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quarta-feira, 13 de junho de 2018

Pela piscina morre o Pablo

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 13/06/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

(A direita sempre usou o cliché da "coerência" como exigência à esquerda para combater a própria esquerda. Só que o conceito de "coerência" que a direita usa não passa de uma mistificação que, muita gente de esquerda - numa espécie de estado de má consciência religiosa -, aceitou durante décadas: para se ser de esquerda, teria que se ser pelintra. Nada mais falso, perverso e tortuoso. Aceitar tal conceito de "coerência" seria reduzir a capacidade de oposição à própria direita e, de certa forma, legitimar a desigualdade e o estatuto predestinado dos "bem nascidos" que precisamente se pretende combater.

Comentário da Estátua, 13/06/2018)


Apesar de termos tido a nossa minipolémica doméstica em torno da casa da mulher de António Costa, ela não tem a clareza nem atingiu a dimensão da casa de Pablo Iglesias, o líder carismático do Podemos. A história conta-se depressa. O líder do Podemos comprou, com a sua companheira e porta-voz do grupo parlamentar, Irene Montero, uma casa de 600 mil euros com piscina. E acabou, vexado por todos, por ter de fazer um referendo interno à sua liderança – que venceu, numa participação recorde de 190 mil inscritos, com 68% dos votos.

Qualquer pessoa de esquerda com visibilidade sabe o que é o controlo social que a direita tenta impor sobre o dinheiro que tem e como o usa. Eu, que sou ninguém, já ouvi bocas por ter iPad, viver no centro de Lisboa, usar uma camisa de marca. Por tudo e um par de botas. E não é seguramente por apontar pecados semelhantes aos outros. Isto nasce de um equívoco: que a esquerda, pelo menos a que não defende o igualitarismo absoluto, é contra o bem-estar. Pelo contrário, a esquerda é pelo bem-estar. O Die Linke (partido de esquerda alemão) tem um pin onde explica isso mesmo: “Luxo para todos!”. Claro que frase faz uma provocação com um absurdo. Se for para todos não é luxo. Mas pretende passar a ideia certa: de que a esquerda defende a distribuição da riqueza, não da pobreza. Quem gosta de pobreza são alguns cristãos, que acham que ela dignifica.

O que a esquerda combate é a desigualdade. E porque, ao contrário de alguma direita, não acredita que a justiça social deva resultar do altruísmo dos privilegiados – através da caridade ou da filantropia de milionários generosos –, defende que cabe ao Estado distribuir a riqueza, o poder e as oportunidades, através de impostos, serviços sociais, escola pública, sistema de reformas, leis laborais, salário mínimo nacional e por aí adiante. A promoção da igualdade é uma função do Estado. Nunca resultará, para a esquerda, da bondade de cada um. Nisso acredita a direita conservadora.

A imagem de José Mujica, o austero e feliz antigo Presidente do Uruguai, é inspiradora. Porque o despojamento é, num homem com as suas responsabilidades, sinal de uma enorme liberdade. E porque significa que, num continente onde isso é tão raro, saiu da política com aquilo com que entrou. Se tivesse entrado com muito e saído com o mesmo o valor ético era igual, só a inspiração seria menor. Não usar o poder político para enriquecer é um dever igual para um político de esquerda ou de direita – e não é seguro que seja o caso de Pablo Iglesias. Viver na pobreza não é um dever de ninguém. A não ser, talvez, dos franciscanos.

Assumamos então, de uma vez por todas e para acabar com a conversa primária sobre a "esquerda caviar", que nada há de errado em alguém de esquerda ter dinheiro, desde que pague os seus impostos, não explore ninguém e não tenha, na sua vida cívica e profissional, qualquer atividade que condene aos outros. Mesmo a muitos gestores de empresas, a única crítica que se faz é serem os próprios a definirem os seus salários milionários e a determinarem uma aviltante desigualdade salarial nas suas empresas. Aí, a responsabilidade é mesmo deles. Mas não é na casa de cada um, no carro de cada um, na roupa de cada um que o debate político que interessa se faz. Quem, na política, escolhe esse caminho é porque nada tem a dizer de fundamental aos cidadãos.

E esse é o problema de Pablo Iglesias. Quando Luis de Guindos comprou uma casa, curiosamente do mesmo preço, ele não resistiu a fazer a sua demagogia e escreveu no Twitter: “Entregaria a política económica do país a quem gasta 600.000 num apartamento de luxo?” Tinha tanto por onde pegar, até do ponto de vista ético. Perante um homem que vive da promiscuidade entre o serviço público e os interesses privados e que, como político, impôs aos cidadãos a fatura que resultou de uma crise financeira provocada, entre outros, pela Lehman Brothers (onde foi responsável para Europa e diretor para Espanha e Portugal até ao colapso), uma casa de 600 mil euros é o menor dos seus pecados.

Em 2015, enquanto corria com uma jornalista no parque do bairro operário de Vallecas, em Madrid, Pablo Iglesias dizia, sobre os políticos: “Acho perigoso que se isolem... Não sabem o que acontece lá fora. Um político que mora em Somosaguas [zona residencial de luxo, nos arredores de Madrid, com o preço médio mais alto de Espanha], que mora em chalés, que não sabem o que é pegar transporte público..." Quem escolhe a demagogia fácil no lugar da proposta política merece ver-se ao espelho. E o ter organizado um referendo interno por causa de um assunto da sua vida pessoal, apenas piora tudo: não é repetindo a demagogia para corrigir a demagogia que resolve a contradição que a demagogia acaba sempre por tornar inevitável.

A Coreia é a sua praia

Opinião

Miguel Guedes

Hoje às 00:07

A realização da cimeira em Singapura foi a verdadeira cedência de Donald Trump a Kim Jong-un. Foram-se avolumando, nas últimas semanas, sinais de que o presidente norte-americano não estaria pelos ajustes do encontro. Percebe-se agora a relevância e seriedade do plano de fuga: não há nada acordado neste acordo. Brindemos, então, à teoria do copo meio cheio ou meio vazio. Pessimistas dirão que todos os passos foram dados para o lado e a caminho de uma fotografia; optimistas dirão que foi o primeiro de muitos passos em frente com a meta à vista. Tudo em família, ambos tinham a ganhar. Trump ergue-se como o homem da paz e Kim como o homem do seu regime. Mútuo e historicamente legitimados e sem tiros, certificados a papel de boneco.

"Fogo e Fúria", fanfarrona prequela de guerra, "homem-foguete" ou o "velho demente". As palavras foram engolidas pelo tempo em nome de princípios gerais. No princípio era o verbo, a guerra foi de palavras. Depois de quase 70 anos de confrontos políticos após a Guerra da Coreia e 25 anos de tensão decorrentes do programa nuclear de Pyongyang, os líderes comprometem-se em quatro pontos: estabelecer novas relações bilaterais, combinar esforços para a paz nas Coreias, trabalhar para a desnuclearização da Península (nunca se referem à "desnuclearização completa e irreversível", adoptando-se a versão vazia de compromissos anteriores) e o repatriamento de prisioneiros de guerra ou desaparecidos em combate. Acordo de quatro pontos para o futuro em que o único ponto com nó diz respeito aos restos mortais de militares americanos a identificar desde o fim da Guerra da Coreia de 1950-53.

Pese embora o fascínio pelas praias da Coreia do Norte (numa "perspectiva imobiliária" podia ter "os melhores hotéis do Mundo" em vez de mísseis, disse), é difícil perceber como Trump não se acanha na legitimação do regime de Kim Jong-un com a moda do presidente dos afectos (Kim "ama o seu povo", o que "não me surpreende", referiu). Esta brusca compreensão por um regime que tortura, assassina e mantém cativos dezenas de milhares de presos políticos, com taxas de 30% de subnutrição em crianças com menos de 5 anos, está longe de significar que tenha sido subitamente assolado pelo respeito democrático pela autodeterminação dos povos. Jogo de espelhos. O proteccionismo económico de Trump podia ser assinado de cruz pelo regime de Pyongyang e vice-versa. Até pode dar certo. É enorme a possibilidade de duas personalidades autocráticas se respeitarem e admirarem por períodos tácticos de felicidade conjunta.

MÚSICO E JURISTA
O autor escreve segundo a antiga ortografia

A cimeira Trump-Kim

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

"Veja só sr. polícia, o marujo que eu empurrei borda fora sabe nadar e não se afogou. E até chamei a guarda costeira para o recolher. Salvei-o, é o que é."

Esta rábula ilustra o que aconteceu entre Trump e o Kim. Ambos se entretiveram a quase iniciar uma guerra nuclear e agora encontraram-se para voltar ao ponto de partida em que estavam quando começaram a medir o tamanho das respectivas pilas.

A comunicação social, talvez por suspirar de alívio, confunde voltar à estaca zero com progresso. Não lhes ficava mal recordar os leitores que este tipo de tratado não foi o primeiro que os EUA estabeleceram com a Coreia do Norte e não será, seguramente, o último deles a dar em nada.

Fica a seguir uma selecção, em nada exaustiva, para ilustrar um ponto simples: este tratado de 2018 vale zero. Serviu, isso sim, para dois líderes melhorarem a péssima imagem resultante dos seus próprios actos.

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Al Shabaab moçambicano desafia ministro do Interior e mata mais cinco civis e dois membros das FDS em Cabo Delgado

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Desafiando as Forças de Defesa e Segurança (FDS), que estão a ser comandadas em Cabo Delgado por uma brigada central liderada pelo ministro do Interior, o Al Shabaab moçambicano protagonizou novos ataques a aldeias do Norte do país, na segunda (11) e terça-feira (12), onde assassinou pelo menos mais cinco civis e dois militares elevando para 39 o número de mortos desde o passado dia 27 de Maio.
O grupo de criminosos atacou cerca da meia noite de segunda-feira (11) a aldeia de Changa, no distrito de Nagade, empunhado catanas e pelo menos uma rama de fogo tendo assassinado quatro cidadãos indefesos e queimado sete residências, reporta o jornal Mediafax.
Nas proximidades da mesma aldeia, de acordo com a agência de notícias Lusa, citando fontes das FDS, o Al Shabaab atacou ainda um acampamento de Forças de Defesa e Segurança, durante a noite de segunda-feira (11), e matou dois elementos das autoridades e deixou um outro ferido.
Com estes dois ataques este movimento denominado pelos locais de Al Shabaab, embora não tenha conexões com o grupo terrorista homónimo da Somália, espalhou o terror que tem protagonizado desde Outubro de 2017 para seis dos 15 distritos da província de Cabo Delgado, rica em recursos naturais como madeira, rubis, gás natural ou grafite.
Já na madrugada de terça-feira (12) o movimento terrorista, que académicos moçambicanos determinaram estar organizado em várias células de 10 a 20 homens, voltou a atacar no distrito de Macomia onde desde a meia noite do passado sábado (09) funciona um comando operacional aberto pelo ministro do Interior, Jaime Basílio Monteiro, que está na província desde a semana passada para “normalizar a situação de segurança e estabilidade das comunidades”.
“A nossa presença como Força de Defesa e Segurança é precisamente esta. Persegui-los até a exaustão, encontra-los e tornar Mucujo, Quiterajo, Quissanga e qualquer ponto da província de Cabo Delgado livre da acção criminosa desses malfeitores”, afirmou o ministro do Interior à jornalistas.
De acordo com jornalistas que acompanham Jaime Basílio Monteiro o comando operacional que integra “oficiais ao mais alto nível” tem em vista combater, todo e qualquer tipo de acção de desestabilização protagonizada por grupos de jovens que têm estado a matar pessoas indefesas, para além de destruir as suas habitações e outros bens.
Al Shabaab parece desafiar as Forças de Defesa e Segurança
Na semana finda foi anunciada a captura de três cidadãos que faziam parte do Al Shabaab. “Eu estava como bandido no mato. Então pensei e fugi do mato. Um dia eu perguntei (ao chefe), este trabalho é o quê ? E o chefe dos bandidos queria-me matar com catana. Os chefes chamam-se Aly Machud, Bonomar, Nuro, Kidjepéri, Ndzorógue de Tanzânia, chefe Hássane de Tanzânia, chefe Momad Ibrahimo”, disse à Rádio Moçambique Sumail Amade, um dos capturados.
No entanto o Al Shabaab parece desafiar as Forças de Defesa e Segurança reforçadas por “oficiais ao mais alto nível” e atacou a aldeia de Nathuko, no Posto administrativo de Quiterajo, onde decapitou um idoso, de acordo com fontes locais citadas pelo sitio ntatenda.com

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O porta-voz do Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique, Inácio Dina, que há uma semana tranquilizou o povo afirmando que este movimento estava “fragilizado” na conferencia de imprensa desta terça-feira (12) não confirmou, nem desmentiu nenhum destes novos ataques, e disse que: “neste momento as Forças de Defesa e Segurança continuam com acções de consolidação e reposição do cenário de ordem e tranquilidades públicas naquelas comunidades que tiveram cenários de crime”.
Apesar do terror e dos consecutivos ataques nos distritos próximos à bacia do Rovuma onde encontram-se imensos jazigos de gás natural o Presidente do Conselho de Administração da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, Omar Mithá, assegurou que a instabilidade não afecta a construção da Vila de reassentamento de Afungi, em Palma, que é parte do bilionário empreendimento de Liquefação de gás natural liderado pela empresa norte-americana Anadarko na Área 1.
Porém, na semana passada, a embaixada dos Estado Unidos da América em Moçambique recomendou aos cidadãos americanos residentes ou de passagem pelo distrito de Palma a abandonarem o local imediatamente e disse estar informada da possibilidade de ataques iminentes na região.
Questionada pelo @Verdade sobre uma eventual suspensão das suas actividades e que medidas de segurança teriam sido tomadas em face da escalada da violência a Anadarko apenas respondeu: “Levamos muito a sério qualquer potencial ameaça à segurança dos nossos colaboradores e continuamos a monitorar de perto a situação na área de Palma. A nossa principal prioridade continua a ser a segurança dos nossos colaboradores e, por essa razão, não discutimos detalhes das nossas medidas de segurança”.
As embaixadas de Portugal e do Canadá também alertaram aos seus cidadãos para evitarem a província de Cabo Delgado e, nesta terça-feira (12), foi a vez do Reino Unido advertir aos cidadãos para evitarem viajarem para os distritos de Palma, Mocímboa da Praia e Macomia devido a um aumento de ataques por “grupos ligados ao extremismo islâmico”.
Silencioso continua o Presidente de Moçambique e Comandante em Chefe das Forças de Defesa e Segurança, Filipe Nyusi, que nem sequer pêsames apresenta aos familiares dos pelo menos 39 moçambicanos já assassinados desde 27 de Maio último.
@VERDADE – 13.06.2018

Trump ganha sempre

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 12/06/2018)

LOUCA3

Talvez o momento mais revelador da conferência de imprensa de Trump em Singapura, hoje de manhã, tenha sido quando falou na “perspetiva do negócio imobiliário” quanto à vontade de construir “condomínios nas lindas praias da Coreia do Norte”, “maravilhosa localização” entre os turistas da China e os da Coreia do Sul, cheios de dinheiro para irem ao exótico. Eu vi essas praias quando a TV coreana passava as imagens do lançamento dos mísseis, explicou o Presidente norte-americano. Isto é puro Trump: um empresário e não um estadista, que luta contra os concorrentes e promove negócios, mas só considera de modo instrumental a ordem política que resulta da sua ação. Ora, há muitos que o desprezam por isso, ele não faz parte da aristocracia da política, tem maus modos, é petulante, gaba-se do “meu instinto, o meu talento” para ler a alma de Kim Jong-un, é volúvel e incapaz – pois ganha precisamente por isso.

Trump arrisca muito no plano interno, embora esteja a despejar dinheiro para os ricos (um generoso sistema fiscal) e para os pobres (nota-se menos, mas ampliou alguns programas sociais com impacto), só porque juntou uma coligação de aventesmas e esses são os seus candidatos no outono deste ano. Mas arrisca pouco no plano internacional. Aí ganhou tudo até agora: rompeu o acordo com o Irão e Merkel prometeu resistir, mas as empresas europeias já fugiram, a começar pelas que tinham os maiores contratos, a Total e a Airbus; entrou em choque no G7 com todos os outros e Macron, que tinha apostado tudo nos abraços da Casa Branca, veio ufano espanejar um G6 sem os EUA, o que é pura fantasia; mudou a sua embaixada para Jerusalém e deu luz verde a Netanyahu para disparar, e assim ficamos.

E no que arrisca menos é na guerra comercial. Uma economia que tem o poder do dólar e que enfrenta quem tem grandes excedentes comerciais fica sempre a ganhar neste tipo de braço de ferro. Assim foi no passado com Nixon e com Reagan e assim será agora. A Alemanha, a UE e a China sofrerão os custos desta guerra e a economia norte-americana no seu todo só tem a ganhar (mesmo que algumas empresas de jeans e agroalimentar percam). Para mais, Trump tem o controlo do sistema internacional de pagamentos interbancários, pelo que pode usar sanções efetivas contra qualquer empresa, e tem o dólar: os EUA vão emitir dívida pública no valor de 2,4 biliões (triliões, na notação norte-americana) no próximo ano e meio, para financiar o seu gigantesco défice, e os chineses e europeus vão adquirir esses títulos de dívida. Ou seja, vão comprar dólares com os seus excedentes comerciais, para os emprestarem aos EUA, e ficam vulneráveis nos dois lados da operação. Se precisar de reduzir e restruturar a sua dívida, Trump pode forçar uma desvalorização do dólar; querendo reduzir o défice comercial, ameaça os seus concorrentes e consegue pressioná-los nas exportações e no financiamento. Vai sempre recuando na competição com a China, mas não é no imediato que esta potência ultrapassará os EUA, e, quando vier o tempo, já haverá outro inquilino na Casa Branca.

O acordo com Kim Jong-un pode ser mais uma exibição do que uma solução concretizada. Mas o que é evidente é que, em Singapura, Trump está a dizer aos governos europeus e aos seus concorrentes asiáticos que hoje é ele quem manda.