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terça-feira, 20 de março de 2018

Reféns da lógica “ou-ou”

FILOSOFIA

Laurinda Alves

20/3/2018, 0:02

As ideias de cada um são preciosas para cada um, mas não são toda a realidade nem são as únicas ideias válidas ou boas. Além disso a natureza humana é complexa e ninguém é só uma coisa “ou” só outra.

“Percorri uma boa parte do mundo, e o que consegui ver e conhecer não me autoriza a permanecer na lógica elementar do “ou-ou”. Tenho a consciência de que, quando alguém diz e pensa algo diferente de mim, isso se pode dever apenas a que ele vê as coisas a partir de outro ponto de vista, de outra perspectiva, de outra tradição ou experiência; que ele se expressa numa outra “linguagem”“.

Começo com Tomás Halík, filósofo e teólogo checo, padre católico internacionalmente conhecido pela sua capacidade de diálogo entre crentes e não crentes, recentemente distinguido com o Prémio Templeton, um dos mais prestigiados a nível mundial, que antes foi atribuído a personalidades como o actual Dalai Lama, Desmond Tutu e Alexander Soljenitsín, entre muitos outros. A Madre Teresa de Calcutá foi excepção e recebeu ambos, o Nobel da Paz e o Templeton.

Abro um parêntesis para sublinhar que monetariamente o Prémio Templeton vale mais que o próprio Nobel pois essa foi a vontade expressa do empresário e filantropo John Templeton quando o estabeleceu pela primeira vez, em 1972, como forma de reconhecimento do pensamento e obra de “alguém vivo, que contribui de forma excepcional para a afirmação da dimensão espiritual da vida”. Templeton achava que a espiritualidade era ignorada na atribuição dos prémios Nobel e, por isso, fez questão de que o valor do seu prémio excedesse sempre o dos Nobel, tentando assim valorizar ainda mais a espiritualidade que a ciência e as artes.

Voltando a Tomás Halík, pensador profundo e elevado que toca as fibras mais sensíveis de quem procura um sentido para a vida, independentemente das suas crenças ou religião, quando ele fala da lógica elementar “ou-ou” sabe que todos estamos tomados por esta lógica e por uma inclinação natural para absolutizarmos o nosso ponto de vista. É humano e é um kit de sobrevivência, por assim dizer.

Tornar absoluto o meu ponto de vista, o meu código de valores, a minha cultura, a minha conduta, a minha opinião, o meu conhecimento, a minha experiência, as minhas razões e por aí adiante é partir sempre do princípio que a minha maneira de sentir, pensar, decidir e agir estão mais certas que as dos outros. Não só mais certas, como mais inteligentes e melhores.

Embora a ideia da absolutização nos possa repugnar, na verdade todos caímos na mesma armadilha. Absolutizar está fatalmente associado a qualificar e, por isso, qualificamo-nos como bons e inteligentes, ao passo que aqueles que pensam, falam e agem de forma diferente da nossa são logo desvalorizados e catalogados num tom menor. E é tão fácil verificar isto… basta cair na conta de que naturalmente achamos que os que concordam connosco são mais inteligentes do que aqueles que discordam.

Por isso Halík toca numa matéria cara a todos: as ideias de cada um são preciosas para cada um, mas não são toda a realidade nem são as únicas ideias válidas ou boas. Além disso a natureza humana é complexa e ninguém é só uma coisa “ou” só outra. A lógica “ou-ou” é uma teia onde ficamos facilmente enredados. Presos nas malhas da expressão mínima a que facilmente nos reduzimos uns aos outros.

Quando experimentamos a lógica do “e” tudo muda porque deixa de haver apenas uma razão, uma ideia justa, um conceito iluminado, e passa a existir um sem número de possibilidades, porque todos podemos ser uma coisa “e” outra. Não temos que ficar espartilhados no ser isto “ou” aquilo. A combinação múltipla do “e” também multiplica as possibilidades de diálogo e de encontro com aqueles que pensam e agem de forma diferente.

Alargar os horizontes pessoais passa por isso mesmo, por abrir às lógicas dos outros, por resistir à tentação de absolutizar a partir de uma visão e acção ‘à minha maneira’, por deixar de funcionar na lógica “ou-ou”. Sempre que funcionamos exclusivamente nesta lógica, ficamos muito limitados porque ela nos impõe que “ou” tu “ou” eu estamos errados. Ora podemos estar ambos certos. E mais, muitos que pensam de forma ainda mais divergente podem estar igualmente certos e as suas ideias serem tão geniais como as de qualquer outro. Egoisticamente falando deveríamos expandir a consciência e cultivar a abertura ao infinito, pois só desta forma seremos capazes de evoluir.

A tentação de nos fecharmos e de nos protegermos dos que pensam de forma diferente (ou de os excluirmos!) é humana, mas é perversa. Encolhe os horizontes, isola e pode autoexcluir. Não serve. Não leva a lado nenhum, sobretudo porque empobrece as relações humanas, deslustra qualquer discussão e enquista todo o debate ou troca de ideias numa total absolutização dos pontos de vista. Faz-nos reféns de lógicas que impedem de alimentar um diálogo recíproco, de partilhar experiências, de evoluir no conhecimento e também no autoconhecimento.

EUA. Atirador de liceu no Maryland disparou contra rapariga com quem tinha “relação prévia”

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

EM ATUALIZAÇÃO

Tiroteio no liceu de Great Mills, no estado do Maryland, EUA. Atirador disparou contra rapariga com quem já teve relação. Foi alvejado pelo segurança do liceu e acabou por morrer.

As famílias confortam os alunos, que foram buscar ao liceu vizinho de Leonardstown

Getty Images

Autores
  • Cátia Bruno

O agente de segurança Blaine Gaskill, responsável pela segurança na escola secundária, foi alertado para a situação e respondeu disparando contra o atirador. Este, “quase em simultâneo”, disparou de volta. Tudo ocorreu “em menos de um minuto”. O agente não ficou ferido, mas Austin viria a morrer horas depois, por volta das 10h40.

Este foi o retrato feito pelo xerife Tim Cameron sobre o que ocorreu na manhã desta terça-feira no condado de St. Mary, numa conferência de imprensa onde explicou também que o rapaz de 14 anos “está estável”, mas a jovem de 16 está “em risco de vida” e internada nos Cuidados Intensivos.

“Há indicações de uma relação prévia entre o atirador e a vitima do sexo feminino. Estamos a tentar perceber se isto fez parte do motivo do tiroteio”, explicou o xerife. “Estamos a analisar os dispositivos eletrónicos e as contas nas redes sociais”, garantiu, acrescentando que estão a ser feitas buscas à casa do suspeito e que a sua família está a cooperar com a investigação.

Relatos de alunos assustados numa escola fechada

“Houve um tiroteio no Liceu Great Mills”, comunicou a autoridade escolar da região no Twitter logo pela manhã, anunciando de imediato que a escola estava “fechada” e a situação “contida”.

S

MCPS_MD@SMCPS_MD

There has been a Shooting at Great Mills High School. The school is on lock down the event is contained, the Sheriff's office is on the scene additional information to follow.
Parents/Guardians should go to Leonardtown HS for reunification with GMHS students

12:46 - 20 de mar de 2018

Agentes do Gabinete de Álcool, Tabaco, Armas e Explosivos foram enviados para o local. Um porta-voz do FBI de Baltimore confirmou à CNN que também enviou agentes para o liceu de Great Mills.

Um aluno, Jonathan Freese, confirmou à CNN que os alunos estiveram fechados dentro da escola e que a polícia revistou a escola, sala a sala. Depois disso, os alunos foram escoltados para o exterior. “Ainda estou um pouco abalado”, disse Freese. A polícia reencaminhou os pais para a escola secundária de Leonardtown, para onde levou depois os alunos.

No Twitter também há relatos de outros estudantes. “Houve um som alto e toda a gente começou a gritar e a correr”, disse Mollie Davis no Twitter, conta a revista Time. “Possivelmente há alguém morto”, disse a estudante.

Mollie Davis@davism0llie

Hi Twitter. I am in Great Mills HS. My school is on a very real lockdown threat and there’s already someone possibly dead. Please pray for us.

12:29 - 20 de mar de 2018

O liceu de Great Mills fica a cerca de 100 quilómetros de Washington D.C. A escola tem cerca de 1600 alunos. Durante o incidente, cerca de 400 estariam na escola, que foram evacuados para o liceu vizinho de Leonardtown.

“Precisamos de mais do que orações”

Este tiroteio é o 17.º numa escola norte-americana desde o início deste ano e acontece quatro dias depois do protesto a nível nacional Marcha pelas Nossas Vidas, em resposta ao tiroteio do mês passado num liceu em Parkland, na Flórida, onde morreram 17 pessoas. Vários alunos de Great Mills também participaram na marcha.

[“Eu quero matar pessoas com a minha AR-15”. Reveja no vídeo a história do atirador do tiroteio da Flórida]

Na conferência de imprensa do xerife Cameron, o governador do Maryland, Larry Hogan, aproveitou para pedir aos legisladores que “tomem ações” relativamente ao acesso às armas. “Precisamos de mais do que orações”, declarou Hogan. “Estamos a menos de três semanas do fim da sessão legislativa e para mim é escandaloso que ainda não tenhamos feito nada no que diz respeito à segurança nas escolas.”

Hogan sublinhou que tem legislação “mais dura” preparada e que apoia ações que retirem as armas “das mãos dos que têm problemas mentais e cadastro”. “Gostava de poder dizer-vos que isto não vai acontecer outra vez, mas não posso”, acrescentou.

Na noite de segunda-feira, o senado do Maryland aprovou a proibição dos chamados bump stocks, acessórios que permitem tornar a ação de uma arma semi-automática semelhante a uma automática, tornando-a mais rápida e mais mortífera. O republicano Hogan, contudo, diz que não chega.

As leis no estado do Maryland para comprar armas, contudo, já são bastante apertadas — especialmente quando comparados com outros estados. De acordo com o Baltimore Sun, as armas de assalto já são proibidas de acordo com a lei do estado desde o massacre na escola primária de Newtown, em 2013. Quanto às pistolas, como a utilizada por Austin Rollins neste tiroteio, cada comprador que queira ter licença de porte de arma tem de dar as suas impressões digitais, submeter-se a verificações de antecedentes e ter quatro horas de formação.

Situação bem diferente da que acontece, por exemplo, na Flórida, onde ocorreu o tiroteio de Parkland. Neste estado, não é sequer necessário ter uma licença de porte de arma para comprar uma arma. Parkland relançou a discussão sobre o acesso às armas nos EUA. Na semana passada, o presidente Donald Trump apresentou o seu planopara lidar com o problema. Nas medidas apresentadas está incluída a ideia de o Estado financiar formação para professores aprenderem a usar armas e também um apelo a que o Congresso aumente os chamados background checks (verificações a uma série de condições como cadastro e problemas mentais dos compradores de armas).

Contudo, o plano não inclui o aumento da idade a partir da qual é permitido comprar armas dos 18 para os 21 anos, apesar de essa ser uma medida que o Presidente tem defendido.

O fedor intenso da mediocridade


RUI RIO

Rui Ramos

20/3/2018, 2:49

Os partidos, mas também as universidades e outras instituições, não são capazes de uma verdadeira selecção. Aqui, uma pessoa não é apenas promovida até ao nível da sua mediocridade – vai mais além.

Perdi a conta às vezes que, na semana passada, recebi a “conclusão” da tese de Feliciano Barreiras Duarte. De facto, o maior problema do ex-secretário geral do PSD não foi o que fez ou não fez em Berkeley: foi que o país o descobriu, leu o que ele tinha escrito, e durante uma semana não se cansou de o admirar com espanto e hilariadade. Rio não compreendeu logo que o seu secretário-geral havia perdido o respeito de toda a gente? Porque preferiu fingir, durante demasiado tempo,  que era uma daquelas questões judiciais em que, antes da condenação, ninguém tem de decidir nada? A vontade de afogar o problema num desses processos arrastados era tão grande que o líder parlamentar do PSD chegou a chamar “arguido” a Barreiras Duarte – demonstrando, mais uma vez, como o ex-secretário geral era atreito a atrair títulos e estatutos indevidos.

De facto, talvez Rio tenha compreendido. Acontece que quem tem Elina Fraga e Salvador Malheiro na sua equipa, não podia aparecer publicamente a afastar Barreiras Duarte. Criaria um precedente para os outros “investigados”. Era preciso salvá-lo, ou, não tendo salvação, levá-lo a sair sem que se visse a mão que o empurrava.

Em Portugal, os aparelhos partidários dão muitas oportunidades a quem não tem mais dotes óbvios para além da manha e da determinação. Nas manobras de secção e de concelhia, um pobre de espírito sem sentido do ridículo, mas desembaraçado e pronto para tudo, é muito mais útil do que um Stephen Hawking. A um bom “operacional” político, não há posição que esteja vedada. Barreiras Duarte não esteve em Berkeley, mas esteve no governo e foi, embora só por um mês, secretário-geral do maior partido parlamentar. Os partidos, mas também as universidades e outras instituições, não são capazes de uma verdadeira selecção. Aqui, uma pessoa não é apenas promovida até ao nível da sua mediocridade – vai mais além.

Talvez do exterior possa vir algum vento para abanar aquilo que Fernando Pessoa, há cem anos, chamou a “oligarquia das bestas”. Foi o que muitos temeram no tempo da “troika”. Por isso, a mediocridade conspira para se entrincheirar e defender. Veja-se, a esse respeito, a entrevista de Rui Rio à RTP, na semana passada. O que inquieta Rio? O mesmo que inquieta todos os “operacionais” políticos deste país. Em primeiro lugar, a justiça; depois, a centralização do Estado. A justiça, porque interfere com os atalhos por onde andam; a centralização, porque a pequena escala é muito mais favorável a estas formas de vida do que a grande escala. Daí, os grandes projectos actuais da oligarquia: por um lado, a submissão da investigação judicial ao poder político; por outro, a partilha do país em “autarquias regionais”, onde os visiting scholars da Universidade de Berkeley possam renovar a gramática e ignorar o bom senso sem serem atormentados por uma opinião pública nacional. Em suma, a impunidade do paroquialismo.

Como Luís Filipe Meneses avisou no domingo passado, por maiores que sejam as “trapalhadas”, Rui Rio pode ser bem sucedido. É que Rio e Barreiras Duarte não representam apenas o desespero da oligarquia para se proteger, mas também a tentação de uma sociedade endividada e envelhecida, ao fim de quase duas décadas de estagnação, para dispensar mais esforços e conformar-se com as suas modéstias e insuficiências. É neste sentido que o presidente do PSD e o seu ex-secretário-geral estão verdadeiramente em sintonia com António Costa e o projecto da “geringonça” de mobilizar os dependentes do Estado para resistir a qualquer mudança. É o fim da história em versão portuguesa. Não se admirem se, à volta do regime, o fedor da mediocridade se tornar cada vez mais intenso.