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domingo, 21 de outubro de 2018

As remodelações

  por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 21/10/2018)

JPP

Pacheco Pereira

As remodelações são normais nos governos. Podem ser julgadas do ponto de vista formal e substancial. Do ponto de vista formal esta foi bem feita, sem fugas, rápida, e com amplitude suficiente para ser uma verdadeira remodelação. Do ponto de vista substancial, tem de se esperar para ver e não ir atrás dos julgamentos jornalísticos que são feitos muitas vezes por amizade ou inimizade, por conhecimento ou desconhecimento, sobre as pessoas e não sobre a sua capacidade como ministros nas suas pastas, coisa que só o tempo permite compreender.

Já vi pessoas apresentadas como ministros excelentes cometerem as maiores asneiras, e outros por quem ninguém dava nada serem capazes de ser bons ministros. Há no entanto um problema que é real desde o primeiro minuto que é saber se há incompatibilidades para o exercício de um determinado cargo e isso diz respeito ao ministro Pedro Siza Vieira.

Tancos
Continuo sem perceber nada, mas deve ser falha minha. Mas suspeito que há algo muito grave que continua escondido, ou, em alternativa, tudo é feito com uma completa irresponsabilidade e à "balda". Seja como for há algo podre nos meios da "defesa" e isso é perigoso.

Uma boa descoberta...
…a de António Borges Coelho para o nome do museu que cobre a história portuguesa nos séculos XV e XVI e que tanta discussão terminológica tem dado: "Museu da Expansão Portuguesa." Quem sabe, sabe.

Absurdos orçamentais
40 milhões para a CP, ou seja, nada.

Absurdos orçamentais (2)
O IVA dos toureiros a 6% como se fosse um espectáculo cultural. Bem sei que antes não pagavam nada, mas a protecção às touradas, esse espectáculo em que, como dizem os aficionados, se "ama o touro" espetando-lhe facas e matando-o para gáudio da nobreza cavalar e do povo, é um absurdo.

As tempestades
Eu vivo numa zona do País que corria o risco de ser atingida duramente pela tempestade Leslie. Felizmente isso não aconteceu, mas infelizmente atingiu outro sítio. Acresce que é num sítio alto, tem um miradouro em baixo, e muitas janelas dão para o sentido do mar e do vento. É por isso um sobressalto passar aquelas horas e noite, mas dá para perceber, mesmo com ventos mitigados, o que pode fazer a natureza e como se é indefeso face a ela. A não ser que se viva num bunker e mesmo assim…

Fantasmas
Uma antiga "primeira filha" da família Bush diz que a Casa Branca está "assombrada", salientando logo a seguir que "não é por Trump". Pobre "primeira filha", esqueceu-se que na América há uma poderosa indústria de ghostbusters privados que vão "limpar" casas assombradas, e equivocou-se no convocador dos demónios. De facto, se for lá a equipa de "limpeza" vai engolir o ectoplasma trumpiano, enchendo um gigantesco saco, junto com os fantasmas mais antigos. Era uma boa ideia para os democratas começarem a abrir algumas empresas de caça-fantasmas, mas com cuidado para eles não apanharem alguns que eles também têm.

A Arábia Saudita...
.…é um dos regimes mais violentos e cruéis do mundo. Patrocina o terrorismo, mantém todo o sistema de punições cruéis da sharia, as mulheres são oprimidas, dizer que viola os direitos humanos é um eufemismo do tamanho do Evereste, é uma ditadura familiar de centenas de príncipes multimilionários. A Arábia Saudita ensina-nos a não esquecer que a cultura e a educação nunca impediram a crueldade: muitos desses príncipes são educados nas melhores escolas do mundo, falam inglês com a mesma fluência do árabe ou talvez mais. Mas estão sentados em cima de muito petróleo, mesmo muito. E, por isso mesmo, todos os Presidentes americanos fazem gala das suas boas relações com a família real saudita, incluindo Obama. E agora Trump. Vão fechar os olhos a tudo.

Bolsonaro vai ganhar
Tudo indica. Mas se o mal vem dantes, o pior vem depois. O Brasil vai conhecer uns anos de ferro e fogo, mas parece que a Bolsa vai bem e deseja a vitória do homem. Aliás nestes processos sabe-se como se entra, mas não se sabe como se sai. Por vias muito travessas, aqui o Lenine tinha razão.

As igrejas evangélicas...
…são hoje um dos braços armados das religiões mais activos e com mais sucesso. Falamos muito do islamismo radical, mas nos EUA e no Brasil, guardadas as proporções, as igrejas evangélicas dão ao conservadorismo mais radical e à extrema-direita, de Trump e Bolsonaro, uma plataforma popular que penetra nas populações mais pobres a partir dos bispos mais ricos e dos ainda mais ricos televangelistas.

Espanha – Filhos de republicanas roubados por e para fascistas

  por estatuadesal

(Carlos Esperança, 20/10/2018)

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Quem já percorreu da vida uma larga fatia, presenciou e viveu circunstâncias dolorosas e conhece os horrores de que os homens são capazes, ainda se surpreende com situações medonhas, em épocas recentes, nos países da Europa.

O ginecologista Eduardo Vela é um sobrevivente impune do roubo de bebés que durou, de forma sistemática e reiterada, 60 anos. Uma rede criminosa começou a roubar bebés, filhos de mulheres republicanas, para os dar a casais franquistas inférteis e a instituições religiosas, antes de assassinar as mães, para garantir aos filhos uma educação cristã e evitar que a lepra comunista os pudesse atingir.

Em 1959, o então diretor da clínica de San Ramón, em Madrid, Eduardo Vela entregou a um casal infértil Inés Madrigal, retirada aos pais. Foi o primeiro caso, entre dezenas de milhares, a ser julgado e provado em tribunal, com o criminoso à solta, por ter prescrito o crime. Inés Madrigal, ilegalmente separada dos pais, foi a única a obter o julgamento de um criminoso da rede que começou a atuar em 1938 e teve o seu auge após a vitória fascista de Franco. O horror prolongou-se, já em democracia, até 1996, com encenação de mortes fetais durante o parto e outras artimanhas contra famílias pobres.

Inés Madrigal, desconfiou das circunstâncias em que foi adotada, depois de ter lido no El País que a clínica de San Ramón se distinguiu na prática de tão hediondos crimes e que o médico Eduardo Vela, agora com 85 anos, tinha sido o responsável de numerosas adoções ilegais, detenções ilegais e falsificação de documentos. Foi a mãe adotiva que, ao atingir a maioridade, lhe confessou a adoção e confirmou em tribunal que a filha lhe tinha sido dada de presente pelo sinistro médico Vela.

Este foi um dos inúmeros casos que o célebre juiz Baltasar Garzón calculou terem sido, entre 1938 e 1996, cerca de 30 mil. As crianças eram separadas dos pais, sem provas de que os pais biológicos tivessem dado consentimento ou tido sequer conhecimento.

Este é mais um crime ignóbil da ditadura franquista a juntar aos fuzilamentos sumários de centenas de milhares de espanhóis, com a cumplicidade de instituições católicas.

A denúncia destes crimes contra a Humanidade e a luta para que sejam imprescritíveis são uma exigência democrática, apontando à execração pública todos os que teimam em reabilitar a memória de Franco e dos seus sequazes.

Em Espanha, os insultos a Deus ou ao apóstolo Tiago, sem queixa dos ofendidos, ainda geram condenações, mas o roubo de crianças ameaça ficar impune, tal como os outros crimes contra a Humanidade cometidos pelo franquismo, a Falange e a Igreja.

Apostila – Os dados deste texto encontram-se na imprensa nacional e internacional do mês de junho. Volto ao tema para cumprir o dever de os lembrar aos leitores quando os fascistas espanhóis pretendem reabilitar a memória de Franco e se opõem à sua trasladação do Vale dos Caídos.

Aquele momento em que o mundo ficou um local mais perigoso

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

Trump says US will withdraw from nuclear arms treaty with Russia

Experts warn of ‘most severe crisis in nuclear arms control since the 1980s’ as Trump confirms US will leave INF agreement [The Guardian]

Eis a contribuição do maluco com bigode saído de um filme de cowboys, John Bolton, caucionada por Trump, o santo padroeiro de O Dinheiro Primeiro.

Quero ver o que é que vão fazer com esse dinheiro todo depois de rebentarem com isto tudo.

Sob o signo do politicamente correcto

  por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 19/10/2018)

Guerreiro

António Guerreiro

O número mais recente da revista italiana Micromega, dirigida por Paolo Flores d’Arcais, é um manifesto colectivo “contro il politicamente correto” (assim reza o título), designado pelo director, no artigo de apresentação, como um “ópio da esquerda”. Flores d’Arcais é um intelectual italiano que iniciou a sua actividade política num movimento juvenil comunista e, depois de ter passado por várias estações de acolhimento ao sabor das contingências e metamorfoses da política italiana, situa-se actualmente num lugar ideológico incerto. Este número da Micromega, revista que nasceu ao serviço de uma esquerda rebelde em relação a ortodoxias, conta com a colaboração de nomes importantes, tais como a filósofa francesa feminista Élisabeth Badinter e a escritora italiana Ginevra Bompiani.

A fragilidade em que se encontra o discurso de esquerda, desde há cerca de três décadas, mede-se pela sua incapacidade em contar histórias convincentes, em revigorar um “imaginário”. Daí que ele se tenha tornado literalmente conservador: a sua terminologia e as suas lutas exercem-se, quase sempre, em nome da conservação do que foi outrora adquirido.

Pelo contrário, a direita (securitária, neoliberal, muitas vezes xenófoba), conseguiu difundir um conjunto relativamente coerente de histórias, de imagens, de estatísticas, de slogans e de medos que colonizaram até muitos dirigentes de partidos políticos de esquerda, como é visível em toda a Europa.

A questão do politicamente correcto tornou-se uma matéria que alimenta com eficácia o poder de cenarização da direita. Na verdade, está montada uma cenografia (a que a revista Micromega decidiu dar o seu aval, considerando que ela traduz uma realidade a rejeitar) que cria uma equivalência exclusiva entre o discurso de esquerda — pelo menos, aquele que é mais audível nos tempos que correm — e as incidências normativas do politicamente correcto.

Esta identificação, que tem uma parte legítima e outra parte que é a criação de um fantasma, deixou a esquerda armadilhada, na medida em que não consegue desembaraçar-se de uma objectivação negativa a que ela não consegue responder de maneira simétrica. Isto é: nomear alguém como politicamente correcto é sempre, em maior ou menor grau, proceder a uma acusação. Ninguém se define a si próprio, orgulhosamente, politicamente correcto porque isso já é codificar e diminuir a sua correcção.

Em contrapartida, já é possível que alguém se assuma politicamente incorrecto, tirando benefícios dessa afirmação. Se alguém diz “sou politicamente correcto”, estas palavras são sempre entendidas como um distanciamento irónico; muito mais frequente é lermos ou ouvirmos dizer com jactância, como uma declaração presunçosa de rebeldia: “sou politicamente incorrecto”.

E foi assim que chegámos a uma cenarização, onde se desenrola uma história que a direita conta com muito proveito e que a esquerda parece não ter capacidade de desmontar: uma história que fala de censura, de exasperado moralismo, de policiamento, de fixação de um léxico normativo, de restrições ao trabalho teórico e artístico. Em suma: a direita encontrou uma maneira de se apropriar do património histórico da esquerda e a esquerda deixou-se empurrar para uma zona que foi habitação privilegiada da direita.

Esta história tem, portanto, a eficácia que lhe é conferida por um ingrediente narrativo muito sedutor: a inversão de papéis. Mas ela mostra também outra coisa: a existência de uma camada discursiva que permite retocar as ideias com cores que as tornam comuns e incontestáveis.

Ainda há poucos dias (antes da remodelação ministerial), António Costa falava dos seus ministros como “activos” importantes da governação. “Activos”? Como é que o vocabulário e as metáforas de um primeiro-ministro, por mais que a eloquência e a sofisticação discursiva não sejam o seu forte, ficam condicionados por esta grelha codificada da novilíngua financeira e empresarial? Como é que ele não percebe que há nestas palavras uma mentira que não lhe pode ser autorizada porque é um linguajar ideológico que restringe ou até evacua a política como desejo e todas as aspirações que devemos exigir dela?

A Navalha de Occam aplicada a Tancos não corta nada

  por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Público, 20/10/2018)

JPP

Temos duas maneiras de ver o que se passou em Tancos, ou melhor, aquilo que sabemos e aquilo que pensamos que sabemos.


Eis uma história muito mal contada, muito esquisita, em que nada encaixa com nada, em que, em bom rigor, quem esteja atento aos detalhes não percebe nada. Repare-se no arsenal de acusações: “Crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, receptação, detenção de arma proibida e tráfico de armas.” (Isto estava em “acordês” no original e foi corrigido para português.) Ou seja, quase tudo de criminalidade grave que se pode fazer.

Tancos pode ser uma história muito pouco portuguesa, de filme entre a espionagem e o policial, ou demasiado portuguesa, uma soma de corrupção, negligências, amiguismo, de línguas soltas, onde tudo corre, como cá se diz, à balda. Ou pode ser uma mistura das duas, uma operação qualquer que correu mal, criminosa, ou de “interesse nacional”, que a “maldita complacência” dos portugueses, como dizia Fradique Mendes, tornou uma farsa. Para 007 não temos de todo jeito, para Ocean’s, 11, 12 ou 13, muito menos. Uma coisa é certa: seja qual for o enredo, correu mal.

Temos duas maneiras de ver o que se passou em Tancos, ou melhor, aquilo que sabemos e aquilo que pensamos que sabemos. Uma, a mais simples, trata-se de um roubo e o dinheiro é o fio condutor que vai dos ladrões aos receptadores, aos encobridores.

Se entendesse alguma coisa do que aconteceu em Tancos, usaria a Navalha de Occam para garantir que a “explicação para qualquer fenómeno deve assumir a menor quantidade de premissas possível”, também chamada a “lei da parcimónia”, a explicação mais simples tende a ser a melhor. Foi de algum modo o que fez Copérnico face a Ptolomeu: era mais simples fazer os cálculos dos movimentos celestiais, se se partisse do pressuposto que o Sol estava no centro do sistema, em vez da Terra. Os complexos cálculos de Ptolomeu também permitiam fazer previsões, mas eram cada vez mais complicados. Com Tancos esta era a solução ideal para a Navalha de Occam, a chave de tudo está no dinheiro.

PÚBLICO -

Mas os chamados “factos incómodos” acumulam-se: só um ladrão para material tão pesado? Como o transportou? Tinha cumplicidades dentro? Tinha de ter. Quem? E como se vai do ladrão singular para a Polícia Judiciária Militar, e depois à GNR de Loulé, e eventualmente ao chefe de gabinete do ministro e ao primeiro-ministro, quiçá ao Presidente? Eram todos “amigos” uns dos outros? Há “amigos” a mais nesta história, dispostos a colocarem a cabeça no cepo apenas porque um “amigo” pediu a outro “amigo”. Que diferentes motivações estão envolvidas numa cadeia tão complexa? Só dinheiro? E se foi só dinheiro foi certamente muito para pagar a tanta gente. E para onde e para quem iam as armas? E como, se não chegaram ao mercado, de onde veio tanto dinheiro? Não pode ter sido da venda. E se era um operação criminosa, destinada apenas a ganhar dinheiro, o que é que explica tanta boa vontade para encobrir envolvendo gente com altas responsabilidades hierárquicas? Subornos? Protecções? E o que é que explica, se foi assim, a suposta revelação do encobrimento pelos encobridores ao ministro? E o ministro, se sabia, como não podia ter deixado de actuar e dizer ao primeiro-ministro? Não, não dá, a Navalha de Occam, que nos diz que foi o dinheiro o fluido de todo este processo, encrava por todo o lado.

A segunda hipótese, deixando agora o bom do monge franciscano em paz, é de que existe uma conspiração qualquer que pode conter elementos de crime e de corrupção, mas que no essencial é de outra natureza. Ganha assim um outro relevo a frase já antiga do ministro póstumo da Defesa de que, “no limite, pode não ter havido furto nenhum” — ou seja, o encobrimento pode não estar a encobrir um roubo no sentido comum da palavra mas uma qualquer forma de desvio cujos fins permanecem obscuros. E isso explica que tanta gente ande a encobrir o caso, do topo à base, em nome de qualquer forma de “interesse nacional”, actuando não por dolo, mas por subordinação a ordens vindas de cima reconhecidas como sendo legítimas e com razão, ínvia que seja. Eu não sou de conspirações, mas que as há há.

Como em Portugal há serviços de informações, também é suposto que saibam mais do que os jornalistas, mas o que eles sabem sabia o ministro da Defesa, o primeiro-ministro e o Presidente, todos na cadeia de distribuição das informações mais reservadas. Portanto, há muita gente, cinco é de mais para estas informações, que sabe o que se passou e, como estamos em Portugal, onde nenhum segredo tem vida média, quanto mais longa, vamos acabar por saber o que se passou. Ou não.