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domingo, 15 de abril de 2018

No prelúdio de um novo eixo do mal?

No prelúdio de um novo eixo do mal?

por estatuadesal

(Major-General Carlos Branco, in Expresso Diário, 15/04/2018)

CBRANCO

Encontramo-nos no limiar de uma nova era nas relações internacionais cujos contornos ainda não conhecemos, em que o caso Skripal funcionou como um “catalisador específico”, recorrendo ao léxico da geoestratégia. Por falta de nome chamamos-lhe nova guerra fria, mas na realidade é algo diferente e seguramente muito mais perigoso e instável do que a guerra fria que vivemos e que conhecemos, ao que se deve adicionar a (i)maturidade de alguns dos protagonistas envolvidos, com poder para decidir sobre o nosso futuro coletivo. Nada será como dantes.

Ao ter servido para desencadear uma campanha global anti-Rússia, conduzindo-nos para uma crise sem precedentes, o caso Skripal irá provavelmente ter um efeito nas relações internacionais de proporções semelhantes às do 11 de Setembro. Esta nova situação caracteriza-se por uma hostilidade contra a Rússia e a China substituindo a hostilidade contra o terrorismo islâmico radical, assim como pela subversão das regras reguladoras das relações internacionais. Os desenvolvimentos recentes refletem, em parte, a nova prioridade de desafios definida na Estratégia Nacional de Segurança dos Estados Unidos adotada em dezembro de 2017, que considera a China e a Rússia – apelidadas “potências revisionistas” – os principais desafios – leia-se ameaças – dos Estados Unidos, as quais pretendem construir um mundo antiético que choca com os interesses e valores norte-americanos. O terrorismo aparece agora em último lugar no ordenamento dos desafios, atrás dos Estados párias (Irão e Coreia do Norte).

Devemos adicionar a esta equação outros dados igualmente preocupantes. Um deles será seguramente a nova postura nuclear norte-americana e a convicção dentro de determinados círculos que é possível conduzir uma guerra convencional ou nuclear tática com a China ou com a Rússia sem escalar para o patamar estratégico. Para lhe aumentar a complexidade, o ministro da Defesa chinês afirmou que a China está do lado da Rússia na questão Síria. Faz portanto sentido perceber não só a ligação entre o caso Skripal e a crise provocada pelo emprego de armas químicas na Síria, como a possibilidade de ser inserirem neste novo “paradigma”, se a expressão se aplica. Ambos os acontecimentos parecem enquadrar-se numa estratégia de isolamento global da Rússia. Claro que nos centramos apenas numa faceta do problema, que se desenrola em várias frentes, nomeadamente na económica através das sanções, que se têm vindo a agravar e a causar mossa nas empresas e na economia russa, cujo objetivo final é fazer soçobrar a Rússia.

Um ataque à Síria – dependendo dos objetivos e dimensão – pode colocar a Rússia numa situação difícil, entre a espada e a parede. Numa posição incomportável. Em resposta às declarações de Alexander Zasypkin, o enviado russo a Beirut, sobre a reação russa a um ataque americano à Síria - as forças russas abaterão os misseis e atacarão as posições de onde forem lançados -, recorrendo ao Twitter, Trump avisou os russos para se prepararem, porque os misseis americanos irão seguir, “nice, and new and “smart”.

Como referiu Staffan de Mistura, o enviado especial das Nações Unidas para a Síria, a guerra na Síria evoluiu de uma crise nacional e regional para uma ameaça à paz internacional, cujos efeitos podem ter consequências devastadoras e inimagináveis. Se calhar fazia sentido, antes de se carregar no botão, fazer-se uma investigação independente e urgente aos alegados ataques químicos na Síria. É tecnicamente possível fazê-lo se houver vontade política. Parece que começa a haver.

O confronto entre o Ocidente e a Rússia (e China) produziu já uma vítima: comprometeu a ideia de Europa e da sua autonomia estratégica. Os EUA tornaram-se o elemento central e aglutinador de uma entidade difusa chamada Ocidente que lidera uma cruzada contra o novo eixo do mal composto pela China e pela Rússia, na qual a União Europeia sem voz e sem liderança se esvaiu, comportando-se como um ator secundário de menor importância.

A França contribuiu decisivamente para isso colocando, como é seu hábito, o seu interesse nacional à frente do interesse europeu, procurando substituir-se à Alemanha como o interlocutor privilegiado dos Estados Unidos em matéria de assuntos europeus. Por seu lado, o Reino Unido beneficiou destas crises, compensando assim a perda de capacidade para influenciar as decisões europeias no capítulo da Política Comum de Segurança e Defesa resultante do “Brexit”.

O caso Skripal, além das evidentes fragilidades do álibi, tem de ser analisado numa perspetiva política e sobretudo geoestratégica. Em última análise, esta última é a que conta se pretendermos perceber o seu alcance. Este tipo de acontecimentos não ocorre no vácuo político. Acontecem em momentos escolhidos e subordinados a uma estratégia, e pretendem produzir um “efeito”, utilizando a linguagem própria das operações psicológicas.

É hoje irrelevante saber se o principal objetivo desta crise diplomática era cancelar a realização do campeonato mundial de futebol (o que não significa que não possa vir a ser um dano colateral) ou a necessidade de Theresa May ganhar o apoio da população e do parlamento para a contenção da Rússia, desviando a atenção da sua calamitosa situação interna, ou se a Rússia é o único produtor de Novitchok. Outros valores se sobrepõem a estas discussões que passaram para segundo plano.

É sobejamente conhecida a célebre expressão do congressista norte-americano que afirmou ser “a verdade a primeira vítima da guerra”. Apesar da concordância, estamos sempre disponíveis para embarcar num novo engodo, porque nem sempre é fácil identificar o genocídio da verdade, dado o poder das narrativas. Os factos e as evidências na realidade pouco importam. Os pretextos prevalecem sobre a verificação de culpabilidade. O importante é a narrativa, e a consumação dos factos resultantes dessa narrativa. Parece ter sido este o raciocínio que prevaleceu no caso Skripal, razão da vaga de solidariedade conhecida.

Moldar as opiniões públicas e torná-las recetivas a políticas belicistas com base numa justificação ética insere-se igualmente nos “efeitos” a produzir. É insuficiente ficar-se pelo facto consumado. Há que dar o passo seguinte, subir de tom e envolver o emprego do elemento militar. Trata-se agora de alterar a correlação de forças no terreno através do uso da força. É aqui que se encaixa a utilização das armas químicas na Síria, invariavelmente atribuída ao Governo sírio pelo “independente” Observatório Sírio para os Direitos Humanos sediado em Londres.

Debates de suprema importância são sistematicamente sonegados, como seja a descoberta pelas forças sírias de dois laboratórios de armas químicas na posse dos rebeldes a 12 e 13 de março, respetivamente em Aftris e Chifonya, ambos na zona leste de Ghouta, ou a reflexão sobre a coincidência das acusações de emprego de armas químicas surgir sempre quando as forças rebeldes estão em vias de serem derrotadas, o que contraria frontalmente o seu emprego tático.

Em última análise, cento e cinquenta anos depois, as dissertações de Clausewitz sobre o princípio da incerteza e da atrição permanecem válidas. Serve pouco evocar com pompa e circunstância os 100 anos do fim de uma guerra que se supunha durar algumas semanas, se não houver uma mudança radical na forma de encarar a gestão e a resolução de conflitos nas relações internacionais, passando a adotar uma abordagem de soma positiva em detrimento da soma nula. Enquanto não se mudar de paradigma, a humanidade continuará com a espada a zurzir sobre a cabeça.

Segredo Desvendado?

Segredo Desvendado?

por estatuadesal

(Dieter Dillinger, 14/04/2018)

incendio

Parece que a Justiça ou o Cartel da Comunicação levantou o eventual segredo sobre os INCENDIÁRIOS que nada nos diz ser verdadeiro.

Assim, o Expresso de hoje vem com a notícia que 309 INCENDIÁRIOS foram detidos (+165% que no ano anterior) e constituídos arguidos 1099 pessoas (+532%) e aplicadas 7766 contraordenações (+162%).

Ao todo estiveram na origem dos 11.221 incêndios, segundo o Expresso, e 16.450 de acordo com as estatísticas dos bombeiros, um total de umas 9.174 pessoas.

Será pois fácil saber quem foram os grandes empresários mdeireiros que pagaram e mandaram incendiar o Pinhal de Leiria e um total de 500 mil hectres de floresta que representa mais de 5% do território pátrio.

Nenhum país do Mundo pode apagar mais de 500 incêndios por dia num total entre 11.000 e 16.550 causados por 9.174 pessoas.

Os bombeiros fazem a diferença entre fogachos que são rapidamente apagados, fogos que atingem alguma dimensão, mas não muito, e INCÊNDIOS que foram os gigantescos que vimos nas televisões e estes é que foram mais de 11.000.

Que venha o palerma do Viegas e outros dizer onde é que é possível enfrentar tão gigantesco TERRORISMO. A condenação dos detidos e arguidos deve ser por TERRORISMO INCENDIÁRIO.

Dá a impressão que a Joana Marques Vidal sentiu-se com o rabo preso pela reportagem da TVI e resolveu lançar os números para fora.

Segundo um amigo que trabalha na TVI, o assunto da reportagem era conhecido entre os jornalistas pois a autora levou bastante tempo a investigar acompanhada de pessoal com câmaras.

Aparentemente, a PGR escutava os telefonemas, incluindo os que ameaçavam de morte a jornalista e outras pessoas daquela estação. Também da parte da IURD houve muitas ameaças.

A Justiça também disse que 253 reclusos cumpriam pena por crime de incêndio em Junho de 2017, mas nada transpirou para fora ou os meios de comunicação não quiseram publicar.

Toda a gente sabe que uma condenação não serve só para castigar, mas mais para dissuadir outras pessoas a cometerem o crime em causa e o próprio condenado não sair para voltar a fazer o mesmo. Sim, terão sido detidos 110 reincidentes.

Mantiveram tudo no segredo e foram milhares de CRIMES que causaram prejuízos de milhares de milhões de euros aos CONTRIBUINTES. E ainda querem os magistrados mais gente a trabalhar nos tribunais e ordenados mais elevados. Que sejam mais sérios com a PÁTRIA e a Joana deve compenetrar-se que o papel dela é a defesa da PÁTRIA e não as suas eventuais ideias de direita.

Ao contrário disso denunciaram presumíveis crimes de Sócrates sem qualquer prova.

Dois pesos e duas medidas.

Perguntas que não levam a parte nenhuma por causa das respostas

por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Público, 15/04/2018)

JPP

Pacheco Pereira

Centeno quer matar a “geringonça”? Quer. A “geringonça” quer matar Centeno? Quer.


Centeno quer matar a “geringonça”? Quer.

Podia dizer-se de Centeno que está sentado em duas cadeiras ao mesmo tempo, mas não está. Quem está sentado em duas cadeiras, uma ao lado da outra, dividindo a sua anatomia pelas duas é António Costa e o PS. Parece que o espaço duplo é reconfortante, mas a prazo ver-se-á que não é. Centeno já está noutra, os resultados portugueses que vier a obter dentro da ortodoxia do Eurogrupo destinam-se essencialmente a reforçá-lo nas suas novas funções. Por isso está a ser excessivo com o défice, mesmo com o risco de ajudar a derrubar o Governo, e isso está a trazer-lhe vários apoios e não são dos socialistas.

A verdade é que alguns dos compromissos do acordo entre PS-BE-PCP não estão a ser cumpridos. Há alguns socialistas mais ingénuos e outros de má-fé que pensam que se o Governo cair o caminho para uma maioria absoluta está garantido. Não está e uma queda do Governo, mesmo por aquilo que alguns podem considerar benéfico com a nova ideologia do défice, é sempre má para o PS ir para eleições, e ainda pior, se depois delas ficar com maioria simples. Não se iludam que o caminho com o PSD é muito mais complicado do que se pode imaginar nestes dias, apesar de tudo, de calmaria antes da tempestade.

A “geringonça” quer matar Centeno? Quer.

PCP e BE, se tivessem a campainha do mandarim, há muito a tinham tocado para pôr Centeno definitivamente em Bruxelas.

Quer o Presidente ver o Governo cair? Já estive mais certo de que não queria...

... e não lhe vão faltar pretextos. É que ele já está a definir casos que servem de pretextos, condições, para preparar o terreno. Não estou inteiramente certo, presumo que nem o Presidente, mas a tentação começa a ser muito visível. E ele é um homem de tentações.

Um dia o turismo diminui ou acaba. O que é que vai sobrar nas cidades de Lisboa e Porto? Imensos estragos.

Eu percebo que enquanto dura se aproveite a benesse. O boom do turismo é positivo em muitos aspectos para as duas cidades em que ele tem tido imenso impacto, Lisboa e Porto. Tem havido alguma remodelação urbana em centros que estavam degradados, e há alguma vida de dia e de noite em cidades que pareciam adormecidas.

Mas se há casos em que a palavra conjuntura é bem aplicada é para o actual boom turístico. Tudo ajudou, a insegurança de muitos destinos, as qualidades do clima português, a facilidade de adaptação de muita gente que rapidamente criou empresas turísticas para responder à pressão, o efeito de “estar na moda” alimentado por operadores e por jornalistas de viagens, os preços baratos, mesmo quando subiram muito, a facilidade de acesso ao país, tudo mesmo. Só que “não há bem que sempre dure”.

Lembram-se do boom das lojas que compravam ouro? Convém lembrar.

Se passarmos os olhos sem qualquer ilusão e auto-engano, nem complacência escapistas, sobre o que realmente está a “mudar”, em particular nas cidades, deveríamos assustar-nos. Estão-se fazer hotéis, hostels, restaurantes a mais e tudo isso vai ficar um dia, que pode não ser muito longínquo, vazio, falido, a estragar-se. Faz-me lembrar um outro boom dos anos da crise, quando abriam lojas de compra de ouro por tudo quanto é esquina. Vejam lá as que sobram.

E pelo caminho, por muito brilhantes que sejam as suas fachadas — e, se virem bem, poucas o são, e percebe-se que para andar depressa os projectos arquitectónicos, as obras de remodelação, os interiores são pouco cuidados e muito estereotipados, feitos para um turismo barato e pouco exigente —, estão a criar problemas na cidade a montante e a jusante que muitas vezes não ligamos directamente ao boom dos hotéis. Por exemplo, o crescente tráfego em ruas pouco preparadas de veículos de serviços e distribuição, que servem a qualquer hora lavandarias, bares, restaurantes, reparações, que a pressão hoteleira fez aumentar consideravelmente. Já para não falar dos tuk-tuk.

E não só, olhem para muitas lojas em pleno centro que substituíram o comércio mais antigo, acabando no centro das cidades, por exemplo, com livrarias, alfarrabistas, e outras indústrias “culturais”, para venderem literalmente pechisbeque e bugigangas para turistas que compram souvenirs, que não são eles mesmos muito qualificados. Alguém tem alguma dúvida que nada daquilo tem qualquer capacidade para sobreviver, nem sequer agora, quanto mais depois. Subam, por exemplo, a Rua 31 de Janeiro no Porto e olhem para as lojas. Ao lado daquilo prefiro mil vezes as mercearias paquistanesas, que são mais úteis e certamente mais sustentáveis.

As cidades vão ficar muito estragadas e não vai ser fácil recuperar. É verdade que já estavam, mas não é a mesma coisa, porque entretanto muita coisa foi destruída pelo caminho.

O que se passa no Sporting é divertido? É.

Porque não é sério. Não dou um átomo de interesse e relevância às cenas absurdas que se passam num clube desportivo, que são tão ridículas que não podem ser tomadas a sério. O que seria, se as tomássemos a sério? Um homem entre o vociferante e o esquisito preside ao clube. Alguém o pós lá, alguém o mantém, e gente da mesma natureza dos dois “alguéns”, nalguns casos os mesmos, vai acabar por o tirar de lá. Mas quem é que quer saber disso? Os sportinguistas, claro. Não têm mesmo mais nada para fazer?

Os jogadores protestam, são suspensos, são readmitidos. Mas quem é que quer saber disso? Os sportinguistas, claro. Não têm mesmo mais nada para fazer?

Há mais duzentas perguntas destas que se podem fazer. Mas não vale a pena. Mas quem é que quer saber disso? Os sportinguistas, claro. Não têm mesmo mais nada para fazer?

O que se passa na comunicação social com histórias como as do Sporting é sério? É.

O país encontra no futebol a sua fábrica de irrelevância e distracção barata, e também uma cultura de violência consentida e sobre a qual há enorme complacência. Não é bom. Mas encontra uma outra coisa mais séria — uma comunicação social em crise que se agarra ao futebol como tábua de salvação, varrendo todos os outros interesses, todas as outras preocupações, todos os outros temas. É bom para o poder, é mau para as pessoas e é péssimo para a comunicação social cuja degradação se acentua à medida que a tabloidização cresce e as notícias e o jornalismo perdem relevância.

Veja-se o caso do cabo. Os canais de cabo era suposto serem canais especializados em notícias e haver uma panóplia de canais dedicados a públicos muito especiais, a quem gosta de “memória”, de filmes e séries, quem gosta de touradas, de vida na natureza, antiguidades, certos desportos, religião, ocultismo, arranjos caseiros, culinária, etc. Estes últimos estão lá, mas são os canais de notícias, os que foram mais importantes no cabo, que estão a passar a ser canais de futebol. Era suposto haver canais específicos para futebol e há, só que todos os outros dedicam horas a jogos e à logomaquia que se lhes segue. E é isso que as farsas como a do Sporting mostram à evidência. Partilham com os crimes, as histórias de mães criminosas e filhos abandonados as luzes da ribalta, porque o nada tem um especial atracção pela televisão.

O Bloco transformou Centeno no novo Vítor Gaspar

FINANÇAS PÚBLICAS

João Marques de AlmeidaSeguir

15/4/2018, 0:06

As funções europeias de Centeno revelaram o seu real pensamento: ele está muito mais próximo de Vítor Gaspar do que da escola de Louçã que manda no Bloco. Não há ninguém nas esquerdas que não o saiba.

Um dos fenómenos mais bizarros da vida política portuguesa é a existência de duas Catarinas Martins (como se uma não chegasse). A ‘Catarina Martins I’vota a favor dos orçamentos deste governo. E já votou a favor de três, todos eles da responsabilidade do ministro das Finanças. Mas, depois, a ‘Catarina Martins II’ anda pelas ruas das nossas cidades, com as televisões atrás, a protestar contra o orçamento que a versão número um da senhora aprovou. A nossa Catarina Martins deve achar que os portugueses são estúpidos ou então julga que a política não é mais do que um palco de teatro. Em Portugal, o populismo, a demagogia e o oportunismo juntaram-se no Bloco de Esquerda e são levados ao palco pela Catarina.

Mas, como se aproximam as eleições, o Bloco decidiu aumentar os protestos, começando a atacar Mário Centeno com uma violência verbal nunca vista nos últimos três anos. Aliás, os termos usados fazem-nos recuar a 2012 e a 2013, aos anos de Vítor Gaspar à frente das Finanças. O Bloco tem que se distanciar do governo para conseguir um resultado eleitoral que permita manter a sua influência política. Simultaneamente, fará tudo para impedir a maioria absoluta do PS, o que o condenaria ao regresso a uma oposição sem qualquer poder. A senhora Catarina Martins está farta do papel de ‘Catarina Martins II’, e de andar pelas ruas acompanhada por meia dúzia de gatos pingados, e quer ser a ‘Catarina Martins I’ a tempo inteiro para partilhar os orçamentos socialistas após 2019.

A ida de Centeno para presidente do Eurogrupo agravou o conflito. Na altura, muitos dos nossos ‘especialistas’ em política europeia desvalorizaram o impacto das novas funções de Centeno, com o argumento extraordinário de que a Europa estava fora do acordo da geringonça. No meio de tanta ‘sabedoria’, não entendem o fundamental. A Europa tem um lugar central em tudo o que esteja ligado a recursos financeiros no nosso país.

Ao contrário do que acontece com a líder do Bloco, o ministro das Finanças sabe que não podem existir um ‘Mário Centeno I’ e um ‘Mário Centeno II’. As suas funções em Bruxelas não permitem que isso aconteça. É simplesmente impensável que o país do líder do Euro grupo possa arriscar um processo por incumprimento das regras do défice. Aliás, o PM também sabe isso, e sabia-o quando tudo fez para que Centeno conseguisse o lugar, por isso apoiará o seu ministro até ao fim da legislatura. As funções europeias de Centeno também revelaram o seu verdadeiro pensamento. Centeno está muito mais próximo de Vítor Gaspar do que da escola de Louçã que prevalece no Bloco. Não há ninguém nas esquerdas que não o saiba.

O conflito com Centeno não significa o fim da geringonça nem sequer que o Bloco não aprove o orçamento para o próximo ano. Mas as relações entre as esquerdas serão mais tumultuosas e a política nacional será mais incerta daqui até ao fim do ano. Veremos muito mais a Catarina Martins das ruas do que a Catarina Martins deputada. Mas, apesar dos protestos, o verdadeiro sonho da líder do Bloco é ser um dia Catarina Martins a ministra da Cultura, para poder beneficiar dos orçamentos aprovados em Lisboa e em Bruxelas.

Notas de rodapé

1. O Bloco e os sectores mais radicais do PS transformaram o Parlamento na sua sala de festas para onde convidam os seus amigos para celebrarem a aprovação de leis patéticas que na prática muito pouco mudarão. São sobretudo uma justificação para folclores parlamentares. Apenas se lamenta que deputados experientes e responsáveis do PS participem nessa farsa. É o preço a pagar pela geringonça. Pelo meio, a qualidade da nossa democracia diminui.

2. Foram necessários bombardeamentos pelos americanos, britânicos e franceses, para o PCP e o Bloco acordarem para a guerra da Síria, apesar desta ter começado há mais de cinco anos. Assad, Putin e Erdogan podem fazer os ataques que quiserem, e as nossas extremas esquerdas nem reparam. Aparecem os americanos e os seus aliados europeus em cena, e os nossos neo-marxistas ficam logo indignados. No fundo, nunca deixaram de ser os idiotas úteis das ditaduras de Moscovo. Mesmo quando a Mãe Rússia está mais próxima do fascismo do que do comunismo. Mas, para as esquerdas radicais, isso não passa de um pormenor. O que interessa é atacar o Ocidente e os seus regimes capitalistas e liberais.

A guerra de todos onde ninguém ganha. Quais são os países que lutam na Síria?

14 Abril 2018104

João de Almeida Dias

A guerra da Síria tornou-se no sítio onde todos os países canalizam os conflitos que não querem ter em casa. Conheça os principais intervenientes desta guerra sem fim que já matou 500 mil pessoas.

A Síria, no centro do mundo. É ali, naquele pequeno país do Médio Oriente, que vários países combatem num conflito que começou com uma revolta contra o ditador Bashar al-Assad mas que depressa se tornou numa longa e brutal guerra por procuração. Estima-se que, desde 2011, ali tenham morrido cerca de 500 mil pessoas.

Um por um, conheça os principais países envolvidos na Síria, de que lado combatem e com que propósitos.

Rússia, o grande aliado de Assad

A Rússia tem na Síria de Bashar al-Assad o seu maior e mais antigo aliado no Médio Oriente — uma relação que recua até aos tempos da União Soviética e da fundação da Síria enquanto Estado independente, depois da descolonização francesa, em 1946. Desde então, as relações entre os dois países foram crescendo lentamente — e nem sempre em linha reta, já que os EUA também ali queriam assentar praça. Porém, a partir de 1970, com a subida ao poder de Hafez al-Assad, o estreitamento de relações entre a União Soviética e a Síria passou a ganhar contornos definitivos — e práticos, também. Logo em 1971, a Síria permitiu aos russos a construção da base naval de Tartus, na qual passou a ter livre trânsito até aos dias de hoje — um sonho antigo da Rússia, que sempre procurou acesso aos portos de água quente do Mediterrâneo, já que nos mares mais a Norte (Ártico, Barents e Báltico) ter a missão complicada pelo gelo e pelos seus inimigos e rivais regionais.

Porém, apesar desta relação de proximidade, a Rússia só assumiu oficial e publicamente um papel na guerra da Síria em 2015 — apesar de haver relatos de movimentações russas no porto de Tartus logo em 2012, apenas um ano depois do início da guerra na Síria. Para cooperar com Bashar al-Assad, a Rússia colocou como condição a construção de uma base aérea na Síria — e é assim que surge a base aérea de Khmeimim, em Latakia — cidade que, à semelhança de Tartus, fica situada em zonas onde os alauítas, a minoria étnica de origem xiita a que pertence o Presidente Bashar al-Assad, estão em maioria.

A Rússia entrou na guerra no início de outubro de 2015, referindo que tinha como objetivo combater o Estado Islâmico e as suas posições, tal como “outros terroristas”. Logo nessa altura, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, deixou no ar a ideia de que a designação de “outros terroristas” podia ir para lá de grupos como a Frente al-Nusra, braço da al-Qaeda na Síria, quando falou do Exército Sírio Livre e da “oposição moderada”. “Ninguém nos disse onde é que o Exército Sírio Livre opera, nem onde nem como outras unidades da oposição moderada atuam”, disse. Sobre o caso específico do Exército Sírio Livre, descreveu aquele conglomerado de forças militares anti-Assad com “um grupo fantasma”.

À medida que o tempo avançou, tornou-se cada vez mais claro que as posições de Bashar al-Assad e da Rússia eram as mesmas — e, por isso, os seus inimigos e alvos passaram a ser os mesmos. Tanto que, já em 2018, dias depois do início da ofensiva de Ghouta, SergeiLavrov já dizia: “Achamos inaceitável distinguir entre bons terroristas e maus terroristas”.

Lado a lado com as forças de Bashar al-Assad, a Rússia ajudou o regime de Damasco a mudar o rumo a uma guerra que em 2015 pendia para as várias forças rebeldes e grupos terroristas que então combatiam o exército sírio. Com bombardeamentos aéreos e também soldados no terreno, a Rússia ajudou Bashar al-Assad a obter vitórias tão importantes como a reconquista de Alepo (2016), Daraya (2017), Deir ez-Zor (2017) e Ghouta Oriental (2018), tal como outras de valor sobretudo simbólico, como a monumental cidade de Palmyra (2017).

“Achamos inaceitável distinguir entre bons terroristas e maus terroristas."

Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia

Por tudo isto, não é surpresa nenhuma que Bashar al-Assad receba Vladimir Putin de braços abertos na Síria. Foi mesmo isso que aconteceu em dezembro de 2017, quando o Presidente russo aterrou na base área de Khmeimim, para encontrar-se com o seu homólogo sírio e discursar para as tropas russas ali destacadas. Nesse ocasião, sublinhou o óbvio — que a derrota dos opositores de Basharal-Assad é agora uma questão de “quando” e não de “se” — e anunciou uma decisão em conformidade: a retirada gradual de tropas russas da Síria.

“Sim, a ameaça do terrorismo continua muito alta em todo o mundo. No entanto, a tarefa de combater os grupos armados aqui na síria, o objetivo que tinha de ser abordado com a ajuda de grande escala das forças armadas, está em grande parte resolvido. E de uma forma brilhante”, disse. “Por isso, dou a ordem ao ministro da Defesa para começar a retirar as unidades do exército russo para as suas bases permanentes. A pátria espera por vós, amigos. Boa viagem.”

Porém, o envolvimento da Rússia na Síria e na guerra que começou há mais de sete anos ainda parece estar longe de terminar. Prova disso é a recente hipótese de os EUA, tal como França e o Reino Unido, virem a atacar com mísseis posições militares do regime sírio — cenário que, garante a Rússia, resultaria na destruição dos mísseis e também num ataque à sua origem. Uma possibilidade que, a confirmar-se, poderá tornar ainda mais complicada e sangrenta esta que já é a pior guerra do século XXI — mas também aquela que, entre outros fatores, permitiu à Rússia reconquistar a aura de superpotência mundial e testar o seu crescente arsenal militar

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Irão, em busca de um corredor geoestratégico

No Médio Oriente, não há outro país que se interesse tanto por preservar Bashar al-Assad no poder na Síria como o Irão — e, por isso, a par da Rússia, o Irão é o maior aliado do regime sírio. Contribui com tropas no terreno, bombardeamentos aéreos, logística, armamento, treino militar, petróleo e financiamento. Este esforço tem um objetivo simples mas crucial para Teerão: impedir o derrube de um líder xiita — fação do Islão que tem como centro o Irão — por forças sunitas e a elas ligadas — ou seja, a Arábia Saudita e os seus aliados. A situação é especial delicada para o Irão já que, na sua composição demográfica, 74% dos sírios são sunitas e apenas 13% são xiitas.

A Síria é apenas uma peça de um complexo jogo de xadrez que o Irão só dá por vencido quando conseguir estabelecer um corredor de países com liderança xiita ou forte influência entre as suas próprias fronteiras e o Líbano, que está na fronteira de Israel, país inimigo. Juntos, formam o autointitulado “Eixo da Resistência”. Para conseguir estabelecer esse corredor, pelo qual seria possível ter acesso ao mar Mediterrâneo e enviar armas para o Hezbollah no Líbano, há dois países que cujo controlo Teerão tem de garantir: o Iraque e a Síria.

No Iraque, a maioria xiita, que foi reprimida durante o tempo de Saddam Hussein, conseguiu ganhar protagonismo no país e na sua governação depois do derrube daquele ditador — e, nos casos em que esse ascendente foi ameaçado, nomeadamente com as conquistas territoriais do Estado Islâmico, o Irão respondeu com o envio e patrocínio de milícias xiitas no terreno.

Na Síria, o Irão tratou de estender a sua luta contra grupos armados sunitas, incluindo organizações terroristas como o Estado Islâmico e a Frente al-Nusra. Tal como o exército sírio e a Rússia, também o Irão tem atacado forças militares que, ao contrário do entendimento dos EUA, da União Europeia e da NATO, não são terroristas.

O principal objetivo do Irão é criar um corredor entre os membros do "Eixo da Resistência", grupo anti-Israel. Para chegar ao Hezbollah (no Líbano), primeiro tem de conseguir ganhar terreno no Iraque e na Síria. É um jogo a longo prazo mas que, de momento, corre bem para o país de Hassan Rouhani.

Ao longo da guerra, o Presidente do Irão, Hassan Rouhani, tem insistido que a resolução do conflito na Síria não pode ser militar. Já em 2013, o então recém-eleito Presidente iraniano, Hassan Rouhani anunciava a “disponibilidade” do seu governo para “facilitar o diálogo entre o governo sírio e a oposição”. E nos últimos tempos, desde que o conflito passou a pender favoravelmente para o regime sírio (ou seja, o lado do Irão), Hassan Rouhani tem defendido que a solução para terminar a terminar a guerra na Síria é política. Chega até a insistir em eleições — e dá a entender que manter Bashar al-Assad no poder não é uma prioridade. A prioridade é, antes, ter alguém no poder que seja seu aliado e que o Irão possa controlar.

Outra prova de que a guerra na Síria é para o Irão acima de tudo uma questão de geoestratégia, é a crescente tensão entre Teerão e Israel a propósito deste conflito. Em fevereiro, Israel abateu um drone iraniano, garantindo que este sobrevoava o seu espaço aéreo, na froneira a Norte com a Síria, nos Montes Golã. E a 10 de abril, foram lançados 12 ataques aéreos contra alvos na Síria, incluindo quatro ligados diretamente ao Irão. Ao todo, morreram 14 militares iranianos, entre os quais 4 militares de topo responsáveis pelo programa de drones do Irão na região. A Síria e os seus aliados atribuem aquela ação militar, algo que Israel não confirma nem desmente. Certo é que ao aproximar-se de uma vitória na guerra da Síria, o Irão está prestes a consumar o seu primeiro êxito militar em muito tempo no Médio Oriente, onde passará a ter mais espaço e mais influência.

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Hezbollah, na Síria com um olho em Israel

É o mais pequeno aliado do regime sírio na guerra, mas nem por isso pouco importante. Desde 2012 que o Hezbollah, partido e movimento xiita com base no Líbano, combate a favor de Bashar al-Assad na Síria. Este combate concentra-se sobretudo no Sul da Síria, junto à fronteira com o Líbano.

À semelhança do Irão, o principal mentor e financiador do Hezbollah, o grupo liderado por Hassan Nasrallah está na Síria com um duplo objetivo: a curto-médio prazo, conter o avanço de forças sunitas; a médio-longo prazo, manter a pressão sobre Israel. O próprio líder do Hezbollah explicou que a sua estratégia na Síria passa por atingir um “equilíbrio do terror” com Israel, ou seja, prevenir que aquele país inicie uma guerra contra o Hezbollah ou com o Líbano — cujo governo tem sido pressionado pelo Hezbollah a reatar laços com a Síria, depois de uma decisão de suspender de forma oficiosa as relações com o regime de Bashar al-Assad em 2012.

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EUA, a linha vermelha de Obama e a linha vermelha de Trump

A relação dos EUA com a Síria sob o domínio do clã Assad (Hafez al-Assad, de 1971 a 2000; Bashar al-Assad, desde 2000) nunca foi fácil. Em 2002, no primeiro mandato de George W. Bush, a Síria não mereceu o cunho de Eixo do Mal (categoria reservada ao Iraque, Irão e Coreia do Norte), mas foi inserida numa subcategoria — o grupo do “Para Lá do Eixo do Mal”, onde além da Síria estavam Cuba e a Líbia. Por isso, a relação de Washington D.C. com Damasco nunca foi fácil. Mas, com a guerra civil a eclodir em 2011, a realidade passou a ganhar contornos mais sérios e mais complexos.

O primeiro Presidente norte-americano a lidar com a guerra na Síria foi Barack Obama. Sob a sua administração, em 2012, os EUA começaram a financiar grupos da “oposição moderada” contra Bashar al-Assad. Em 2013, os EUA chegaram a treinar e equipar grupos que faziam parte do Exército Sírio Livre — com os centros de treino militar espalhados na Turquia e na Jordânia. Esse esforço continuou em 2014, altura em que a Câmara dos Representantes aprovou um financiamento de 500 milhões de euros para treinar e equipar milícias sírias. Porém, este programa revelou ser um fracasso, já que a grande maioria dos soldados sírios desertaram depois de lhes ser imposto como condição inultrapassável que apenas podiam combater o Estado Islâmico, poupando assim o exército de Bashar al-Assad.

Em 2013, Barack Obama esteve a pouco de atacar Bashar al-Assad. Recuou quando a Síria garantiu que ia destruir o seu arsenal químico (Win McNamee/Getty Images)

Esse fracasso não impediu os EUA de apostarem em grupos armados no terreno. Desde 2015, os EUA armam e treinam o grupo das Forças Democráticas Sírias — onde os curdos do YPG são largamente maioritários — para combater o exército sírio e, sobretudo, grupos terroristas como o Estado Islâmico. A maior parte deste esforço concentra-se na zona Este e Nordeste da Síria. Para ajudar a esse esforço de combate contra aquele grupo terrorista, os EUA destacaram 2 mil soldados das suas forças especiais — ou seja, os primeiros e até agora únicos militares norte-americanos no terreno. Esta aliança foi particularmente decisiva para conquistar ao Estado Islâmico a cidade de Raqqa, que serviu como capital daquele califado na Síria até 2017.

O primeiro ponto de verdadeira tensão entre os EUA e a Síria aconteceu no verão de 2013, depois de um ataque químico com o gás sarin, asfixiante e letal, que matou pelo menos 281 pessoas (há relatos que chegam aos 1729 mortos) em Ghouta.Perante aquele desenvolvimento, Barack Obama chegou a equacionar uma intervenção militar contra a Síria de Bashar al-Assad. Um ano antes, o então Presidente dos EUA utilizou a expressão “linha vermelha”, para se referir ao ponto que o faria agir militarmente contra Bashar al-Assad. “Temos sido claros para o regime de Assad, e também para outros atores no terreno, que seria uma linha vermelha para nós se começarmos a ver movimentação ou utilização de armas químicas”, disse Barack Obama em agosto de 2012. Um ano mais tarde, em 2012, essa promessa foi-lhe cobrada.

"Temos sido claros para o regime de Assad, e também para outros atores no terreno, que seria uma linha vermelha para nós se começarmos a ver movimentação ou utilização de armas químicas."

Barack Obama, em 2012

Porém, essa hipótese foi descartada pelo então Presidente dos EUA quando conseguiu chegar a um acordo com a Rússia e com a Síria, onde era previsto que o regime de Bashar al-Assad destruísse o seu arsenal de armas químicas — arsenal esse que, até então, não admitia possuir. A destruição foi supervisionada pela Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla inglesa), mesmo que, mais tarde, tenha havido novas denúncias de ataques.

E foi precisamente após um desses novos ataques que os EUA atuaram militarmente contra Bashar al-Assad pela primeira vez — e já com outro homem a mandar em Washington D.C.. No dia 7 de abril de 2017, ao contrário do que tinha sido a sua posição nos anos anteriores, Donald Trump decidiu lançar um ataque aéreo com 59 mísseis contra a base aérea de Shayrat — tudo porque, três dias antes, foi lançado um ataque químico atribuído à Síria em Khan Shaykhun, matando pelo menos 74 pessoas.

“Quando se matam crianças inocentes, bebés inocentes, bebés!, bebés pequenos, com um gás químico que é tão letal… As pessoas ficaram chocadas por saberem que gás era aquele. Isso ultrapassa muitas, muitas linhas, para lá de uma linha vermelha, muitas, muitas linhas”, disse Donald Trump, para justificar a sua mudança de ideias quanto a um ataque militar na Síria.

Um ano mais tarde, em abril de 2018, torna a haver novo foco de tensão — e, como foi visto na madrugada deste sábado, resultou num novo e mais amplo ataque aéreo dos EUA na Síria, desta vez aliados com o Reino Unido e com França. Este novo episódio surgiu depois de um alegado ataque químico em Douma, a maior cidade de Ghouta Oriental, que terá resultado em mais de 70 mortes e em cerca de 500 feridos.

O maior foco de tensão deste episódio foi com Moscovo, depois de o embaixador russo no Líbano ter dito que, no caso de um ataque dos EUA na Síria, não só os mísseis lançados seriam destruídos como seriam atacadas o sítio a partir do qual eles fossem lançados. Donald Trump respondeu no Twitter, ameaçando com mísseis “novos, bonitos e inteligentes”. Dias depois, eles foram mesmo lançados — porém, a Rússia não respondeu ao ataque dos EUA.

Department of State

@StateDept

.@POTUS Trump condemns the heinous attack on innocent Syrians with banned chemical weapons. #Syria

17:30 - 9 de abr de 2018

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Mas, afinal, quais são interesses dos EUA na Síria? Acima de tudo a contenção do Irão, maior rival dos dois principais aliados dos EUA no Médio Oriente: a Arábia Saudita e Israel.Qualquer centímetro conquistado por Teerão (e também por Moscovo) e perdido por aqueles dois aliados dos norte-americanos será um centímetro perdido pelos EUA na problemática, mas crucial, região do Médio Oriente.

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França, contra os terrorisas e agora contra Assad

A primeira vez que a França interveio de forma significativa na guerra civil da Síria foi como resposta a um dos episódios mais negros da sua História recente. A 13 de novembro de 2015, um grupo de terroristas com ligações ao Estado Islâmico matou 130 pessoas num conjunto de ataques em Paris, que foram desde o Stade de France (onde decorria um jogo particular entre França e Alemanha) até à sala de concertos Bataclan, passando por uma série de restaurantes e bares no centro da cidade. Até aí, sob a presidência de François Hollande, França já tinha fornecido armas alguns grupos rebeldes e já tinha feito bombardeamentos contra o Estado Islâmico.

Apesar de dirigir ataques aéreos contra o Estado Islâmico desde setembro de 2015 — tendo inclusive destruído um campo de treinos daquele grupo terrorista — nos dias seguintes ao atentados de 13 de novembro a chamada Operação Chammal foi intensificada e passou a dirigir-se também a Raqqa, antiga capital do Estado Islâmico na Síria. Os meios aéreos que têm sido responsáveis pelos ataques franceses desde então têm partido de bases aéreas na Jordânia e nos Emirados Árabes Unidos.

Com a chegada Emmanuel Macron, os ataques dirigidos contra o Estado Islâmico mantiveram-se — mas também chegaram outros, desta feita dirigidos a Bashar al-Assad. Em junho de 2017, pouco depois de ser eleito, Emmanuel Macron utilizou a expressão “linha vermelha”, noção que Barack Obama usara e não cumprira anos antes, para falar de uma possível intervenção francesa contra o regime sírio. “Tenho duas linhas vermelhas: armas químicas e acesso humanitário. Já disse claramente a Vladimir Putin que serei intratável nestas matérias. E que a utilização de armas químicas provocará réplicas, e estas incluirão a França”, disse.

Emmanuel Macron foi chamado a cumprir a sua promessa menos de um ano depois, depois de dizer que tinha “provas” de que o ataque químico de 7 de abril em Douma tinha sido da responsabilidade do regime sírio. “Não se pode permitir tudo nas diferentes guerras que estão a decorrer. Nós temos provas de que, na semana passada, foram utilizadas armas químicas pelo regime de Bashar al-Assad. Falámos com Donald Trump sobre uma resposta. Temos decisões a tomar em tempo útil”, referiu Emmanuel Macron, numa entrevista à TF1.

Dias depois, na madrugada deste sábado, a França de Emmanuel Macron atacou de vez posições ligadas direta e indiretamente ao esforço de guerra sírio. Ao contrário do que tem feito até agora nos ataques contra o Estado Islâmico, fê-lo com mísseis lançados a partir de fragatas posicionadas no mar Mediterrâneo.

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Reino Unido, ao lado dos seus maiores aliados

À semelhança dos EUA, também o Reino Unido esteve à beira de intervir na guerra da Síria contra Bashar al-Assad no verão de 2013. Nessa altura, os EUA de Barack Obama equacionavam intervir militarmente contra Bashar al-Assad depois de um ataque químico em Ghouta que matou centenas de pessoas. Em reação, o então primeiro-ministro David Cameron levou uma intervenção britânica — no cenário de os EUA decidirem ir para a Síria — a votos na Câmara dos Comuns. No final de contas, venceram os 285 votos contra os 272 a favor.

Em 2015, o caso mudou de figura. Perante uma resolução apresentada pela França no Conselho de Segurança da ONU, que pedia ajuda para combater o Estado Islâmico e a Frente al-Nusra, o Reino Unido decidiu aprová-la e agir em conformidade. Em dezembro, a partir de duas bases aéreas britânicas em Chipre, foram lançados os primeiros ataques aéreos britânicos em solo sírio.

"Isto não se trata de intervir numa guerra civil, isto não se trata de mudar um regime."

Theresa May, sobre o ataque tripartido contra Assad a 14 de abril de 2018

Os bombardeamentos contra aqueles dois grupos terroristas continuam até hoje — mas, à semelhança da França, o envolvimento militar do Reino Unido na Síria chegou a uma nova fase na madrugada deste sábado.

Na comunicação que fez ao país para anunciar o ataque, a primeira-ministra britânica, Theresa May, afirmou que “o regime sírio tem um historial de usar armas químicas contra o seu povo de forma cruel e aberrantes” e acrescentou que “teria preferido um caminho alternativo, mas nesta momento não há nenhum”. No entanto, rejeitou a possibilidade de o Reino Unido participar numa campanha militar contra Bashar al-Assad da mesma maneira que tem combatido o Estado Islâmico e outros grupos terroristas — segundo a primeira-ministra, o ataque de 14 de abril foi “limitado e dirigido”. “Isto não se trata de intervir numa guerra civil, isto não se trata de mudar um regime”, sublinhou Theresa May.

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Turquia, contra Assad mas sobretudo contra os curdos — e com a Rússia de lado

A Turquia é o único país que, fazendo fronteira com a Síria, tem meios aéreos e terrestres destacados na guerra que opõe rebeldes e grupos terroristas à Síria e os seus aliados. Porém, entre todos os grupos que estão em causa na guerra da Síria, a Turquia de Recep Tayyip Erdoğan está particularmente interessada em combater um deles: os curdos do YPG.

A posição da Turquia quanto à Síria de Bashar al-Assad e os seus aliados tem sofrido várias guinadas, que obedecem tanto às momentâneas consequências da Turquia e a questões geoestratégicas deste que é o país que serve de tampão entre a Europa e o Médio Oriente.

Antes da guerra civil ter rebentado na Síria, Recep Tayyip Erdoğan era um aliado regional da Síria de Bashar al-Assad, mantendo uma relação cordial com o país que se dispõe na maior parte da sua fronteira a Sul. Porém, esta posição foi rapidamente invertida com o início da guerra, período a partir do qual a Turquia passou a opor-se a Bashar al-Assad, chegando a formar, financiar e proteger dentro das suas fronteiras células do Exército Sírio Livre.

Em 2015, a Turquia abateu um avião russo depois de este ter entrado no seu espaço aéreo. Putin disse que foi uma "facada nas costas", disse que a Turquia era "cúmplice dos terroristas" e aplicou-lhe sanções económicas. A Turquia acabou por pedir desculpa — e pelo meio ganhou uma central nuclear.

O primeiro incidente militar em que a Turquia esteve diretamente envolvida a propósito da guerra na Síria aconteceu a 24 de novembro de 2015, quando abateu um avião russo que invadiu o seu espaço aéreo. Segundo a versão apresentada pela Turquia, um Sukhoi Su-24, dois aviões de combate supersónicos russos, ultrapassaram a fronteira da Síria com a Turquia. Perante essa violação, a Turquia enviou dois F-16 para junto dos aviões russos. Depois, avisou 10 vezes que estes tinham de sair do espaço aéreo turco — coisa que um deles fez. O outro, que terá desrespeitado essa ordem, foi atingido por um dos F-16 turcos, despenhando-se no lado sírio da fronteira. O piloto e o co-piloto russos a bordo daquele Sukhoi Su-24 morreram. Vladimir Putin não gostou do gesto: “A perda que sofremos hoje é uma facada nas costas dada por cúmplices dos terroristas”.

O incidente levou a um esfriar das relações entre a Rússia e a Turquia, com Moscovo a aplicar sanções económicas que se fizeram sentir nas contas daquele país — entre as quais, a suspensão de um programa de isenção de vistos entre os dois países, o que fez cair em flecha as receitas do turismo turco.

A pressão russa surtiu efeito: em 2016, Recep Tayyip Erdoğanenviou uma carta a Vladimir Putin onde pedia desculpa pelo abate do avião militar russo em 2015. Assim, foi aberto o período de “normalização dos laços” entre os dois países — iniciativa que não foi em nada prejudicada pela assassinato do embaixador da Rússia na Turquia, Andrei Karlov, por um polícia turco no final de 2016. Tanto que, em abril deste ano, a Rússia começou a construir a primeira central nuclear da Turquia.

A postura da Turquia na guerra da Síria tem sido marcada por vários vai-vem na sua relação com a Rússia (ADEM ALTAN/AFP/Getty Images)

Em janeiro de 2018, a Turquia lançou a Operação Ramo de Oliveira, na região sírio de Afrin, que reflete a complexa postura de Ancara na guerra civil da Síria. Complexa porque, apesar de condenar o regime de Bashar al-Assad, está desde o início do ano a combater os curdos do YPG e as Forças Democráticas da Síria, que combatem Bashar al-Assad. Tudo isto, com o auxílio do Exército Sírio Livre, que os turcos ajudaram a lançar e que, no Norte da Síria, estão hoje mais dedicados em lutar contra os curdos do que propriamente contra o exército sírio.

As mais recentes movimentações e ações militares da Turquia contra os curdos YPG e as Forças Democráticas da Síria são particularmente sensíveis tendo em conta que aqueles dois grupos armados são aliados dos EUA na Síria. E, tecnicamente, a Turquia é aliada dos EUA na NATO — onde têm, respetivamente, o segundo maior e o maior exército.

Com a Operação Ramo de Oliveira, a Turquia intensifica o conflito na Síria, criando uma nova guerra dentro um antiga guerra no Norte do país. Este sábado, a Turquia referia já ter “neutralizado” mais de 4 mil “terroristas” desde o início do ano.

ANADOLU AGENCY (ENG)

@anadoluagency

#BREAKING - 4,157 terrorists neutralized since start of Operation Olive Branch in Syria's Afrin, Turkish military says

10:16 - 14 de abr de 2018

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Sobre os ataques dos EUA, França e Reino Unido deste sábado, a Turquia teve uma reação cuidadosa, onde procurou apoiar o combate ao regime sírio sem fazer qualquer menção à Rússia. “O regime sírio recebeu a mensagem de que os seus massacres não vão ficar sem resposta”, disse Recep Tayyip Erdoğan. “O povo inocente da Síria já devia ter sido defendido há muito tempo.”

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Israel, em constante sobressalto acompanha (e atua) à distância

Israel partilha com a Síria uma das suas fronteiras mais problemáticas e também disputadas: os montes Golã. Ao longo da sua existência, Israel tem entrado em conflito armado com a Síria em várias ocasiões: Guerra Israelo-Árabe em 1948; Guerra dos Seis Dias em 1967; Guerra do Yom Kippur em 1973. Além destes conflitos, os dois países mantêm relações tensas, já que a Síria é um dos maiores aliados do Irão na região.

O facto de o Irão, e também o Hezbollah, combaterem ao lado de Bashar al-Assad na Síria é o maior fator de risco para Israel. O país liderado por Benjamin Netanyahu tem olhado com crescente apreensão para o avanço militar das tropas pró-Assad, ciente de que uma vitória do regime sírio e dos seus aliados significa a criação de um corredor com livre trânsito entre o Irão e o Hezbollah (no Líbano). Por tudo isto, Israel assiste a este conflito (e por vezes participa nele) em constante sobressalto.

Esse mesmo sobressalto levou Israel a demonstrar a sua capacidade de atingir a Síria ainda antes da atual guerra civil. Em 2007, depois de ter percebido que a Síria estava a construir um reator nuclear em Deir ez-Zor, cidade no sul da Síria, com o apoio da Coreia do Norte. Israel só admitiu completamente no dia 21 de março deste ano ter lançado aquele ataque militar em solo sírio — mas esse era um segredo mal guardado e divulgado amplamente, nomeadamente na biografia política de George W. Bush.

Em 2014, Israel abateu um avião militar sírio — um Su-24 — depois de este ter entrado 800 metros na seu espaço aéreo, sob os Montes Golã. Os dois tripulantes sobreviveram, depois de terem conseguido saltar do avião e aterrarem em território sírio.

Já em 2018, a Síria tem reagido militarmente a movimentações que decorrem da guerra na Síria. Em fevereiro, abateu um drone iraniano, garantindo que este sobrevoava o seu espaço aéreo, na fronteira a Norte com a Síria, nos Montes Golã.

Jonathan Conricus@LTCJonathan

IDF has targeted the Iranian control systems in Syria that sent the #UAV into Israeli airspace. Massive Syrian Anti-Air fire, one F16 crashed in Israel, pilots safe. #Iran is responsible for this severe violation of Israeli sovereignty. Event ongoing, more to follow.

06:08 - 10 de fev de 2018

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A 10 de abril, foram lançados 12 ataques aéreos contra alvos na Síria, incluindo quatro ligados diretamente ao Irão. Ao todo, morreram 14 militares iranianos, entre os quais 4 militares de topo responsáveis pelo programa de drones do Irão na região. A Síria e os seus aliados atribuem aquela ação à Israel — mas, à semelhança do que fez em 2007 aquando do ataque ao reator nuclear sírio, mantém o seu silêncio.