Posted: 05 Jan 2021 03:35 AM PST
Posted: 05 Jan 2021 03:35 AM PST
por estatuadesal |
(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 05/01/2021)
Os primeiros três dias de debates da campanha presidencial confirmam mais do que revelam. Há um Presidente que se recandidata e que aparece nas sondagens com cinquenta pontos percentuais de vantagem sobre alguns candidatos que fantasiam sobre uma miraculosa segunda volta; há candidaturas que acusam o Presidente cessante de ter deslustrado a sua função constitucional, ao aceitar leis do governo que apoiam; há debates vários, mas ninguém sabe como vai falar com o povo, sem ser pela televisão, o que é pouco.
Voltarei depois aos temas desta campanha minimalista, mas para já sublinho uma certeza, Ventura, cujo primeiro debate provocou fuzué. Mas não sei porquê, foi exatamente o que se podia esperar. Ele é o candidato mais previsível: limita-se a imitar Trump. Repete os mesmos tuítes (“a pior candidata de sempre”), lançava o mesmo grito nos jantares partidários (“prendam-nos”), insiste nos mesmos temas (trocando mexicanos por ciganos) e diz as mesmas frases com a mesma atitude.
Qualquer comediante pode incarnar Ventura e produzir o seu discurso, nada que enganar, o guião é público e notório. Não há, portanto, qualquer surpresa ao constatar que o que Trump fez no debate com Biden é o modelo que o candidato vai seguir, se o deixarem. Ele é um rufia orgulhoso da sua imagem e que se anuncia mandatado por um desígnio divino, o que costuma ser indicativo de alguma prosápia e de basta agressividade. Por isso mesmo, para contentar o seu eleitorado, sabe que só tem sucesso nesse campeonato se parecer desembestado. E é por isso que é apreciado por quem tem procurado este modelo de discurso, ensaiado primeiro nos debates sobre futebol e agora estendido à política.
O problema é que isto é embaraçoso para as televisões. É demasiado grotesco, dificilmente pode ser apresentado como um exemplo de pluralismo democrático. Ninguém de boa fé pode alegar que isto apresenta razões eleitorais. Serve somente para a exibição da gritaria de macho alfa. É uma encenação, sem argumentos nem sinceridade. É um pavoneamento de ambições. E não tem regresso: que alguns elogiem o truque ou sugiram o “arregaçar de mangas” nos debate, ou perguntem onde está o “instinto assassino” de outras candidaturas, já dá conta do grau de submissão a que se deixaram levar. O facto é que alguns dos juízes, aquela amálgama de jornalistas, comentadores e até apoiantes de candidaturas que classificam os participantes nos debates com implacáveis notas numéricas, parecem gostar destas exibições.
Ora, o problema é que os responsáveis das televisões estavam avisados e sabiam que os seus colegas nos Estados Unidos tinham respondido a esta vergonha de uma forma eficaz, impedindo Trump de interromper Biden no segundo debate. Preferiram não fazer o mesmo. É até de esperar que, como Ventura sabe quem não mexe uma palha para garantir debates perceptíveis pelos espectadores, se sentirá aí incentivado a multiplicar a sua violência. Outras medidas simples também seriam adequadas, além da solução norte-americana de cortar o pio ao microfone, mas a RTP não disponibilizou aos telespectadores o cronómetro de cada candidato ou candidata, nem a TVI o fez (embora neste caso o moderador tenha referido a sua existência). Por isso, parabéns a Clara de Sousa por ter escolhido mostrar os relógios na SicN, o que introduz uma norma que punirá o comportamento pistoleiro, com a vantagem de levar quem dirige o debate a impor-se para equilibrar os tempos e evitar a selva. Esse tipo de regras é indispensável para proteger a integridade do debate político na eleição presidencial e o que agora for feito moldará o futuro do debate eleitoral em Portugal. Não é coisa pequena e essa escolha está nas mãos de um par de responsáveis de televisões.
A pandemia de Covid-19 fez de 2020 um ano atípico na área do ambiente, levando a uma redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE). Mas, por outro lado, aumentou exponencialmente a produção de materiais descartáveis.
O ano deveria ser marcante em termos ambientais, com uma cimeira mundial sobre biodiversidade e outra sobre o clima. Cinco anos após o Acordo de Paris os países do mundo iriam apresentar metas mais ambiciosas para impedir o aquecimento global.
A pandemia de Covid-19, que até agora já provocou mais de 1,6 milhões de mortes, mais de 6.000 só em Portugal, fez, no entanto, adiar essas e outras iniciativas.
A humanidade comprometeu-se em 2015, no Acordo de Paris, em não deixar que o aquecimento global fosse além dos dois graus celsius (2ºC) em relação à época pré-industrial.
O surgimento da pandemia na China e a sua propagação ao mundo no primeiro trimestre do ano fez aquilo que os países ainda não tinham conseguido, reduções drásticas das emissões de GEE, decorrentes dos confinamentos e paragem das atividades económicas.
Este ano as emissões de GEE podem ter diminuído 7%, ainda que segundo a Organização Meteorológica Mundial a concentração de dióxido de carbono na atmosfera tenha continuado a aumentar.
Em abril, em confinamento, estudos indicavam que Portugal estava a emitir menos 52 mil toneladas de dióxido de carbono (CO2) por dia, com o mundo a emitir menos um milhão de toneladas diariamente.
A Agência Europeia do Ambiente (AEA), num documento divulgado em novembro passado, afirmava que as restrições para combater a propagação da doença “proporcionaram alguns impactos positivos a curto prazo no ambiente na Europa”, como redução do consumo de energia (e mais consumo de energias renováveis), melhorias temporárias na qualidade do ar e menos níveis de poluição sonora, além de uma redução “sem paralelo” de emissões (que chegaram a menos 70%), nomeadamente devido à redução da mobilidade.
Menos veículos durante o confinamento (com a abertura aumentaram os veículos a circular por medo de contágio em transportes públicos) foram sinónimo de menos emissões de poluentes, que voltaram a aumentar à medida que as restrições diminuíram, nota a Agência, salientando que ainda assim os países europeus ficaram com provas dos benefícios que podem ser conseguidos com menos poluição.
Todos os fatores juntos tiveram ainda outra consequência ambiental, mudanças de comportamento de espécies animais e vegetais, com casos de mamíferos a “invadirem” as cidades e vilas. E mesmo quando tal não aconteceu pelo menos a falta de ruído permitiu ouvir o cantar dos pássaros.
Mas as restrições também significaram menos turismo da natureza, menos voluntários e menos receitas para parques, e logo menos apoios à natureza gerida pelo homem, a lembrar que cada moeda tem duas faces.
E a outra face da pandemia de Covid-19 foi o aumento do descartável, muito dele de plástico.
A AEA nota num relatório recente que a pandemia “causou alterações significativas na produção e consumo de plásticos e nos resíduos plásticos”, com um “súbito aumento” da procura global de equipamento de proteção individual (EPI), como máscaras, luvas, batas ou desinfetante (em embalagens de plástico).
Aliado ao aumento das embalagens de utilização única para as refeições ‘take away’ também se tornou habitual o uso de copos de plástico ou papel para o café, ou o aumento dos produtos alimentares embalados em plástico de utilização única.
Esta produção e consumo de plástico teve impactos no clima, como mais poluição atmosférica, emissões de GEE e mais geração de resíduos, nota a AEA, acrescentando que as fortes quedas no preço do petróleo tornaram mais barato produzir plásticos a partir de materiais virgens, de base fóssil, do que reciclar.
Ainda em novembro, o Governo português apelava para o uso de máscaras respiratórias reutilizáveis para reduzir os custos ambientais das descartáveis, que podem representar seis toneladas de plástico a ir parar aos mares todos os meses, só a partir de Portugal.
A secretária de Estado do Ambiente, Inês Santos Costa, dizia que a nível mundial estão a ser usadas “120 mil milhões de máscaras descartáveis todos os meses” e que em Portugal esse número rondará “150 milhões” mensalmente.
“Se 1% for depositado incorretamente (fora dos contentores de lixo indiferenciado), são seis toneladas de plástico a entrar nos nossos solos, rios, ribeiros e no nosso mar todos os meses”, disse.
O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, insistiu também várias vezes ao longo do ano para o perigo das máscaras descartáveis, e tem vindo a dizer que é absurdo a utilização abusiva de material descartável, de toalhas de barbeiro a copos de café.
Avisos no mesmo sentido vieram também da Direção-Geral da Saúde e de organizações ambientalistas, com a internacional WWF a falar de “um tsunami de resíduos” a caminho dos oceanos.
E se Portugal suspendeu a importação de resíduos até final do ano por prever um aumento dos resíduos descartáveis, devido à Covid-19, foi também por causa da pandemia que adiou por seis meses a entrada em vigor da lei que proíbe a loiça de plástico descartável na restauração.
Em termos globais não há ainda números sobre a produção de resíduos em 2020, sendo que dados obtidos pela Lusa indicam que houve um aumento da recolha seletiva.
Os dados foram fornecidos à Lusa pela EGF, empresa de tratamento e valorização de resíduos que em Portugal, que com as suas 11 concessionárias, abrange a recolha seletiva de cerca de 60% da população nacional.
No primeiro semestre de 2020 houve um decréscimo de 03% na recolha indiferenciada (resultante de subidas e descidas em vários locais do país) e um aumento de 7% nos resíduos de recolha seletiva, face ao mesmo período de 2019.
Na recolha seletiva a empresa que mais subiu foi a Amarsul, que gere os resíduos da península de Setúbal, com um aumento de 36%.
Uma das conclusões, diz a EGF, é que com as famílias em casa e mais pessoas em teletrabalho “há mais resíduos produzidos em casa”.
“Sabendo nós que é em casa que as famílias mais separam embalagens para reciclar, este efeito levou a aumentos da produção de resíduos em zonas fora das maiores cidades e um aumento da reciclagem”, explica.
Posted: 04 Jan 2021 03:36 AM PST
Posted: 03 Jan 2021 04:04 AM PST
«Foi há dias, pela manhã, no café. De repente, aquilo saiu-lhe, espontâneo, em voz audível, provocando a risota geral. “Adoro vacinas! Por mim, tomava uma todos os dias ao pequeno-almoço, depois do galão quentinho!” Falava-se, evidentemente, de um dos assuntos que tem povoado a generalidade das conversas nos últimos dias: as vacinas e o novo coronavírus. Eu também, passe a expressão, adoro vacinas. E, no entanto, a excitação repentina que tomou conta do espaço público, as expectativas desmesuradas que foram criadas e a forma como tudo tem sido comunicado e experienciado deixam algumas interrogações no ar. Curiosamente, a OMS (Organização Mundial da Saúde), que ao longo destes meses não tem sido sempre eficaz na comunicação, fez ao longo destes dias alertas a que, de forma significativa, não foi dado grande eco. Nada que não se soubesse e que não tenha sido reafirmado ao longo destes meses, mas que é preciso recordar em momentos como este, quando se cria a ilusão de que temos a situação sob controlo, ou que por mais danos que façamos, a ciência ou a tecnologia serão sempre prodigiosamente reparadoras. Por exemplo, Mark Ryan, líder do programa de emergências da OMS, frisou que, apesar do impacto da actual pandemia, esta “não será necessariamente a maior”, e que o mundo vai ter de aprender a coabitar com o vírus, que poderá tornar-se endémico, apesar de vacinas que, “mesmo sendo eficazes”, não são garantia de “eliminação” do problema. Ou seja, a vacina é uma excelente notícia, e deve ser celebrada, mas deve ser circunscrita ao que é: uma ferramenta que faz diminuir o perigo numa altura de emergência. Não deve ser vista como a varinha miraculosa que erradicará todos os dilemas que a pandemia convoca e que vão além das circunstâncias actuais. O foco tem de ser ainda a prevenção, aprender com os erros, olharmos para as causas multidimensionais que nos trouxeram até aqui e para o modelo insustentável de habitar o planeta, e apostando em simultâneo num bom sistema público de saúde e em comportamentos responsáveis, seja do ponto de vista colectivo como individual. E, já agora, em vez do actual endeusamento dos cientistas, como já aconteceu antes com médicos ou enfermeiros, ter a consciência de que aquilo que permite gerir de forma satisfatória uma pandemia é a conjugação de saberes. Não se trata de retirar o enorme mérito a quem tem vindo a trabalhar nas vacinas, mas de reconhecer que ainda estamos longe do fim do processo. Como já se percebeu, haverá muita gente a recusar-se a tomá-la. E não, não se vai lá chamando-lhes incultos ou ignorantes, da mesma forma que nos tempos do vírus VIH não bastou dizer às pessoas para usarem preservativos para as cadeias de contágio serem interrompidas, para isso acontecer por artes mágicas. Não basta, digamos assim, resolver os problemas tecnicamente, como recordava há algumas semanas José Vítor Malheiros, num texto no Facebook a que deu o título de: O factor humano. Porque é disso que também se trata. É preciso saber analisar comportamentos, atitudes, hábitos ou grupos socioculturais, envolvendo ciências sociais ou humanas, para que as hipóteses criadas não fiquem pelo papel e venham a constituir uma realidade. É preciso auscultar e perceber o que se receia ou porque é que é tão difícil estabelecer relações de confiança entre diferentes pessoas, instituições ou saberes. A estratégia até agora seguida no combate à pandemia, em Portugal e na maior parte dos países da Europa, nem sempre o tem conseguido fazer. Até certo ponto, tendo em atenção as inevitáveis incertezas e contradições encontradas pelo caminho, é compreensível. É também por isso que tem existido tolerância em relação a quem decide e está no poder. Mas a par de imposições, ou estados de emergência, tem de haver informação clara e completa, e acreditar na capacidade das populações para a receberem na sua complexidade e a debaterem. É assim que as relações de confiança se constroem. Posto isto, venha de lá essa vacina e um abatanado curto, se faz favor!» |