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terça-feira, 19 de junho de 2018

Esquecimento é que não foi

  por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 19/06/2018)

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(O PS vai de mal a pior, como revelam as últimas sondagens e agora até nem houve fogos (até ver). Em vez de querer ganhar as eleições com os votos dos trabalhadores, quer ganhar as eleições com os votos do patronato, o que é um absurdo porque há muito menos patrões que trabalhadores.

Ó Costa, achas que a Direita vai reduzir o PSD a 20% para te dar os 10% que precisas, dispensando os apoios da esquerda? És um poeta, afinal. E eu a julgar que tinhas percebido porque os partidos socialistas definham moribundos em toda a Europa. Não, não percebeste, porque a continuares assim, o PS irá pelo mesmo caminho. Boa viagem.

Comentário da Estátua, 19/06/2018)


Não se pode dizer que a sondagem de ontem seja um balde de água fria para o PS. Por uma razão simples, o aviso já tem barbas. O PS nunca esteve à beira de maioria absoluta em sondagens (e cuidado que são sondagens e a quinze meses de eleições) e tem vindo a perder terreno nas últimas consultas. A queda do PSD não foi estancada por Rui Rio, dado que o seu partido não descola dos valores historicamente desastrosos em que se encontra, mas nem isso deu a Costa o fôlego que os seus conselheiros lhe prometeram no congresso da Batalha.

Creio em todo o caso que foi por causa da sondagem que o primeiro-ministro escolheu fazer um discurso eleitoral na cerimónia da assinatura dos acordos de concertação social. Assim foi, e quem ouvisse a descrição das medidas ontem assinadas pensaria tratar-se de um menu de recuperação de emprego depois do abismo da precariedade. Costa escolheu explicar todas as alíneas que representam um ganho para os trabalhadores, e há algumas, como a redução de três para dois anos para as renovações dos contratos a prazo, ignorando o resto, que é aliás o que interessa aos signatários. Esse discurso é por isso uma contradição: no dito, promete medidas vantajosas para aqueles com quem se recusou a negociar, os sindicatos, e no não-dito, oferece medidas vantajosas para as associações patronais com quem negociou e que sabem o que ganharam.

Há nisto um engenho que deve ser interpretado. Ao assinar o pacote laboral precisamente na véspera da reunião em que começa a negociar o Orçamento com os seus parceiros, o Governo dá um sinal à esquerda, mas também ao seu próprio partido, pois acontece que o grupo parlamentar do PS está descontente com algumas das medidas e parece querer limitá-las, por exemplo no âmbito da extensão do período experimental (além de que o Tribunal Constitucional já venceu Vieira da Silva nesta matéria por um vez e se diz que o Presidente não está convencido).

Se as deputadas e deputados do PS limitarem essa medida e tiverem maioria no parlamento, o Governo terá de voltar à concertação social e pedir aos patrões que acomodem a mudança. Não é o que convém nem a uns nem a outros: o patronato quer que a Concertação funcione como uma Câmara Corporativa que seja uma instância superior ao parlamento, que não teria recurso; o governo não quer mostrar que não domina a agenda e que assina compromissos fajutos.

Ora, esse é o problema do discurso de Costa na assinatura do pacote laboral. Ele promete uma coisa (reduzir a precariedade) e oferece outra (como a duplicação do período experimental e dos contratos verbais, uma invenção que merece Guiness). Cria um fosso à esquerda e perturba o seu eleitorado, mas acha que ganha o centro e o espaço abandonado pelo PSD e CDS, aliás maravilhados com este acordo. Mas, se quem lê estas linhas pensa que isto é sinal de oscilação do Governo, permita-me que lhe apresente o argumento contrário: é mesmo isto que o Governo pretende, um conflito com a esquerda.

O atraso na preparação do Orçamento, antecipado por este pacote laboral, é prova de que o Governo só tem uma meta, as eleições

As discussões entre o Governo e os partidos de esquerda revelam toda a tramoia. Depois de dois anos de trabalho em comissão com o BE, o Governo tinha uma lista de medidas concretas, bem estudadas, que sabia que mereciam acordo à esquerda. Pois incluiu algumas dessas medidas no que apresentou aos parceiros, mas esqueceu-se de os informar sobre alguns detalhes preciosos, exatamente as alterações fundamentais que tinham encantado as associações patronais. Explica um secretário de Estado, em entrevista da semana passada, que não foi por rasteira, foi porque se trata de assuntos de última hora. Não convence. Se o Governo invocasse aselhice, ainda alguém podia acreditar; mas esquecimento é que não foi. O Governo quis fazer um acordo com António Saraiva e quis que os partidos de esquerda ficassem chocados com a manobra de lhes ocultar uma parte fundamental das medidas. É uma bola ao centro, como se diria neste tempo de futebol.

O problema é que este é o segundo conflito em torno da concertação com as associações patronais. O primeiro foi a redução da TSU paga pelas empresas, para as compensar do aumento do salário mínimo. Foi derrotada no parlamento e substituída por uma proposta bem pensada, mas pouca gente se terá dado conta de que se tratou do único momento em que o Governo podia cair, dado que se tratava de uma violação explícita do acordo com o BE (“Não constará do programa do governo qualquer redução da TSU das entidades empregadoras”). E se o Governo violasse o acordo seria por uma única razão: provocar uma crise política.

Ao criar uma segunda crispação em torno da concertação social, o Governo demonstra várias evidências: a sua prioridade em 2018 é um acordo com Saraiva para entalar Rui Rio; o subterfúgio de esconder aos partidos de esquerda a proposta que levava à concertação tem um objetivo evidente; e o atraso na preparação do Orçamento, antecipado por este pacote laboral, é prova de que o Governo só tem uma meta, as eleições. Faz mal e não creio que ganhe nada com isso. A maioria dos eleitores gosta desta solução política porque ela cria coerência e não medo, porque toma medidas e não faz ameaças. Se o Governo demonstrasse estar a preparar meticulosamente o acordo para um bom orçamento, melhor andaria o país. E dá trabalho: temos a questão da escola pública, do serviço de saúde, da redução da precariedade, da regulação da energia, do investimento ambiental. Não é pouco. Não é cedo.

EUA tencionam abandonar Conselho de Direitos Humanos da ONU

Gustavo Sampaio

17:56

Administração liderada por Donald Trump deverá anunciar hoje a retirada dos EUA do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, noticia a "Bloomberg". Em causa estarão as posições sobre Israel e a política de imigração baseada em "tolerância zero" dos EUA.

Administração liderada por Donald Trump deverá anunciar hoje a retirada dos EUA do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), noticia a “Bloomberg”. Em causa estarão as posições sobre Israel e a política de imigração baseada em “tolerância zero” dos EUA.

A confirmar-se, Trump cumpre assim “a promessa de abandonar um órgão que desde há muito acusa de hipocrisia, além de criticar a parcialidade em relação a Israel, de acordo com duas fontes próximas do processo”, revela a “Bloomberg”.

O Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a par da embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, planeiam anunciar o abandono do Conselho de Direitos Humanos da ONU durante o dia de hoje, no Departamento de Estado, em Washington D.C., EUA. A “Bloomberg” baseia-se em fontes próximas do processo que pediram para não serem identificadas.

Os EUA têm criticado por diversas vezes as posições do Conselho de Direitos Humanos da ONU relativamente a Israel. Outro motivo apontado para o abandono é a política de imigração de “tolerância zero” dos EUA. Na reunião de segunda-feira do órgão, em Genebra, Suíça, o comissário da ONU para os Direitos Humanos criticou essa política e classificou a prática de separar as crianças dos pais na fronteira EUA-México como “inconcebível”.

Mundial de futebol 2018

  por estatuadesal

(Carlos Esperança, 19/06/2018)

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Que na euforia do futebol e na loucura pelo ídolo nacional se esqueçam os pés de barro que abateram o colosso no campo da ética e do exemplo que devia ser, é a atitude que se compreende quando o coração manda mais do que o cérebro, e a virtude está nos pés.

Que o PR, que tudo comenta, não se comprometa com uma simples frase que pode pôr em risco a própria popularidade, laboriosamente construída, incêndio a incêndio, missa a missa, beijo a beijo, abraço a abraço, na explosão de afetos que prodigaliza, é natural. Há um segundo mandato à espera e o coração dos portugueses a pulsar ao mesmo ritmo, com extrassístoles sentimentais sincronizadas com as do PR dos afetos.

Que a beleza de um desporto e o sortilégio da sua execução nos arrebatem e transportem para a euforia, a que nem os mais calmos resistem, compreende-se. Perdoam-se pecados mortais no êxtase de irrepetíveis alegrias.

Difícil é entender que o virtuosismo dos pontapés na bola possa ser contaminado pelos pontapés na ortografia, num desvario que assusta os incautos e estarrece os humanistas.

Numa viagem por murais do Faceboock encontrei muitos amigos a arriscar o pescoço numa moldura que me levou a pensar no regresso da pena de morte, de cuja abolição Portugal foi pioneiro. Era o meu orgulho ferido, a deceção com excelentes amigos, uma angústia cuja relação com o desporto não compreendia.

Era apenas a falta da cedilha a transformar o ânimo que, no íntimo, se queria transmitir, num aparente apelo troglodita a um passado de barbárie.

Felizmente é 'só' uma prevaricação ortográfica em que até os mais zelosos se deixaram cair. Fiquei mais descansado.

Força, Portugal!

As muitas vidas de Ronaldo

  por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 19/06/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Quem tivesse dúvidas sobre o jogador que é Cristiano Ronaldo bastaria ter visto o jogo entre Portugal e a Espanha, em que um só homem fez a vez de uma equipa inteira. Mesmo percebendo-se que as comparações entre épocas são difíceis, Ronaldo já suplantou há muito e largamente Eusébio. Ser o melhor do mundo no mais significativo espetáculo global não é coisa pequena. E essa figura ser de um país pequeno dá-lhe, nesse país, um poder simbólico esmagador. Qualquer português que viaje sabe que Cristiano Ronaldo é a única referência que muitas pessoas têm de Portugal. Ronaldo é, em notoriedade, o português vivo mais importante. E entre os mortos não terá muitos rivais.

Na mesma semana em que confirmámos, pela enésima vez, o génio de Ronaldo, ainda por cima a salvar a seleção nacional de uma derrota merecidíssima, aconteceu uma coisa bastante relevante na sua vida: chegou a acordo com o fisco espanhol para se dar como culpado de fraude fiscal, pagar 18,8 milhões de euros e receber uma pena de prisão de dois anos, suspensa. O fisco tinha-o acusado, em quatro casos diferentes, de ocultar rendimentos com os seus direitos de imagem através de empresas situadas em paraísos fiscais. O rombo no fisco corresponderia a 14,7 milhões por pagar e acabaram numa redução para 5,7 milhões. Sem este acordo e com todas as multas e juros o valor que Ronaldo teria de pagar seria muitíssimo superior. Ruinosamente superior.

Os advogados de Ronaldo defenderam-se com discrepâncias de critérios e Ronaldo com a sua própria ignorância. “Não entendo muito disto. Tenho apenas o sexto ano de escolaridade e a única coisa que sei fazer bem é jogar futebol. Se os meus assessores me dizem ‘Cris, não há problema’, eu acredito neles”. O fisco não deixou de recordar a regularização voluntária que fez da sua situação fiscal, quando, em 2014, saíram as primeiras notícias, demonstrando que já então tinha consciência do que fizera. Cristiano é um adulto que reconheceu perante o Estado espanhol uma fraude fiscal. O acordo, que inclui a pena de prisão suspensa, não pode ser tratado como um mero negócio. Isso seria ludibriar a justiça e a ética pública. É o reconhecimento de um crime que constará no seu cadastro. Ronaldo reconheceu que enganou o Estado espanhol, eximindo-se, apesar de ser milionário, do pagamento dos impostos que os simples trabalhadores que o veem jogar no Real Madrid pagam, sem mugir, todos os meses.

O que Ronaldo não pagou ao fisco espanhol foi pago, no lugar dele, por milhares e milhares de pessoas que contam o seu dinheiro ao fim do mês. Fugir ao fisco é um comportamento errado em qualquer pessoa. Quando um milionário que não sabe onde gastar o seu dinheiro o faz é pornográfico. Nenhum dos atos altruístas de Ronaldo, que tantas vezes são tornados públicos pelos seus assessores de imagem, compensa esta falha de cidadania. E pagar a quem o faça por ele, escudando-se na sua ignorância, torna a coisa ainda pior: Ronaldo responsabiliza terceiros pelas suas falhas.

Se Ronaldo fosse um político não duraria um dia depois disto. Se fosse um banqueiro ou um empresário seria humilhado na praça pública. Como é o nosso herói, não ouvi uma voz escandalizada em Portugal. Pelo contrário, um dia depois de se ter dado como culpado por uma fraude destas dimensões e de aceitar uma pena de prisão de dois anos (mesmo que suspensa), era endeusado por todos. Por mim também.

Este é um momento especialmente complicado para escrever este texto. Podemos dizer que um herói nacional é um mau cidadão poucos dias depois de confirmar que é herói? Podemos de devemos. Porque isso sublinha as nossas próprias contradições e não apenas as dele.

E ajuda a explicar o que noutros casos tem sido difícil: um ator pode ser um abusador sexual e não deixar de ser brilhante por isso; um escritor pode ser um traste político e um génio; um político pode ser má pessoa e o mais eficaz governante ou o líder mais inspirador; um futebolista pode ser um herói nacional e um mau cidadão.

Porque nós somos muitas coisas. Nós, os que cometemos erros, e nós, os que os julgamos, perdoamos ou ignoramos. E é por isso que faz pouco sentido fazer de alguém, por ser excelente no que faz, um modelo para a vida. Porque todos somos feitos de muitas vidas.

Prender crianças por crime nenhum

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

Entretanto, na Land of the Free, crianças são separadas dos seus pais, na fronteira texana dos EUA, e enviadas para centros de detenção, onde são confinados a uma jaula, dormem com cobertores feitos de papel de alumínio e são autorizados a passar apenas duas horas por dia ao ar livre, o que é sempre algo de que uma (alegada) democracia ocidental se pode orgulhar. Isso é prender crianças por crime nenhum.

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