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domingo, 23 de agosto de 2020

O Idílio Alentejano

por estatuadesal

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 22/08/2020)

Clara Ferreira Alves

A capital entretém um idílio rural com o Alentejo. Lembro-me de uma época em que todo o intelectual ou profissional desiludido ou cansado queria refugiar-se no Alentejo e reinventar-se por lá, na bravura daqueles estios. Foi a época dos montes e das fantasias campestres em que o alentejano deixara de ser um comunista empedernido para passar a ser um homem do campo, ou mulher do campo, serviçais nimbados da pureza das terras. Em tempos mais recentes, temos a fase do paraíso para reformados europeus endinheirados, a coutada de milionários estrangeiros e “artistas” na costa alentejana, que lhes pertence quase toda e enche as páginas e as rubricas de estilo de jornais e revistas, com fotografias em belas cores. Louboutin, o dos sapatos da sola vermelha, com a casa de Melides, ou as sofisticações de Philippe Starck. E temos a fase dos agricultores dos novos latifúndios, com as culturas de vinho e oliveira, as provas nas herdades desenhadas por arquitetos, as reportagens dos enólogos e dos estrangeiros do centro da Europa, a Europa rica, que fizeram do Alentejo aquilo que não soubemos fazer, a sua casa. Mais o turismo rural, cristalização lucrativa do idílio alentejano.

O Alentejo é tudo isto, e tudo isto deve ter contribuído para o seu “desenvolvimento humano”, visto que nas estatísticas tem uma das taxas mais elevadas do país, e um rendimento per capita anual que, andando à volta dos €19 mil, também seria dos mais elevados do país. Pouco é certo, muito para a nossa pobreza. A segurança e a baixa criminalidade fariam do Alentejo um lugar exemplar da qualidade de vida portuguesa.

Por baixo destas camadas de verniz, um Alentejo bruto e árido como a terra sobrevive, meio esquecido, habitado por desempregados, velhos, suicidas, povoado por aldeias desertas onde não se vê alma num dia de agosto. Casas brancas caiadas que faíscam ao sol de verão sem vestígios humanos. Num café à beira da estrada, derreados pelo calor, um grupo de homens bebe cerveja ao fim da manhã, matando o tédio.

Escolhi vir do Algarve pela estrada de Castro Marim a Beja, passando por Mértola. Há muito tempo que não viajava por ali. A estrada melhorou, e mesmo quando atravessa os montes em curvas e contracurvas é uma estrada ampla e segura. A paisagem está envolvida num silêncio que convida à languidez da gente. Compreende-se a profundidade do cante alentejano, a lentidão das vozes. Nem um sopro sacudia as folhas e os campos sucediam-se, todos destinados a duas culturas. Vinha e oliveira. Os olivais eram recentes, com pequenas árvores recém-plantadas que pareciam estremecer na luz. Como sempre acontece em Portugal, quando uma monocultura dá sustento, abusa-se. Foi assim com o eucalipto. As fiadas de oliveirinhas são maiores do que as de vinhas, e estendem-se durante quilómetros por todo o Baixo Alentejo. O trigo, que costumava tingir a paisagem de amarelo, ausentou-se. Em vez das espigas ondulantes, temos folhas de prata. O azeite vai sobrar para o pão alentejano, que mais parece um pedregulho do que um pão e tem um sabor de torrão.

O sobreiro ainda dá sombra, e em certas regiões onde a terra se vira em pedra, o sobreiro desenha uma solidão na aridez de ferrugem, uma árvore habituada a enfrentar a dureza que não acolhe vinhedo ou olival. O Alentejo não é verde, é amarelo, é vermelho, é metálico, é geométrico. Nada tem de sorrateiro. Aquela brutalidade esculpe os corpos e as feições. E confere à paisagem humana uma indiferença milenar, como se o mundo mudasse em torno, e ali certas coisas não mudassem nunca. A famosa teimosia alentejana, a dificuldade de perder tempo com explicações. Ou direções. Esta característica alimentou gerações de anedotas idiotas.

O viajante que passa assim pelo Alentejo, de rápido, faz a paragem para almoço gastronómico, que dantes significava perguntar aos autóctones. O Tripadvisor dá-nos as instruções em inglês e português, com comentários do Billy, do Phil, da Mary, do Ian. Alguns destes comensais gabam as gambas e o salmão, escolhas complexas na terra das migas e do porco preto.

A um domingo, a maioria dos restaurantes está fechada e os lugares gastronómicos estão reservados e à cunha. Não se vê a quem perguntar pela tasca alentejana até que um restaurante miraculoso na berma da estrada decide estender o horário da cozinha e servir dois pratos do dia. A comida é de reis, abundante e preciosa de gosto e tempero, cozinha com bons ingredientes, mas dentro da sala, na sombra do restaurante vazio com uma mesa ocupada pelos empregados que começam a almoçar, só se ouve um som. O das duas televisões ligadas na CMTV. Impossível escapar à ladainha de crimes perpetrados e por perpetrar, de mulheres e homens esfaqueados e baleados, de cônjuges desavindos, de brigas inconfessáveis e de julgamentos em salas com azulejos brancos e azuis e advogados que falam para as câmaras com a naturalidade de profissionais. A ladainha foi interrompida por uma reportagem sobre uma manifestação contra o fascismo em Lisboa, aparecida primeiro nos rodapés como contra o fascismo e depois contra o racismo. Fechada a rubrica, uma espécie de intervalo lunático, os crimes regressaram.

E avistado assim, daquela janela aberta sobre a violência, o país todo aparecia como um lugar de delito e canalhice, de traição e vilanagem. A televisão dissipava o conforto da comida, o sabor do coentro e do tomate, o javali apimentado, e espancava a sala num pasmo mudo, como se as pessoas não esperassem mais do que aquilo que era oferecido, o óleo de rícino das mortes suburbanas, das agressões passionais e da delinquência geral. Um daguerreótipo onde as personagens só têm a cor da pele, branco também é cor, e onde os maus pertencem a um tipo bem definido, o outro.

Aquela massificação da tragédia gera a indiferença, manda encaixotar a moral e reserva para o espetáculo do mundo uma espécie de desdém. O silêncio da tarde, a liberdade da paisagem, sumiram-se no horror e na normalidade sangrenta. Imagino que várias horas, dias, anos, desta dieta televisiva, engendrem o sono da razão que produz os monstros de Goya. Nesta natureza não há, de facto, pensamento. O Alentejo nutrido e fortificado, mais o da costa do que o do interior, desaparece.

Não surpreende que à entrada da cidade, num resplendor personalizado, o rosto de André Ventura tenha substituído a foice e o martelo. As pessoas que se sentem vítimas de uma injustiça especial precisam de alguém que lhes aponte um destino e um inimigo e lhes atenue a inércia. A planura alentejana tem a melancolia e a desolação dos desertos. A televisão neste belo lugar não passa de uma maldição.

Vem aí o fascismo?

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 22/08/2020)

Miguel Sousa Tavares

1 Nas férias, andei tão distraído quanto convém a quem está de férias, mas não o suficiente para deixar de ler jornais ou seguir notícias, o meu vício mais incurável. Com Lisboa a uma profiláctica distância, lá acompanhei o que de mais palpitante parecia estar a acontecer na capital, esgotada a indignação pública pela morte de umas dezenas de cães e gatos queimados num “centro de acolhimento” para animais vadios, dos vários criados por força da influência do PAN sobre a hipocrisia dos seus pares na Assembleia da República. Tomei assim conhecimento de novas e ocasionais demonstrações de vida da nossa extrema-direita anti-sistema, as fotografias daquela meia dúzia de idiotas a brincar ao Ku Klux Klan e a notícia de umas ameaças de morte enviadas por e-mail a três deputadas e ao dirigente do SOS Racismo, Mamadou Ba. Nada de grave, pensei para comigo: a extrema-direita a sério é muito mais do que isto, incomparavelmente mais — mais gente, menos folclore e mais organização, menos ameaças e mais actos. Mas parece que estava enganado. Imediatamente, todos os responsáveis do país foram chamados a pronunciar-se publicamente sobre a “onda de racismo e chauvinismo” que varria Portugal de lés a lés; editorialistas inflamados esgotaram os adjectivos em apelos lancinantes contra a marcha imparável da extrema-direita antidemocrática, contra André Ventura — identificado como o líder oculto-óbvio de toda esta onda — e contra Rui Rio, o seu cúmplice; leitores obedientes encheram os jornais de cartas a proclamarem-se prontos para o combate; movimentos de várias origens e espécies logo convocaram uma manifestação para o Largo de Camões, finda a qual se zangaram uns com os outros; e, dos seus lugares sempre misteriosos, imergiram os inevitáveis abaixo-assinados, eterno asilo intelectual dos simples de espírito e dos esquecidos do público, para garantirem a todos nós, com a credibilidade da sua assinatura, que tudo isto era uma ameaça terrível e tudo isto estava intimamente ligado: racismo, xenofobia, machismo, homofobia, populismo. E, no fim da história, o regresso do fascismo, que é aquilo que, garantem eles, nos espera ao virar da esquina.

<span class="creditofoto">ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO</span>ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

Porém, após mais de uma semana passada numa Lisboa quase deserta, magnificamente disponível não apenas para os turistas e os ciclistas, queria descansar os lisboetas que ainda estão de férias e ausentes (e suponho que o mesmo é extrapolável para o resto do país): sosseguem, não vi sinais alguns de tragédia à vista. Não vi negros discriminados, mulheres maltratadas, gays ou lésbicas olhados de viés, imigrantes mandados de volta a casa. Não vi um polícia com ar feroz em cada esquina (aliás, quase não os vi), não vi ninguém com ar de bufo, não vi seccões de tipos vestidos de blusões negros e bastões escondidos, não vi medo nos rostos de ninguém, pelo contrário: ou muito me engano, ou vi gente, portuguesa ou estrangeira, com um ar descontraído, tranquilo, feliz, sem pressa, sentados nas esplanadas, nos cafés, nos jardins, caminhando pelas ruas, namorando, conversando, rindo — apesar das máscaras, apesar da pandemia. Digo-vos, com a experiência de quem conheceu o fascismo e várias ditaduras: alguém nos mente. Alguém, sentado numa redacção de jornal ou num gabinete de estudos sociais de numa qualquer universidade, anda a vender-nos um país que não existe nas ruas mas de cuja suposta existência talvez dependa a deles. Mas isto é uma coisa séria. O fascismo, o racismo são coisas sérias. E não se brinca com coisas sérias.

É evidente que há racismo em Portugal ou entre os portugueses, como existe em todos os países ou entre todos os povos. Mas decretar, para valer como verdade inquestionável, como alguns pretendem, que Portugal é um país racista é tão estúpido e tão inútil para ajudar a resolver o problema como jurar o seu contrário. O racismo é um fenómeno muito mais complexo e individual do que a simples educação, classe social ou ideologia permitem explicar. Há gente altamente educada que é racista, assim como há vastas camadas populares racistas, e há gente de esquerda — até mesmo dos que assinam manifestos e vão a manifestações — que é racista sem o assumir ou sem o saber. E há quem não seja racista com os negros e o seja com os ciganos, os árabes ou os asiáticos, assim como há negros que são militantemente racistas com os brancos. Proclamar que toda a polícia é racista ou, como já vi dito, que, no limite, todos os brancos são racistas pelo simples facto de serem brancos são argumentos de terra queimada que apenas servem para extremar os campos e empurrar gente para os braços da extrema-direita. É o mesmo tipo de argumentação, agora tão em moda e em modo quase imperativo, dos que querem reduzir a fabulosa história das navegações portuguesas a “achamentos” do acaso, logo aproveitados para o único fim da exploração das terras descobertas através do trabalho escravo.

Este é o tipo de discurso de que a extrema-direita se alimenta e que alguns lhe servem à medida. Proclamar que quem não reconhece Portugal como um país racista é um negacionista, que quem se atreve a dizer que há problemas causados pelos ciganos dentro e fora das suas comunidades é um populista seguidor de André Ventura, que quem se opõe ao derrube das estátuas dos descobridores ou quer celebrar as datas marcantes do ciclo das Descobertas portuguesas é um defensor do esclavagismo, que quem não gosta do estilo arrogante da deputada Joacine é um chauvinista que a quer mandar para a terra dela, e por aí fora, seguindo o index do histericamente correcto estabelecido e a cada dia acrescentado, tudo isso tem como único efeito útil irritar cada vez mais gente e levar alguma dela a sentir-se tentada a procurar refúgio onde os demagogos lhe dizem que estão os “verdadeiros valores portugueses”. Vamos do 8 ao 80, do mais imbecil patrioteirismo, que nos leva a celebrar como heróis nacionais os que as redes sociais e as revistas enaltecem e o Fisco perdoa, até ao masoquismo patriótico militante, que propõe como código genético para cada português uma herança de crimes espalhados pelos cinco oceanos e ainda por expiar.

Mas vivemos hoje. E, hoje, o que há a fazer contra o racismo é simultaneamente simples e difícil: aplicar as leis que temos, que são adequadas e suficientes, sem desculpas nem hesitações, mas também sem juízos de valor pré­vios; educar, discutir e convencer; ensinar a mais-valia de um país que é ao mesmo tempo de emigração e de acolhimento, para quem a descoberta do “outro” foi sempre um motivo de avanço e nunca de temor; e resistir à tentação suicida de reduzir os adversários ao silêncio e à clandestinidade, que é justamente o que eles querem, em lugar de os expor à luz crua da sua bestialidade e do seu incurável ridículo.

E, quanto ao fascismo, recomendo uma simples passagem pelos livros de História. Até àquele marco que foi o dia 1 de Maio de 1974, quando Portugal inteiro estava na rua, assinalando o momento em que todos os portugueses, sem excepção, passaram a ser oficialmente antifascistas.

2 Umas horas a assistir à Convenção Democrata online deixaram-me profundamente acabrunhado: ou alguma coisa de inesperado acontece até lá ou Donald Trump vai ser reeleito em Novembro, sem precisar sequer de fazer batota. É inacreditável como, após quatro anos de um saltea­dor na Casa Branca, os democratas não conseguiram produzir melhor do que um candidato a Presidente incapaz de mobilizar um moribundo a quem prometesse mais 10 anos de saúde e uma candidata a vice que é mulher e negra, ponto final. A indisfarçável incapacidade demonstrada pelos sucessivos discursos dos notáveis do partido em explicar porque deveria Joe Bidden ser Presidente não deixou lugar a ilusões: já vi enterros mais entusiásticos.

3 Para adaptar o antigo, e agora abandonado, Hospital Militar de Belém a hospital de retaguarda para doentes covid, orçamentou-se uma verba de 750 mil euros, apenas para 20 camas. E por essas 20 camas passaram 60 doentes, mas a conta final acabou nos 3 milhões: 46 mil euros por doente ou 150 mil por cama! Que mais irão as nossas Forças Armadas conseguir fazer para se desprestigiar?

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

sábado, 22 de agosto de 2020

Quando nos descolonizamos?

Posted: 21 Aug 2020 04:10 AM PDT

«O 25 de abril de 1974 não pôs fim apenas a uma ditadura de 48 anos. Pôs fim a uma guerra colonial - que esteve mesmo na origem da revolta militar - e, num plano mais vasto, suspendeu séculos de identidade nacional e sistema político-económico assentes nos chamados descobrimentos, na expansão e no colonialismo.

A democracia que temos vindo a construir no último quase meio século não soube verdadeiramente lidar com esta mudança. Pode mesmo dizer-se que falhou nesse plano. Soubemos implementar as liberdades políticas e o estado de direito; soubemos, graças às lutas sindicais e das classes trabalhadoras, enfrentar as desigualdades de classe - apesar de permanecerem, transformaram-se, são reconhecidas e não são vistas como estatutos perenes como castas; soubemos, graças às lutas feministas, enfrentar o sexismo e a misoginia, promovendo a crescente igualdade de género); soubemos, inclusive, enfrentar as desigualdades com base na orientação sexual e na identidade de género. Mas não soubemos enfrentar as desigualdades assentes na etnicidade e na “raça”. Ou seja, não soubemos enfrentar o racismo.

Onde começa essa incapacidade? Desde logo na forma como confundimos a descolonização política com a descolonização das mentalidades. O passado colonial foi varrido para debaixo do tapete e o país foi reconfigurado como europeu, como tendo regressado ao seu território original. Mas a estória que contamos sobre nós próprios como história assenta ainda nos aspetos elogiados da expansão do estado português e do colonialismo como elementos centrais da identidade. Em democracia apenas passámos uma camada de verniz sobre velhas estórias. Acentuámos o “universalismo”, o “humanismo” e o “encontro de culturas”, inventámos a noção de lusofonia e a CPLP (ambas produtos portugueses e para consumo identitário português) e, no plano interno, investimos nos conceitos de “integração” e “interculturalidade”. Não revisitámos a história, não fizemos um processo de verdade e reconciliação, e não incorporámos negros e afrodescendentes (e ciganos) como verdadeiros cidadãos.

O problema é que essas camadas de verniz foram e são demasiado consentâneas com a narrativa herdade da ditadura. Normalmente resumimo-la na expressão “luso-tropicalismo”, que comporta a ideia de um colonialismo mais brando do que os outros e duma consequente ausência de racismo em Portugal, suposições ampla e definitivamente refutadas pela investigação histórica e antropológica contemporânea.

Nada mudou verdadeiramente, dos livros escolares à conversa de café. Nem sequer o tremendo esforço de construção da democracia e duma sociedade mais justa veio substituir a estória que contamos sobre nós próprios. Não parece ser disto, da liberdade e da democracia, que a maioria dos portugueses se orgulha, mas sim, e ainda, dos “descobrimentos”, da expansão e mesmo do colonialismo e seus avatares contemporâneos. Há quase 50 anos que o Estado português, e mesmo a sociedade, recusa a ideia de uma narrativa mais complexa, que inclua também o comércio de pessoas escravizadas, as campanhas de “pacificação”, o trabalho forçado imposto aos indígenas das colónias, e tantas violências físicas e simbólicas perpetradas nas colónias. Isto reforça a noção dos americanos originais e dos africanos como objetos da história e da nossa ação, e não como sujeitos.

Todo o ocidente moderno foi construído a partir da indústria do trabalho escravo massificado (e é isso que o distingue de outras formas anteriores de escravatura) e da exploração colonial. Ambas necessitaram da invenção da noção de raça (que, mesmo sendo um conceito biologicamente inválido, tem efeitos sociológicos ainda) e da sua articulação em hierarquias de mais primitivos a mais civilizados, os primeiros necessitando ou da proteção e paternalismo dos segundos ou merecendo a punição e a subjugação pela sua inferioridade. O racismo nasce aí e é, nesse sentido, um sistema ou estrutura que ainda prevalece. Em todo o Ocidente, da Europa às sociedades neo-europeias das Américas. O racismo, neste sentido, não é apenas um sentimento ou atitude, e não é simétrico e generalizado entre as “raças”. Ele é uma forma de organização social, uma estrutura, e é feito, maioritária e sistemicamente, de racismo branco e europeu para com pessoas e sociedades negras e/ou não-europeias.

Alguns países souberam fazer, ou foram obrigados a fazer, um esforço no sentido de descolonizar as suas sociedades e de combater o racismo. Portugal tem sido imensamente incompetente nisso. A perpetuação da narrativa luso-tropicalista em democracia, e as referidas camadas de verniz, estabeleceram a negação do racismo. Hoje sabemos, graças ao ativismo antirracista que conseguiu emergir e graças a boa investigação científica e jornalística, que o racismo existe inegavelmente. Ele existe, claro, nos incidentes, crimes e violências físicas e simbólicas várias. E ele existe enquanto estrutura e sistema – no apartheid da geografia urbana e habitacional, no sistema escolar e educativo, no campo judicial e prisional, na interação com as instituições e serviços, na visibilidade pública e na representatividade política.

Nacionais ou imigrantes, as pessoas negras ou afrodescendentes em Portugal são sempre suspeitas de serem estrangeiras, de não pertencerem verdadeiramente. São vistas como tendo “a sua terra” alhures, são identificadas antes de tudo o mais pela visualidade do seu fenótipo, são suspeitas de hábitos culturais não “integrados”, num processo de classificação que tem como fonte de inspiração as imagens e os valores dos “descobrimentos”, da expansão e do colonialismo. Face às situações de discriminação e violência diretas e face às desigualdades raciais estruturais, o Estado português, e com o acordo passivo da maioria da sociedade, tem resumido a sua ação a um universalismo republicano que se vangloria de ser “cego face à cor” mas que acaba beneficiando - privilegiando, portanto – a maioria branca. O Estado português não é, obviamente, legalmente racista. Mas isso de pouco serve: ele precisa de ser antirracista.

O movimento antirracista cresceu em anos recentes, sobretudo porque passou a poder contar com o pensamento, as vozes e a ação de pessoas negras ou afrodescendentes (e ciganas, especificidade que por economia não posso incluir aqui). Além da denúncia dos casos de racismo – que demasiadas vezes são arquivados ou negados como racistas – elas exigem políticas antirracistas concretas no plano estrutural e sistémico. Elas são aquilo que noutras paragens se designa como ação afirmativa, à semelhança do que fizemos com o género. Mas o Estado português não só recusou, por exemplo, a inclusão de categorias de autoidentificação étnica e racial nos Censos, de modo a sabermos quem são as populações potencialmente recipientes de políticas de ação afirmativa, como os partidos políticos que representam a sociedade não têm, na sua esmagadora maioria, programas antirracistas.

A negação do racismo sistémico e estrutural, a atualização constante da falácia luso-tropicalista, a desatenção absoluta aos factos divulgados pelos movimentos sociais e aos dados fornecidos pela investigação científica, ou o apartheid social que não permite sequer o conhecimento da realidade através das relações humanas, conduzem as elites políticas, os fazedores de opinião e as pessoas ou cargos que genericamente influenciam a sociedade, a reagirem de formas absurdas aos avanços do antirracismo e às reações violentas da extrema-direita.

Há quem estabeleça uma simetria entre antirracismo e racismo, num gesto de enorme falha ética, por vezes sugerindo que o primeiro incentiva o segundo, numa extraordinária inversão da ordem dos fatores; há quem apele a uma temperança no debate, revelando, afinal, um desejo de negação; há quem branqueie os desígnios do oportunismo cínico do Chega e de André Ventura; há quem queira aproveitar-se do sucesso destes e da sua exploração populista das mentalidades racistas e coloniais, normalizando assim a extrema-direita; há quem equivalha, em termos de “radicalismo”, a extrema-direita aos partidos da esquerda, que sempre respeitaram o contrato constitucional; há quem acuse os movimentos antirracistas de radicalismo, sem reconhecer o quão radicalmente violento é o racismo; há quem remeta o racismo para um lugar subsidiário da classe social, sem perceber o que é o privilégio branco; há quem passivamente defenda que tudo é uma questão de mentalidades, que aos poucos se transformarão, como que por artes mágicas humanistas. Todas estas reações são exemplos do que normalmente se designada por “fragilidade branca”, um desconforto insuportável sentido quando a questão do racismo é levantada e não simplesmente esquecida.

Tenho noção dos meus privilégios, dos capitais que transporto desde que nasci. Capitais que foram construídos ao longo da História como definidores de um lugar mais alto nas hierarquias sociais: como homem, nas estruturas de desigualdade de género; como burguês, nas estruturas de classe; como letrado, nas hierarquias de capital cultural; como ocidental, europeu e branco, nas estruturas racializadas construídas no processo colonial; como nacional, no sistema de Estados-nação que divide nacionais de imigrantes ou refugiados. Talvez a politização da minha identidade como gay tenha ajudado a perceber o que é passar por micro-agressões quotidianas e o que é viver numa estrutura em que a minha sexualidade, amor, conjugalidade ou parentalidade não são (não eram...) reconhecidas. Mas têm sido sobretudo autores, artistas, académicos, ativistas, políticas e políticos antirracistas quem mais me tem ensinado, junto com a minha prática da antropologia, que Portugal ainda não se descolonizou; que Portugal tem um problema de negação do racismo; que Portugal tem um problema com o crescimento duma extrema-direita que capitaliza a negação do racismo; que, no centro político, esta negação ecoa mais – infeliz e dramaticamente - do que a urgência antirracista.

Mas, também, isto: que o antirracismo é a mais recente força cidadã no esforço de democratização da sociedade portuguesa. Necessitando urgentemente de ver a suas agendas acarinhadas pelas forças políticas progressistas e democráticas e transformadas em políticas concretas: no emprego, na habitação, na educação, na justiça e segurança, no espaço público e na política.

Quando nos descolonizamos, finalmente? Quando tornamos a nossa História mais rica e complexa, mais friccional do que ficcional? Quando reconhecemos a existência duma desigualdade estrutural assente na racialização? Quando passamos do antirracismo moral para o antirracismo político com ações afirmativas?

Em suma: quando completamos o projeto democrático?»

Miguel Vale de Almeida

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

A insensatez

Posted: 20 Aug 2020 03:48 AM PDT

«Compreendo e concordo quando se diz que a melhor forma de combater a extrema-direita é dar condições de vida às pessoas. Mas já esta frase em si traz qualquer coisa que incomoda. Dar, quem dá? Uns dão, e outros são as pessoas?

Democracia plena seria uma em que todos fossemos as pessoas, e que essas frases que separam uns dos outros nunca viessem sequer à nossa cabeça. As coisas funcionam quando somos: nós. Temos um excelente exemplo disso que aconteceu agora mesmo. O famoso achatar da curva só era possível se nós fossemos um grupo, fomos. Mas estávamos todos com medo do que pudesse vir a acontecer a cada um, às nossas famílias, amigos. Por isso pergunto-me se esse “nós” conta. Num mundo ideal todos devíamos ter condições, conhecimentos, para poder governar, para participar da feitura das leis. Trabalharmos para a nossa comunidade como nas corridas de estafeta, em que um passa o testemunho ao outro. Não vai acontecer.

E haverá sempre gente de extrema-direita, haverá sempre o ódio, haverá sempre quem tenha um poster do Hitler em casa. Haverá sempre nostálgicos da ditadura. Haverá sempre nostálgicos da escravatura. O que não se pode é dar espaço a esse gente. O que não se pode é dar-lhes tempo para se organizarem, dar-lhes a oportunidade de se apresentarem com se não fossem estes que mencionei atrás. A nossa sociedade terá sempre imperfeições. Alguns de nós teremos sempre medo de alguma coisa que possa aí vir, e que venha acabar com o nosso bem estar, que venha ocupar o nosso lugar. A extrema-direita serve-se do medo para o transformar em ódio. Quando não temos um inimigo entre nós, haverá sempre quem grite que ele vem aí. Em Portugal essas pessoas ganharam força num momento em que o país estava a melhorar, em que a esperança estava a voltar. Porque são movimentos internacionais, porque o Trump abriu portas para muitas coisas impossíveis de acreditar possíveis nesta época. Porque o partido do Trump nunca quis tirar-lhe o espaço.

Não se pode dar espaço a esta gente, e em Portugal estamos a escancarar-lhes a porta.

Alguns exemplos:

Em 2011 fiz uma pesquisa grande sobre a PSP. Assisti aos primeiros testes de recrutamento para a escola da polícia, assisti a aulas, falei com estudantes da escola de polícia, falei com comandantes de várias esquadras, visitei clubes de polícias, quartos onde dormiam. Fui a manifestações da PSP em frente ao Parlamento. No meu entender esta polícia não é a mesma que conheci em 2011, passaram-se nove anos. Nove anos dá tempo para infiltrar gente com um propósito específico dentro dessa força. Quero acreditar que são ainda uma minoria, mas podem vir a ser mais, podem ter cada vez mais atitudes contra negros, contra ciganos, contra migrantes. Acontecendo isso, haverá uma reação crescente, natural e justa, contra a polícia. A extrema-direita, já com lugar institucional, vai “defender a ordem”, vai mentir, vai ganhar mais seguidores.

Não vejo tudo o que dá na televisão, só posso dar exemplos do que vi.

Conversa entre Marçal Grilo, e Nobre Guedes. Antigos ministros, um pelo PS e outro pelo CDS, em comentários à semana dos mascarados em frente à sede do SOS Racismo, e das ameaças às deputadas, e associações anti-racistas.

Marçal Grilo:

1. A extrema-direita e a extrema-esquerda precisam deste tipo de tema. Precisam disto como do pão para a boca. E depois há uns tontos que ainda não perceberam que isto é um tema dos dois, da extrema-esquerda, e da extrema-direita.

2. A extrema-direita é sempre mais agressiva do que a extrema esquerda. Penso que há aqui uma certa articulação, sobretudo com alguns movimentos alemães neo-nazis porque os alemães sabem muito disto. Têm um grande background desta coisa, sabem muito bem como é que isto se faz porque sabem muito bem como é que isto se fez.

Nobre Guedes:

1. O que está por trás disto é a dificuldade que a esquerda está a ter em lidar com o Chega.

2. O Rui Rio não tem que se meter nisto, mas já o CDS, a Iniciativa Liberal, o Chega, e quem sabe o Aliança, todos eles deviam fazer um esforço de federação para se apresentarem às autárquicas.

3. O espaço da direita tem que ser reorganizado. Estes 3 ou 4% não servem para rigorosamente nada.

Segundo Marçal Grilo há, em Portugal, grupos ligados aos neo-nazis alemães, mas nós não temos nada que ver com isso porque isso é uma coisa lá entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. É isso? E já agora a pergunta que a jornalista não fez: quem é essa extrema-esquerda? São as deputadas ameaçadas?

E Guedes diz que o que está por trás disto é a dificuldade que a esquerda está a ter em lidar com o Chega. Disto? Das ameaças?

Mas logo o seu raciocínio se torna mais explícito: O CDS está a desaparecer, e se não se juntar ao Chega, desaparece. O que o CDS e o PSD, ou pelo menos Rio estão a fazer, é pior do que os republicanos que não retiraram o apoio ao Trump, estão a dar um apoio ao Chega que o Chega nem pediu. E quanto mais apoio lhes derem, mais legitimados ficam, e menos precisarão desse apoio.

Mais um exemplo:

Poucos dias antes destes acontecimentos, ouvimos Ricciardi referindo-se a Mariana Mortágua, membro de um órgão de soberania, “essa figura o melhor que faria era reduzir-se ao silêncio”, “essa senhora devia ter vergonha, e devia era desaparecer de vez”. Consequências: zero.

Não estou a dizer que Ricciardi esteve por trás das ameaças subsequentes, mas ele para além de banqueiro é um homem do futebol, e sabe-se que há claques de futebol ligadas a grupos de extrema-direita. E por isso, quem me garante que Mortágua não está na lista das ameaçadas por causa do que ele disse? Porque é que não está Catarina Martins, por exemplo? As deputadas Beatriz Gomes Dias, e Joacine Katar Moreira são claramente ameaçadas por esses racistas pela sua cor de pele.

Quando o Presidente da República apela à calma e à sensatez, eu concordo. Sensatez é o que se pede, mas não é com tanto silêncio e passadeiras vermelhas que se é sensato.»

Teresa Villaverde

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

A fuga do rei Juan Carlos

por estatuadesal

(Red Roja, in Resistir, 05/08/2020)

O abcesso de podridão explodiu e o borbón – ao qual chamam de emérito, para maior escárnio – escapou para assegurar o saqueio acumulado durante décadas e a sua impunidade.

Mas a evidência da corrupção da monarquia permite revelar outras.

A vitória do fascismo mediante um dos massacres mais terríveis da história moderna foi também uma espoliação maciça, uma imensa acumulação de capital roubado, que garantiu a sua continuidade mediante a monarquia borbónica. Com as dezenas de milhares de assassinados que continuam enterrados nas valas – para vergonha de governos "pregressistas" de todos os níveis do Estado – pretende-se manter sepultado também o saqueio gigantesco sobre o qual se fundaram e no qual se desenvolveram os grandes capitais do Reino de Espanha.

O fecho de abóbada sobre a qual se veio assentando a pilhagem supranumerária dos cofres públicos – que se soma à exploração capitalista – é a monarquia borbónica. E o rei, muito consciente de tudo isso, vinha exigindo receber o dízimo do grande negócio.

Com todas as cumplicidades políticas, também devidamente remuneradas, o monarca constituiu-se em cúpula da rede de corrupção que permitiu amassar fortunas aos proprietários das grandes empresas. As "mordidas dos 3%" que reluziram na Catalunha são só uma pequena parte da cascata de comissões e subornos que edificaram a fortuna do borbón e, por debaixo dele, dos diferentes níveis da administração e das empresas que obtém lucros a partir de decisões políticas. As viagens oficiais carregadas de empresários, destacados políticos e altos funcionários, com o rei à cabeça, são a imagem viva da utilização do Estado ao serviço do capital.

É essa cadeia de cumplicidade e delitos, que infecta todas as estruturas do poder político e económico, que tem mantido a impunidade do rei como chefe do bando de ladrões.

Felipe VI senta-se num trono alagado de sangue e corrupção. E ocupa-o por ser o filho do rei designado pelo ditador mais criminoso que houve na história dos povos do Estado espanhol e também, herdeiro parte da mãe da sangrenta e corrupta monarquia grega colaboradora directa da ditadura fascista.

Os poderes de facto – o capital e seus aparelhos do Estado – com cumplicidade do governo "progressista", obrigaram o borbón a escapar. Tal como quando lhe exigiram a abdicação, pretendem que mude algo para que nada mude – e o "emérito" é o bode expiatório. Em 2014 o detonador foi o medo de uma mobilização popular alimentada pelas consequências da crise e à qual se fez acreditar então que "Podemos" mudar as coisas mediante as eleições.

Hoje, perante o tsunami económico e social que se está a abater sobre a classe operária, a decisão foi fulminante para tentar escorar uma monarquia cada vez mais fraca. Mas agora, para maior escárnio, o governo e os meios de comunicação do poder, tentam apresentar a fuga do ladrão pai como uma contribuição para a estabilidade do trono do filho.

A colaboração do governo PSOE-Podemos no encobrimento do ladrão fugido revela mais uma vez a sua função real de escoramento de todas as estruturas do Regime de 78 e do grande capital. E, naturalmente, sua capacidade nula para mudar uma ínfima parte do código genético franquista dos aparelhos do Estado.

Enquanto os cárceres estão cheios de presos políticos, quando ainda estão quentes decisões judiciais que tentam esmagar a liberdade de expressão para denunciar à mesma monarquia jovens adeptos do rap como Pablo Hasel ou mantém encarcerados os dirigentes políticos catalães que organizaram um referendo, algum ingénuo poderia perguntar: Os altos tribunais do Estado colocarão o borbón em [ordem de] busca e captura? Emitirá o Ministério do Interior uma ordem de detenção internacional? Apreenderão suas propriedades como garantia do pagamento das enormes quantidades roubadas precisamente por exercer a chefatura máxima do Estado? Evidentemente, não. E não se trata de procurar através das urnas outro Podemos mais poderoso.

A perseguição àqueles que reclamam liberdade continuará, os mortos continuarão nas valas e seus assassinos continuarão morrendo impunes e cobertos de medalhas, enquanto os povos do Estado espanhol não mandarem à lixeira da história todas as estruturas de poder do Regime instaurado pela Constituição de 1978.

Nestes momento em que a indignação popular põe em manifesto a debilidade relativa das estruturas de poder – a própria fuga do borbón é mostra disso – Red Roja conclama à classe operária e aos povos do Estado espanhol, assim como às organizações capazes de representar sua soberania e independência, a mobilizar-se contra a monarquia e pela ruptura com todas as instituições herdeiras da Ditadura.

Uma tarefa pendente num caminho longo

Mas acabar com a monarquia e demais instituições do Regime de 78 é uma tarefa pendente num caminho mais longo.

As crises – e a que vivemos é de grandes proporções – são momentos de oportunidade para impulsionar a tarefa histórica de uma organização revolucionária: contribuir para destruir o capitalismo e construir o socialismo. Sabemos também que esse objectivo requer conceber o caminho que conduza rumo à construção do poder do povo e da direcção política capaz de levá-lo a cabo.

Entendemos que o avanço de ambos os processos não é o resultado de declarações de vontade ou de decisões de gabinete. É possível só com as energias que a luta de classes é capaz de desencadear e com a condição de que estas não possam ser absorvidas e reconduzidas aos seus próprios fins pelo poder.

Com a finalidade de introduzir elementos de ruptura com a ordem actual nas lutas populares pelas suas necessidades vitais, Red Roja faz um apelo ao debate para a constituição de uma Frente de Salvação Popular [1] cujos pontos cumpram com o objectivo central: serem entendidos como imprescindíveis pelo povo e incapazes de serem concedidos pelo poder, ao qual não cabe senão enfrentar sem conciliação possível.

Tais elementos são:
1º Expropriação da banca privada.
2º Recusa a pagar a chamada “dívida pública”.
3º Ruptura com os ditames da UE.
4º Intervenção das grandes empresas de produção e distribuição.
5º Implementar a planificação racional e democrática da economia.