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terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), agora justamente denominada dos Direitos Humanos

  por estatuadesal

(Carlos Esperança, 10/12/2018)

bolso(Em homenagem a Lula da Silva)

Proclamada há 70 anos, em Paris, subscrita por 48 países, conta hoje com mais de 180 países que a subscreveram. Assim a respeitassem todos, incluindo aqueles que tinham reservas e os que nunca honraram os 30 artigos, que carecem de caráter vinculativo, por não se tratar de um tratado ou pacto. Foi uma grande vitória para a ONU e uma enorme esperança para a Humanidade. (Ver texto da Declaração aqui).

A adesão de Portugal, a viver na ditadura que sobreviveu à derrota do nazi/fascismo, só se verificou a 14 de dezembro de 1955 e não passou de uma formalidade que o regime não tinha intenção de cumprir.

É fácil escrever sobre os Direitos Humanos, difícil é fazê-los respeitar. A DUDH é uma mera carta de intenções quando os regimes se tornam autoritários, a Justiça se politiza e os interesses económicos são postos em causa.

O aparecimento de um numeroso grupo de dirigentes políticos poderosos, que chegaram ao poder por eleições, nomeação ou herança, pôs em risco conquistas que tínhamos por adquiridas. Trump, Putin, Xi Jimping, Erdogan, Duterte, Salvini, Bolsonaro, Bin Salman e outros biltres ameaçam os direitos civilizacionais que a DUDH consagra.

Hoje, dia 10 de dezembro de 2018, 70 anos depois de tão auspiciosa Declaração que a ONU proclamou, evoco os migrantes, os milhões de pessoas condenadas à morte, por inanição, deslocados, massacrados por guerras ou envenenados por armas químicas.

Hoje, mesmo em países que chegaram à civilização e se livraram do poder do clero, há interesses que postergam os direitos humanos e exercem o poder discricionário.

No dia de hoje penso em Lula da Silva, vítima de nebuloso processo cujas provas são os testemunhos de arguidos que beneficiaram das declarações. A sua prisão, investigação e condenação devem-se a um juiz que trocou a justiça pela vingança, a investigação pela luta partidária e a sentença pela carreira política, substituindo a maior honra de um juiz – a independência –, pelo poder político ao serviço de um déspota abrutalhado, ignóbil e fascista que ele ajudou a eleger e cujo pagamento aceitou à frente do superministério que lhe reservou.

Hoje, nesta celebração cheia de incógnitas e nuvens sombrias temo pela vida de Lula da Silva, metáfora de todos os que injusta e iniquamente vêem desrespeitados os mais elementares direitos humanos. Temo pela tortura e humilhação a que um governo torpe o pode sujeitar.

A foto que publico é motivo de todas as inquietações e o mundo não tem um governante preponderante comprometido na defesa dos Direitos Humanos. Pelo contrário, os mais poderosos são coniventes com a sua violação.

O certo é o incerto

  por estatuadesal

(Ferreira Fernandes, in Diário de Notícias, 09/12/2018)

ferreira_fernandes

Em março de 1968, num editorial que se tornaria célebre, escreveu-se no jornal Le Monde: "A França aborrece-se." Poucas semanas passadas, foi o turbilhão do Maio de 68... Meio século depois, estamos exatamente na mesma, não sabemos o que vem aí. Mas, desta vez, temos uma certeza: o que quer que seja a vir é inesperado. E enorme. O certo é o incerto, que pode tornar-se esmagador.

Foi o Brexit imprevisível, pois da mais velha democracia do mundo não se esperava tiros nos próprios pés. Foi Trump na Casa Branca, quando ele nunca enganou ninguém: estando lá onde o puseram, inevitavelmente ele ontem escreveria no Twitter que nas ruas de Paris se gritava "Queremos Trump!" (não era em Paris, não foi ontem, não foi uma multidão, foi só um correligionário num vídeo, mas ficou decretada mais essa pós-verdade presidencial). Foi Bolsonaro a ganhar as presidenciais no Brasil, num continente onde os sargentos analfabetos tradicionalmente só tomavam o poder com golpe (gente, eu sei que Bolsonaro não é sargento analfabeto, é só capitão). Enfim, o mundo está demasiado previsível, acontece sempre o inesperado.

Pode faltar gasóleo barato nas cidades francesas de província, emprego nas minas de carvão dos Apalaches ou segurança nas favelas brasileiras, mas soluções e líderes estapafúrdios não faltam. Por cada reivindicação, quase todas elas legítimas, já não acontece o costumeiro: os governantes arremedam e os cidadãos, no dia do voto, confirmam ter ficado sossegados. Agora, eis a nova época (já não é só moda passageira): aparece um tipo colorido e tonitruante, e personifica a contestação (Trump, Bolsonaro...) Ou um palhaço surge e logo desaparece mas deixa a confusão instalada (Beppe Grillo em Itália, Farage na Grã-Bretanha...) Ou a multidão enche as ruas ou as urnas (França, Andaluzia...) e deixa-nos frente a um muro.

Fosse o lugar disto um palco e estávamos mais bem servidos do que nos tempos fastidiosos em que a democracia nos embalava. Mas, não, não é espetáculo, pelo menos daqueles em que o pano acabava por cair e nos devolvia ao ramerrame da vida. Por mais que eles se caricaturem (vermelhuscos de solário, palavras de tolo, mentiras de garoto indecente), eles são perigosos. Na fase inicial, que é a que vivemos, aparecem em manada votando tiros nos pés ou partindo montras e, quando em pessoa, epifenómenos exprimindo iniquidades. Mas isso é o menos, não fossem estes sucessivos inesperados (agora, certos de acontecerem) anunciar um descontrolo político em futuro próximo.

Não, não é fascismo. Nem Trump é Hitler, nem os cavaleiros andaluzes que prometem a Reconquista o são. Não, não é fascismo. Ainda não é a violência organizada, o assalto ao poder para institucionalizar o fim da democracia. Por enquanto. É sobre esta certeza - isto caminha para o descontrolo político num futuro próximo - que tem de se ponderar. Sobretudo os políticos têm de pensar nisso. Falo destes, dos nossos, de todos de esquerda e de direita para quem a democracia tem de ser. Tem? Então comecem por não cometer pecadilhos (metáfora piedosa) que nos dias de hoje podem tornar-se capitais.

Os diversos intermediários para a desgraça ainda são só isso, intermediários, antecâmara de um enorme sei lá o quê. Mas já são intermediários porque lhes abriram as portas da cidade dos cidadãos. Cada um dos conseguimentos deles tiveram cúmplices involuntários dentro da cidade. A corrupção da direita e da esquerda brasileiras trouxe para elas o desmoronamento e, para os brasileiros, Bolsonaro. O gosto pela politiquice levou Cameron, um anti-Brexit, a fazer um referendo imprudente e estúpido que criou uma crise continental. Os pactos parlamentares dos socialistas espanhóis com independentistas - mesmo com aqueles que tinham acabado de organizar uma sedição nacional - levaram muitos andaluzes a abandonar o PSOE, a maior força política da região.

Os políticos para quem a democracia tem de ser, esses, têm de saber que os tempos não estão para brincadeiras. Então, não brinquem. Uma coisa é certa, à espreita está uma multidão iludida por um perigoso agitado. E, se aquela é iludida e este é culpado, não restam dúvidas de que os brincalhões não vão inocentes para o caixote do lixo da História.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Entre as brumas da memória


Ser realista, exigir o impossível

Posted: 09 Dec 2018 01:19 PM PST

A ler este bom texto de Fernanda Câncio.

«Sim, é uma baralhada assustadora e sobretudo hiperpopulista, que sonha com homens providenciais e o regresso a uma abastança autossuficiente que nunca existiu - não admira que Trump bata palmas. Mas pode a noção disso esgotar o pensamento sobre o que se passa em França? Temo que não. Porque há motivos para a raiva, para um sentimento de traição fundamental face à persistência da desigualdade; porque o desespero e o ressentimento são reais.»

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França. Contra factos, só há um argumento: reflectir

Posted: 09 Dec 2018 10:38 AM PST

“Coletes amarelos” é movimento inédito, apolítico e motivado pelo “autismo” de Macron.

«A independência de qualquer força políticas pode ser uma das principais razões para o apoio generalizado dos franceses ao movimento dos "coletes amarelos". Mesmo após a violência das manifestações em Paris, 66% dos franceses inquiridos por uma sondagem Ifop para a CNews e a Sud Radio dizem apoiar os "coletes amarelos".»

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Dica (834)

Posted: 09 Dec 2018 07:00 AM PST

Portugal não é uma ilha (Manuel Carvalho Da Silva)

«É tempo de reflexão séria sobre a situação económica e social do país, de se analisar as causas das debilidades estruturais da nossa economia e os significados dos protestos de amplos setores profissionais. A solução política e de governo adotada para esta legislatura deu bons resultados para a esmagadora maioria dos portugueses, ajudou a abrir horizontes para o nosso desenvolvimento e prestigia o país. Contudo, os obstáculos a ultrapassar são muito elevados e um mau final de legislatura aniquilará o rumo iniciado.»

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Os populismos do nosso tempo

Posted: 09 Dec 2018 03:40 AM PST

«Não há dia que passe sem que ouçamos a palavra “populista”. Trump é “populista”. Os "coletes amarelos" em Paris são “populistas”. O "Brexit" só podia ter existido em resultado de uma campanha de desinformação “populista”. É verdade que existe hoje um mal-estar na democracia que não existia há poucos anos atrás. Mas se queremos perceber as causas do que se está a passar diante dos nossos olhos em Paris, Washington, Brasília ou Manila, temos que começar por fazer luz sobre a natureza do fenómeno a que chamamos populismo. Infelizmente, há mais confusão do que certezas neste momento.


Há dias, o jornal Guardian avançava com a seguinte definição: “Um partido é considerado populista se apresenta a vida política como uma luta entre uma massa de cidadãos virtuosos e uma elite mal-intencionada e venal. Os partidos populistas, obviamente, assumem-se como representantes do bem ('nós', 'o cidadão comum') contra o mal ('eles', 'as elites')."

Uma definição mais vaga era difícil. Este mínimo denominador comum populista é insuficiente, e aumenta a confusão. Não explica, por exemplo, se os “populistas” são os políticos que usam a oposição entre “nós” e “eles”, se os eleitores que neles votam, ou se ambos. Daqui à vilipendiação daqueles que insistem em votar de forma “errada” (os “deploráveis” de Hillary Clinton) é um pequeno passo. A falta de precisão e clareza pode levar a que se ignorem as causas do atual descontentamento com as nossas democracias. Na realidade, se continuarmos a ignorar a natureza do fenómeno político mais importante do nosso tempo, o mais provável é que acabemos por agravar os problemas que lhe deram origem. A única alternativa realista é tentar compreender porque é que as pessoas insistem em protestar e votar nos candidatos “errados” ou “perigosos”. Para isso, é necessário perceber a natureza do populismo.

O populismo não é uma cor partidária, como a ideologia. Dizer-se que “o partido A é populista” ou que “o partido B não é populista” é um erro, tal como é espúrio contar o número de vezes que o político C usa a palavra “povo”. O populismo é uma forma de fazer política. Significa isto que todos os partidos e políticos, de A a Z, podem comportar-se de forma populista, dependendo das circunstâncias. E quanto melhor percebermos como o populismo funciona, melhor perceberemos as suas causas e se devemos estar preocupados.

Um político age de forma populista se falar às emoções e aos interesses de um eleitorado que se sinta, por exemplo, indignado com a crescente desigualdade de distribuição de rendimentos. É injusto que assim seja, e basta que alguém o diga com todas as letras para levar as pessoas que se sentem injustiçadas a sair de casa para votar ou protestar. Mas a lógica populista não acaba aqui. Se acabasse, nada distinguiria populismo de movimentos como o Black Lives Matter e a sua justa indignação contra o racismo.

O populismo nasce daqui, mas só se desenvolve quando se decide apontar as responsabilidades por esta situação a um certo grupo. Quem este grupo é ao certo não interessa. O que importa é assacar a responsabilidade, quando não mesmo a culpa, quer seja à caravana de emigrantes ou à elite capitalista, pelos problemas reais que as pessoas enfrentam no seu dia-a-dia. Os “emigrantes” ou os “ricos” são alvos fáceis porque ambos podem ser vistos como rivais na procura de emprego, no acesso à saúde, ou no aumento do rendimento: é porque “eles” ficam com tudo e não sobra nada que “nós” estamos a passar mal. É neste ponto que o populismo ameaça a democracia. Se nos opormos a “eles” se torna mais importante do que sabermos o que “nós” queremos vir a ser, a cooperação e o compromisso tornam-se muito difíceis, se não mesmo impossíveis.

Paradoxalmente, é exatamente aqui que reside a virtude do populismo. Democratas e populistas falam a mesma linguagem. Ser-se democrata é falar e agir em nome do “povo”. É igualmente em nome do povo, um novo povo a construir a partir do cumprimento das promessas democráticas de igualdade e respeito próprio, que um político age de forma populista. Nem uns nem outros são saudosistas. Ambos falam ao futuro. Mas se os democratas aceita projetos coletivos a médio e longo prazo, à luz dos quais tornam aceitáveis sacrifícios “aqui e agora”, os populistas propõem-se cumprir as promessas democráticas num futuro imediato, com fórmulas simplistas quando não demagógicas. Isto sucede porque a indignação, o desespero, por vezes mesmo a inveja, alimentam-se de circunstâncias reais da vida de todos os dias. Este sofrimento vive no presente, não nas memórias de erros passados ou oportunidades perdidas; promessas a longo-prazo, sobretudo as tecnicamente muito complexas, são vistas com desconfiança. É “aqui e agora” que se tem que pôr termo a este sofrimento imerecido. É por isto que o populismo é um barómetro da saúde da democracia e, simultaneamente, um dos seus mais perigosos inimigos.

Até por esta relação ambivalente que o populismo tem com a democracia é fundamental tentar compreender melhor como funciona. Podemos começar precisamente por evitar perguntar se há partidos populistas entre nós – uma pergunta não só errada, como estéril – e tentar perceber antes em que circunstâncias certos partidos, movimentos ou políticos tentam conquistar votos convencendo os seus eleitores de que os problemas que estes enfrentam se devem a outro grupo de eleitores – e não à ação de quem os governa ou representa. O facto desta lógica populista de fazer política ser feita, por norma, em nome de um novo Portugal “mais moderno”, “mais justo” e “mais solidário” torna a destrinça entre populismo e democracia muito difícil. Mas confundi-los acarreta custos elevados. Continuar a ignorar o sofrimento imerecido da maioria da população, em particular os mais desfavorecidos e sem voz. Continuar à procura de “partidos populistas”, à medida que no nosso sistema político a forma populista de ganhar votos se reforça sem que alguém se pareça dar conta. Continuar a minar a confiança em projetos coletivos com fôlego e rasgo, quase sempre postos de lado entre nós em favor de remendos habilidosos só porque se atenta nos custos político-financeiros a curto prazo e se desvaloriza os seus benefícios a longo prazo.»

Filipe Carreira da Silva

Salazar e a fábula do homem humilde e incorruptível

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

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Já todos ouvimos a fábula. Contam-na lealistas, saudosistas e ermitas do armário, ermitando por vezes no seio de partidos ditos democráticos. Aqueles que, como eu, perdem tempo demais no Facebook, com certeza já se terão cruzado com diferentes montagens, exibindo um Salazar em pose de estadista, acompanhado por dizeres que vão mais ou menos assim: “no tempo dele… blá blá blá… humildade... blá blá... não era corrupto…blá… não se deixava instrumentalizar pelos poderosos…blá blá”.

Há também a outra fábula, aquela do “morreu pobrezinho”, mas essa o Rui Curado da Silva já aqui contou. Foquemo-nos, então, nesta outra forte tendência entre a extrema-direita das catacumbas virtuais, que para além de correr com os emigrantes – ignorando, porque convém, que em 2017 viviam 2,3 milhões de portugueses lá fora, ao passo que aqui vivem actualmente cerca de meio milhão de imigrantes – prender os políticos todos, e de caminho abolir a democracia representativa, castrar quimicamente todos os pedófilos, e se possível a comunidade LGBT, e subtrair uns quantos direitos adquiridos em nome da tradição ou da religião, procura também pregar a velha fábula do homem humilde e incorruptível.

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MENDES, “SPECIAL ONE”

  por estatuadesal

(Soares Novais, in A Viagem dos Argonautas, 09/12/2018)

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