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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

A vacina não é de esquerda nem de direita

por estatuadesal

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 04/12/2020)

Clara Ferreira Alves


Eram 8 milhões. Eram 16 milhões. Eram 22 milhões. Todos os dias, os números de vacinas que Portugal vai comprar para vacinar o povo português muda de figura. E mesmo uma coisa tão simples como começar por dizer, vamos vacinar toda a população que queira ser vacinada e sensibilizar para a necessidade da vacina, se esboroou com as revelações de que os idosos de mais de 75 anos estavam “excluídos”. Li isto, juro que li, e depois li que os de mais de 80 anos também, e que a razão era porque não se conheciam os efeitos da vacina nestes grupos etários. Imagine-se uma pessoa desta idade ao ler isto. Que foi “excluída”. Fica decerto com pouca vontade de votar num governo do Partido Socialista. A seguir, vários dos participantes na comissão da ministra da Saúde para a administração das vacinas, assim que saíram da sala vieram contar aos jornalistas a sua versão da reunião. Houve mesmo um indignado que parece ter oferecido a sua vacina a um “idoso”, rasgando as vestes. Se for verdade, o idiota deveria ser excluído da dita comissão. Não é um adulto.

A comissão integra gente da epidemiologia e da virologia, da ciência, da DGS e do Infarmed. E os militares, para a logística, embora os militares chegassem tarde a este campeonato, como sabemos. Estranhamente, a comissão não integra gente dos transportes, nem especialistas da rede de frio. Estranhamente, a TAP “disponibilizou-se” para o transporte de vacinas. Li isto, juro que li isto. A TAP deveria ter lugar cativo nesta comissão, porque se alguma razão haveria para a nacionalização foi o interesse nacional de transportar o maior número de vacinas nos aviões. E, para esse transporte, os aviões têm de ser adaptados para as câmaras de frio, sobretudo as de gelo seco da vacina da Pfizer. A Lufthansa já começou a adaptar os aviões em tempo real. Não se “disponibilizou”.

Os peritos ainda estão a estudar a eficácia das vacinas? Não sabemos da sua eficácia nos “idosos”, sabemos que não temos modo de aferir, agora, a eficácia nos velhos. Não são certamente os peritos portugueses que vão fazer essa certificação. A vacina nunca foi dada em larga escala a gente das idades tardias. Nunca foi dada em larga escala, ponto final. Nunca foi dada em larga escala a doentes crónicos ou com patologias graves. Outros fatores entram em linha de conta, o estado de saúde do vacinado, a sua volição, a sua necessidade putativa, a volição da família no caso de incapacidade, a opinião dos médicos, etc., etc. Arranjar um critério único para estas vacinações é, por agora, impossível. Há que usar o senso comum e a melhor informação.

O que importa reter é que a sorte do Governo está ligada a esta operação nunca tentada, e que a escala e a incerteza obrigam a um nível de profissionalismo e competência muito elevados. A experiência da vacinação da gripe e outros dislates não conduzem à segurança da população. O governo tem falhado no método e na mensagem, na operacionalização dos desafios e na execução das decisões. Uma acumulação de erros na fase duríssima que se segue retirará o PS do poder. É por isso que o primeiro-ministro terá de fazer a boa política supervisionar os técnicos, para evitar o desastre desta primeira reunião e a asinina mensagem sobre a “exclusão dos idosos”.

Em Portugal, a proximidade entre os media e o poder político pode ser uma receita para maiores desastres e sucessivas fugas de informações erradas ou distorcidas. Há que evitar anestesiar a população com rumores e manchetes sensacionalistas e falsas. Para isso, o primeiro-ministro teria a prudência de convocar os grupos de media e os seus diretores e responsáveis para uma reunião, porque os media são parte da sensibilização. E não apenas convocar para uma reunião, fazê-los participar do processo. Informação falsa ou errada pode avariar toda a logística. O problema está em que os media precisam de explorar as vulnerabilidades da operação, mas essa exploração sem responsabilização gera entropia e acaba por minar os resultados. E para isso já temos o dano suficiente das redes sociais e das suas campanhas de desinformação e perpétua indignação. Os media têm uma oportunidade para demonstrar a superioridade do bom jornalismo e da busca da verdade.

O destino de Portugal depende de tudo correr o melhor possível, e, por uma vez, não correr o pior possível. Nem decorrer da improvisação. Ora os media vivem de más notícias. É urgente conciliar o interesse nacional com a informação certa, em vez da especulação e da ignorância.

E é urgente que o primeiro-ministro e o Presidente se coíbam de comentar rumores ou intrigas, como aconteceu com os “idosos excluídos”. O fator humano é essencial, mas convém saber de que estamos a falar. Claro que um primeiro-ministro que tem uma mãe com 87 anos responde instintivamente que a idade não é critério e que os idosos não podem ser excluídos. E claro que um Presidente católico, imediatamente, responde que é uma “ideia tonta”. Precisamos de rigor nos comentários e nas bolhas noticiosas que se evaporam como bolas de sabão. A única coisa a excluir é a palavra exclusão. A vacina não está testada nos velhos, mas a morte por covid está, e sabemos que é uma agonia terrível e solitária. Há que fazer escolhas, somos adultos. Nada é ideal ou perfeito na doença e na morte. Minimizar o sofrimento é a ordem.

Tudo o que seremos nos próximos anos, política, económica, socialmente, tudo o que seremos humanamente, depende do sucesso deste plano de vacinação. No momento em que escrevo, há gente acampada à chuva e ao frio em greve da fome em frente ao Parlamento. A gente dos restaurantes, numa falência que em certos casos já é acompanhada por destituição e fome. A cidade ficará destruída sem eles. Nada, nesta crise sanitária, é normal ou parecido com outras crises. E quando a crise acabar, o nosso mundo terá mudado, nunca mais voltaremos a ter o que tivemos. A inocência perdeu-se. E só pode ser compensada pelo ganho de uma nova consciência. A de que estamos rodeados de novos perigos, e que este desafio é o primeiro de outros, porventura mais graves, gerados pela emergência climática. E que a futura geração de políticos terá de se preparar para um mundo onde nada está adquirido, nem a democracia. Muito menos a paz social. Algum heroísmo precisa-se.

E deixem de falar com as pessoas como se elas fossem crianças. A corresponsabilização do povo português não foi utilizada, e preferiu-se a teoria do abanão ou do ralho da escola primária. O PS tende para o paternalismo, que lhe advém da mania do Estado socialista omnipotente, omnisciente e omnipresente. Um pouco mais de confiança na capacidade individual precisa-se.

E não é no Twitter que se faz política a sério, ou se exibe ousadia ou coerência. Rui Rio devia saber que o que tem feito é compor uma resma de inutilidades que podem conduzi-lo ao poder, mas não garantem inteligência no país do tanto faz. A vacina não é de esquerda nem de direita. Este é o maior e mais perigoso repto desde Abril de 1974. Ou os partidos trabalham em conjunto para o vencer, ou morrerão no altar onde é sacrificada a liberdade. E sem eles morrerá 1974.

Pior do que Floyd

Posted: 04 Dec 2020 03:47 AM PST

«O assassinato de George Floyd, que espalhou indignação pelo mundo, não tem a gravidade do que se passou com Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa, em meados de março. E, no entanto, tenho de olhar para o jornal para escrever bem o seu nome. Nem uma manifestação, nem uma palavra do prolixo Presidente. Foi tal a indiferença que durante oito meses a diretora do serviço que alegadamente torturou e matou o imigrante ucraniano se manteve calada. Há 15 dias, confessou que nem lhe ocorreu pôr o seu lugar à disposição. Também não contactou a família de Ihor. Parece que foi mais um dia no escritório. Na sua cabeça, a culpa é de umas maçãs podres, não é do SEF.

O insulto já não é o silêncio. Nem é a insensibilidade perante a família de Ihor. É Cristina Gatões ainda ser diretora do SEF. A naturalidade com que vários agentes entraram, depois do espancamento, na sala onde Ihor foi torturado e o apoio que os agressores tiveram para esconder o crime indica que não se tratou de um episódio isolado. As descrições que aparecem no “Diário de Notícias” desta semana são a de um inferno. Com imigrantes isolados do mundo e sem intérpretes, o Centro de Instalação Temporária (CIT) do aeroporto seria, segundo uma testemunha, um lugar de ameaças, pancada e medo. Onde os inspetores levariam os “passageiros” para uma sala e, com uma “luva preta, para não deixar impressão digital”, sem identificação e com um cassetete, teriam “conversinhas” com quem cometeu o crime de querer vir para Portugal. Cristina Gatões não teve os primeiros sinais de alarme em março. Quando chegou ao cargo, em janeiro de 2019, já tinha ouvido a provedora de Justiça chamar ao CIT de Lisboa “terra de ninguém”, um universo mais impenetrável do que as prisões. Já conhecia o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção contra a Tortura, que comunicou inúmeras falhas, relatou suspeitas de maus-tratos e agressões e a sensação de que as pessoas tinham medo de falar. Ela própria fora inspetora no aeroporto. Por isso, Cristina Gatões é politicamente responsável por o que aconteceu a Ihor Homeniuk. Oito meses de silêncio depois, veio confirmar que o seu serviço tinha sido responsável por “uma situação de tortura evidente”. Da qual não tirou qualquer consequência. Nem a de se demitir, nem a de contactar a família da vítima, nem a de assumir o dever de a indemnizar. Nada.

A culpa é como um vírus. Se ninguém faz nada para a conter, alastra pela cumplicidade do silêncio. Cada dia que passa com a diretora do SEF no lugar é mais um dia que o ministro que a mantém assume para si a culpa. Cada dia que passa sem que o ministro nada faça é um dia em que o primeiro-ministro assume para si a culpa. Pelo que nos é descrito sobre o que se passava no CIT, é natural que aqueles inspetores se sentissem à vontade para dar largas à sua bestialidade. E é natural que só uma denúncia anónima e um médico legista tenham tornado impossível esconder um crime que até o diretor de Fronteiras de Lisboa terá tentado fazer passar por “morte natural”. Que cultura de impunidade torna tudo isto possível? A que se instala quando os políticos têm medo dos serviços que deviam dirigir: nasce um Estado dentro do Estado, onde a arbitrariedade é lei. A morte de George Floyd virou os EUA de pernas para o ar. Aqui, depois de oito meses sem que a diretora do SEF se demitisse ou fosse demitida, é o ministro que está a mais. Alguém tem de varrer o SEF de alto a baixo. Nenhum deles o fará.»

Daniel Oliveira

As lições de 2019

Posted: 03 Dec 2020 03:58 AM PST

«Na actual situação sanitária do país, e o investimento pessoal que todo Ministério da Saúde se vê obrigado a fazer, o que menos se deseja é que, relativamente à regulamentação da Lei de Bases da Saúde, e em especial do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, se repita a situação que envolveu o processo de elaboração e aprovação daquela lei. Algumas lições hão-de ter sido tirado do que aconteceu. A principal das quais foi que, apesar de todas as resistências, e até oposições, no dia 19 de Julho de 2019, alguns dos resistentes de esquerda, nomeadamente o PS, se congratularam com a legislação que tinha sido aprovada, reivindicando-a como sua. Daí não veio nem vem mal ao mundo. Importante mesmo foi que nos livrámos de um chapéu-de-chuva que só servia para cobrir os negócios que o sector privado fazia debaixo dele.

O articulado daquela lei já contém algumas disposições que dão sinais de mudança na política de saúde, principalmente no que respeita às relações com o sector privado e na valorização que é dada a aspectos centrais de qualquer política de saúde, como seja toda a actuação que cobre a actividade que não está directamente ligada ao tratamento da doença.

A situação que estamos a viver desde Março é um exemplo extremo dos défices que se foram acumulando numa área que agora se percebe que tem de ser tratada com maior exigência, a saúde pública e todos os aspectos que a ela estão associados, o principal dos quais é a prevenção da doença. Podemos mesmo afirmar que ela é a coluna vertebral das políticas de saúde, que têm a saúde positiva dos cidadãos como principal fundamento para a sua actuação, na medida em que representa a interface entre os serviços e a comunidade. Tem sido esta visão da política de saúde que tem contribuído para que, em alguns países, a esperança de vida tenha aumentado na parte que diz respeito à esperança de vida saudável.

Tudo isto está contemplado na Lei de Bases da Saúde. Não é, portanto, por ausência de pensamento sobre o que é relevante que se podem apontar dificuldades em transferir este pensamento para uma disposição legislativa que o torne operacionalizável. E é esse défice que vem aumentando de dimensão. Na década de 90, foram necessários três anos para que o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde decorrente da respectiva lei fosse aprovado. Se os tempos são outros, e são, há então, mau grado as circunstâncias, que actuar de maneira diferente. E actuar de maneira diferente significa também agir com a celeridade que o tempo político exige e que as condições de funcionamento do SNS impõem.

Neste caso, do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, estou-me a referir a que a sua organização e funcionamento deve estar mais bem adaptado ao SNS. Isto significa que não deverão ser as características e especificidades das comunidades, e até as suas idiossincrasias culturais, que hão-de adaptar-se aos serviços. Do que deve ser tratado no Estatuto é de uma nova entidade, de uma síntese entre as comunidades e quem está habilitado a contribuir para que ela seja mais saudável. Continuar a manter instalações e equipamentos de um lado e comunidades do outro é replicar um modelo que já mostrou ser bom para aumentar a esperança de vida, mas em que pouco contribui para aumentar a esperança de vida saudável.

Se entendemos que é urgente que o SNS seja dotado de um Estatuto é porque a sua elaboração exige um trabalho paciente, rigoroso e participado por muitos actores sociais. E, sobretudo, com a maleabilidade suficiente para poder ser apropriado tanto pelo Escoural como por Pitões das Júnias. Por Melgaço e Barrancos. Por Beja e Viseu.»

Cipriano Justo

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Rodrigues dos Santos vs Ljubomir: da vergonha alheia ao insulto à democracia

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 03/12/2020)

Daniel Oliveira

Antes de avançar neste texto, quero dizer três coisas: que compreendo a situação dramática que vive toda a restauração; que simpatizo com parte das suas reivindicações e considero outras impossíveis de responder pelo Estado; e que compreendo que o Governo decida não receber nove empresários, mas apenas organizações que representam o sector. Sei que está na moda a inorganicidade, excelente para todo o tipo de oportunidades e oportunismos, mas um governo não pode negociar com dez milhões de pessoas. É também por isso que a sociedade civil se organiza em associações e sindicatos. Abrir este precedente seria alimentar uma farsa.

Vários políticos, do Chega ao Bloco de Esquerda, têm aparecido nos protestos da restauração. Não acho que isso seja uma forma de aproveitamento político. Faz parte da relação que os partidos mantêm com a sociedade. Claro que é preciso saber fazê-lo. Um líder partidário com experiência política fá-lo com as devidas cautelas, tentando saber previamente como será recebida a sua presença. Para não insultar os que protestam com ela e para não ser insultado de volta. Sobretudo se leva com ele a comunicação social.

No último feriado, Francisco Rodrigues dos Santos foi visitar os empresários da restauração que estão em greve de fome em frente ao Parlamento. Para além de ter atribuído a Agustina Bessa-Luís um poema de Sophia de Mello Breyner – o risco do citador compulsivo que não é leitor compulsivo é o de tropeçar na fraude que alimenta –, o líder do CDS participou num dos momentos mais constrangedores em que alguma vez um líder partidário se viu envolvido.

De fato e gravata num feriado, com outros dirigentes do CDS e a comunicação social atrás, explicou que não estava ali como líder partidário, mas como cidadão. Uma mentira tão óbvia que só poderia correr mal. Depois, sentado com os empresários, criticou o “emplastro” (André Ventura) que se tentou colar à manifestação. A reação não foi boa: “estás a falar como um político”, disse o chef e empresário Ljubomir Stanisic, como se lançasse um insulto. Como há de falar um político? Francisco Rodrigues dos Santos não percebeu logo que aquilo só lhe podia correr mal. E continuou, como cidadão, a falar das propostas do CDS. Até que Ljubomir se dirigiu a ele nestes termos: “Se voltares a falar de um partido vou ter de te pedir para saíres. Não há partidos, querido. Estamos aqui humanamente. Acredita, por favor, respeita-nos como cidadãos. Votámos na Assembleia, é nossa. Já não conseguimos ouvir falar de partidos, é que ninguém está a apoiar-nos. Eu nem sei de que partido tu és.” A tudo isto, o líder do CDS assentiu, obedientemente, de cabeça baixa.

A primeira coisa a dizer sobre isto é óbvia: não é “emplastro” quem quer, é quem sabe. O líder do CDS achou que podia fingir que era um simples cidadão e participou numa cena humilhante. A segunda tem a ver com a primeira: um político nunca deve ter vergonha de ser político. Nunca vai a um acontecimento político como cidadão. Ser político, se o for com orgulho, não o diminui, engrandece-o. Assumir a menoridade da política é ceder.

Depois de ver o vídeo captado por um canal de televisão, fui matutando na vergonha alheia. E cresceu em mim, depois da pena, um sentimento profundo de ofensa. Pela forma como o líder de um dos partidos que fundou a democracia baixou os olhos perante alguém que o tratava condescendente por “querido” e ameaçava mandá-lo embora se ele voltasse a falar do partido que dirige. Como se liderar um partido fosse uma coisa suja. E, no entanto, ao contrário de Ljubomir, Francisco Rodrigues dos Santos foi escolhido por alguém para liderar alguma coisa.

Fui ouvir de novo aquelas frases absurdas Ljubomir Stanisic. Estava em frente a um Parlamento, onde a representação dos cidadãos se faz por via dos partidos, mas não queria ouvir falar de partidos. Quer que os políticos o ouçam, mas quer que não sejam políticos quando falam. Diz que ninguém faz nada por eles mas recusa-se a ouvir o que um líder de um partido acha que deve ser feito por eles. Quer ser reconhecido como representante de um protesto mas não quer saber que partido representa a pessoa que está à sua frente. Subitamente, e Deus saberá como isso é uma impossibilidade, senti-me no lugar daquele político trapalhão. Aquele empresário, que diz que fomos “nós” (e isto inclui-me a mim, por isso falava em meu nome) “votámos na Assembleia”, despreza de forma ostensiva aqueles que nós todos (e não apenas eles) elegemos. Mesmo não sendo deputado, Francisco Rodrigues dos Santos lidera um partido com deputados. Ljubomir pode nem querer saber quem é aquela pessoa. E, não primando pela boa educação e respeito pelos outros, pode tratá-lo como se fosse um badameco. Mas não pode fazê-lo em nosso nome, os que “votámos nesta Assembleia”. Isso eu não admito.

O problema destes movimentos inorgânicos não é valerem menos do que a ação organizada de trabalhadores, empresários ou qualquer outra coisa. É, sem qualquer forma de eleição, escrutínio ou representatividade, julgarem que valem mais. Nada disto reduz a minha solidariedade com os dramas que se vive na restauração e com algumas das suas exigências. Mas sempre que, no meio deles, aparece alguém que insulta a democracia, eu próprio me sinto insultado.

Quem quer ser ouvido, ouve. Quem quer ser respeitado, respeita. Mesmo quando tem pela frente um político que não se dá ao respeito e baixa a cabeça em vez de se levantar e sair. Políticos que acham que servem para ser sacos de pancada estão destinados a ser saco de pancada. Mas fazem mal à democracia.

Opinião – Bom senso e razoabilidade

Posted: 02 Dec 2020 03:44 AM PST

«Nunca se ultrapassar o limite do bom senso e do que é razoável”. Assim fixou António Costa a orientação para o Orçamento de Estado para 2021. Acho sinceramente que tinha toda a razão. Falemos então de bom senso e razoabilidade.

É de bom senso – não só agora, no cenário de sobre-pressão sobre o SNS, mas também depois, quando tivermos que recuperar a imensa atividade assistencial adiada – forçar um hospital a esperar meses pela contratação centralizada de uma médica ou de um enfermeiro? É razoável manter como resposta à evidente necessidade de robustecimento do SNS uma rotina de falta de ambição que se traduz em menos 1029 médicos agora que em janeiro? Não é razoável que se atribua aos hospitais autonomia para fazerem as contratações, não apenas as de emergência mas as que se revelarem necessárias para a garantia do direito à saúde de todos? É razoável contratar serviços a privados e não contratar os profissionais de saúde que fazem falta ao SNS?

É de bom senso, numa altura em que o desemprego está a crescer em flecha, admitir que empresas que têm lucros e que beneficiam de apoios públicos, possam despedir?

É de bom senso que, sabendo que cerca de metade dos desempregados não beneficiam de qualquer prestação de desemprego e que só 2% acedem ao subsídio social de desemprego, se mantenham as restrições nestes dois apoios que a austeridade e a troika impuseram? É de bom senso mantermos prestações de desemprego abaixo do limiar de pobreza? É de bom senso, nestes dias de despedimentos em massa que atiram tantos milhares de homens e mulheres para o vazio, manter as compensações por despedimento nos 12 dias por cada ano de trabalho impostos pelo governo das direitas, quando a própria Troika tinha fixado 20 dias, reduzindo os 30 que vigoravam até então? Não era razoável a crítica acérrima que o PS então fez a esta medida do governo PSD-CDS?

É razoável admitir uma nova transferência de 470 milhões de euros para o Fundo de Resolução injetar no Novo Banco sem primeiro haver uma auditoria que permita avaliar a gestão do banco? É de bom senso tomar como intocável o cumprimento do ruinoso contrato de venda se a gestão pela Lone Star se confirmar ruinosa?

É razoável e de bom senso o minimalismo do “atuar na margem”, com medidas pontuais e transitórias, voltando já a pôr no centro da política orçamental a redução do défice e, portanto, a contração do investimento público, como defendeu o Governador do Banco de Portugal na sua admonitória intervenção de doutrinamento do Governo?

Razoabilidade e bom senso, para o tempo que estamos a viver, só podem significar máxima determinação na rutura com o budget as usual. Agir na margem e manter a redução do défice como mandamento, mesmo quando os ortodoxos de Bruxelas o dispensam, é estado de negação. Ou preconceito ideológico. Ou as duas coisas.»

José Manuel Pureza