Translate

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Ser realista, exigir o impossível

  por estatuadesal

(Fernanda Câncio, in Diário de Notícias, 09/12/2018)

cancio

Nasci quatro anos antes de Maio de 68. Não posso ter memória disso, mas nos Paris Match dos meus pais, como em documentários na TV pós-25 de Abril, folheei e gravei no coração o romantismo e rebeldia daquela revolta de rapazes e raparigas sem medo, a beleza das imagens a preto e branco e das palavras de ordem nas paredes, a ideia de que por algum tempo - um mês e meio - tinha sido possível desafiar toda a ordem, toda a autoridade, e acreditar que tudo iria mudar.

A melancolia que sempre senti face a isso encontrei-a, deslumbrantemente exposta e narrada, em No Intenso Agora, o filme no qual João Moreira Salles, como eu uma criança à época, interroga, a partir de imagens de arquivo, aqueles dias extraordinários e o que se seguiu - desmobilização, desilusão, conformismo, integração, carreirismo, a vida normalmente. Um dos momentos mais pungentes é aquele em que uma jovem operária chora à porta da fábrica porque não quer desistir, regressar ao mesmo, enquanto colegas a tentam convencer de que houve conquistas, que não foi tudo em vão, que não ficou tudo igual mesmo se a revolução sonhada - qual? - não chegou a suceder.

Fast forward: Cohn-Bendit, o mais famoso rosto de Maio de 68, já veio certificar que este inverno revoltoso nada tem a ver com a primavera de há 50 anos - "Em 68 queríamos tirar um general do poder, agora querem lá pôr um". É certo. Como é certo que no 68 internacionalista se gritava "não queremos saber de fronteiras", e em 2018, entre as reivindicações dos coletes amarelos - ou pelo menos de uma das listas que circulam - está o frexit, a saída da UE, e "impedir os fluxos migratórios impossíveis de acolher e integrar dada a profunda crise civilizacional que vivemos" (que crise civilizacional não explicam).

Mas nas 25 exigências de um dos manifestos desta revolta, que li ontem, há decerto alguma coisa com que os manifestantes de 68 se identificariam. Porque a lista atira em todas as direções, contraditória e infantil como é inevitável num movimento que mistura gente de várias ideologias e sobretudo de nenhuma.

Vejamos: se a primeira reivindicação é "inscrever na Constituição que o Estado não pode confiscar mais de 25% da riqueza dos cidadãos", o que dificilmente veríamos num manifesto de 68, a segunda é "aumento imediato do ordenado mínimo, das pensões e das prestações sociais mínimas em 40%", e a terceira é "contratação massiva de funcionários públicos para restabelecer a qualidade dos serviços", encontrando-se também "quadruplicar o orçamento da justiça e torná-la totalmente gratuita". Ou seja, os coletes amarelos querem que o Estado recolha menos impostos, uma exigência típica (no discurso; na prática outros galos cantam) da direita liberal, mas, numa reivindicação tradicional da esquerda coletivista (mas também da direita populista), igualmente que gaste muito mais; de onde julgam que virá a riqueza para a segunda parte não dizem.

Uma contradição na qual, de resto, e mesmo após o curso de macroeconomia forçado a que fomos submetidos nos últimos anos, se tropeça todos os dias nos comentários de internet - como se as pessoas em geral ainda não tivessem percebido que o dinheiro do Estado advém das contribuições, e que exigir muito mais investimento público não é compaginável com reduzir impostos.

A seguir vem "anular a dívida pública", e "sair da UE e da NATO" - um orgulhosamente sós à maneira - mas também "tornar os bancos mais pequenos, desfazer monopólios, separar a banca de investimento da de retalho e proibir o resgate pelo Estado" e "parar com as privatizações". Portanto, nacionalismo anticapitalista e reforço da ingerência do Estado no setor privado da economia, para a seguir lermos, sobrancelhas levantadas pelo paradoxo: "Interditar ao Estado a ingerência no ensino, na saúde e na família" e "excluir toda a ideologia do ministério da educação". Mais Estado e menos Estado, ao mesmo tempo, pois. Mas "não ingerência na família" será o quê? Acabar com o reconhecimento estatal do casamento e da união de facto ou permitir todo o tipo, incluindo o polígamo, de casamento? Liberalizar a procriação assistida e a maternidade de substituição? Desmantelar a proteção de menores e acabar com a escolaridade obrigatória e a proibição da violência doméstica? Seria interessante descobrir, como o que será essa ideologia que recusam ao ministério da Educação - a menos que estejamos ante a cartilha antifeminista e anti-igualdade de todas as extremas-direitas emergentes.

Sim, é uma baralhada assustadora e sobretudo hiperpopulista, que sonha com homens providenciais e o regresso a uma abastança autossuficiente que nunca existiu - não admira que Trump bata palmas. Mas pode a noção disso esgotar o pensamento sobre o que se passa em França? Temo que não.

Porque há motivos para a raiva, para um sentimento de traição fundamental face à persistência da desigualdade; porque o desespero e o ressentimento são reais. Porque, caramba, ninguém pode ver aquela imagem dos liceais de joelhos sem se revoltar - que Estado faz aquilo? Que governo democrático? Porque, 50 anos depois, o poético e irónico "sejamos realistas, peçamos o impossível" de Maio de 68 é a fórmula triunfante dos demagogos.

domingo, 9 de dezembro de 2018

A minha homilia laica de fim-de-semana

  por estatuadesal

(Carlos Esperança, 09/12/2018)

fds

As nebulosas manifestações, de que o aumento dos impostos e o preço dos combustíveis foram o pretexto invocado, tiveram o imediato apoio da Sr.ª Le Pen e a aglomeração de marginais, que vandalizaram estabelecimentos e saquearam mercadorias para vender.

O que não se esperava era o apoio de Trump, apesar das sólidas credenciais de exotismo e desvario. Foi o ajuste de contas do empreiteiro que disputa adjudicações, no remoque aos acordos de Paris sobre o clima e a veleidade da criação de Forças Armadas da UE.

Da Turquia, Erdogan, uma referência democrática dos Irmãos Muçulmanos, que prende juízes, jornalistas, professores e intelectuais, criticou a intervenção policial na contenção dos desacatos e acusou a França de ter suspendido os direitos humanos, ele que reprime os curdos com violência e apoia carinhosamente terroristas muçulmanos amigos.

Em Itália, Matteo Salvini rejubilou porque Macron deixou de ser um problema para ele e passou a ser um problema para os franceses.

Até à data, à falta de uma liderança política, na confusão entre exigências e atos de puro vandalismo, da reivindicação de reformas aos 60 e 55 anos e da redução de impostos, os manifestantes são “contra os custos e o peso do Estado” e exigem reformas maiores.

Enquanto partem montras, saqueiam lojas e incendeiam carros, exigem o fim da reforma vitalícia de Presidentes da República, a abolição do Senado, do Conselho Constitucional e a extinção da Franco-Maçonaria. Macron recuou sem garantias de que os coletes amarelos suspendam o caos e a anarquia, e a extrema-direita vai ganhando terreno.

Após eleger Trump, Steve Bannon, o ‘operacional político mais perigoso da América”, agora “o mais poderoso”, [The Telegraph], empenha-se em todos os atos eleitorais da Europa, onde vê em António Costa um “líder radical do Partido Socialista”. A atenção que tem prestado à Europa está a dar frutos. Como se vê.

Em Espanha, os bispos que abominam o Papa, apoiam o partido fascista VOX por ser o que, segundo eles, melhor se identifica com os valores da santa madre Igreja.

Por cá, Marcelo, que não perde uma desgraça, desloca-se a Borba para participar numa homenagem às vítimas, e comunica que vai ao Brasil à posse de Bolsonaro. Onde houver uma tragédia, não delega, vai ele, embora devesse delegar em Cavaco, por ter o perfil mais adequado ao funeral da democracia brasileira, ou em Marques Mendes, por passar mais despercebido.

Podia, pelo menos, levar o inflamado bombeiro Jaime Soares que, depois de 37 anos a arruinar a Câmara de Poiares, passou ao futebol sem deixar os fogos. Bastava deixá-lo lá a ver arder a democracia enquanto o PSD prescindia de um provocador experiente.

Ladrões de Bicicletas


Um dia em Paris

Posted: 08 Dec 2018 12:42 PM PST

Aqui fica uma mancheia de fotos retiradas da emissão em directa que o canal televisivo Russia Today fez da manifestação que o movimento Coletas Amarelos realizou hoje e, pela terceira vez, em Paris. Apenas para ficar assinalado. Muitos videos podem ser encontrados aqui - para compensar a publicidade que o anterior post fez ao Youtube...

Não, não são manifstantes, mas polícias à civil

Aqui um manifestante gritava: "Estão a apontar à cabeça! Veja que está a apontar à cabeça!"

Quarta-feira, em Lisboa: Colóquio Economia Social e Solidária

Posted: 08 Dec 2018 09:04 AM PST

«Nos últimos anos, as organizações da economia social e solidária sofreram o duplo impacto de uma crise económica e financeira prolongada e de alterações de quadros legais e instrumentos de actuação. Para lá das definições conceptuais, este modo de pensar e construir organização social e económica tem a uni-lo princípios e valores comuns e objectivos de sustentabilidade. Dotadas de uma já longa história e desempenhando um papel importante, mas não isento de contradições, as organizações da economia social e solidária enfrentam hoje desafios que importa debater.»
Promovido pelo Le Monde Diplomatique - edição portuguesa e pela cooperativa Outro Modo, o colóquio procura responder a três questões: «Que setor é este? História, tensões, realizações» (com Manuel Canaveira de Campos, Rogério Roque Amaro, Sílvia Ferreira e moderação de João Rodrigues); «Que evoluções teve? Leis, trabalho, mercado, experiências» (com Margarida Antunes, Pierre Marie, Sandra Lima Coelho, Stéphane Laurent e moderação de José Castro Caldas); «Que futuro pode ter? Atividades, territórios e redes» (com José Alberto Pitacas, Nuno Serra, Sandra Monteiro e moderação de João Baía).
O colóquio realiza-se no CIUL - Centro de Informação Urbana de Lisboa (Picoas Plaza, Rua Viriato), com início às 14h30 e a entrada é livre. Estão todos convidados, apareçam.