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quinta-feira, 4 de março de 2021

A propósito de impostos extraordinários


por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso, 04/03/2021)

Alexandre Abreu

Uma das principais controvérsias da semana foi a proposta da economista Susana Peralta, que conheço e admiro, de um imposto extraordinário sobre quem não perdeu rendimentos no contexto da atual crise, nomeadamente por se encontrar em teletrabalho. A ajudar à polémica esteve a qualificação deste grupo social como ‘burguesia’, expressão que, para lá de conceptualmente problemática no que se refere à relação da maioria destas pessoas com a propriedade dos meios de produção, evoca uma ideia de privilégio que seguramente não se aplica a boa parte daqueles que se encontram em teletrabalho.

Convém percebermos de onde vem a proposta para melhor a debatermos. Susana Peralta tem toda a razão quando alerta que esta crise é profundamente assimétrica nos seus impactos socioecónomicos e que tem vindo não só a expor como a aprofundar as principais fraturas da nossa sociedade. De uma forma geral, a crise tem afetado mais gravemente as pessoas com menores rendimentos, menor escolaridade e vínculos laborais mais precários, pelo que tem funcionado como um grave amplificador de desigualdades. É a isto que esta proposta pretende responder – mas nem por isso é uma boa proposta.

Refira-se, como primeira nota, que ainda antes de se pensar em ampliar a receita fiscal, que retira poder de compra da economia, é necessário reforçar mais a despesa, que acrescenta poder de compra. O Governo português tem tido uma das mais débeis respostas contracíclicas à crise entre os países europeus e é fundamental reforçar essa resposta para evitar o aprofundamento da recessão. Mesmo que se argumente que há alguma despesa que é mais difícil executar no contexto da pandemia e do confinamento, isso não é certamente verdade no que diz respeito ao reforço das transferências e apoios sociais, por onde deve começar a resposta à emergência. De qualquer forma, isto tem sido assinalado por muita gente, incluindo a própria Susana Peralta, pelo que não é aqui que residem as minhas objeções.

Mais fundamentalmente, o problema é que a proposta é uma má forma de prosseguir um objetivo meritório. Se o que queremos é apoiar quem mais tem sido penalizado e combater a desigualdade no contexto da recessão, as transferências e a fiscalidade são efetivamente as vias certas, mas a atuação não deve assentar numa divisão grosseira entre quem perdeu e quem não perdeu rendimento (sem olhar a qual seja esse rendimento) ou entre quem esteja ou não esteja em teletrabalho (pois em muitos casos estamos a falar de pessoas em teletrabalho com rendimentos baixos, vínculos precários e em risco de pobreza).

A ideia de tributar extraordinariamente quem não perdeu rendimento para financiar quem o perdeu visa promover a justiça social entre esses dois grupos, mas é potencialmente muito regressiva dentro do grupo dos que assim fossem tributados, que é um grupo extremamente heterogéneo. É uma medida não só socialmente injusta, como politicamente perigosa, virando trabalhadores contra trabalhadores e minando a base política de sustentação dos apoios sociais. Nesse sentido, e como outros já assinalaram, acaba por ter muitas semelhanças com a sobretaxa de triste memória do governo de Passos Coelho.

A alternativa? Reforçar os apoios sociais nos seus montantes e abrangência. Reforçar a progressividade do IRS, aumentando as taxas de imposto dos rendimentos muito elevados, que verdadeiramente não sofrem com a crise. Avançar finalmente com o englobamento obrigatório dos rendimentos de capital em sede de IRS, para evitar a claríssima injustiça desses rendimentos terem hoje em dia um tratamento fiscal muito mais favorável do que rendimentos do trabalho de igual montante.

E se a ideia for um imposto realmente extraordinário, a aplicar uma única vez para financiar despesas extraordinárias no combate à emergência sanitária e social, melhor será olhar para o exemplo da Argentina, que em dezembro passado lançou um imposto extraordinário de 3,5% sobre as grandes fortunas, aplicável a quem tenha um património superior a sensivelmente dois milhões de euros. Estima-se que abrangerá 12.000 milionários (menos de 1% dos contribuintes), gerando qualquer coisa como três mil milhões de euros de receitas extraordinárias, suscetíveis de financiar o reforço do sistema de saúde, apoios e pequenas e médias empresas e medidas de apoio social de emergência. Como afirmou entretanto a Oxfam, a Argentina mostra assim como a tributação progressiva dos mais ricos é a chave para uma recuperação equitativa desta crise.

No debate público, Susana Peralta tem estado sistematicamente do lado progressista, do combate pela igualdade e pela justiça social. Mesmo que esta sua proposta seja a meu ver uma má solução para um problema corretamente identificado, tem o mérito de lançar um debate importante que deverá ser prosseguido na sociedade portuguesa nos próximos tempos: como contrariar as tendências de aprofundamento da desigualdade na crise que estamos a atravessar. 

A propósito de uma entrevista de uma tal Clara à Ministra da Saúde

 

por estatuadesal

(Amadeu Homem, in Facebook, 03/03/2020)

Comecei a minha vida profissional como psicólogo do trabalho, num serviço público do Estado Novo ligado ao mundo laboral, que ao tempo se designava como Serviço Nacional do Emprego (SNE). Foi-me dada formação específica e técnica em Lisboa e exerci o meu ofício em Aveiro e em Coimbra, até ao movimento militar de 25 de Abril de 1974.

Fiz milhares de entrevistas. Nelas obedeci sempre ao modelo e aos critérios que me tinham sido ensinados no curso de formação. Talvez ainda tenha nos meus papéis antigos um "Manual da Entrevista Psicológica" ,  de imensa utilidade prática no exercício daquela que foi a minha primeira profissão.

Nesse "vademecum" recomendava-se que o entrevistador recebesse o entrevistado com circunspecta afabilidade, mas sem familiaridade. A correção e neutralidade de postura eram recomendadas como fundamental, para que se ganhasse dessa forma a serena confiança do entrevistado.

Lá também se preconizava que as perguntas fossem muito claras, sucintas e sem margem para segundas interpretações. Uma diretriz fundamental era a de que se não interrompessem as respostas do entrevistado sob nenhum pretexto. O entrevistador deveria sempre abster-se de produzir juízos valorativos ou insinuações de tipo pessoal.

A grande regra era a de se conseguir o chamado "efeito de espelho". Significava isto que a neutralidade, a contida afabilidade e a objetividade do entrevistador deveria ser de molde a neutralizar-lhe o mais possível a personalidade junto do entrevistado. Desta maneira, entrada a entrevista na sua fase crucial, o entrevistado já não veria no entrevistador uma figura interpelante, mas substituiria esta figura, no seu mais íntimo juízo, por uma espécie de espelho, no qual ele se revia e para o qual verteria a necessária informação,

Obedecendo a estas diretrizes, lembro-me de ter conseguido, da parte de muitos depoentes, testemunhos invulgares, pela sua verdade e pela sua sinceridade.

Hoje verifico que são muito poucos os que sabem entrevistar. A forma como uma figura da televisão como Clara de Sousa interpelou a ministra da Saúde foi o mais acabado exemplo DO QUE NÃO DEVE SER FEITO NUMA ENTREVISTA.

No lugar da bonomia, colocou essa Clara a agressividade. A entrevistadora assumiu-se como a primeira inimiga da entrevistada.

Não foi aquela figura neutral e inteligente, susceptível de extrair informação verdadeira da sua entrevistada. Nunca conseguiu - nem o poderia jamais alcançar - o tão determinante e fundamental "efeito de espelho".

Numa palavra, assistimos a uma incompetência profissional gritante.

Mas a Dona Clara não foi nem é um caso isolado. Os entrevistadores atuais, na sua esmagadora maioria, são o exemplo vivo da mediocridade e da incompetência.

E se a pandemia for uma lição preciosa?

Posted: 03 Mar 2021 04:15 AM PST

 


«Há um ano, a 1 de março, regressava de uma viagem com os meus filhos. Foi a última vez que andei de avião ou saí do país. No dia 7 de março organizei um jantar com amigos, sabendo bem ser o último por muito tempo.

Tinha acompanhado particularmente de perto – através do Twitter dos jornalistas estrangeiros na China, fluentes na língua e com fontes locais, bem como de alguns sinólogos – os eventos de Wuhan. Ainda mantinha a memória viva da SARS em 2003 em Hong Kong. Cancelei na altura uma viagem de trabalho àquela cidade e a Cantão. Mas, meses depois, regressei e vi ainda muita gente usando máscaras na rua e transportes públicos, a temperatura era-me medida em aviões e comboios, insistiam na higienização das mãos e das superfícies.

Por isso, quando vi a covid chegar a Itália tive a ideia clara que seria muito mau para a Europa. Não por não sermos Estados ditatoriais – Taiwan, Coreia do Sul e Nova Zelândia também não são –, mas porque nos falta, no Ocidente orgulhoso e habituado a moralizar sobre o resto do mundo, humildade. Além disso, vítimas do nosso sucesso (paz, prosperidade, segurança), não estamos habituados a crises graves. Já não sabemos lidar com fenómenos disruptivos dos hábitos que nos dão prazer e felicidade. Disse já não sabemos? Bem, a minha geração, a anterior e as seguintes nunca souberam. Vivemos sempre no mundo mais pacífico e próspero que a humanidade criou. Pelo menos na América do Norte e na Europa Ocidental. Por isso, em 2020, portámo-nos como meninos mimados.

Viu-se em tudo. Os negacionistas da covid, verdadeiramente incapazes de compreender e conceber e processar uma realidade que lhes foge ao controlo e obriga a alterações significativas da vida. Inventaram-se as maiores alucinações. As máscaras não são eficazes (mas só contra a covid, porque praticamente eliminaram o contágio de gripe e de outras doenças de transmissão respiratória). Os testes positivos são falsos (o aumento de internamentos e de mortalidade foi toda encenado, certamente). A mortalidade é negligenciável e mais insignificante que a da gripe (num ano, comparando com números anuais de gripe, morreram entre cinco a dez vezes mais pessoas por covid). Enfim, um dia a Psicologia estudará este fenómeno.

Pela minha parte, comecei, como todos, este ano de pandemia querendo regressar à normalidade. Como se o interlúdio da pandemia não tivesse acontecido. Tenho mudado de opinião ao longo dos meses. Dou um exemplo: as escolas. Durante o primeiro confinamento estava preocupada com as assimetrias geradas com a educação à distância. Neste, a minha preocupação vai no sentido de assegurar, nas escolas físicas, a existência de um espaço seguro e de acolhimento para miúdos em risco e notificados pela CPCJ, os que não têm condições em casa (falta de computador ou de ambientes suficientemente confortáveis) e os que são alimentados diariamente nas cantinas (algo assegurado pelo Governo, note-se).

O ensino de matérias é-me indiferente agora, tenho de confessar. Preocupa-me garantir que as crianças não são violadas e espancadas neste período à conta de adultos agressores saberem que professores e vigilantes não estão a ver. Os programas e as aprendizagens? Podem bem ser retomadas mais tarde. (Já maus tratos familiares perduram a vida toda.) Dois períodos com aulas deficientes, em doze anos de escolaridade, não são nenhuma sentença de morte para nenhum aluno. Ou só são numa sociedade inflexível que não consegue integrar, numa vivência maioritariamente facilitada, um período de crise.

Sim, devemos ser exigentes com o ministro da Educação e o Governo. Criticar a falta de equipamentos prometidos. Mas não vale a pena exagerar a importância na vida futura dos miúdos do conhecimento da equação matemática da fotossíntese, ou da diferença entre kolkhozes e sovkhozes (ensinava-se no meu tempo e uso aqui pela primeira vez na minha vida profissional). Basta garantir que no pós-pandemia se transmitem os ensinamentos essenciais, que os programas são encurtados e os exames dos próximos anos têm em conta as falhas ocorridas.

Depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo ocidental viveu trinta anos de crescimento económico. Não consta que os sobressaltos – muito maiores – à escolaridade dos miúdos europeus dos anos 1940 tenham redundado em pobreza e decadência.

Claro: são necessários apoios às pessoas e empresas afetadas financeiramente, por vezes de modo dramático, com esta crise. No entanto, tenho vindo a concluir que consequências boas virão desta pandemia. E não só pelos avanços médicos com a vacina para a covid – um feito de encher o coração e que terá provavelmente benefícios para outras doenças; para a esclerose múltipla já está em testes.

A Segunda Guerra Mundial levou as mulheres europeias e americanas para o mercado de trabalho e tal dinâmica nunca mais parou – mesmo com as políticas governamentais do pós-guerra informando às que asseguraram toda a produção que afinal deviam dar lugar aos soldados regressados e dedicarem-se ao papel feminino de tratar do marido e produzir filhos. Creio que se passará algo parecido com a valorização dos tais trabalhadores essenciais. Apesar de essenciais para o funcionamento das sociedades, mesmo as confinadas, são normalmente muito mal pagos. O desprezo da nossa sociedade próspera e escolarizada pelos trabalhadores de colarinho branco, aqueles cujos ordenados estão estagnados ou em diminuição comparativa há décadas, bem merece ser estilhaçado.

O mesmo digo para a miraculosa vacina. Foi uma feliz colaboração entre Estados e empresas privadas. Cada um fazendo o que melhor sabe e consegue. Os Estados com recursos para financiar a pesquisa e testes. Os privados com a agilidade para inovarem rapidamente. Não há melhor resposta aos ultraliberais que diabolizam o Estado nem aos neocomunistas que ventilam cada vez que pensam em iniciativa privada. Ambos atualmente muito numerosos.

E termino com as crianças. Em estando protegidas de maus tratos e escassez de comida, esta pandemia trouxe-lhes um ensinamento muito mais precioso que o teorema de Pitágoras. A minha geração não o teve. A perceção de que a prosperidade não nos protege de crises agudas. Que há disrupções globais obrigando a respostas concertadas por todos. Que a vida não é só o mundo risonho, otimista e esperançoso dos anos 80 e 90. Que temos de ser flexíveis e resilientes nos tempos negros.

Só os covidiotas continuarão sem aprender nada.»

quarta-feira, 3 de março de 2021

OMS avisa: Pandemia de Covid-19 vai continuar em 2022

De  Francisco Marques

Brasil já vacinou mais de 6,7 milhões de pessoas com a primeira dose
Brasil já vacinou mais de 6,7 milhões de pessoas com a primeira dose   -   Direitos de autor  AP Photo/Bruna Prado, Arquivo
TAMANHO DO TEXTOAaAa

"Seria muito prematuro e irrealistapensar-se que vamosacabar com este vírus até ao final do ano". A afirmação pertence a Michael Ryan, diretor do Programa de Emergências da Organização Mundial de Saúde e foi proferida na sessão de informação realizada pela entidade esta segunda-feira.

O que Michael Ryan considera possível -- "se formos espertos", sublinha -- é "acabar com as hospitalizações, as mortes e a tragédia associada a esta pandemia".

O diretor da OMS defende que a vacinação dos profissionais de saúde na linha da frente do combate ao SARS-CoV-2 e das pessoas mais vulneráveis a doença severa poderia "retirar o medo da pandemia", mas o recente progresso na "guerra" à Covid-19 não pode ser tido como garantia porque "neste momento continua a ser o vírus a controlar".

Temos assistido a semanas positivas nas últimas seis semanas. Temos recebido boas notícias sobre o desenrolar da vacinação, mas ainda assim assistimos esta semana à estagnação desse progresso e, potencialmente, à doença a aumentar num certo número de países.
Michael Ryan 
Diretor do Programa de Emergências da OMS

Brasil

A suportar este alerta de Michael Ryan estão por exemplo os recentes números revelados no Brasil, o terceiro país mais atingido pelo SARS-CoV-2 em todo o mundo.

De acordo com o Ministério da Saúde brasileiro, após o registo de mais 778 óbitos em 24 horas, o país ultrapassou a fasquia das 255 mil mortes com Covid-19, havendo ainda mais 35.742 infeções diagnosticadas, com o sistema de saúde nacional a enfrentar um iminente colapso, nomeadamente em São Paulo.

O governador paulista, João Dória, em entrevista ao canal digital "My News", perspetivou as próximas duas semanas como "mais duras e graves da pandemia desde 26 de fevereiro do ano passado."

(As próximas duas semanas) serão as semanas mais trágicas e mais difíceis para todos os estados brasileiros.
João Dória 
Governador do estado de São Paulo, Brasil

O que sabemos da variante brasileira B1128/P1?


A estirpe brasileira que tem vindo a provocar receios na Europa e levou mesmo o Reino Unido a bloquear as viagens que pudessem facilitar a importação do vírus, nomeadamente de Portugal, foi batizada como B1128 e é também conhecida como P1.

Foi detetada pela primeira vez no Japão, em portadores que tinham viajado de Manaus, no Brasil, que viria a ser definido como ponto de origem e onde houve um elevado pico de contágios no final do ano passado.

Foi considerada uma "variante de preocupação" devido à alta taxa de propagação. Apresenta mutações nos genes que codificam a coroa de espinhos que dá nome à família dos coronavírus e que permite a invasão das células saudáveis. A mutação E484K, também presente na variante da África do Sul (501Y.V2) parece dificultar a aço de anticorpos e pode afetar a eficácia das vacinas. A N501Y parece agravar o risco de transmissibilidade.

Alguns estudos revelam que quem é infetado pela B1128 apresenta uma carga viral 10 vezes superior à estirpe original, o que aumenta o perigo de contágio.

Reino Unido

Apesar do recente agravamento em diversos países do mundo, o Reino Unido reforçou por outro lado o otimismo ao registar uma acentuada redução dos registos de mortes e novas infeções no espaço de uma semana, apesar do receio em torno das variantes do SARS-CoV-2 a circular, nomeadamente a brasileira B1128, recentemente detetada em Inglaterra.

O Reino Unido anunciou esta segunda-feira mais 104 óbitos (o registo diário mais baixo desde outubro) e 5.455 novas infeções em todo o território, o que representa, sublinha a BBC, um declínio de quase 50% quando comparado com os 10.641 casos registados uma semana antes.

Há também novos dados encorajadores no processo de vacinação em curso pelo Reino Unido, um exemplo de sucesso sempre que é comparado com a lentidão criticada na União Europeia.

"Uma só dose, tanto da vacina Oxford/AstraZeneca como da Pfizer/BioNTech, é eficaz contra infeções graves entre os doentes de mais de 70 anos, com mais de 80% de redução das hospitalizações", afirmou esta segunda-feira Matt Hancock, o ministro da Saúde do Reino Unido.

Estes dados do Serviço Público de Saúde do Reino Unido podem vir ajudar a combater o ceticismo, sobretudo em torno da vacina Oxford/AstraZeneca, vista por muitos como pouco eficaz após ter sido recomendada de início, em alguns países, apenas a menores de 65 anos.

França

Um dos países a ter limitado o uso da vacina britânica a menores de 65 anos foi a França, mas a decisão foi entretanto revertida e isso foi confirmado pelo ministro da Saúde Olivier Véran em entrevista à televisão France2.

Todas as pessoas com 50 anos ou mais, e que sofrem de comorbidades como a diabetes, pressão alta ou cancro, podem ser vacinadas com a Oxford/AstraZeneca sem qualquer limite de idade.
Olivier Véran 
Ministro da Saúde de França

O ministro gaulês, muito criticado pela lentidão do processo de vacinação em França, abriu assim a porta ao uso da vacina britânica a "pessoas de 50 anos ou mais, incluindo os de 65 a 74 anos", que podem vir a ser inoculados "no respetivo médico, no hospital onde são seguidas se tiverem doenças crónicas e em breve nas farmácias."

O primeiro-ministro Jean Castex também saudou as "novas recomendações da alta autoridade de saúde" que vão "permitir acelerar a campanha de vacinação e alargar o acesso a vacinas, nomeadamente entre as pessoas da faixa etária dos 65 aos 75 anos".

Entretanto, há mais uma vacina prestes a ser certificada na União Europeia, revelou a ministra da indústria de França, Agnes Pannier-Runacher, em entrevista também esta segunda-feira, mas à France3.

A proposta da Johnson & Johnson, de dose única, foi já validada pela agência do medicamento dos Estados Unidos (FDA) e a homóloga europeia, a EMA, está a avaliar os dados entretanto partilhados, podendo certifica-la já nos próximos dias como a quarta vacina validada para uso nos países da UE.

O bloco europeu espera receber cerca de 600 milhões de doses da vacina da Johnson até final de junho e conta poder começar a usa-la no final deste mês ou, mais tardar, no início de abril.

De acordo com Agnes Pannier-Runachier, a França abriu esta semana com cerca de 1,5 milhões de pessoas vacinadas e conta chegar a junho com a totalidade dos 15 milhões de cidadãos em grupos vulneráveis já vacinados contra a Covid-19, admitindo no entanto que esse objetivo depende de uma forte aceleração do processo de vacinação no país.

A vacina da Johnson & Johnson realizou testes de grande escala em diversas partes do mundo e revelou uma eficácia de 85,9% nos Estados Unidos, de 81,7% na África do Sul e de 87,6% no Brasil.

O jornalismo sobre a covid-19 é corrupto?

 

por estatuadesal

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 03/03/2021)

Um dos anúncios está titulado assim: "Procuro ENTREVISTADOR/REPÓRTER". A seguir, vem o texto: "Assegurar a elaboração de reportagens, entrevistas, num tema específico relacionado com saúde, desenvolvendo investigação, reportagens e entrevistas." São pedidas: carteira profissional de jornalista, licenciatura ou mestrado na área, competências vídeo, capacidade de análise e comentário e, ainda, "seleção, revisão e preparo definitivo das matérias jornalísticas a serem divulgadas".

Um amigo meu (juro que não fui eu) que está a ver se melhora de vida viu isto na rede social LinkedIn, clicou no link para responder e acabou por ver agendada uma entrevista por computador, através da aplicação de videoconferência Zoom.

Mais tarde encontrou mais dois anúncios parecidos e voltou a inscrever-se para as respetivas entrevistas.

Chegado o momento das três entrevistas, e após as três conversas por Zoom, todas semelhantes na essência, o meu amigo ficou a saber várias coisas que não vinham nos anúncios. Passo a listar:

1 - as matérias que se pretendiam elaborar eram relativas à pandemia provocada pela covid-19;

2 - o jornalista deveria focar os seus trabalhos na contabilização de números de mortos, número de infetados e níveis de contágio;

3 - esses trabalhos também poderiam abarcar os números relativos a contágios em lares, procurar "mortes inexplicadas" e evolução das taxas de mortalidade;

4 - também era possível focar os trabalhos no papel dos hospitais privados na covid-19, o número de hospitais envolvidos, os custos do combate à pandemia para os privados;

5 - era importante que esse meu amigo trabalhasse numa redação de um órgão de comunicação social de difusão nacional e tivesse poder para publicar propostas de trabalho suas;

6 - quando tivesse a reportagem específica combinada com o recrutador, o jornalista deveria propor esse trabalho na sua redação como sendo uma ideia sua. Caso conseguisse publicar, nos moldes combinados, seria remunerado por isso;

7 - quantas mais reportagens conseguisse publicar, melhor.

Quando o meu amigo perguntou pelo cliente - os entrevistadores eram de agências de "caça-talentos" -, as respostas foram evasivas, embora um deles deixasse escapar um vago "um grupo privado do norte"...

Quando, finalmente, o meu amigo argumentou que aquilo que eles estavam a propor era capaz de ser ilegal, recebeu em resposta algo como isto: "A sério?! Olhe que há muitos colegas seus que o fazem!..."

Portanto, ao que parece, está montado um sistema de contratação, por entidades estranhas ao jornalismo, de jornalistas que estejam a trabalhar em redações para impingir nos seus jornais, rádios ou televisões matérias que, embora sejam baseadas na realidade (ninguém pediu para mentir), fossem capazes de alterar a linha editorial desses órgãos de informação.

Quem decide os destaques, os alinhamentos e as dimensões dessas peças, os editores e diretores de cada uma dessas marcas, e recebe propostas desses colegas "comprados" pensa que essas ideias para artigos resultam da pura investigação jornalística, não de "encomendas" de interesses estranhos ao jornalismo, e terá tendência a valorizá-las segundo um critério jornalístico.

Nada me espantaria que, dessa forma, muitas destas "encomendas" acabassem por ser manchete ou abertura de noticiário, causassem impacto público relevante, fossem comentadas e analisadas por líderes de opinião e, portanto, acabassem por distorcer na opinião pública a visão dessa realidade.

Desde que esse meu amigo me contou o que se passou com ele, sempre que vejo uma notícia sobre a covid-19 fico desconfiado: "Será mesmo assim ou isto foi uma encomenda?" E quando constato a grande quantidade de peças que estão dentro da área de interesses destes "recrutadores de jornalistas", quando vejo que essas peças se repetem no foco e na mensagem, exageradamente, nos últimos meses, fico espantado com a minha ingenuidade estúpida: "Como é possível eu ter achado que isto era, apenas, um exercício editorial insensato e incompetente, mas genuíno?" A seguir vem o desgosto: "Como é que a minha profissão chegou a este ponto!?"

Esse meu amigo pede-me anonimato... OK.

Mesmo assim, correndo o risco de ficar a protestar sozinho como os malucos, acho que vale a pena denunciar isto.

Jornalista