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quarta-feira, 11 de julho de 2018

Ultimatos e diplomacia prussiana

  por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 10/07/2018)

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Dois jogadores de xadrez calculam o seu próximo movimento. Pensam no efeito da deslocação da peça escolhida, o que significa que procuram antecipar o que fará o adversário depois da sua jogada. E imaginam como responderão então e o que fará o outro. E qual deve ser a nova resposta e assim por diante. Não parece simples, mas é mesmo muito complexo: as jogadas possíveis no xadrez são mais do que o número de segundos desde o Big Bang.

Agora imagine que não são só dois jogadores à frente do tabuleiro. Há um terceiro e talvez mesmo um quarto. Ou muitos mais. Falam, sugerem, atrevem-se mesmo a mexer nas peças. O jogo torna-se uma cacofonia. Mas é assim mesmo que são as sociedades, a sua complexidade resulta da interação de muitos interesses, grupos, classes, pessoas e estratégias. Difícil, não é? Ainda assim, jogamos xadrez e vivemos em sociedade, porque inventamos regras que permitem coordenar-nos nesta complexidade ou nesta cacofonia.

A preparação do Orçamento é parecida com este jogo de xadrez. Os jogadores pensam no que vão fazer e como responderá quem está sentado à sua frente. Vão alinhando as suas propostas: o investimento para salvar o Serviço Nacional de Saúde, o aumento extraordinário das pensões, o sistema fiscal, os salários da Função Pública, a carreira dos professores. Calculam o seu efeito e o que responderá o ministro dos ministros. Há outros jogadores a pairar à volta: Assunção Cristas garante que vota contra, Rui Rio diz para exasperação de Hugo Soares que quer ler a lei antes de a votar, o Presidente avisa que há eleições se a coisa falha, Carlos César mostra o bastão. E eu pergunto: além do barulho, estão a fazer as continhas, a preparar as simulações dos efeitos das medidas, a escolher as soluções para os problemas? Há conversa ou só cavaco?

Ora, só há duas formas de preparar o Orçamento. Uma é com trabalho, estudando as medidas e verificando as contas. Outra é com negociações de última hora para encaixar reivindicações. A primeira exige tempo e já vai sendo tarde. A segunda é mais fácil porque é um fingimento de entendimento. O governo e porventura algum dos seus parceiros têm hesitado entre uma e outra forma de preparar a lei. Em todo o caso, este ano parece que nos calhou em sorte a segunda. Nada está a ser preparado em comum entre a maioria, fora alguma conversa de circunstância enquanto prosseguem os insondáveis desígnios do Terreiro do Paço. De facto, parece ser assim que o governo entende o seu magistério neste Orçamento, antes só que mal acompanhado.

A intervenção inopinada de Augusto Santos Silva deve ser lida nesse sentido. Silencioso como um bom diplomata, Santos Silva não apareceu em Portugal durante os dois primeiros anos do governo. Instalou-se como um ministro seguro de um governo europeísta no tempo da crise europeia. Mas ao terceiro ano chegou-se ao congresso do PS para anunciar a ressurreição da Terceira Via, aquela fusão entre social-democracia e neoliberalismo à moda de Blair e Hollande. Em política, isso quer dizer Bloco Central e rejeitar o acordo com o Bloco de Esquerda e o PCP. Verdade seja dita, Santos Silva nunca ocultou nem essa preferência nem o seu menosprezo pelos aliados do governo. É dele aquele inolvidável “eu cá gosto é de malhar na direita e gosto de malhar com especial prazer nesses sujeitos e sujeitas que se situam de facto à direita do PS e são das forças mais conservadoras e reacionárias que eu conheço e que gostam de se dizer de esquerda plebeia ou chique, estou-me a referir ao PCP e ao Bloco de Esquerda”, uma formosura de quando era o número dois do Governo Sócrates. Só que agora as circunstâncias são diferentes e, se bem leem os augúrios, os partidos de esquerda devem perceber que Santos Silva está a tentar atiçar um conflito para confirmar a sua estratégia pessoal e que a melhor forma de responder à diplomacia prussiana é mesmo trabalhar para um orçamento consistente.

A esquerda e a amnésia

  por estatuadesal

(Carlos Esperança, 11/07/2018)

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(Tem razão António Costa quando diz que "os portugueses não perdoariam se a maioria de esquerda caísse já" (ver notícia aqui). Mas, assim sendo, convinha também que o PS não insistisse em quebrar acordos negociados com os partidos à sua esquerda, sem lhes dar qualquer satisfação, como  aconteceu no caso das rendas do sector energético e agora, mais recentemente, no caso das leis laborais. Se se quer manter uma maioria de esquerda não há lisura quando se fica à espera que a direita sufrague no parlamento as medidas que o PS toma para satisfazer as clientelas tradicionais da direita.

Comentário da Estátua, 11/07/2018) 


Quando o anterior Governo estava já em minoria na AR e o PR continuava a ser cúmplice para desmantelar o Estado, o país assistiu perplexo ao ressentimento e desespero da campanha de Belém, difundindo ameaças e instilando o medo, indiferente aos reflexos nos juros da dívida e à desconfiança internacional que provocava.

Foi o tempo em que um PR salazarista e o PM acidental entraram em desvario por não terem na AR o apoio necessário para manter o governo mais extremista que a democracia gerou.

É interessante verificar os tiques salazaristas de certa direita, que levam dirigentes partidários a considerarem aberrante e antidemocrático o governo suportado pelo PS, PCP, BE e PEV, sem que os partidos de esquerda tivessem alguma vez apelidado de antidemocráticas as coligações do PSD com o CDS, o PPM e outras irrelevâncias de origem duvidosa. Talvez se encontre aqui a forma de aferir o espírito democrático de cada partido, no respeito por todos os que emergem do voto popular.

Infelizmente, à curta memória do País junta-se o interesse eleitoral dos partidos que disputam as próximas eleições. Passada a ameaça da direita truculenta, que originou o atual Governo, já se digladiam entre si e perturbam a convergência que se revelou saudável para o País.

Numa altura em que a direita, apesar da forte campanha mediática, apoiada pelas associações patronais, bastonários e outras personalidades da sua área, não consegue derrubar o Governo, seria lamentável que os partidos que convergiram quando Cavaco e Passos Coelho ameaçavam subverter a democracia, desrespeitando a AR, se transformassem agora nos coveiros da mais rica e profícua experiência política das últimas quatro décadas.

A onda de agitação e de reivindicações sociais, algumas injustas, saídas de classes privilegiadas, perturbam o discernimento de partidos de esquerda e ajudam a direita, enquanto o Governo, incapaz de satisfazer as exigências e de proceder à consolidação orçamental a que é obrigado, abre espaço ao crescimento da direita. Todos parecem esquecer o governo anterior, e não se dão conta de que Rui Rio e Marcelo não são Passos Coelho e Cavaco. Destes já não há medo, o medo que levou à convergência dos vários partidos de esquerda.

É fácil imaginar o que vai suceder se não houver bom senso nos partidos que suportam o atual Governo, desde recriminações mútuas ao desalento do eleitorado apoiante. A abstenção será a primeira força a crescer e o desânimo afetará o eleitorado que se revê na solução em vigor.

A perceção dos eleitores da culpa de cada partido na eventual cisão da maioria que permitiu este governo decidirá o voto, mas não há ganhos que compensem o que o país perde.

Pela minha parte, apoiante entusiasta deste governo apoiado pelo PS, BE, PCP e PEV, e livre de compromissos partidários, sentir-me-ei traído.

Um comunista não pode ser rico?

por estatuadesal

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 11/07/2018)

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Começou por ser um dos frequentes disparates das redes sociais: o deputado do PCP, António Filipe, aparece fotografado na sala de espera de um hospital privado em frente a um cartaz do partido, exposto na rua, por detrás do vidro do prédio, com o slogan, vibrante, a gritar que "a saúde é um direito, não é um negócio".

Façanhudos do Twitter e do Facebook entretiveram-se a insultar o deputado, com base numa aparente contradição moral entre os ideais e a prática.

O tom, mais ou menos, foi este: "afinal os comunas dizem ao povo para irem ao Serviço Nacional de Saúde e, pelas costas, quando têm dinheiro, vão mas é aos privados, como os ricos!".

Vozes de burro não deviam chegar ao céu mas, na verdade, se zurrarem muito, pelo menos chamam a atenção dos deuses da opinião publicada nos media tradicionais.

Bernardo Ferrão, no Expresso, tem a bondade de defender o direito à "livre escolha" de António Filipe mas critica o PCP por defender as 35 horas de trabalho para os profissionais da saúde, por aceitar as cativações de Mário Centeno e por deputados como António Filipe "se baterem contra as Parcerias Público Privadas" na saúde quando, afinal, "confiam num privado para o seu particular".

João Pereira Coutinho, no Correio da Manhã, repete parte destes argumentos e pareceu-me (o texto é um bocadito confuso) achar mal que a ADSE pague consultas a deputados comunistas.

Tirando o facto de ninguém saber se António Filipe foi a uma consulta, a um tratamento, a um exame (talvez coberto por protocolos com o Serviço Nacional de Saúde), ou, simplesmente, visitar uma pessoa amiga, o pressuposto é este: um dirigente comunista se vai, doente, a um hospital, não está a tratar-se, está a fazer uma opção política.

Esta inferência, se for aceite como verdadeira, leva, dedutivamente, a outras conclusões: um comunista pode lutar toda a vida pelo que acha ser melhor para a sociedade, por melhores salários para os trabalhadores, por mais direitos para os desprotegidos, por serviços de saúde gratuitos e bons para todos. No entanto, o comunista, para respeitar os seus princípios políticos, só pode ter um salário decente, usufruir de direitos básicos ou, simplesmente, escolher o que é melhor para si quando toda a sociedade poder beneficiar dos resultados da sua luta - até lá, em solidariedade para com os mais desfavorecidos, o comunista não pode usufruir do que a sociedade tem disponível...

Com tanta fome no mundo, imagino que um comunista a comer bife da vazia já seja, para esta moral distorcida, um pecado mortal.

Um comunista, pelos princípios desta teoria, é, portanto, um mártir e se não se portar na sua vida privada como um mártir, é um hipócrita. Ora acontece que o PCP não é a Ordem de São Francisco (e mesmo esta, já não é o que era).

Claro que ninguém pergunta se um defensor da privatização da saúde deve ir a um hospital público, se um defensor dos PPR privados pode receber pensões do Estado ou se quem quer destruir o ensino público pode meter os filhos nas melhores universidades do país (que, não por acaso e muito graças aos comunistas, são as públicas).

Se um comunista tem de ser pobre, um católico pode ser neoliberal? Um monárquico pode ser deputado da República? Um rico pode ser solidário? Um ateu pode ir a um velório na igreja?

Se, por exemplo, um cientista comunista inventar o motor contínuo ou souber transformar chumbo em ouro, não pode ficar rico? Por esta pretensa filosofia, não: deve doar o seu talento e saber à sociedade e, no estágio em que ela está, transformar inevitavelmente um capitalista rico que decida investir na sua invenção num capitalista obscenamente rico, contribuindo assim para o aumento do fosso entre ricos e pobres, ajudando ao domínio das classes favorecidas e prolongando a exploração dos trabalhadores. Ou seja, um comunista, para esta gente, só é um bom comunista se for estúpido!

Sim, um comunista, se levar a ideologia a sério, cumpre uma ética na sua vida privada que tem correspondência com os princípios sociais que defende. Mas não, um comunista não tem de ser parvo.

“Carnaval de Verão” é em Válega

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A Junta  de Freguesia de Válega  organiza mais uma edição do “Carnaval de Verão”. A iniciativa carnavalesca terá lugar no próximo dia 21 de julho de 2018 (sábado), pelas 21 horas, na Rua Irmãos Oliveira Lopes (no centro da Vila de Válega) e contará com a participação dos seguintes grupos e escolas de samba:


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> Sonhos de Violeta;

> Kan-kans;

> Foragidos de Mosteirô;

> Pierrots;

> Juventude Vareira;

> Levados do Diabo;

> Marados;

> Charanguinha;

> Xaxas;

> Bailarinos de Válega.

A Junta de Freguesia de Válega convida toda a gente a associar-se ao tradicional  desfile de “Carnaval de Verão”.

A CP sem comboios

Novo artigo em Aventar


por Autor Convidado

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[maquinistas.org]

Em altura de greves é frequente vermos repórteres televisivos de microfone em punho a disparar perguntas frenéticas às pessoas directamente lesadas cuja resposta, sendo tão óbvia, torna o motivo da reportagem burlesco, não pretendendo defender utentes mas sim atacar quem de facto exerce um direito.
É vê-los nas urgências dos hospitais: "então, a greve dos médicos causou-lhe muito transtorno? e agora quando terá nova consulta?"...ou na estação do Cacém: "a que horas vai chegar ao emprego? esta greve traz-lhe muitas dificuldades"... como se as greves tivessem sentido prático se os efeitos não se fizessem sentir.

No último mês foram suprimidos na CP centenas de comboios não por efeitos de greves mas por falta de material circulante, por avaria, falta de mão de obra na EMEF, falta de investimento. Chegamos ao cúmulo do serviço ferroviário ser substituído por camionetas na Linha do Oeste, no Algarve, no Minho, no Alentejo, no Vouga, comboios que deviam ser feitos com Pendulares substituídos por material a cair de maduro sem que isso se reflicta no preço do bilhete, encerram-se troços por não haver comboios a circular como aconteceu na semana passada entre Caldas da Rainha e Coimbra na Linha do Oeste. Milhares de passageiros prejudicados.
Custos acrescidos com o aluguer de camionetas.
Perda de imagem e valor sem que se questionem os responsáveis.

Senhores jornalistas, considerando que o senhor Presidente da CP numa greve em Junho alegou prejuízos de 1,3 milhões de euros , que tal perguntarem-lhe quanto é que a CP já perdeu neste processo de degradação programada ?

A novela Bruno Carvalho acabou, as crianças tailandesas felizmente saíram da gruta, o Benfica ainda não começou a jogar , os incêndios tardam , o Pontal ainda vem longe.
Vamos entrar na silly season com os motivos de reportagem a escassear.

Senhores jornalistas, porque não ir por esse país fora, pelas estações ferroviárias do Algarve ao Minho fazer aquela pergunta sacramental que tanto gostam de fazer em alturas de greve :

"então, a falta de comboios está a causar-lhe muito transtorno???"