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domingo, 27 de setembro de 2020

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por estatuadesal

(Pacheco Pereira, in Público, 26/02/2020)

Tenho algumas matérias recorrentes nestes artigos, que são uma espécie de campanha. Todas têm um aspecto em comum: o combate a formas atávicas do nosso atraso como sociedade, à nossa complacência com práticas inaceitáveis numa forma “civilizada” de viver, ou decisões que nos fazem andar para trás por inércia, preguiça ou cobardia. E deixem-se de hipocrisias, toda a gente sabe o que significa “civilizada”, por oposição a bárbara, ou “andar para trás”, em contraste com andar para a frente. Não precisamos de grandes polémicas sobre a “civilização”, nem sobre o sentido da história, para aceitarmos que há atitudes culturais que fazem o mundo em que vivemos, no pequeno tempo em que cá estamos, melhor. Direitos, garantias, comportamentos, que distinguem o mundo com tortura ou sem tortura, o mundo da igualdade entre homens e mulheres, o mundo que pune a violência, o mundo que preza, respeita e defende o adquirido na cultura e na ciência, o mundo que assenta na liberdade, o mundo em que se é “mais humano”, mais próximo do “milk of human kindness”, em vez do sangue.

Verdade seja dita que Lady Macbeth detestava essa “human kindness”, que associava à fraqueza, mas numa altura em que as sociedades democráticas estão em crise, com o reservatório do ódio das redes sociais, precisamos de dar força a essa humana fraqueza e não ser complacentes com a sobrevivência diária e reiterada de manifestações de barbárie de todo o tipo, no meio do nosso silêncio. Daí, voltando ao princípio, que escreva várias vezes sobre mil coisas pequenas e grandes que são da família alargada de Lady Macbeth, mesmo que não pareçam.

Três são recorrentes nestes artigos: a violência contra os animais traduzida no espectáculo do gáudio público com a tortura dos touros; outra, o aviltamento das praxes, e uma, que não parece ser da mesma família mas que é, a degradação da língua portuguesa pela ortografia oficial do “acordês”. Em todas estas perversões ou não andamos para a frente, ou andamos para trás, e todas comunicam entre si num desprezo pela dor gratuita noutros seres, na vontade de sujeição e humilhação, de dar e de receber, por uns finórios de colher de pau na mão, e por fim na inércia na ignorância da riqueza expressiva da língua. As duas primeiras já cá não deviam estar há muito tempo, a terceira é o resultado de uma engenharia desastrosa que só sobrevive pela indiferença dos poderosos pela riqueza expressiva do português.

Hoje voltamos à praxe, esse mundo personificado por uma colher de pau que não é para cozinhar, por uma moca que é para partir cabeças e por uma tesoura que não é para esculpir os cabelos. A trilogia original era uma palmatória, uma moca e uma tesoura.

Estes tempos de pandemia voltaram a colocar de novo a questão das praxes, que só a cobardia das instituições universitárias tem permitido sobreviver, com um pé ou mesmo com os dois dentro das instalações académicas ou nas suas imediações, poluindo as ruas das cidades com as cenas vergonhosas de poder e submissão.

Apetece dizer que há coisas boas que advêm de coisas más, e que a pandemia, ao levar as autoridades académicas a proibir com diferentes graus de rigor as actividades da praxe, são disso exemplo. Mas não digo, porque é tudo mau e mesmo esta proibição, que não é mais do que uma suspensão, vai deixar quase tudo na mesma, a não ser uma geração de órfãos da praxe, dos da colher de pau e dos que levam com ela.

A pandemia se há coisa que não faz é educar, como se vê num decreto de um grupo chamado em latim macarrónico Magnum Consillium Veteranorum: “A Tradição Académica, nas suas variadas vertentes, configura-se como uma componente integrante e indissociável da frequência do Ensino Superior em Portugal, com uma forte carga histórica e simbólica, sendo responsável pelo acolhimento e integração de sucessivas gerações de estudantes universitários numa nova fase da sua vida. Não obstante a assumida vontade em perpetuar esta Tradição…”, lá veio a covid estragar a festa da colher de pau. Estou, aliás, a imaginar os lamentos dos meninos e das meninas: “Olha que pena, logo este ano em que eu entrei para a faculdade não vou poder ser seviciado(a), para depois daqui a um ano poder andar a apascentar pelas ruas da cidade uns “caloiros” a fazer imbecilidades em público”.

Poucas coisas são mais deprimentes sobre o estado da chamada “juventude” do que a aceitação ou, pior ainda, a vontade da praxe, de a praticar e de ser “praxado”. Quanto a mim, podem ir a todas as manifestações verdes e pela Amazónia, ou chorar pelo Tibete, mas, se aceitarem andar a pintar a cara, a arrastar-se pelo chão e a engolir as obscenidades duns tipos vestidos de padre, numa exibição de sadismo e de masoquismo, é porque não cresceram o suficiente para ter voto em qualquer matéria.

Historiador

sábado, 26 de setembro de 2020

Suíços votam futuro da livre circulação no país

De  Joao Duarte Ferreira  •  Últimas notícias: 25/09/2020 - 15:39

Suíços votam futuro da livre circulação no país

Direitos de autor أ ف ب

Os suíços regressam este domingo às urnas para escolherem em referendo, entre várias questões, se terminam com o acordo de livre circulação com a União Europeia.

O partido do povo suíço, formação de tendência populista, é o principal impulsionador desta questão. O partido quer acesso preferencial dos cidadãos suíços a empregos e regalias sociais.

"O Reino Unido era membro de pleno direito da União Europeia por isso trata-se de um divórcio. No nosso caso trata-se de uma amizade que será reorganizada de forma ligeiramente diferente", afirma Yves Nidegger, deputado do Partido do Povo Suíço.

A proposta dos populistas conta com a oposição da maior parte dos outros partidos, tanto à esquerda como à direita.

"Para a economia suíça é fundamental porque a União Europeia é o parceiro número um, bem à frente dos outros. Por isso precisamos desta ligação, que é muito forte. É histórica e também geográfica porque a Suíça encontra-se no coração da Europa, basta consultar um mapa para ver isto. Os nossos parceiros privilegiados são os Europeus", defende Michel Matter, deputado do Partido Verde Liberal.

Num referendo idêntico sobre a livre circulação, realizado em 2014, o sim aos limites ganhou por uma estreita margem.

As sondagens mais recentes sugerem que o apoio por esta posição teria desde então recuado.

Noite de protestos nos Estados Unidos

De  euronews  •  Últimas notícias: 25/09/2020 - 14:06

Noite de protestos nos Estados Unidos

Direitos de autor John Minchillo/Copyright 2020 The Associated Press. All rights reserved

Foi mais uma noite de protestos nos Estados Unidos contra a decisão de um grande júri de não acusar três polícias pelo homicídio de Breonna Taylor, afro-americana abatida pela polícia, sem ter cometido qualquer crime.

Só um dos polícias foi indiciado, mas por ter colocado em risco a vida dos vizinhos da vítima, por ter disparado várias vezes antes de entrar na casa da auxiliar de emergência médica de 26 anos. Alegando não saber de quem se tratava, o namorado da jovem disparou e atingiu um polícia, quando a casa foi invadida.

Pelo menos uma pessoa ficou ferida quando um carro avançou sobre os manifestantes, em Los Angeles. Passados alguns minutos, um carro voltou a avançar sobre a multidão, noutro local da cidade. Os manifestantes acabaram por apanhar o condutor, que foi detido pela polícia.

Fascismos e autopunição

Posted: 25 Sep 2020 06:55 AM PDT

«A recusa em aceitar a realidade é um ponto de partida para a mentira, uma espécie de "pole position" forçada para impedir, por todos os meios, que quem vem atrás passe para a frente, ultrapasse. Chama-se, vulgarmente, batota.

A pouco mais de um mês das eleições presidenciais norte-americanas, o cuidado que Trump coloca na tentativa de se eternizar no poder é sintomático do que fará na noite eleitoral, caso as perca. Os EUA assistem, pela primeira vez, ao contorcionismo de um presidente que não se compromete com uma transição pacífica caso seja derrotado por Joe Biden na noite de 3 de Novembro.

Caso único. É o próprio poder que, antecipadamente, acusa o seu próprio sistema de fraude eleitoral, condicionando-o a um caso de derrota conveniente. As acusações de fraude eleitoral e de ilegitimidade, até aqui privilégios dos oposicionistas em todo o Mundo perante os abusos dos poderes instalados, transferiram-se para o poder da Casa Branca.

Donald Trump, ambicioso por voltar a fazer crescer a América e liderar o Mundo, não consegue controlar uns papelinhos de voto para ganhar o álibi que lhe permita não aceitar a previsível derrota que, como as sondagens apontam, vem a caminho. Para reforçar a tese, recorre-se ao Supremo Tribunal onde, no mesmo dia em que não assegurava a transição pacífica, colocou um homem de mão para lhe garantir a eleição na secretaria.

Criar o problema e fazer do problema a solução. Uma mente tortuosa a entregar o país a um divisionismo entrincheirado de guerra civil, a silabar fascismo e a celebrar golpadas eleitorais do Terceiro Mundo ao espelho. Donald Trump, em caso de derrota, vai querer usar a violência nas ruas que agora semeia, autoriza ou menospreza.

Demasiados casos. Depois de Neto Moura nos tribunais, a realidade à distorção com Francisco Aguilar na Universidade de Lisboa ou com centenas de congressistas do Chega reunidos sem cumprir regras de saúde pública em Évora. O movimento de saída dos armários de muitos protofascistas é, como bem salientava Pacheco Pereira na "Circulatura do quadrado" na TVI, uma realidade com libido.

"Existe uma relação entre a extrema-direita e estas fantasias homoeróticas que foram importantes no nazismo. É uma obsessão fálica", salientava. E de facto, todo este enredo de castração química, propostas de pena de morte ou subtracção dos ovários a mulheres que queiram abortar, transpira muita rejeição interior e autopunição. "A obsessão pela castração é fálica. Gosto das coisas que vêm dali, mas quero cortar", acrescenta Pacheco Pereira. Está nos livros, está na vida.

Tão ou mais perigoso é que, há 30 anos, um professor continue a leccionar na Faculdade de Direito de Lisboa, defendendo temáticas como o julgamento do "socialismo de género e identitário" como se julgaram os crimes do Holocausto, versando o "ódio cristofóbico", a "suástica que flutua orgulhosa no Ocidente", tratando as mulheres por "canalhas" ou "desonestas", enquanto está a ser julgado por violência doméstica num tribunal onde declarou "morte a todos os feministas", entre outros dislates. Professor de Direito Penal. Puna-se.»

Miguel Guedes

Os direitos das crianças

Posted: 24 Sep 2020 03:46 AM PDT

«No debate sobre a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento nas escolas verificou-se uma estranha ausência: os direitos das crianças. O direito à vida, ao amor, ao ensino, à saúde, a um ambiente lúdico, à proteção contra o trabalho infantil, a um planeta com futuro. A objeção de consciência foi avançada como um direito inalienável dos pais. Como pai de um filho e uma filha adolescentes, devo dizer que me preocupam muito mais os meus deveres do que os meus direitos. Dever de respeitar os direitos dos meus filhos, que precisam ser rodeados de amor e carinho desde o nascimento, base de confiança para a vida. Dever de lhes garantir uma educação favorável ao desenvolvimento como seres humanos livres, conscientes, ativos e solidários, capazes de fazer escolhas pelas suas próprias cabeças, num ambiente estimulante e descontraído de descoberta dos outros e de si próprios.

Li afirmações extraordinárias sobre o totalitarismo do Estado e das escolas, como se as pessoas vivessem na Coreia do Norte. Está a enraizar-se a ideia que tudo são opiniões, não existe escrutínio e passa-se rapidamente ao insulto como forma de fazer valer essas opiniões, sinal da ausência de razão. Pergunto-me se alguns dos participantes desses debates leram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, se refletiram sobre direitos e deveres, ou mesmo sobre a objeção de consciência, na origem um movimento pacifista, de recusa de envolvimento em ações militares, iniciado por motivos religiosos durante o império romano e alargado a várias formas de consciência cívica e política ao longo dos séculos.

O caso mais radical de objeção de consciência que eu conheço foi narrado por Tara Westover em Uma educação, autobiografia publicada em 2018. Numa família de sete filhos, o pai, mormon radical de extrema-direita, criacionista e racista, recusara todas as instituições do Estado, incluindo escolas e hospitais, pois seriam controladas pelos “socialistas californianos” e pelos “illuminati”. Os filhos não possuíam certificado de nascimento, não eram escolarizados, nunca tomavam medicamentos ou frequentavam o hospital. Passaram a infância a trabalhar nas obras de construção do pai, sofrendo lesões sem tratamento. Viviam numa casa sem higiene, lavar as mãos não fazia parte das normas, com um irmão vítima de lesão cerebral em acidente de trabalho, nunca tratada, que batia regularmente nas irmãs mais novas para as “manter na linha”, os pais achavam bem. Quando Tara Westover, já adolescente, decidiu libertar-se daquele ambiente opressivo e foi para a escola, descobriu a vastidão da sua ignorância, não tinha o mínimo de cultura ou de conhecimento científico. Felizmente era extremamente inteligente e conseguiu fazer um percurso educativo exemplar, à custa de um enorme esforço, mas é evidente, nas últimas páginas, que o traumatismo de infância ficou enraizado.

Li um artigo em defesa da neutralidade da escola, alheia a quaisquer valores, ironia das ironias escrito por um sociólogo, António Barreto. Tal coisa é uma fábula, qualquer programa de ensino reflete os valores da sociedade onde se insere, o nível tecnológico, as ideias mais recentes sobre ciência. Mais, as crianças não são uma tábua rasa. Será melhor deixá-las expostas às perversidades do “dark web” no isolamento dos seus quartos? Li também que a cidadania é subjetiva, enquanto os conhecimentos de história e de ciência são objetivos. Não precisamos de ler o Bruno Latour para saber que os conhecimentos estão em permanente evolução, a ciência de hoje é distinta do que era há cinquenta anos e do que será dentro de cinquenta anos, já para não falarmos de história, cujo conhecimento do passado varia com os constrangimentos do presente e o ângulo de abordagem. Li de novo as linhas de orientação da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, confirmei a minha ideia inicial, o programa é extremamente moderado, deveria abordar de forma mais clara o problema do racismo, que bloqueia qualquer sociedade, manifestamente contrário ao universalismo de igrejas monoteístas e à noção básica de igualdade perante a lei. Sei que o racismo foi retirado do programa escolar do 10.º ano há uns anos, deveria ser reintroduzido, pois a norma antirracista é a pedra angular de qualquer sociedade democrática.

Vivo em Inglaterra e talvez seja útil comparar experiências educativas, pois vim para aqui quando os meus filhos tinham um e dois anos de idade, tendo passado por escolas privadas e do Estado com programas semelhantes. A educação cívica começou nos primeiros anos da escola primária com sessões sobre a violência doméstica. Ficaram a saber que é um crime os pais baterem nos filhos, que formas de abuso dentro de casa são inaceitáveis. Os professores divulgaram o número da linha de assistência às crianças. Isto deve escandalizar a tirania patriarcal arcaica, que considera que ninguém tem a ver com o que se passa dentro de casa e que o pai tem direito a tudo. Não tem, a casa pode e deve ser uma fonte de amor e de harmonia, mas infelizmente pode ser, em casos marginais, uma fonte de abuso que deixa traumatismo para a vida. Não quer isto dizer que os problemas de violência doméstica tenham sido erradicados: há três anos o meu filho chegou a casa profundamente abalado porque estivera a tentar dissuadir um colega suicidário, cujo pai batia sistematicamente na mulher e nos filhos. Nos primeiros anos da escola secundária começaram a ter lições sobre igualdade racial e igualdade de género. Nos anos seguintes, o respeito por opções sexuais alternativas foi igualmente abordado. Entretanto, ficaram a conhecer os órgãos sexuais e as funções de reprodução, tiveram informação básica sobre formas de contraceção, que não colide com opções religiosas nesta matéria, pois informação não é coação. Falaram também na escola das pessoas com problemas físicos e mentais, com direito a tratamento, consideração e apoio. Finalmente, tiveram aulas sobre os fundamentos das diversas religiões do mundo, Judaísmo, Cristianismo, Islão, Budismo, Hinduísmo, Sikhismo. Aprenderam direitos básicos e a respeitar pessoas de diferentes etnias e com diversas opções religiosas e sexuais.

Num momento em que o debate político em Portugal está envenenado pelas diatribes racistas da extrema-direita, não entendo como em lugar de se melhorar radicalmente a oferta de educação cívica se tenta diminui-la. Deve-se debater como pode ser feita da forma mais inteligente e eficaz, mas evitar o assunto não é opção. É evidente o interesse dos abusadores de direitos humanos básicos em evitar escrutínio e ação legal, mas acredito que a vasta maioria da sociedade não faz parte dessa categoria, enquanto os partidos democráticos deveriam compreender o interesse da educação cívica para reforçar os fundamentos da sociedade e estimular o desenvolvimento. Uma população sem conhecimento dos seus direitos e sem ser educada no respeito pelos outros é uma população submissa e atrasada.»

Francisco Bethencourt