, 77 milhões de pessoas usam a aplicação, mas o governo teve que garantir que ia corrigir erros que permitiam o controlo da localização. No Reino Unido, o sistema fracassou e o governo anulou a app. Ou seja, isto não serve.

Repara no que há de comum: em nenhum destes países a cobertura se aproxima sequer remotamente dos 60% necessários para ser estatisticamente eficaz. Como assinala um professor de estatística de Cambridge, se 1% da população tem covid e estiver toda testada e 1% da população descarregar a app, a possibilidade de se cruzarem é uma em dez mil (se a distribuição de umas e outras pessoas for aleatória), muito menor do que a taxa efetiva da doença entre a população. É por isso que é preciso que haja uma taxa muito elevada de participação, o que não se alcança. E, se se alcançasse, ainda era preciso que não se empilhassem problemas que desautorizam o sistema, que não funciona nuns casos ou funciona erradamente noutros. Por isso, percebo que alguns respeitados profissionais de saúde cuidem de todas as hipóteses de controlar a difusão da doença, mas com a app de rastreio estão a perder tempo correndo atrás de uma quimera.»

Francisco Louçã