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sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Invasores do Capitólio teriam intenção de matar alguns dos eleitos

De  Francisco Marques com AP

Pelo menos 7.000 militares já estão de guarda junto ao Capitólio
Pelo menos 7.000 militares já estão de guarda junto ao Capitólio   -   Direitos de autor  AP Photo/Andrew Harnik
TAMANHO DO TEXTOAaAa

A investigação à invasão do capitólio dos Estados Unidos, ocorrida a seis de janeiro, terá encontrado "fortes indícios" de que a intenção de certos invasores seria capturar e matar alguns dos eleitos no Congresso norte-americano.

AP Photo/Manuel Balce Ceneta, File
Palavras e ações de Jacob Chansley tero sido determinantes para a investigaçãoAP Photo/Manuel Balce Ceneta, File

A revelação surgiu no texto de um processo judicial, citado pelo Washinton Post, onde os procuradores federais escreveram haver "fortes indícios, incluindo nas respetivas palavras e ações no Capitólio de [Jacob Anthony] Chansley, a suportar uma intenção dos arruaceiros do Capitólio de capturar e assassinar eleitos no governo dos Estados Unidos".

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Chansley é o agora famoso homem que se destacou na liderança da invasão do Capitólio, em tronco nu, envergando um género de capote em pelo de coiote e chifres de búfalo, e que foi um dos detidos na sequência do sucedido.

Um procurador acusou mesmo um oficial já retirado das Força Aérea dos Estados Unidos de ter participado na invasão ao Capitólio na posse de "algemas com fecho de correr".

O reformado tenente coronel Rendall Brock Jr. teria intenção de "fazer reféns", atirou o procurador, com o advogado de defesa do acusado a alegar "especulação e conjetura" contra o seu cliente.

Mike Pence assume segurança

Perante avisos e ameaças indiretas de um novo ataque por militantes da extrema-direita estar a ser preparado contra o Capitólio a 20 de janeiro, o dia da tomada de posse de Joe Biden, o vice-presidente cessante assumiu a liderança da operação de segurança.

Com o Presidente Donald Trump afastado dos holofotes e no alvo de um segundo processo de destituição já aprovado no Congresso, Mike Pence passou revista às tropas já mobilizadas para garantir uma normal transferência da presidência e reuniu-se com a agência de investigação federal, o FBI, para se assegurar que tudo se irá passar sem problemas na quarta-feira.

A má experiência sofrida em plena casa da democracia americana num dia em que se esperava uma certificação pacífica da eleição de Joe Biden está a servir de base para os preparativos em curso para a tomada de posse.

Os nomes de Joe Biden e Kamala Harris já podem ser lidos na fachada do Capitólio, a casa do Congresso dos Estados Unidos, onde desta vez não estará, tudo o indica, o presidente cessante, mas deverão estar mais de vinte mil militares para garantir a segurança da cerimónia.

Pelo menos sete mil militares já estão de guarda junto ao Capitólio.

Outras fontes • Washington Post

Kim Jong-un exibe poder militar em Pyongyang

De  Francisco Marques com AP
Líder da Coreia do Norte satisfeito durante desfile militar
Líder da Coreia do Norte satisfeito durante desfile militar   -   Direitos de autor  Korean Central News Agency/Korea News Service via AP
TAMANHO DO TEXTOAaAa

A Coreia do Norte exibiu o que se diz ser um novo míssil balístico desenvolvido para ser disparado a partir de submarinos.

O novo projétil fez parte de um desfile militar realizado quinta-feira à noite, na praça Kim Il-Sung, em Pyongyang.

Korean Central News Agency/Korea News Service via AP
Imagens fornecidas pelo governo norte-coreanoKorean Central News Agency/Korea News Service via AP

Algumas agências de notícias internacionais estão a entender este desfile como um sinal de poder militar enviado por Kim Jong-un aos rivais geopolíticos, nomeadamente a Joe Biden, o Presidente-eleito dos Estados unidos.

O desfile fechou uma semana marcada pelo desejo de Kim Jong-un, expresso durante uma cimeira de oito dias do Partido dos Trabalhadores, de reforçar o arsenal nuclear da Coreia do Norte e de iniciar uma retoma económica da crise provocada pela Covid-19.

Aliado norte-americano na região, o Japão garante estar atento ao que se passa em Pyongyang.

Ainda estamos a analisar os detalhes, mas o Japão sempre recolheu informação sobre a Coreia do Norte incluindo, com grande atenção, o desenvolvimento de misseis e tem vindo a investigar (o que se passa).
Katsunobu Kato 
Porta-voz do Governo do Japão

O desenvolvimento de armamento nuclear pelo regime de Kim Jong-un terá sido retomado após a aparente boa relação com Donald Trump ter esfriado em 2019, no decurso das negociações de desnuclearização, o que motivou a reintrodução de sanções económicas ao regime de Pyongyang.

desfile de outubro onde foram apreentados novos mísseis balísticos

Por confirmar, entretanto, ficou a eventual exibição no desfile de quinta-feira dos alegados mísseis balísticos intercontinentais, que a Coreia do Norte já teria mostrado num outro desfile em outubro, e que terão potencial para atingir o território dos Estados Unidos. 

Uma eleição inconstitucional?

Posted: 14 Jan 2021 03:45 AM PST

 


«A primeira vez que li a notícia avançada pelo PÚBLICO, a 23 de Novembro, de que as cidadãs e os cidadãos que contraíssem covid-19 nos dez dias anteriores às eleições presidenciais seriam proibidos de votar fiquei estupefacto. Seria mesmo verdade que os preparativos para que um acto eleitoral seja seguro em pandemia incluíam proibir o exercício de um direito constitucional como é o direito ao voto? Certamente os actores políticos iriam reagir e encontrar uma solução que protegesse um direito constitucional tão fundamental. 

Parece que estava errado. A medida avançou e está em vigor. 

Em resposta a um email que enviei em finais de Dezembro à Comissão Nacional de Eleições a questionar sobre esta questão, recebi uma arrepiante confirmação: “caso fique infectado [com covid-19] e seja decretado confinamento após dia 14 de Janeiro, não poderá votar”. Por coincidência, com 22 anos, estas serão as primeiras eleições presidenciais em que irei poder participar – mas parece que há uma hipótese demasiado real de ver esse meu direito negado. É algo contraditório o constante apelo ao voto por parte de tantos políticos – especialmente o voto jovem – quando não têm problema algum em ver esse mesmo direito negado. 

Apesar da expectável onda de indignações nas redes sociais em finais de Novembro, a medida continua em vigor. Silenciosamente avança a preparação de uma medida de supressão do voto. Nas estimativas da altura do artigo deste jornal, mencionava-se que poderia afectar aproximadamente 50 mil pessoas. Na altura o número médio de casos eram cinco mil, não dez mil. Faça as contas. 

Em que país vivemos onde consideramos aceitável vedar a milhares e milhares de portugueses o direito ao voto, consagrado na Constituição? Que democracia é esta? Uma democracia fraca, possivelmente a mostrar sintomas de uma outra doença: os da apatia política. 

Lei Orgânica n.º3/2020 

Na resposta que recebi da CNE, fiquei a saber que esta medida só se tornou possível devido à aprovação em Assembleia da República da lei orgânica n.º 3/2020, que vem possibilitar o voto antecipado aos cidadãos e cidadãs que contraiam o coronavírus, mas apenas se o confinamento seja decretado até ao décimo dia antes das eleições. É também a lei que diz que se contrair o coronavírus depois de dia 14 de Janeiro, será proibido de votar. Lembre-se desta lei. Lembre-se ainda que foram os deputados e deputadas desta legislatura que consideraram a mesma razoável. 

Na minha pequena edição de bolso da Constituição da República Portuguesa, fui procurar como seria possível uma lei orgânica sobrepor-se à Constituição. Não sendo uma pessoa da área de Direito, questiono-me seriamente: como pode uma lei orgânica sobrepor-se à Constituição? Fui relembrado que o estado de emergência em que vivemos permite a suspensão de determinados direitos. Mas a medida em questão trata-se de um caso inaceitável de subversão do intuito deste (recorrente) estado de emergência. 

Lendo o ponto 6 do artigo 19.º da nossa Constituição, aprendemos que a “declaração do [...] estado de emergência é adequadamente fundamentada e contém a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso”. Estará prevista nesta declaração de estado de emergência a suspensão de direito ao voto para alguns? Admito que não a li. Se constar lá, é inadmissível. Se não estiver, não tornará esta lei orgânica inconstitucional? 

Deixo a questão para os especialistas. Mas não me venham argumentar que suspender o direito ao voto a milhares de portugueses é proporcional, razoável ou qualquer adjectivo que escolham para florear a situação. É inaceitável. 

Um cenário surreal: candidatos impedidos de votar

Serão as primeiras eleições na história do país em que um candidato ou candidata a Presidente da República poderá ser impedido ou impedida de votar nas eleições a que se candidata. Isso mesmo. Nada nos garante que nenhum dos candidatos não se encontre nessa situação. Já imaginou o surreal que seria? Afinal de contas, não há uns mais do que outros, os candidatos e candidatas têm que obedecer à mesma lei que vigora como toda a gente. 

Aproveito ainda para relembrar que tanto Marcelo Rebelo de Sousa como Ana Gomes já tiveram contactos de risco. O actual Presidente e novamente candidato tem estado esta semana em isolamento e também Ana Gomes teve de se isolar em período de pré-campanha. Mesmo num cenário de confinamento absoluto, é expectável e compreensível que outros candidatos ou candidatas possa contrair covid-19. O mesmo se aplica a pessoas a trabalhar em cada candidatura, a quem seria particularmente injusto ver o seu direito ao voto negado. Injusto e desnecessário, porque este cenário poderia ser prevenido. Com preparação. 

Outro cenário que me causa uma certa apreensão são os eleitores infectados, eventuais casos pontuais, que decidam desobedecer às ordens de confinamento. O que impede isto de acontecer? Nenhum agente de autoridade está a vigiar quem coloca o pé fora de casa em quarentena (e bem). Não será certamente a mesa de voto a verificar quem deveria estar em isolamento profiláctico e quem não. 

Portanto, como se fiscaliza esta medida? Não se fiscaliza, como de costume neste país. 

Para além de inconstitucional, a medida é ineficaz no seu objectivo. Em nada impede um eleitor absolutamente determinado a votar (e capaz de ignorar o seu papel enquanto agente de saúde pública) de sair porta fora e deslocar-se à sua mesa de voto. Se os deputados e deputadas tivessem o mínimo de respeito pelo eleitorado, teriam pensado em soluções que evitassem de modo eficaz que as pessoas com teste positivo tivessem de se deslocar para votar. O extraordinário é que a operação foi pensada: é o voto porta-a-porta. Mas talvez por motivos logísticos ou outros inimagináveis consideraram que seria razoável limitar este método de voto para quem só souber que está infectado até dia 14 de Janeiro. 

Ao leitor em casa pergunto: se ficar infectado depois de dia 14 e antes das eleições, irá de bom grado aceitar que não poderá votar? 

Eu certamente não o aceitarei de bom grado – mas cumprirei por um sentido de responsabilidade, que acredito que qualquer pessoa deve ter. Seria incapaz de colocar a vida de outros em risco. Mas fá-lo-ei profundamente revoltado por ver um direito meu negado – por falta de preparação daqueles que tinham e têm a responsabilidade de o preparar e que tiveram dez meses para o fazer. 

Sentir-me-ei roubado.» 

Mateus Carvalho 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Não fechar as escolas, não abandonar parte do futuro


por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 14/01/2021)

Daniel Oliveira

Com o encerramento das escolas as perdas na aprendizagem são profundas e duradouras, com efeitos muito diferenciados numa sociedade tão desigual como a nossa. Os alunos não têm as mesmas condições em casa e os pais não têm o mesmo capital cultural. Fechar os alunos em casa é substituir o elevador social por uma escada de incêndio. É deixar para trás a escola pública. E é tornar o teletrabalho numa tortura. Espero que o Governo compense a decisão com medidas de segurança. Para que, daqui a 15 dias, não se tenha de recuar.

O confinamento que começa amanhã é, no essencial, igual ao de março. É impossível ter sido a favor daquele e contra este. O outro só se justificava pela impreparação de tudo, sobretudo do Serviço Nacional de Saúde, e o desconhecimento sobre o vírus. Alguém que um dia se dedique a ir buscar o que então se escreveu, os pré-anúncios de colapso do SNS com incomensuravelmente menos casos do que agora, poderá verificar como o tempo varre a histeria do dia a dia. Agora a situação é grave. Não apenas aqui, como sabemos. Sobre a decisão tomada no Natal, já disse o que tinha a dizer. Só não disse do sorriso amargo que me causa ver partidos e personalidades que defenderam a abertura no Natal (e alguns até na passagem de ano) passarem para o lado oposto e apontarem o dedo admoestador. É o habitual.

A única vantagem de estarmos perante um segundo confinamento é o que aprendemos com o anterior. E uma das coisas que aprendemos é que o encerramento das escolas tem custos que perdurarão no tempo. Já me cansei de o escrever aqui e o meu colega de página, Luís Aguiar-Conraria, tem sido dos mais insistentes de todos os colunistas neste tema: as perdas na aprendizagem são profundas, demoram muito mais tempo a recuperar do que o tempo em que a escola está encerrada e, talvez o mais relevante, têm efeitos muitíssimo diferenciados entre alunos de famílias pobres e ricas. Os efeitos são determinantes numa sociedade tão desigual como a portuguesa.

Os alunos não têm as mesmas condições em casa. O mesmo espaço para estudar, a mesma ligação à Internet, computadores, quarto só para si. Nem sequer têm todos pequeno-almoço, para quem não saiba em que país vive. Mas, para o fosso que se cava, o mais importante nem é isso. É o capital cultural dos pais – dizem os estudos que o mais importante é o das mães. Uma criança ou adolescente que, estando em casa, é ajudada por pais que conseguem acompanhar o estudo, perde apenas um pouco do que o ensino presencial lhe dava. Uma criança ou adolescente que não tem isso perde quase tudo. Esta é, aliás, uma das razões porque sempre me opus aos trabalhos de casa – mas esse é outro debate ainda mais complicado. Fechar os alunos em casa é fechá-los na sua condição social. E substituir o elevador social, no pouco que a escola contribui para ele, por uma escada de incêndio.

Dirão: é só um mês e meio. Já foi um mês e meio no ano passado. Na realidade, juntando os dois confinamentos, seriam dois períodos destruídos. É muito. Para quem esteja no início da sua vida escolar, é determinante. E não vale a pena fazer comparações com países mais ricos e igualitários. O impacto não é o mesmo. A desigualdade não é a mesma. Mesmo que muitas pessoas, mas privilegiadas, teimem em ignorá-lo.

Mas fechar a escola também é fechar o maior radar para casos de violência, abuso, negligência e sofrimento extremo. Não só sobre menores, mas das suas famílias. É na escola, através do comportamento de crianças e jovens, que muitas vezes são detetados os problemas sociais e familiares graves. No anterior confinamento essas famílias ficaram isoladas do exterior. Sobre tudo isto, proponho que oiçam a entrevista que fiz, em abril do ano passado, com Ariana Cosme, doutorada em Ciências da Educação e professora na Faculdade de Psicologia do Porto, que trabalha em permanência com escolas TEIP e conhece, no terreno, as vítimas mais imediatas do primeiro confinamento.

Fechar as escolas é deixar para trás a escola pública, com menos condições do que as privadas para lidar com o ensino à distância. O efeito seria o que alguns até desejariam: a fuga para os colégios de alunos da classe média que ainda o pode fazer. Depois, lá viria o discurso que já se faz para o SNS: já que isto está tão mal, mais vale o Estado pagar aos privados para tratar do assunto. Ficando o público com as populações mais marginalizadas, em escolas de gueto. Essas, para quem o ensino à distância é uma miragem, o ensino privado nunca desejará.

Por fim, fechar as escolas é tornar o teletrabalho numa tortura. Mais uma vez, não será igual para todos. As famílias com casas maiores e vários computadores lá se safam. As outras voltam a viver um calvário que as esgota, com várias pessoas enfiadas na mesma sala, dificilmente com computadores suficientes para isso e sem tempo nem condições para estudar e trabalhar.

O resultado das escolas fechadas seria o que foi no ano passado: uma parte nada negligenciável de crianças e jovens privada de qualquer relação minimamente regular com o ensino formal. E uma boa parte dela sem qualquer apoio em casa que o compense.

Não sei se seria possível vacinar os professores na primeira fase. As vacinas são finitas e outros teriam de sair das prioridades. Não tenho dados que me permitam dizer se todos os que são considerados prioritários o são realmente. Sei que o Governo terá de reforçar a segurança dentro da escola. O que soube do que aconteceu no último desconfinamento não me pareceu animador. Mas parece que o grande problema é, antes de tudo, nas imediações das escolas, onde os jovens se juntam para conviver. A situação será, apesar de tudo, mais fácil de controlar. No meio do confinamento geral os ajuntamentos na rua são mais fáceis de impedir. Espero que o Governo compense esta decisão com medidas que não a tornem demasiado perigosa. Para que, daqui a 15 dias, não se tenha de recuar. Há vidas a proteger. Mas se nem tudo pode fechar, este é seguramente um dos casos. 

Ventura é pechisbeque político

Posted: 13 Jan 2021 03:55 AM PST



 

«O nosso Trump de bolso, André Ventura, é dado como habilidoso da política. Mas tal aura deve-se mais a basbaques que não param de lhe dar estatuto que (pelo menos ainda) não alcançou que à inexistente qualidade intrínseca da peça. 

Não tenho dúvida que o saudosismo do Estado Novo tem mercado eleitoral. Quer nas muito conservadoras elites do salazarismo, perdedoras no regime democrático, que dantes votavam no CDS. Quer (paradoxalmente) nos filhos das classes mais deserdadas do Estado Novo não apreciadoras de modernices – a falta de mundo e de escolaridade foi em todos os tempos e locais grande fonte de ilusões de superioridade nacionalista. Sucede em todas as democracias que destronaram ditaduras: há uma porção de pessoas que endeusam uma suposta era gloriosa passada. E é conhecida e estudada a propensão para o pensamento simplista, para a recusa da ambiguidade num mundo complexo, para as soluções fáceis de diabolizar um inimigo imaginário. 

No entanto também não tenho dúvidas que Ventura e o Chega são produtos políticos de qualidade duvidosa – e nem sequer só moralmente. São ambos pechisbeque político. Ventura é pouco mais que um imitador de Trump, ávido de atenção mediática como fim último da política, com tiradas cada vez mais indecorosas, e pretendendo criar uma realidade alternativa onde vivem encapsulados os seus indefetíveis. Sucede que Trump não foi excessivamente bem-sucedido – ganhou uma primeira eleição por uma conjunção de acasos infelizes e perdeu estrondosamente a segunda, com sucessão interminável de revezes e incompetências no entremeio. 

Ventura nesta campanha presidencial tem seguido o guião de Trump. No primeiro debate, com João Ferreira, interrompeu permanentemente e impediu que qualquer conversa existisse. Veio ainda reclamar que quer os votos bem contados – levantando, tal como Trump, espantalhos mentirosos sobre a fiabilidade dos resultados eleitorais. A falta de originalidade é gritante. 

Não é novo. Já há muito seguia os estratagemas trumpistas. A procura de polémicas com celebridades ou personagens do entretenimento e cultura, de forma a ganhar visibilidade. Já andou em despiques públicos com Filomena Cautela, Agir, José Castelo Branco. Tudo é uma encenação para enganar tolos com papas e bolos. Ventura até fala de si na terceira pessoa, assumindo implicitamente uma persona criada para o mercado político dos mais incautos. 

Há nisto uma vantagem para quem se lhe opõe: pode-se prever o que copiará a seguir. Além disso, Trump gerou uma quantidade avassaladora de anticorpos na sociedade americana que terminou com a derrota. Os anticorpos também se criam a cada encenação e palavra de Ventura, sempre ali ao nível do esgoto. As hostes democratas devem perceber isso e usar e agitar os ditos anticorpos. Votar contra a extrema-direita rasteira é um incentivo para muitos. 

Os temas de Ventura também vão de encontro aos fantasmas dos eleitores mais preconceituosos, em vez de falarem da realidade. Há esse perigo mortal, segundo as mulheres do Chega, que são as feministas. Nem se entende como as feministas não estão nas listas de organizações terroristas de todo o mundo. Por outro lado, o discurso securitário e punitivo é ridículo num dos países mais seguros e pacíficos do mundo – a nossa nódoa criminal é precisamente na violência doméstica. 

O RSI é uma prestação com valores irrisórios, tanto de dotação global como dos recebimentos individuais. Os poucos milhões que os ciganos recebem não valem mais que cinco minutos de atenção, sobretudo tendo em conta as grandes clientelas sanguessugas de impostos, algumas aliadas de Ventura. Mesmo os que consideram que os ciganos se excluem, ou se arrepiem com o tratamento dado às mulheres na comunidade (aqui incluo-me), terão de concordar que a forma de dar oportunidades às novas gerações é educá-las e não estigmatizar. 

Por muito que Ventura se esforce, e os trolls das redes sociais se multipliquem em insultos e contas falsas, a realidade impõe-se sempre à narrativa política fantasiosa. Não convence ninguém que vivemos numa crise de segurança pública pela inexistência de prisão perpétua (ou de cortar mãos a ladrões, inovação saudita recente de Ventura), os resultados das eleições são fraudulentos ou que pagamos muitos impostos por causa dos ciganos. Os problemas reais – os hospitais e centros de saúde, o emprego e o desemprego, transportes públicos, escolas – têm a mania irritante de se sobreporem às ameaças imaginárias. 

Ventura imita igualmente Trump na opacidade. O financiamento do Chega, em alguma parte já revelado em reportagens de Miguel Carvalho para a Visão, coloca o partido na mão de meia dúzia de empresários ricos. Não admira. Ventura passou rapidamente de antissistema para desejoso de ter tachos num eventual governo de direita. Não quer destruir nenhum sistema – quer que os seus o explorem. 

Inevitavelmente, este caldo apela a pessoas de fraca qualidade. Ou, na novilíngua de Ventura, de ‘pessoas de bem’. A mim essas ‘pessoas de bem’ do Chega costumam enviar-me mensagens com abundantes e carinhosos emojis em forma de fezes, a cada vez que critico o seu deus. Há semanas, uma encantadora senhora ‘de bem’ apoiante do Chega, certamente muito católica, desejou-me que morresse. 

Dentro do Chega, e segundo as reportagens que Pedro Coelho tem feito para a SIC, toda a gente se grava (e se denuncia mutuamente à comunicação social), os ódios são florescentes, já houve purgas e leis da rolha à boa maneira estalinista. O grande amigo de Ventura, Luc Mombito, envia mensagens insultuosas e sexualizadas a uma menor, de seguida justificando-se com o racismo que o tem como alvo – apesar de fazer parte do partido que diz não existir racismo em Portugal. 

Não fora o perigo real de abandalhamento e desgaste das instituições democráticas, até seria (em teoria, volto a ressalvar) divertido vermos tal grupo de deploráveis e impreparados num governo. Porque os produtos políticos tóxicos como o Chega (e o movimento trumpista) têm em si a génese da sua destruição. O ódio e o ressentimento que cultivam para os alvos de fora inevitavelmente contaminam o interior. Quando se cultiva ódio, o ódio espalha-se por todo o lado e vira-se contra os criadores. Vimos tal qual na permanente guerrilha dentro da Administração Trump. E a realidade alternativa que criam, para alienar eleitores, às tantas explode-lhes nas mãos. Para Ventura, como para Trump, o espalhafato mediático será uma maldição.» 

Maria João Marques