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terça-feira, 15 de maio de 2018

RUI RIO ENGANOU-SE NO NÚMERO DA PORTA

por estatuadesal

(In Blog O Jumento, 15/05/2018)

rio_sócayes

Parece que se esqueceram de informar Rui Rio de que Sócrates já não é primeiro-ministro desde julho de 2011 e que, entretanto, o PSD já governou uma legislatura. Depois de algumas pantominices, como o retiro espiritual no Porto a seguir a ganhar a liderança do PSD, o tratamento ridículo dado a Hugo Soares até lá meter o Negrão ou os consensos com o PS, Rui Rio decidiu ser um líder da oposição a sério, mas enganou-se no número da porta e actua como se o primeiro-ministro fosse o José Sócrates.

Digamos que Rui Rio não acerta como líder da oposição. Começa por centrar a oposição no ministro que ninguém quer que caia e que tem mais prestígio internacional e junto dos eleitores. Quando percebeu que não tinha sorte andando nas pediatrias dos hospitais para atacar Mário Centeno, o líder do PSD decidiu centrar a sua oposição num primeiro-ministro, mas como Costa está forte optou por um que ele julga que está na mó de baixo, José Sócrates.

Parece ser ridículo mas é verdade, desde que Rui Rio mandou Negrão ao debate com o governo atacar José Sócrates, questionando António Costa na qualidade de secretário-geral do PS, que todas as atenções se centram agora na ação dos ministros de … José Sócrates. Nas pastas das Finanças ataca-se Teixeira dos Santos, nas Obras Públicas o Mário Lino e por aí adiante, os únicos ministros de António Costa que merecem ser alvo de oposição são aqueles que também estiveram com Sócrates. O próprio Costa deixou de ser criticado pelo que faz como primeiro-ministro, mas sim como ex-ministro de Sócrates.

A ideia parece ser boa, mas revela incompetência. Se o PSD vai ao arquivo e ressuscita ministros para fazer oposição é porque não tem argumentos para criticar o governo que está em funções. Mas, não passa apenas uma imagem de incapacidade, dá de si uma imagem de cobardia, adoptou esta estratégia porque julgam que o PS deixou cair José Sócrates e este está definitivamente condenado. Aliás, um dos momentos mais miseráveis a que se assistiu no parlamento foi quando Fernando Negrão se referiu à acusação a Sócrates quase como uma condenação transitada em julgado.

Desde a posse deste governo que o PSD ainda não conseguiu fazer oposição; com Passos Coelho optou-se por aguardar pela vinda do diabo, Rui Rio opta por uma oposição quixotesca e vai à luta contra moinhos de vento.

Rui Rio revela-se um líder da oposição sem competência para esse papel, é incapaz de formular uma crítica; até ao momento ou fala de banalidades ou aproveita-se de incidentes para sugerir que a culpa é do Centeno. É incapaz de fazer uma crítica ao governo nos muitos dossiers geridos pelos seus governos. Agora desistiu mesmo de fazer oposição a este governo, optando por ser líder da oposição ao governo de … José Sócrates. Esperemos que quando quiser reunir com o Presidente da República não se engane, se o que o preocupa é Sócrates o lógico é que solicite a audiência a Cavaco Silva.

Que bela oposição, passa a imagem de quem não tem, argumentos, que não apresenta qualquer política alternativa, que espera desgraças para ter argumentos e que em vez de enfrentar Costa prefere fazer oposição a quem já não está no governo mas parece estar na mó de baixo. Enfim, estas são as qualidades  de um primeiro-ministro que espera que elas venham a ser premiadas pelo voto dos eleitores.

Uma visão Euro-Atlântica dos Açores

No amável convite que me dirigiu para participar nas celebrações do dia da Europa 2018, o Núcleo de Estudantes de Estudos Euro-Atlânticos sugeriu como tema central «Açores – 3 décadas de Integração Europeia: que conclusões e desafios?»

  1. Celebrar o 9 de Maio

A celebração do 9 de Maio como dia da Europa foi aprovada no Conselho Europeu de Milão de Junho de 1985, na sequência do relatório de “Pietro Adonnino”– representante de Bettino Craxi – e começou a ser celebrada no ano seguinte, já portanto com Portugal como membro de pleno direito da União Europeia.

Foi com efeito a 9 de Maio de 1950 que Robert Schuman, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, leu num salão do Quay d’Orsay o convite formal à Alemanha para a constituição da primeira comunidade europeia, a comunidade do carvão e do aço, que haveria de ser consagrada menos de um ano depois no Tratado de Paris a 18 de Abril.

Cinco anos antes, a rendição da Alemanha tinha sido assinada a 7 de Maio em Reims, e no dia seguinte, na presença e em território controlado pelas forças soviéticas, em Berlim; de acordo com o fuso de Moscovo a 9 e não a 8 de Maio. Essa rendição significou o fim do teatro europeu da segunda guerra mundial.

Nesses cinco anos muitos foram os acontecimentos marcantes para a construção europeia, nomeadamente o nascimento da Organização para a Cooperação Económica Europeia a 16 de Abril de 1948, que vai administrar o Plano Marshall norte-americano, organização de que Portugal é membro fundador; o Tratado de Bruxelas de 17 de Março de 1948, precursor da OTAN; ou ainda o Conselho da Europa estabelecido pelo Tratado de Londres de 5 de Maio de 1949.

Toda essa construção não seria compreensível sem a influência decisiva norte-americana e uma nova concepção do sistema de relações internacionais. O plano Marshall é uma revolução no conceito até aí vigente da construção da paz, é a aplicação à Europa da visão federal americana.

Jean Monnet e Robert Schuman, considerados a justo título como pais fundadores da Europa, são profundamente atlantistas – Jean Monnet até pela sua vida profissional – e esse atlantismo é indissociável da construção europeia.

Embora com características específicas, a construção comunitária europeia integra-se na ordem internacional do pós-guerra, tanto na dimensão de defesa e segurança, como na dimensão comercial ou ainda na dimensão monetária e financeira decorrente dos acordos de Bretton Woods.

A primeira comunidade europeia assume a forma de um cartel em dois domínios vistos ainda como vitais, o carvão e o aço, e é dificilmente compaginável com a lógica da nova ordem internacional. A criação de uma união aduaneira em 1957, se bem que prevista no artigo 24 do GATT, levanta também reticências, nomeadamente no que respeita ao tratamento de territórios ultramarinos e à organização da política agrícola.

A primeira peça da nova ordem mundial a cair irá ser a do sistema de câmbios fixos baseada na conversão do dólar em ouro, que irá ser substituído, a partir de 1973, por um sistema de câmbios flutuantes baseado no dólar mas sem conversão em ouro. É a partir dessa época que começa a ser equacionada uma moeda única europeia e se inaugura uma política cambial europeia.

É também a partir dessa época que se começa a desenvolver a ideia da “Europa popular” ou da “Europa dos cidadãos” de que o relatório Adonnino supracitado é parte integrante. Projectos chave que continuam a ser essenciais na sustentação popular da construção europeia – como é o da abolição das fronteiras, a construção da cidadania europeia, simbologia europeia ou os programas de intercâmbio – nascem nesta altura.

O sistema de câmbios flexíveis de 1973 vai atravessar um período relativamente longo de crise – coincidente com a chamada crise do petróleo – e vai desembocar em meados da década de oitenta no ‘consenso de Washington’ que é mais conhecido nos meios que lhe são críticos como de período “neoliberal”.

No consenso de Washington, o equilíbrio das contas públicas substitui a preocupação com o equilíbrio das contas externas, e o controlo da inflação através da política monetária substitui a preocupação com as taxas de câmbio.

Na mesma altura, a construção europeia conhece um período especialmente auspicioso, com a ascensão de Jacques Delors à presidência da Comissão Europeia, com a aprovação do Acto Único Europeu, que lança simultaneamente uma reforma institucional, o mercado único europeu, a política de coesão europeia – de que a política para as regiões ultraperiféricas vai ser uma componente – e a política ambiental europeia.

No plano internacional vai-se assistir à transformação do GATT em Organização Mundial de Comércio e, com a queda das cortinas de ferro e de bambu, um formidável crescimento da integração económica mundial, que se faz sentir tanto dentro das fronteiras europeias – com os novos países membros da EU vindos da Europa central – como fora delas, com a presença do colosso chinês e de outros países asiáticos.

A União Económica e Monetária (UEM) aprovada pelo Tratado de Maastricht vai marcar profundamente a evolução europeia. A UEM reflecte a doutrina económica alemã pós-guerra conhecida por ‘ordoliberalism’ que se assemelha ao consenso de Washington excepto no ponto capital das taxas de câmbio que, como sabemos, são fixas na UEM.

Os vinte e dois anos que medeiam entre a integração de Portugal nas Comunidades Europeias e 2008 são marcados pelo crescimento económico e mais ainda pela significativa melhoria das condições de vida nos Açores.

Foram anos que corresponderam ao pleno de uma política europeia de coesão económica, social e territorial de que os Açores são um dos principais beneficiários.

O cenário internacional caracteriza-se igualmente por ser um dos períodos de maior crescimento e de melhoria de condições de vida – fundamentalmente na Ásia e em particular na China – aqui por efeito do sucesso do consenso de Washington e da integração no mercado mundial de uma vasta parte do mundo que se encontrava dele separado.

  1. A Europa e o Mundo perante a crise de 2008

Penso que há três observações fundamentais a fazer perante a crise. A primeira, é a de que se tratou de uma crise focada no mundo ocidental. Na República Popular da China, por exemplo, a ‘crise’ traduziu-se na passagem de uma taxa de crescimento de 14,4% em 2008 para 9.7% em 2009. No sentido preciso do termo, não existiu qualquer crise.

A segunda é a da deflação, fenómeno que tinha caracterizado a crise dos anos 30. Aqui, há que assinalar que a economia japonesa foi a precursora deste fenómeno, já desde os finais do século XX, e que ele se estendeu a todo o mundo ocidental e a algumas economias que, embora menos desenvolvidas, se encontram há mais tempo plenamente inseridas na ordem económica internacional, como a tailandesa.

A solução – quiçá provisória – para o problema foi encontrada na expansão monetária feita pelas autoridades monetárias por meio do que ficou designado como “quantitative easing”, que consiste na compra por estes de títulos de longa maturidade, públicos e privados. A eclosão de novas formas de moeda virtual baseadas na tecnologia ‘block chain’ a partir de 2008 vai ser também importante.

A terceira é a de que a crise foi particularmente violenta e prolongada na zona Euro, e que só terminou aqui com a adopção pelo Banco Central Europeu de uma agressiva política de “quantitative easing” desenvolvida por Mario Draghi, em clara oposição à ortodoxia doutrinária alemã e à letra do Tratado de Maastricht.

Do ponto de vista da China – e até certo ponto, da Índia e de outros importantes países no Sul e Sudeste Asiático, como o Vietname ou o Bangladesh – 2008 não foi um ponto de inflexão mas antes de continuação de um desenvolvimento económico e social (mas não necessariamente político) a um ritmo alucinante.

O Sul, sudeste e leste asiático, (que poderemos abreviar como o “Asian Indo-Pacific Rim” (AIPR) onde se concentrava já mais de metade da população mundial, adquire cada vez mais a posição de centro económico mundial, com a China a emergir como o mais poderoso país na maior parte dos domínios estratégicos e a aproximar-se a passos largos dos EUA nos domínios onde isso ainda não acontece.

Do ponto de vista desta área geográfica, o sucesso da ordem internacional consignada pelo “Consenso de Washington” foi impressionante. O mesmo não se pode dizer das outras regiões do mundo em desenvolvimento, a Ásia Ocidental e Central, a África e a América Latina onde, a par de alguns casos de sucesso, a nota dominante não é positiva.

Curiosamente, o país onde mais claramente a insatisfação com os resultados da ordem internacional vigente se vai manifestar é os EUA, ou seja, exactamente o país que se encontra no centro dessa mesma ordem.

O populismo – que tomamos aqui como um movimento plurifacetado que exprime uma revolta popular com a forma como as elites gerem os assuntos públicos – vai afirmar-se de formas muito diversas e não necessariamente em consequência de crises económicas, mas ele tem uma importância determinante nos EUA.

A insatisfação norte-americana radica na percepção de que o livre-câmbio levou a uma desindustrialização que afectou particularmente a classe trabalhadora e pôs em causa os interesses estratégicos do país.

O facto de o fim da convertibilidade do dólar em ouro em nada ter afectado o seu estatuto de principal moeda padrão do comércio e da finança, e este manter ou mesmo aumentar o seu valor, apesar dos continuados e enormes défices externos do país, não é visto pela nova administração americana como um trunfo, mas antes como uma fragilidade.

Era suposto que o ‘consenso de Washington’ promovesse o liberalismo político através da liberalização económica, mas o sucesso da liberalização económica da China vai ser antes a base fundamental para este país não só esconjurar o liberalismo político dentro de portas mas lançar-lhe um poderoso desafio global.

A nova administração americana vai pôr em causa, mais do que esse consenso, toda a arquitectura da liberalização económica global, julgando-a como uma troca de sólidos interesses económicos por ilusórios interesses políticos. Essa rejeição vai abarcar a União Europeia, julgada também, a par da China, como uma construção política que abusa dos interesses norte-americanos.

O apoio de Donald Trump ao Brexit – embora ainda na qualidade de candidato – manifesta assim a oposição norte-americana a uma construção para a qual os EUA deram uma contribuição importantíssima.

O sucesso económico dos países que justamente menos tinham usufruído de qualquer apoio ao desenvolvimento sob a forma de subvenções ou de condições de comércio preferenciais poderá ser lida de diversas formas, a mais óbvia das quais corroborando inteiramente as teses ‘neoliberais’ e a inutilidade – ou mesmo os malefícios – de qualquer intervenção que queira corrigir os ‘efeitos do mercado’.

Indubitavelmente, os factos mostraram que o apoio económico não é nem condição necessária nem condição suficiente para o desenvolvimento. Pode mesmo tornar-se em fonte de subsidiodependência, ou seja, o apoio económico pode ser visto como alternativa ao desenvolvimento como instrumento económico.

Posto isto, penso que nem todas as realidades estão preparadas da mesma forma para o desenvolvimento, e o apoio económico pode ser importante.

Para já, aquilo que se afigura como resultado desta crise é o desmantelamento, mesmo que parcial, da ordem internacional sem que haja uma noção do que vamos ter em sua substituição, que não uma disputa por mercados, territórios e esferas de influência feita à margem do direito e de regras consensualmente assumidas.

No domínio monetário e financeiro, a crise repetiu muito do que tinha sido o rebentar da bolha especulativa dos anos 1930, e por razões semelhantes, não faltando quem visse na re-instauração de regras semelhantes às que foram adoptadas então a solução duradoura para os nossos problemas.

Embora de forma bastante mais complexa a burocrática, e de eficácia duvidosa, a regulação financeira internacional tem procurado reintroduzir um sistema de regulação que limite o potencial destrutivo para toda a economia da especulação do sistema financeiro, inspirando-se na regulamentação bancária dos anos trinta.

O “quantitative easing” teve resultados positivos, embora a sua eficácia como instrumento monetário seja questionável. Com efeito ela traduziu-se numa grande subida no preço dos activos (ou seja, o que normalmente se designa como inflação, embora seja visto positivamente, contrariamente ao que se passa com o preço dos bens e serviços) e numa moderada recuperação económica.

O facto de os bancos centrais dos países mais desenvolvidos terem podido aumentar de forma tão pronunciada e tão prolongada a massa monetária sem que daí resultassem quaisquer problemas na credibilidade do sistema monetário é algo de extremamente significativo, comparável à total ausência de consequências negativas pelo desligamento desse sistema do ouro (ou qualquer outra matéria equivalente).

A eclosão de sistemas monetários privados com base na tecnologia de block chain a partir de 2008 é outra inovação que poderá vir a revolucionar completamente as economias mundiais, com consequências ainda dificilmente antecipáveis.

Toda a ortodoxia do “consenso de Washington” em matéria monetária ruiu com a crise de 2008, mas estamos longe de saber o que vamos ter em sua substituição.

Em último lugar, temos a acuidade da crise na Europa. A principal razão é a de a União Europeia ter sido a última a utilizar o quantitative easing. Para além disso, as instituições europeias consideram que as suas políticas de coesão e agroambiental se revelaram ineficazes, e vêm aí a razão de ser da acuidade da crise ter sido particularmente grande nos países e regiões que mais dela dependiam. Para além da diminuição das somas envolvidas, há que esperar que seja ainda mais desvirtuado na regulamentação a apresentar o sentido de coesão que esteve na sua origem.

Em último lugar, temos a questão especificamente europeia, que é a da manutenção de um sistema de câmbios fixos numa zona económica com comportamentos divergentes da qual resulta a acumulação de desequilíbrios externos não corrigidos. É o tema essencial a que dediquei o livro de que sou coautor “a reforma do Euro 2014”.

Embora o seu impacto tenha sido muito amenizado pela política monetária expansionista, esses desequilíbrios permanecem inteiramente e poderão vir a qualquer momento relançar a crise europeia.

  1. Uma reflexão euro-atlântica sobre uma nova ordem internacional

No plano político internacional, a actual administração norte-americana teve o enorme mérito de quebrar com a política de apaziguamento dos programas nucleares norte-coreano e iraniano, confrontar o apoio do Paquistão ao jihadismo, mas tem-se mostrado incapaz de dar ao mundo uma perspectiva de ordem internacional, apostando antes num conjunto de valores conservadores, como o nacionalismo ou as energias e as actividades do passado.

A União Europeia está perante o seu primeiro grande rombo que é o BREXIT, enquanto por todo o lado estão em clara ascensão ou assumem o poder forças políticas que questionam os valores ou o interesse da construção comunitária, sendo a França de Emmanuel Macron a única excepção significativa neste panorama.

O Tratado de Lisboa agravou substancialmente os problemas institucionais europeus e a eurocracia europeia fecha-se cada vez mais num casulo alheando-se da realidade e mostrando-se incapaz de agir sobre ela.

Assistimos a um desmoronar de toda a arquitectura internacional montada no pós-guerra. Sendo certo que o centro de gravidade geopolítica mundial se afastou de forma que julgo ser inexorável para o Asian Indo-Pacific Rim, não existe por ora nessa zona nenhuma concertação internacional capaz de ultrapassar os seus grandes problemas internos e menos ainda de produzir uma ordem internacional à escala planetária.

A ordem internacional do pós-guerra foi necessariamente resultado dessa guerra, mas acima de tudo de duas décadas de posicionamentos e reflexões tais como a do Presidente Woodrow Wilson ou de John Maynard Keynes.

Precisamos de repensar profundamente as relações económicas internacionais, a moeda e a coesão, no quadro europeu, atlântico e internacional tendo em conta os desafios com que se confronta a humanidade; a eliminação da pobreza, a preservação do planeta, a construção da paz e do desenvolvimento.

E como lembrei vezes sem conta, se a morte prematura do Presidente Franklin Delano Roosevelt impediu que as Nações Unidas viessem a mudar-se de Genebra para a Horta, como era a sua intenção, só a falta de ambição, de persistência e de visão poderão impedir que nos Açores – aqui em Ponta Delgada, na Universidade dos Açores, ou noutro enquadramento geográfico e institucional – se venha a centrar um polo fundamental da necessária reflexão sobre a ordem internacional que sabemos ser necessária.

Uma “irritante” falta de espinha direita

Uma “irritante” falta de espinha direita

  • Luís Rosa

14/5/2018, 7:16

Para um país em que a corrupção é combatida sem tréguas, deixar que lhe dobrem a espinha não é uma hipótese em cima da mesa. Foi isso que Angola tentou fazer a Portugal no caso Manuel Vicente.

1. Estava escrito nas estrelas que o caso Manuel Vicente tinha de acabar como acabou: a transferência para Angola das suspeitas de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais imputadas pelo Ministério Público ao ex-presidente da Sonangol.

Era inevitável pela pressão diplomática absurda que o novo presidente angolano João Lourenço exerceu sobre Portugal por causa de um aliado político chamado Manuel Vicente. Era inevitável pela forma como o Presidente da República (PR) Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro (PM) António Costa não recusaram desde logo tais jogos de pressão — pelo contrário, aceitaram entrar no jogo de Lourenço. E era inevitável porque a nossa classe política é incapaz de ter uma relação com Angola que não tenha como ponto de partida a subordinação total e absoluta dos valores do Estado de Direito Democrático aos interesses económicos conjunturais de uma relação com um regime que já foi uma Ditadura e que hoje é uma espécie de semi-democracia.

Mas não tinha de ser assim.

Começando pelo fim. É lamentável a forma subserviente como Marcelo e Costa felicitaram a decisão judicial poucos minutos depois de a mesma ser conhecida.

Pior: Marcelo, sempre mais exuberante (para o bem e para o mal), não só correu para o telefone para agendar uma conversa com João Lourençopara o dia seguinte, como aderiu mesmo à classificação de “irritante” (da autoria do ministro dos Negócios Estrangeiros Santos Silva) para classificar de forma indireta as suspeitas de que Manuel Vicente, enquanto presidente da Sonangol, terá pago 760 mil euros a um procurador da República para arquivar dois inquéritos abertos contra si por suspeitas de branqueamento de capitais na compra de diversos imóveis.

Em suma, o PR e o PM não conseguiram esconder o seu alívio por uma decisão judicial que vai de encontro ao objetivo inicial do poder político: evitar que a Justiça portuguesa prosseguisse o seu trabalho, com o Ministério Público a exercer a ação penal que lhe compete e os tribunais a julgarem as suspeitas que estavam em causa contra Manuel Vicente.

E é lamentável por três razões simples:

  • Em Portugal, e ao contrário de Angola, vigora o princípio da separação de poderes. Princípio esse que foi sempre invocado por Marcelo e por Costa para não se pronunciarem sobre o caso Manuel Vicente. É pena que não tenham mantido a sua coerência até ao final — nem que fosse apenas por uma questão formal e de imagem do Estado e até que a Procuradoria-Geral da República confirmasse que não havia possibilidade de recurso;
  • Ao comentarem, como comentaram, o tal “irritante”, o Presidente da República e o primeiro-ministro estão a desvalorizar as graves suspeitas de que um cidadão estrangeiro (Manuel Vicente) terá alegadamente corrompido um magistrado português. Na prática, o Chefe de Estado e o líder do poder executivo estão a dizer aos seus concidadãos (e à Justiça) que as suspeitas de corrupção não podem ser encaradas da mesma forma quando estão em causa figuras poderosas estrangeiras.
  • Em suma, Marcelo e Costa estão a dizer: a Justiça não é igual para todos.

2. Este posicionamento do poder político ao mais alto nível só pode agravar o pessimismo com que muitos cidadãos encaram a atitude do regime português perante a gravidade das imputações da Operação Marquês e as consequências do caso Manuel Pinho revelado pelo Observador.

É totalmente contraditório o PS declarar o estado geral de vergonha perante o caso José Sócrates, a classe política em peso arrasar com o independente Manuel Pinho por ter recebido cerca de 15 mil euros mensais de um dos principais grupos empresariais portugueses enquanto foi ministro da Economia e muitos desses novos indignados ficarem aliviados por o desembargador Cláudio Ximenes ter entendido que a transferência do caso Manuel Vicente para Luanda é a melhor solução para o arguido.

Estes dois pesos e duas medidas não fazem sentido — e demonstram igualmente o nível de oportunismo das elites portuguesas, nomeadamente daqueles que têm muitos interesses nos negócios com Angola.

Não está em causa as boas relações (que devem sempre existir) entre Portugal e Angola ou a proximidade entre os povos e as economias. Está em causa, sim, um conjunto de valores que Portugal, enquanto Estado-membro da União Europeia, não pode abandonar. E entre eles está um combate sem tréguas à corrupção, à fraude fiscal e ao branqueamento de capitais — particularmente, se estiverem em causa representantes do poder político como alegados autores de tais ilícitos.

Infelizmente, não foi este o sinal dado pelo Presidente Marcelo, pelo primeiro-ministro António Costa e até pelo líder da oposição Rui Rio. Para manter boas relações com Estados amigos como Angola, não é preciso uma tremenda e “irritante” falta de espinha política por parte dos mais altos dignatários do Estado português. Ou melhor: deixarem que nos dobrem a espinha não pode ser uma hipótese em cima da mesa.

3. Mas João Lourenço, o homem que prometeu uma “cruzada contra a corrupção”, também não sai nada bem deste filme.

O novo presidente angolano resolveu dar a mão a um gestor que tinha caído em desgraça junto de José Eduardo dos Santos. Presidente da Sonangol entre 1999 e 2012, Vicente modernizou a empresa pública que gere os recursos petrolíferos do país, foi indigitado sucessor de Eduardo dos Santos como vice-presidente de Angola em 2012 mas acabou por perder influência junto do clã Dos Santos. Detentor de muitos segredossobre a indústria petrolífera angolana, foi com surpresa que se soube em Portugal que Manuel Vicente terá feito parte da comitiva que João Lourenço levou em janeiro para Davos para o Fórum Económico Mundial — e onde António Costa promoveu um encontro com Lourenço.

Tudo seria normal se João Lourenço tivesse seguido o rumo de José Eduardo dos Santos — o que não aconteceu. Em nome da tal “cruzada contra a corrupção”, demitiu os filhos do seu antecessor das posições-chave que ocupavam na economia angolana, afastou do seu inner circlegenerais como Kopelipa e Dino que representam a promiscuidade entre o Estado e o setor privado e passou a defender mais transparência para a vida pública angolana.

Este homem, contudo, é o mesmo que utilizou todos os instrumentos diplomáticos ao seu dispôr para promover o arquivamento de suspeitas graves de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais imputadas a Manuel Vicente. É que, não tenhamos dúvidas, as suspeitas contra Vicente vão ser arquivadas em Angola pouco tempo depois de ‘aterrarem’ em Luanda.

Porquê? Porque a existência de uma aministia de todos os crimes económicos que são imputados a Vicente impede que a ação penal seja prosseguida contra o ex-presidente da Sonangol. E sim, caro leitor, leu bem: o ex-presidente José Eduardo dos Santos aprovou uma amnistia geral dos crimes de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais e de outro tipos de crimes com a exceção dos crimes de sangue.

Que credibilidade terá, a partir do mais do que provável arquivamento do caso Manuel Vicente em Angola, a “cruzada contra a corrupção” de João Lourenço? Não será esse um indício forte de que em Angola apenas está em causa a substituição de uma clique por outra? O futuro dirá.

Ladrões de Bicicletas


Mérito e escolhas colectivas

Posted: 15 May 2018 12:20 AM PDT

Mesmo o mais empedernido liberal reconhece que existe algo de fundamental que distingue bens e serviços como a saúde e a educação da generalidade dos bens de consumo. É essa natureza distinta que fundamenta a provisão pública. Richard Musgrave, um dos fundadores do estudo das finanças públicas, chamou-lhes bens de mérito, e os exemplos que deu, escrevendo em 1959, incluíam os cuidados de saúde, a educação, os almoços escolares e a habitação a baixo custo.

Note-se que não estamos a falar de bens públicos, como a justiça, a segurança pública ou os faróis ao longo da costa, que têm como características a não-rivalidade (o meu benefício pela existência de um farol não reduz o do próximo) e a não-exclusão (a partir do momento em que a sociedade beneficia da existência de segurança pública, ninguém pode ser excluído desse benefício). Este outro tipo de bens, reconhecido pelo menos desde Adam Smith, também justifica a provisão pública, pois o mercado não assegura devidamente a sua provisão. Mas os bens de mérito não são meros bens públicos: o consumo de almoços escolares e da maioria dos cuidados de saúde é rival e perfeitamente passível de exclusão, mas não é por isso que Musgrave – e a maioria de nós – deixa de lhes reconhecer mérito particular.

Os bens de mérito vêm assim criar um desafio à teoria económica. Não se tratando de bens públicos (que são uma chamada ‘imperfeição’ de mercado), como entender então esta natureza fundamentalmente distinta de alguns bens e serviços, reconhecida intuitivamente pela maioria de nós?

A resposta da economia dominante foi apelar a dois outros tipos de ‘imperfeições de mercado’: as externalidades e as falhas de informação. A educação seria um bem de mérito porque o seu ‘consumo’ beneficia não apenas o próprio como também o conjunto da sociedade (a chamada ‘externalidade’ positiva) e porque as vantagens futuras que advêm da decisão de, por exemplo, estudar mais alguns anos não podem ser perfeitamente calculadas e antecipadas (a falha de informação). Estes dois efeitos seriam aquilo que faz com que as decisões ‘de mercado’ de consumidores e produtores se afastem do nível óptimo para a sociedade, justificando a intervenção pública.

Mas existe outra forma de entender os bens de mérito. Trata-se daqueles bens e serviços que, colectivamente, consideramos responderem a necessidades essenciais e serem fundamentais para a dignidade de cada um. A provisão de cuidados de saúde tem um mérito particular que justifica a provisão pública não porque a saúde seja um bem público no sentido económico, não por causa das suas externalidades positivas ou da incerteza dos seus benefícios, mas porque a sociedade como um todo considera que ninguém, independentemente do seu rendimento, deve dela ser excluído. A garantia da satisfação universal dessas necessidades é algo que, colectivamente, esperamos de uma sociedade decente.

Esta abordagem rompe com o pressuposto da soberania das preferências individuais que caracteriza a economia dominante e abraça explicitamente a política. Passamos da soberania do consumidor para a dignidade do cidadão; do individualismo metodológico para a deliberação política. É uma abordagem mais fiel ao espírito original de Musgrave e à percepção intuitiva da maioria de nós: exigimos que o ensino primário seja universal e gratuito por causa do modelo de sociedade em que queremos viver, e não apenas subsidiado a fim de compensar as suas eventuais externalidades positivas e a incerteza dos seus benefícios individuais.

A partir do momento em que reconhecemos que existe uma esfera de necessidades essenciais cuja satisfação universal deve ser assegurada pela sociedade por via não mercantil, a verdadeira discussão política é sobre onde traçar a fronteira dos bens de mérito. Porque é que o ensino superior deve ser encarado, e co-financiado, de forma distinta do ensino básico e secundário? Porque é que a participação do Estado na provisão de habitação, que é uma necessidade absolutamente básica, é tão residual?

A propósito de questões como as taxas moderadoras na saúde, o pagamento de propinas ou a política pública de habitação, devemos pensar nestas questões em termos dos princípios fundamentais que queremos que norteiem a nossa sociedade. Pedindo conselho, mais do que aos economistas, aos poetas que nos falam da paz, do pão, da habitação, da saúde e da educação.

(publicado no Expresso online a 03/05)

Injustiça laboral, injustiça social

Posted: 14 May 2018 02:13 PM PDT

No Expresso Curto, Pedro Santos Guerreiro (PSG) cruza oportunamente duas notícias: “Lemos nas edições de hoje do DN e do JN que a diferença dos salários médios dos administradores das empresas cotadas é 46 vezes superior aos dos seus trabalhadores, pensamos de novo em justiça - em justiça social. Como revelava o Expresso no sábado, três quartos dos quase 530 mil empregos criados em Portugal desde 2013 pagam menos de 900 euros por mês.”
Gosto de ver PSG pensar em justiça social. Agora só falta defender as instituições que podem ajudar a remover alguma das injustiças sociais no capitalismo e isto ainda antes dos necessários impostos progressivos e serviços públicos universais: sindicatos fortes e contratação colectiva tão centralizada quanto possível, por exemplo.
A verdade é que continuamos numa sociedade desigual e sem pressão salarial, fruto de uma economia política medíocre, brutalmente aprofundada no tempo da troika, através da redistribuição regressiva de direitos e obrigações entre patrões e trabalhadores. Foram criados incentivos para nos transformamos ainda mais na Florida da Europa e, tal como do outro lado do Atlântico, o resultado não é famoso para quem trabalha.
O “retrocesso evitável” do tempo da troika e do seu governo, para usar uma expressão de um livro que detalha todas as suas malvadezas anti-laborais e as formas de as superar, foi infelizmente aceite pelo governo do PS no essencial, correndo-se assim o risco de estarmos perante um compasso de espera nesta área. Os enviesamentos políticos de classe da integração europeia são conhecidos. E o retrocesso até foi saudado por demasiados jornalistas económicos no momento da sua instituição, bastando lembrar as narrativas dominantes durante a crise e os seus protagonistas.  

A catástrofe do apartheid israelita

Opinião

A catástrofe do apartheid israelita

Mariana Mortágua

Hoje às 00:05

Os 70 anos da criação do Estado de Israel são também os 70 anos da expulsão de milhões de árabes palestinianos das suas terras. São cinco milhões de refugiados, dos quais quase dois milhões vivem em campos precários, amontoados em pequenas faixas de território, emparedados pelos muros que Israel construiu.

As comemorações israelitas, que culminaram com a instalação ilegal da embaixada dos EUA em Jerusalém, foram marcadas por ataques aéreos a Gaza, e pelo assassinato de dezenas de civis palestinianos desarmados, entre eles crianças, como assinalou o coordenador especial da ONU. Só ontem foram mortas mais de meia centena de pessoas e milhares ficaram feridas. Benjamim Netanyahu, primeiro-ministro israelita, alega legítima defesa.

Sempre em nome da sua defesa, Israel já ocupou 60% do território palestiniano definido em 1967, violando as fronteiras reconhecidas pela ONU e pelos EUA de Obama e que delimitam o Estado da Palestina. Foi também "para se defender" que emparedou os refugiados palestinianos em guetos que são verdadeiras prisões a céu aberto, em Gaza e na Cisjordânia.

Em Gaza vivem 5046 palestinianos por quilómetro quadrado. Não podem sair, porque todas as fronteiras estão fechadas e são controlados pelo Exército israelita, pelos mesmos soldados que vimos num vídeo recente a executar um homem palestiniano desarmado, escolhido ao acaso. Em nome da sua defesa, Israel mantém um boicote a todo o território, onde vivem dois milhões de pessoas. Tudo é racionado, da água ao combustível e, segundo a ONU, 80% da população sobrevive dependente de ajuda humanitária. Foi uma dessas passagens humanitárias que Israel decidiu fechar esta semana, por alegadas questões de segurança.

Na Cisjordânia está o muro que inspirou Trump. Foi Israel que o construiu, 700 quilómetros de cimento e arame farpado, parte dele localizado em território palestiniano. Israel recusa-se a cumprir a sentença do Tribunal de Justiça de Haia que o declarou ilegal e ordenou a sua destruição em 2004. O muro - a que Israel chama "barreira de segurança" - cercou cidades inteiras, asfixiadas economicamente, e eliminou a liberdade de circulação dos palestinianos. Para se deslocarem, são obrigados a passar por mais de 500 chekpoints controlados por soldados israelitas fortemente armados. O acesso a rodovias, a infraestruturas e a serviços básicos é limitado para os palestinianos da Cisjordânia. A humilhação é total.

É preciso ser muito hipócrita para não reconhecer a completa desproporção entre o Estado de Israel e a Palestina. Em nome da sua defesa, Israel invadiu e expulsou, construiu muros, segregou, humilhou e violou a lei internacional. Mas isso não é defesa, é agressão, é ataque, é ocupação, é apartheid.

Em 1948, Israel declarou a criação do seu país em terras da Palestina. O que para os israelitas é comemorado como "a Libertação", para os palestinianos é conhecido como Al-Nakba, "A catástrofe", e ela parece não ter fim. Depois da ocupação do território onde sempre viveram, são eles o povo perseguido e segregado.

* DEPUTADA DO BE