As confusões de Macron
Posted: 12 Dec 2018 01:51 AM PST
[Nota prévia: Quem seja dado a teorias da conspiração, diria que o atentado de Estrasburgo surge num momento de particular tensão para o governo francês, que, num estado de improvisação e desespero, bem precisaria de um inimigo externopara unir os franceses...]
Atente-se às medidas anunciadas segunda-feira à noite pelo presidente Macron, supostamente para - usando a estranha expressão usada em noticiários nacionais - "apaziguar a rua". Ora, o que é mais escandaloso é que, medidas que deveriam atenuar a desigualdade social reinante em França, acabam por representar um apoio público ao actual status quo, gerador deste caldo explosivo.
O salário mímimo vai aumentar 100 euros, mas esse aumento não será tributado e será "sem custos suplementares para os empregadores".Trata-se de uma antecipação de 70 euros nos aumentos já previstos, embora adoptado como prémio de actividade (figura existente desde 2016, criada pelo govreno Hollande, orientada para os trabalhadores mais pobres, aqueles que ganham entre metade e 1,2 vezes o salário mínimo, atribuída em função dos rendimentos do agregado). Representará uma prestação social cujo impacto em termos líquidos vai depender dos rendimentos globais do agregado familiar. Esta foi a forma escolhida para que a medida não tivesse efeito de contágio na estrutura salarial geral. Não é um aumento salarial! Não terá efeito na reforma nem na remuneração de referência do subsídio de desemprego e vai subir mais lentamente que a inflação. Só isso diz muito do que se defende. E mesmo assim, o governo embrulhou-se todo em contradições sobre o seu montante, dando a entender que nada fora devidamnte estudado. Mas a verificar-se, tratar-se-á de uma ajuda pública às empresas e um incentivo indirecto à contratação a baixo valor. No Parlamento, o primeiro-ministro fez o número de como as medidas anunciadas estivessem planeadas: "Quando foi que o SMIC aumentou 100 euros?"
O trabalho extraordinário não será tributado. Fica por explicar de que forma esta medida se enquadra nas respostas ao movimento Coletes Amarelos. Parece ser bem mais uma reivindicação patronal. Primeiro, porque vai atingir apenas 40% dos assalariados, aqueles que fazem horas extraordinárias. Depois, trata-se de uma ampliação do que já se verifica: parte dos encargos patronais já são pagos pelo Estado - as contribuições sociais - alargando-se agora ao quadro fiscal e regressando-se à situação vigente no mandato de Sarkozy entre 2007 e 2012. No fundo, o trabalho extraordinário que - como a própria designação refere - deveria ser extraordinário, passa a ser um tipo de horário de trabalho incentivado pelo Estado francês, em que os encargos patronais passarão a ser pagos na totalidade pelo Estado. Ora, incentivar o trabalho extraordinário é desincentivar a nova contratação, sendo que o desemprego é a principal fonte de pobreza. Acresce que serão mais beneficiados os rendimentos mais elevados. Trata-se de uma medida que, aqui em Portugal, já foi defendida pelo... CDS (!).
Prémios isentos de impostos. Representa uma medida efectivamente reivindicada pela associação patromal Ethic. Seria - na ideia oficial - uma forma de dar poder de compra, através de uma redução de impostos sobre os prémios. É, mais uma vez, um apoio público às obrigações empresariais, das quais beneficiarão apenas os assalariados visados nas empresas que os usem, restando saber quantas o farão. Se a ideia era apoiar maciçamente os franceses -.como o disse o primeiro-ministro no Parlamento - a medida parece mal desenhada. Até poderão contribuir, sim, para ampliar fosso na desigualdade salarial.
Pensões abaixo de 2 mil euros isentas de CSG. Trata-se de isentar os rendimentos de referência das pensões (e não as pensões) mais baixas entre 1200 e 2000 euros da aplicação da contribuição social generalizada (criada como forma de diversificar as receitas da Segurança Social). Não se trata de um aumento mais consistente das pensões que, em 2019 até vão perder poder de compra (aumento de 0,3% de todas as pensões contra uma inflação esperada de 1,3%). Trata-se de um aligeiramento fiscal, suportado pela Segurança Social (aparentemente não pelo Estado). E resta apurar se essa redução não será um presente envenenado, já que os pensionistas visados perderão a indexação à inflação em 2019 e 2020. Resta acrescentar que, tratando-se de isentar os rendimentos de referência - e não as pensões - poderá implicar que nem todos os pensionistas serão atingidos pela medida, caso tenham outros rendimentos.
Todo o perfil destas medidas não é novo. Ele soma-se àquele que esteve na base da criação em 2012 da CICE (Cédito de Imposto para a Competitividade e o Emprego). Ou seja, um apoio público de 4% sobre a massa salarial das empresas relativa aos salários até 2,5 vezes o salário mínimo e que deveria ter forte impacto na criação de emprego. No final, os estudos não estabelecem uma relação directa no emprego nem na margem das empresas, exportações, etc. Mas a esmagadora massa de trabalhadores posicionou-se nessa faixa salarial (mais de 95%), acabando por ter sido um mecanismo de desvalorização salarial. E quem pagou essa medida cujos custos anuais são evarésticos - 15 mil milhões em 2013 e que foi subindo até chegar a 40 mil milhõs de euros em 2019? Em parte, o seu custo foi compensado por uma redução das despesas sociais públicas... Ou seja, as mpresas foram apoiadas em detrimento de quem mais precisa.
Ora, a CICE está prevista acabar em 2019, o que deixou o patronato em estado de carência. E estes apoios públicos anunciados por Macron ficam aquém do custo do CICE, mas terão um elevado custo orçamental. Custo previsto: 1,7 mil milhões de euros para as horas extrapodinárias, mais 2 mil milhões de euros para os prémios de actividade e um valor ainda não avançado para as pensões, num total de talvez 6 mil milhões de euros. A esse valor, haverá que somar a anulação do aumento do imposto sobre os carburantes - 4 mil milhões de euros - por pressão dos Coletes Amarelos.
Macron parece ter ganho, pois, uma nova dor de cabeça. Ora, para manter o sacrossanto défice de 2,8% do PIB - ainda que se espere que Bruxelas se compadeça do inopinadamente anunciado estado de emergência económica e social - resta saber se Macron não recorrerá àquela receita ainda mais perigosa, já usada antes. Ou seja, cortar da despesa pública social.
Veremos por onde vai a seguir o improvisador Macron.
Hoje, no CIUL, em Lisboa
Posted: 12 Dec 2018 01:20 AM PST
Fim da linha?
Posted: 12 Dec 2018 01:18 AM PST
Parece que a social-democracia na UE chegou ao fim da linha quando o “guião” para os trabalhos da sua conferência, realizada no passado fim-de-semana em Lisboa, resultou do trabalho de uma “comissão independente para a igualdade sustentável”. A força do hegemónico consenso de Bruxelas e da sua novilíngua revela-se nos nomes das coisas.
Parece que a social-democracia chegou ao fim da linha quando ainda decide participar na farsa da “eleição” do Presidente da Comissão Europeia e com Frans Timmermans como “candidato”, ou seja, com a versão em negócios estrangeiros de Dijsselbloem, ambos membros de um agora merecidamente pequeno partido holandês, indicando portanto aos outros o seu provável futuro.
Parece que a social-democracia chegou ao fim da linha, graças sobretudo à integração europeia irremediavelmente neoliberal, quando a grande esperança no regresso às suas raízes, Jeremy Corbyn, escreve um artigo para o ilegível The Guardian, onde toma o comércio internacional “sem fricções” como uma referência para o Brexit, o que está em flagrante contradição com certos aspectos do seu programa, incluindo as ajudas de Estado aí afloradas, parte de uma necessária política industrial. Espero que seja tudo táctica para trabalhista europeísta, uma contradição nos termos, ver. Veremos. Entretanto, Brexit só há um e é duro, como agora se diz de forma manipuladora, aliás como dura será sempre a luta democrática contra a lógica pós-democrática do mercado único.
Parece que a social-democracia chegou ao fim da linha quando Geórgios Papandreou, o da pasokização, lidera um apelo a Corbyn, publicado no The Guardian, para que cometa suicídio político, lutando pela manutenção do Reino Unido na UE, travando o Brexit. Só por cinismo se compreende que Assis subscreva tal apelo. Afinal de contas, a UE é o fim da social-democracia, o fim de Corbyn. E por falar em cinismo euro-liberal, que dizer do discursopretensamente idealista do dirigente social-democrata Augusto Santos Silva, que pelos vistos desconhece o pretensamente realista Ministro dos Negócios Estrangeiros português Augusto Santos Silva?
Enfim, parece que a social-democracia chegou ao fim da linha quando o partido socialista deste país é uma referência para o resto. O governo deste país aprovou recentemente a transposição do pacote europeu de liberalização da ferrovia. O fim da linha passa de metáfora a realidade...
Por que foi que Macron não convenceu os Coletes Amarelos?
Posted: 11 Dec 2018 04:31 PM PST
A declaração oficial de Emmanuel Macron, na noite passada, é uma falsa resposta aos problemas colocados pelos protestos em todo o país.
O gráfico ao lado mostra como se distribuíram os salários em 2016, a partir dos dados do INSEE, o INE francês. Cerca de 60% dos assalariados recebia menos de 2 mil euros. Cerca de 30% recebia menos de 1500 euros, sendo que, nesse ano, o salário mínimo era de 1356 euros (actualmente está próximo dos 1500 euros).
O gráfico seguinte mostra a distribuição por decis da distribuição do rendimento (não apenas salarial), de acordo com dados compilados pelo jornal Le Monde.
Como é visível, os dois últimos decis - os "mais ricos" - concentram mais de 40% da riqueza criada. Os 20% mais pobres absorviam pouco mais de 10% do rendimento. Conforme um estudo do INSEE, as pessoas pertencentes aos 1% mais ricos recebiam mais de sete vezes o rendimento médio da população no seu conjunto e detinham 6,8% do total da riqueza. Eram gerentes em 60% dos casos e empresários em 10%.
Os dois gráficos revelam o grau de desigualdade que reina em França.
Esta é uma situação que, segundo o INSEE, se vem verificando desde 1998, pelo menos do que foi seguido estatisticamente. O peso dos grupos que eram os mais bem pagos aumentou significativamente em detrimento dos rendimentos intermédios ou mesmo baixos, uma situação que os estudos do INSEE qualificam como diferindo dos casos de polarização, como o dos Estados Unidos. Entre 1998 e 2015, como refere outro estudo, aumentou o fosso entre pobres e ricos, tendo apenas se reduzido ligeiramente desde 2010, tudo baseado na riqueza financeira e no sector imobiliário. Cerca de 70% dos agregados mais ricos beneficiaram da subida do valor da propriedade (mais 133% nesse período). A riqueza financeira aumentou 75% entre 1998 e 2015, sobretudo durante o período de 2004/2010, beneficiando todos menos os mais pobres. A propriedade foi aquilo que explicou o fosso entre os pobres e os ricos.
Por outro lado, a linha de pobreza fixou-se em 1015 euros mensais, que impregnava 14,2% da população francesa, limiar esse - segundo o INSEE - que era um das mais baixos na União Europeia. O desemprego foi uma das causas principais de pobreza (37,5% dos casos). Recorde-se que o salário mínimo se situa muito próximo desse limiar de pobreza. Ou seja, quem o recebe pouco consegue sobreviver quando mais elevar-se socialmente.
Estas desigualdades são fruto de um modelo de funcionamento económico que, como noutros países, optou por reduzir ao máximo os custos laborais - vulgo salários - como forma de ganhar competitividade e conceder margem de manobra às empresas. Mas nada disso se inverte por artes mágicas ou pequenas medidas.
Por isso, não é de estranhar a desconfiança do movimento Coletes Amarelos às medidas anunciadas por Macron. Sobretudo porque elas representam, sim, uma prenda pública às empresas. Ver próximo post.
Hoje, na livraria Ferin, em Lisboa
Posted: 11 Dec 2018 02:54 AM PST