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domingo, 2 de agosto de 2020

Sacrificar tudo para combater um vírus

Posted: 01 Aug 2020 03:46 AM PDT

«Entrego à quinta a crónica de sábado. Esta semana, não foi exceção e, de acordo com o que se sabe hoje (quinta-feira), amanhã (sexta) o INE divulgará as suas estimativas sobre a evolução do PIB no segundo trimestre do ano. É provável que o leitor saiba mais do que eu. De todo o modo, a não ser que haja uma boa surpresa, o PIB deu um tombo de todo o tamanho. Provavelmente entre os 12 e os 15%.

Já no trimestre anterior, de acordo com as estimativas do INE, o PIB tinha caído 2,3% relativamente ao primeiro trimestre de 2019. O que assusta é que toda a quebra se deveu a março. Não temos dados mensais para o PIB, mas temos outros e muitos mostram que, nos primeiros dois meses do ano, a economia funcionava bem. Por exemplo, as exportações de bens, em janeiro, tinham aumentado 4% face a janeiro do ano anterior. Em fevereiro, tinham aumentado ligeiramente. Março foi o primeiro mês de queda. Caiu 13%. Olhando para o índice de horas trabalhadas na indústria, observamos um aumento de 10% em janeiro, em fevereiro uma estagnação e, no mês seguinte, uma quebra de 4%.

O mau mês de março foi suficiente para levar a uma quebra no PIB trimestral superior a 2%. No segundo trimestre, teremos, não um mau mês, mas sim três meses péssimos. Para se ficar com uma ideia, as exportações de bens, que em março tinham caído 13%, caíram 40% em abril e maio. Fala-se muito na quebra do turismo, mas nem procurei esses dados para não me deprimir mais. Os números do PIB para o segundo trimestre, que, repito, não conheço, deverão alertar-nos para a necessidade de a economia recuperar. Caso contrário, será uma catástrofe. Mas, dada a forma como discutimos o combate à covid, parece-me que não temos essa noção.

Desde março, o nosso conhecimento evoluiu em diversos sentidos: sabemos que a doença é menos grave do que se temia, somos mais eficazes no seu tratamento e as consequências económicas do confinamento são muito mais devastadoras do que as antecipadas. Bem sei que agora todos pensam que desde o início sabiam que ia ser uma catástrofe, mas não é verdade. Quando, em meados de março, num programa de TV, eu disse que, na melhor das hipóteses, o PIB de 2020 cairia 5%, a maioria das reações que recebi era a de que estava a ser catastrofista. Quando, a 21 de março, o Expresso fez uma sondagem a 10 economistas, daqueles muito famosos, um deles previu um crescimento de 1% para este ano.

Face a nova informação, é razoável rever as nossas políticas. Se o vírus, afinal, é mais manso, se a terapêutica melhorou e se o confinamento é desastroso, a atitude racional é não reagir de forma igualmente draconiana caso haja uma nova vaga.

Infelizmente, racionalidade e histeria são incompatíveis. E, neste momento, observamos essa histeria em vários domínios. No terceiro período, que agora acabou, dez das escolas reabertas fecharam por causa de alguns casos de covid. O que é extraordinário é que bastava haver um caso que viesse de fora da escola para a encerrar. Uma que fechou sem haver nenhum caso. Simplesmente, a histeria era tanta que um surto num lar de idosos levou ao fecho da escola e das creches dessa região. E, tendo o líder do principal sindicato de professores a gritar nas ruas que os professores não serão “carne para covid”, não é de esperar que haja mais razoabilidade no próximo ano.

Na Madeira, obrigam as pessoas a andar de máscara mesmo na rua. Em Leiria, criou-se a polícia anti-covid para patrulhar o concelho, dizendo a toda a gente para usar máscara na rua. Isto em pleno Verão. Como diz o meu irmão, chegaremos ao Outono com cara de cu.

Por todo o país, os parques infantis continuam fechados. As discotecas vão fechar às 8h da noite — eu nem sabia que abriam antes disso, para ser sincero. Hospitais públicos e privados funcionam a meio gás, alguns nem isso, por causa da covid. Para garantir que os hospitais não deixam de funcionar por causa do coronavírus, impede-se que os hospitais funcionem. É um curto-circuito na lógica.

Tudo isto é desproporcional. Era bom que nos convencêssemos de que a covid não desaparecerá. Vai haver novos casos e não podemos entrar em histeria de cada vez que forem reportados. O medo do desconhecido é real, mas compreendam que a reação das democracias a uma crise económica e social como a que estamos a provocar também é desconhecida. Falar em quebras do PIB a rondar os 15% é falar do risco de, em breve, haver milhares de portugueses a passar fome. Tenham noção.

Fico com a ideia de que os fundos da União Europeia têm tido um efeito péssimo na discussão pública. Parece que a recuperação económica dependerá desses fundos. Lamento, mas não. A recuperação económica dependerá de voltarmos a trabalhar e a produzir. Tudo o resto é paliativo.»

Luís Aguiar-Conraria

Não há bancos bons

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso, 01/08/2020)

Daniel Oliveira

Em pleno boom imobiliário, o Novo Banco vendeu 5552 imóveis e 8719 frações por quase metade do preço. Mesmo sabendo que este tipo de venda se afasta sempre da avaliação inicial, o desconto de 42% é exagerado. Na altura, Helena Roseta explicou a falta que aquelas casas àquele preço fariam para políticas de habitação de um Estado que despejou milhares de milhões no BES. O dinheiro que perdeu com a liquidação total de bens quando o imobiliário estava em alta será em grande parte coberto pelo Fundo de Resolução. Ou seja, por nós. O resto, emprestou o Novo Banco a quem comprou. E assim transformou 13 mil problemas em crédito fresco. Pode? Desde que o comprador não esteja ligado à Lone Star, sim. Não está? Não sabemos. Como quem lhe comprou foi a Anchorage, uma empresa com um fundo sediado nas Ilhas Caimão, com registo no Luxemburgo e com donos por nós desconhecidos, não foi logo divulgado. O Banco de Portugal, que tem como única função confiar na banca, confiou que não. Quando o negócio se fez, um dos vice-presidentes da Lone Star era David Bartlett. Depois foi contratado para diretor da Anchorage. Em Portugal, o negócio foi executado por cinco imobiliárias com sede na loja 19 do Shopping Columbia, compradas pela filial luxemburguesa da Anchorage. Com um historial de €200 de lucro fizeram, de uma assentada, o segundo maior negócio ibérico dos últimos anos. A expressão “cheira a esturro” usa-se para coisas menos evidentes.

Nada do que nos foi contado pelo jornalista Paulo Pena é ilegal. A fuga aos impostos no Luxemburgo, anónimos a comprar 13 mil casas, o banco que empresta dinheiro ao seu comprador, o Estado que banca um desconto de 42% em tempo de boom imobiliário... tudo seria crime se fosse feito por cidadãos que têm de provar e pagar para comprar uma casa. Com eles não é. Não estou a falar dos poderosos. Isso é conversa para quem procura inimigos fáceis. Já quase não há poderosos desses. Há um poder sem limites de uma massa anónima a que chamamos finança, constituída por meia dúzia de fundos gigantescos. Foi esse poder que transformou o crime em legalidade, tecendo uma malha que torna risível qualquer regulação. Que usa a chantagem para transformar o uso decente de recursos públicos num ato revolucionário. Que estoira o dinheiro da economia e dos impostos no casino.

Ricardo Salgado foi um pilha-galinhas vindo do tempo em que a banca tinha rostos e famílias. Teve azar e foi apanhado a fazer o que se faz quando tudo corre mal. Estou a generalizar, dizendo que a banca se dedica hoje ao crime? Estou.

Não há bancos bons. E não é porque os banqueiros sejam maus. É porque permitimos que se erguessem gigantes opacos impossíveis de controlar. E sem controlo e limites qualquer um se torna monstro. Henry Ford terá dito que se as pessoas soubessem como funciona a banca haveria uma revolução.

Sabemo-lo no bolso, e a revolução não chegou. Proponho uma: assumir que o que a lei não pode controlar devem os Estados possuir. Parece excessivo? A léguas da náusea deste assalto diário. Podemos culpar Salgado, a UE, o Banco de Portugal, Carlos Costa, Centeno, Passos Coelho ou António Costa. Mas a maior ingenuidade é a de quem acredita que o BES pode não repetir-se. Ele nunca deixou de acontecer.

sábado, 1 de agosto de 2020

A corte na lama

Posted: 31 Jul 2020 03:02 AM PDT

@Pedro Vieira

«Dois anos depois, o PSD volta a abrir os braços a André Ventura (AV). Não deixa de ser curioso que dois líderes sociais-democratas, consecutivamente, sejam os maiores responsáveis pela normalização irresponsável de um projecto político pessoal absolutamente demagógico, maniqueísta, mentiroso e populista, tantas vezes racista, odioso e xenófobo. É perturbador que a única coisa que parece aproximar Passos Coelho de Rui Rio seja esta tendência conjunta para normalizar protofascistas num ápice.

No momento em que AV procura branquear o assassinato de Bruno Candé, recorrendo a mais um rol de declarações inadmissíveis, insinuações abjectas e divulgação de posts falsos, Rui Rio apela a uma eventual-fofura-futura do Chega (CH). "Se o CH evoluir para uma posição mais moderada, eu penso que as coisas se podem entender", afirma Rio à RTP3. Ficamos a saber que é possível ver Rui Rio a conversar com um rebento do PSD de Passos, o delfim que o ex-líder do PSD abraçava na campanha autárquica de Loures em 2017, desvalorizando as declarações xenófobas e racistas que proferira contra a comunidade cigana e que levaram o CDS a retirar o apoio à candidatura, abandonando a coligação.

Ao admitir uma aliança com AV, Rui Rio comete o seu maior pecado político desde que assumiu a liderança do PSD, admitindo algo que só o marialva-CDS de Francisco Rodrigues dos Santos foi capaz de afirmar como possível. PSD e CDS, juntos na insensatez. Rui Rio encheu-se de lama. São agora mais eloquentes e translúcidos à "firmeza política" de Rui Rio, proferidos por AV há um par de meses. Projectando uma aproximação no caso do CH se conseguir moderar, Rio não deixou de ouvir a resposta certa de um porco na luta: o CH só aceitará conversar com um PSD que não seja a dama de honor do PS. Foi para esta corte na lama que o PSD de Rui Rio se deixou arrastar. Se há coisa que Rui Rio devia ter aprendido com a sua liderança-minada no PSD é que só pode contar consigo. Ao contrário do que diz, uma eventual aliança não depende do CH, depende sempre do PSD. E quem se dispõe a passar um pano sobre o passado recente e sobre o presente evidente só pode estar a querer limpar a realidade com um pano encharcado nas mãos. Quando alguns continuam a criticar a Esquerda por tornar o CH visível através da denúncia permanente da sua ideologia de extrema-direita de pacotilha, o verdadeiro palco que é dado a AV continua a vir desta Direita que não entende que só uma cerca sanitária pode impedir, e já vai tarde, o crescimento de um populismo tão abjecto.»

Miguel Guedes

Rui Rio, o homem sério

por estatuadesal

(Isabel Moreira, in Expresso Diário, 31/07/2020)

Foi sempre a imagem de marca de Rui Rio. “É um homem sério “, dizia- se (e diz-se) do atual líder do PSD em tom grave, como que a sublinhar uma característica distinta que uniria todos os olhares. Quem não vota PSD sempre diz “mas é um homem sério, um homem honesto”.

Confesso que, não duvidando da seriedade e da honestidade de Rui Rio, nunca percebi a eleição destas duas características como especiais do atual líder do PSD, assim como qualquer coisa de muito bom, que o distingue e que nos deve deixar felizes.

Afinal, ser sério e honesto parece-me ser coisa de cumprir os mínimos e nunca percebi por que raio se diz tanto da seriedade de Rui Rio, como se os outros líderes partidários não merecessem a adjectivação. De António Costa a Francisco Rodrigues dos Santos, há razões para duvidar da seriedade ou da honestidade de algum ou de alguma líder partidária?

Dito isto, para além da “enorme seriedade“ de Rui Rio, o que resta da sua prestação recente para a República? Quem tanto apregoa a verticalidade do líder, basta-se com isso? Não se aflige com o seu populismo programático, devidamente delegado nos novíssimos soldados parlamentares prontos para explicarem à República que o Regime está podre e que o Parlamento precisa dessa coisa, a sociedade civil, para se purificar?

É que Rui Rio, o homem sério, detesta o Parlamento e, em pouco tempo, propôs dar cabo da comissão da transparência, instalando cidadãos “de reconhecido mérito” no Parlamento, sem ética controlada, claro, em número superior ao dos nefastos deputados, para tratarem do seu estatuto. Assim, numa penada, Rui Rio explicou que precisamos de retirar aos deputados a conquista da democracia liberal e dar a uns ilustres cidadãos o poder de definirem o estatuto de gente eleita.

Um homem sério.

Esta abertura do Parlamento à sociedade civil também aconteceria nas comissões parlamentares de inquérito, com carácter permanente, aberração que foi defendida com a eloquência do Chega: “mas afinal quem é que tem medo do povo?”.

Um homem sério.

Rui Rio detesta ser Deputado, não o esconde, e convenceu Costa da bondade de acabar com os debates quinzenais, que passarão a ser de dois em dois meses. Aqui, com o aval de Costa e com os votos dos deputados do PSD e do PS que acharam por bem fazer isto à democracia representativa (e à própria Política), conseguiu a sua vitória nesta onda anti-parlamentar.

Entretanto o homem sério veio admitir uma aproximação ao Chega, se este evoluir e tal. Não sei que evolução será necessária.

O homem sério saberá.

Afinal é o que dizem de si.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

De que se alimenta um monstro?

Posted: 30 Jul 2020 03:54 AM PDT

«É um exercício vazio escrever homenagens a alguém de quem nunca tinha ouvido falar. Não o farei. Sei apenas que um homem de 39 anos, precisamente a idade que tenho agora, morreu em circunstâncias trágicas. A alguém que tenha um princípio de alma, a notícia, tal como surgiu nos jornais, não poderá ter deixado de causar o mais profundo dos horrores. Sei que a empatia não é um dom universal – a própria ficção treina-nos, desde meninos, a tolerar a dor do outro, e este é, afinal, o mesmo mecanismo que nos permite sobreviver à nossa terrível condição mortal. Mas é difícil não nos imaginar a nós próprios naquele café de Lisboa, com três tiros no peito, olhando incrédulos para os olhos de um louco, sentindo a vida escapar-se por três estúpidos buracos. Pode até ter sido uma morte imediata, mas o último minuto de Bruno Candé deve ter tido toda a violência da eternidade. E como se a notícia não fosse suficientemente horrenda, algo me alarmou ainda mais, se possível fosse. É triste que me veja forçado a reconhecê-lo, e isto diz bem dos tempos em que vivemos. Mal vi a fotografia da vítima, intuí a polémica que inevitavelmente daqui viria, e que me impressiona tanto. Saber se houve racismo ou não. Se o assassinato foi feito por motivos raciais ou por qualquer outra razão. Se vivemos numa sociedade racista, de racismo assim-assim ou de nenhum racismo. Não me enganei.

Dei por mim, nos últimos tempos, a pensar num episódio que se passou comigo, numa daquelas situações de trânsito em que a humanidade se revela, para o bem e para o mal. Era ainda muito jovem e tinha poucos meses de carta. Alguém me impediu de fazer uma mudança de faixa, acelerando de propósito para não me deixar entrar na sua via. Barafustei com um gesto de que hoje me arrependo. No semáforo seguinte, o homem saiu disparado do seu carro na minha direcção. Fechei imediatamente a janela e tranquei a porta. Ele guinchava e raivava, batia com toda a força no vidro quase o partindo com a sua aliança, gritando os impropérios mais nojentos. Estava nitidamente descompensado. Protegido, pude observá-lo em silêncio, sem esboçar nenhuma reacção: restava-me apenas esperar que o semáforo ficasse verde, e escapulir-me dali o mais depressa que pudesse. Senti-me como um cientista que, na segurança do laboratório, examina impunemente um vírus ao microscópio. Compreendi, então, de forma definitiva, que o ódio procura de forma ávida as suas próprias causas, alimenta-se a si próprio, e quando explode tem um único escape: a violência. Se aquele homem tivesse uma arma, talvez me tivesse dado um tiro. Naquele dia, eu seria o seu gatilho.

Se houve racismo na morte de Bruno Candé? Parece-me óbvio que se possa tirar essa conclusão, se se vier a provar que o homicídio foi precedido por continuados insultos racistas e ameaças de morte, como tudo parece indicar que sim. Mas não julgo, neste momento, que responder a esta questão seja o principal. É mais importante perguntarmo-nos por que raio precisamos de fazer uma pergunta como esta, em pleno século XXI, no nosso país. Uma das razões principais é precisamente porque há quem cada vez mais esteja disposto, nestes momentos, a dizer que Portugal não é um país racista, menorizando a linguagem do ódio, reduzindo-o a um mero e inconsequente jogo de palavras.

Coloquemo-nos uma simples questão: aqueles – e são muitos – que puseram na agenda mediática, inadvertidamente ou não, a tese de que não há racismo em Portugal, ou de que este não é um país racista (nem vejo bem porque há-de ser produtiva uma tal distinção), são responsáveis pela morte deste homem? Não. Mas estes mesmos cidadãos, que votam e até formam partidos políticos com representação parlamentar, esses mesmos cidadãos que mandam calar negros e sugerem que vão para a sua terra, que propõem leis específicas para os ciganos, que fazem e não fazem, ao mesmo tempo, saudações nazis, contribuem para o discurso do ódio? A resposta, para mim, é evidente: sim, é claro que sim. E esse ódio pode vir a manifestar-se em formas de violência extrema como aquela que vimos? Sim, é óbvio que sim. Estes cidadãos tentam combater o racismo, a xenofobia, e todas as mil variações do ódio nos seus discursos, nas suas acções, nos seus silêncios? Não, não tentam. E porque não o fazem? Não será porque se alimentam desta linguagem odienta, porque precisamente a sua visibilidade cresce com ela? Pois eu receio que um dia estes meus compatriotas fiquem reféns do monstro que alimentaram, e se vejam um dia, tal como eu, protegidos apenas por um vidro.

Podem-me dizer que homens como o deputado que agora anda nas bocas do nosso pequeníssimo mundo (talvez a sua única preocupação sincera) não criou a besta, apenas lhe dá voz e visibilidade. Mas isso não o iliba; pelo contrário, responsabiliza-o. É até um fraco consolo que esta indistinta vozearia esteja agora representada no Parlamento, pois neste momento posso dirigir-me ao seu único deputado eleito, e não a uma abstracção idealizada. Falo, pois, ao seu coração, reconhecendo nele toda a humanidade que igualmente se revelava naquele homem que me ia matando, ou que talvez eu próprio tivesse matado, caso tivesse, naquele dia, aberto a porta do carro, e cedido ao voluptuoso chamamento da ira. Ouça-me dizer isto, da forma mais simples que sei: o ódio mata. Não desvalorize a força do sentimento, seja qual for o nome que dê ao monstro. Chame-lhe o que quiser: ele continuará à espera de uma pequena centelha para fazer em cinzas o mundo que queremos legar aos nossos filhos, que infelizmente já é o mundo em que os três filhos de Bruno Candé serão forçados a viver.»

Pedro Braga Falcão