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quarta-feira, 6 de março de 2019

Ladrões de Bicicletas


Diz-me quem te paga...

Posted: 06 Mar 2019 12:43 AM PST

Numa publicação anterior (que pode ser lida aqui) fundamentei a minha crítica a uma das principais conclusões da nota de conjuntura de fevereiro do Fórum para a Competitividade.

Publico agora este post breve apenas para sublinhar que o Fórum da Competitividade está longe de ser uma organização independente. É um think-tank de direita financiado por alguns dos seus maiores contribuintes. Na imagem acima, fica claro que contam com o apoio da AESE – Business School (o braço académico da Opus Dei) e da APIFARMA, representante da indústria farmacêutica e uma das maiores financiadoras da CIP, a maior confederação patronal portuguesa.

Não tenho nada a opor a que existam organizações que federem académicos e empresários comprometidos com uma causa política. Têm toda a legitimidade para o fazer. Este blogue, por exemplo, não esconde o seu compromisso à esquerda.

Menos legítimo é os membros do Fórum para a Competitividade – em especial Joaquim Miranda Sarmento – gostarem de afirmar que só perseguem a mais impoluta neutralidade científica e gostarem de desmerecer as opiniões vindas de alguns autores deste blogue por serem “políticas”.

A hipocrisia é uma coisa muito feia.

Prometer o desastre

Posted: 05 Mar 2019 07:40 AM PST

O gráfico ao lado mostra as previsões sistematicamente (e consistentemente) erradas do BCE sobre a evolução da inflação na zona euro. John Kenneth Galbraith não se enganou quando disse que "a única função das previsões económicas é fazer a astrologia parecer respeitável".
No entanto, o problema não se resume a meros erros de previsão: a necessidade de controlar a inflação serve para justificar uma atuação mais contida do banco central. Mas a política expansionista que o BCE apenas adotou como último recurso (a oposição de Merkel e do governo alemão impediu que o fizesse mais cedo) foi a única forma de atenuar os danos do colapso financeiro de 2007-08 e conter o pânico na zona euro, ainda que se trate de uma resposta incompleta que alimenta novas bolhas especulativas.
Além disso, as previsões alarmistas sobre o nível de preços costumam ser usadas pelos economistas convencionais como um dos fundamentos para as políticas de austeridade que devastaram a periferia europeia depois da crise. Seria mais acertado ter alguma inflação e crescimento dos salários para recuperar a procura na zona euro, mas as instituições europeias preferem a recessão - a crise é a mais eficaz forma de manutenção e reforço do seu poder. Restam dúvidas sobre a atuação política de um banco central que se supõe e se apresenta como independente?

Entre as brumas da memória


Brasil, um Carnaval diferente

Posted: 05 Mar 2019 11:35 AM PST

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Neto de Moura pensa como um agressor

Posted: 05 Mar 2019 07:50 AM PST


«Se escreve estas bestialidades, é porque tem a complacência do machismo que ainda habita em parte significativa da nossa justiça. É neste contexto que o Conselho Superior da Magistratura deve atuar. Tem poderes para o fazer. E o Parlamento tem também essa responsabilidade na discussão do Estatuto do Magistrado que está a fazer.


Nós, mulheres, vamos sair à rua do dia 8. Não queremos flores, queremos justiça, e queremos Neto de Moura fora dela. Que nos processe a todas. Talvez aí fique claro que isto não é sobre liberdade de expressão, é sobre as mulheres assassinadas e agredidas e sobre o seu direito à segurança.»


Mariana Mortágua

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Águas de Março – no tempo delas

Posted: 05 Mar 2019 05:43 AM PST

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Obrigado Joaquim Neto de Moura

Posted: 05 Mar 2019 02:39 AM PST

Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador,

«Agora que toda a gente escreve, e lhe escreve, para o ofender, magoar, afrontar, ultrajar, desagradar, desgostar, injuriar, insultar, desfeitear, descompor, vulnerar e vituperar, eu escrevo para lhe agradecer.

Frequentador das redes sociais, primeiro do Facebook e agora do Twitter, tenho vivido amargurado com o nível de divisão da sociedade portuguesa. Não se pense que um "regionalização versus centralismo" é pior que um "Esquerda versus Direita" ou mesmo que um "F. C. Porto versus SLB". Quando toca a fomentar divisões nas redes sociais, os portugueses são campeões da Europa. Daí o meu sincero agradecimento.

Só mesmo o senhor desembargador, com as suas teorias da evolução invertida, conseguiria unir o povo português a um nível que nem o Éder conseguiu, quando marcou aquele golo à França, na final de Paris. Muito obrigado Joaquim Neto de Moura. Por sua causa, é possível acreditar que o povo unido não voltará a ser vencido.

Este agradecimento estende-se à forma como o senhor não deixou de espernear, estando no chão a levar pancada de humoristas, comentaristas e alguns políticos. Depois de tudo o que senhor disse nas suas famosas sentenças, levantar processos por difamação aos seus críticos é genial. Se o senhor acha que devem ser condenados os que entendem que Neto de Moura é um perigo para a sociedade, fica a esperança de que quem manda neste país entenda de uma vez por todas que quem faz julgamentos com base no que diz a Bíblia, está pronto a ir pregar para o deserto, deixando os tribunais para os que se contentam em aplicar a lei, segundo o espírito do legislador que o povo elegeu. Muito obrigado Joaquim Neto de Moura. Com os seus argumentos, fica mais fácil o combate para acabar com a pouca vergonha de ver os tribunais portugueses a desvalorizarem a violência doméstica.

Ainda assim, é neste ponto que continuam a existir sérias preocupações. Nos tribunais portugueses, infelizmente, não há apenas um troglodita a desculpar os machos com excesso de testosterona. O senhor desembargador pode ser o campeão, mas se há coisa que aprendemos com os documentários da National Geographic é que há sempre um macho disponível para ocupar o lugar do líder.»

Paulo Baldaia

A China leva a melhor sobre a Alemanha

por estatuadesal

(Por Wolfgang Münchau, in Diário de Notícias, 05/03/2019)

Wolfgang Munchau

Provavelmente, a maior questão geopolítica para a UE atualmente, e especialmente para a Alemanha, são as relações futuras com a China. Na semana passada, uma revista alemã de negócios informou que um alto funcionário da chancelaria de Angela Merkel havia visitado a China para explorar as possibilidades de um acordo de não espionagem. Tais acordos geralmente não valem o papel em que estão escritos. O contexto desta visita foi a proposta da Huawei, fabricante chinês de equipamentos de telecomunicações, para a quinta geração de licenças móveis na Alemanha (sobre a qual uma decisão está prevista para este mês). Um acordo de não espionagem permitiria à Alemanha fingir que afinal a China não constitui uma ameaça à segurança.

A relação económica entre os dois países é interessante. A Alemanha é ambivalente em relação à China. Precisa de tecnologia chinesa, como a da Huawei. As operadoras de comunicações móveis da Alemanha estão particularmente interessadas na proposta de 5G da Huawei porque já usam o hardware da empresa chinesa nas suas redes.

Mas a Alemanha também está preocupada com as empresas chinesas que adquirem a sua tecnologia. Em dezembro passado, uma nova lei reduziu o limite de participações nas ações que acionam automaticamente uma investigação de fusões. A nova estratégia industrial, recentemente proposta por Peter Altmaier, ministro da Economia, quer proteger setores inteiros das aquisições chinesas - aviões, finanças, telecomunicações, comboios, energia e robótica.

No seu recente livro, Belt and Road, Bruno Maçães, ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus de Portugal, observa que o relacionamento sino-alemão mudou profundamente. Em tempos, a Alemanha via a China como um mercado de exportação de maquinaria com a qual a China desenvolveria a sua base industrial. Hoje, a China está a tornar-se o parceiro sénior no relacionamento.

A indústria automóvel será fundamental. É a fonte do sucesso passado da Alemanha e a prosperidade futura da China, mas os dois lados têm interesses opostos. O excesso de confiança na tecnologia diesel tornou a indústria automóvel alemã um investidor tardio em inteligência artificial e baterias elétricas. Maçães salienta que a China joga um jogo diferente. Os chineses não estão interessados em garantir principalmente as unidades de produção. Eles querem controlar toda a cadeia de valor do carro elétrico. Para isso, a China bloqueou grande parte do suprimento global de cobalto, um metal essencial na produção de baterias.

Os dois países têm muito em comum. Ambas são economias voltadas para a exportação, com grandes excedentes de poupança externa. Mas a estratégia económica da Alemanha não é tão consistente. A preferência política alemã é reduzir a dívida pública. No entanto, o maior problema do país está a ficar para trás na corrida tecnológica. A consolidação orçamental excessiva tem sido a principal causa do subinvestimento em estradas, redes de telecomunicações e outras novas tecnologias.

A Alemanha também está a subinvestir no seu setor de defesa. Ursula von der Leyen, ministra da Defesa, propôs recentemente um plano para aumentar o orçamento de defesa dos atuais 1,3% para 1,5% do produto interno bruto até 2023. Mas Olaf Scholz, ministro das Finanças, opõe-se.

O episódio é sintomático de um problema europeu fundamental: ao contrário da China, a política macroeconómica, a política industrial e a política externa e de segurança são executadas independentemente umas das outras. A proposta de 5G da Huawei mostra que a UE não está bem preparada para lidar com uma conexão entre segurança e política industrial. Os europeus também não prestaram muita atenção ao impacto das suas regras orçamentais, principalmente nas políticas de defesa e segurança. A China, pelo contrário, tem uma abordagem integrada à política económica e externa.

A China está a promover o renmimbi como uma moeda global, com o objetivo final de desafiar o monopólio do dólar como a moeda dos mercados de produtos. Os políticos europeus não estão acostumados a pensar em tais categorias políticas. Os alemães, em particular, nunca quiseram que a zona euro promovesse o euro como moeda global. No passado, o pensamento macroeconómico ultraconservador da Alemanha costumava ser mais ou menos consistente com os seus interesses industriais. Isso já não acontece: a UE está entalada entre duas potências económicas opostas e tem um regime monetário propenso a crises.

A redução da dívida do setor público foi uma escolha política. Se a Alemanha tivesse, ao contrário, investido em defesa e vantagem industrial futura, permitindo que a posição orçamental fosse até onde quisesse, estaríamos hoje num lugar diferente, mas isso exigiria um certo grau de pensamento geoestratégico que está ausente nas discussões políticas em toda a UE.

Talvez os europeus tenham estado tão autocentrados nos últimos 10 anos que não viram o que estava a acontecer. O protecionismo agora emergente, a súbita perceção de uma necessidade de proteção contra aquisições chinesas, são sinais de que a complacência está prestes a transformar-se em pânico.

© The Financial Times Limited, 2019.

Quando os pesadelos parecem reais, é hora de acordar

por estatuadesal

(Ricardo Paes Mamede, in Diário de Notícias, 05/03/2019)

Ricardo Paes Mamede

Imaginem um mundo de animais transformados. Porcos com genes humanos, para crescerem depressa. Galinhas com peitos maiores para renderem mais. Humanos que nascem quase sem libido, para diminuir a obsessão pelo sexo.

Nesse mundo a maioria das pessoas lutam todos os dias para sobreviver. Os alimentos escasseiam e têm de ser disputados com bichos estranhos que andam à solta. As catástrofes naturais destruíram grande parte das cidades. Alguns indivíduos vivem fechados em condomínios, protegidos de intrusos por seguranças armados. Aí a vida é tranquila e as necessidades básicas satisfeitas. Lá fora a rua é uma selva, nenhuma vida está garantida.

A queda da natalidade foi a desculpa final para impor uma nova ordem. Há comunidades à parte onde as mulheres férteis servem apenas para procriar. Cada uma pertence a um homem, várias ao mesmo, para assegurar a sobrevivência da espécie. Além das procriadoras, há as educadoras. As outras mulheres são inúteis, não têm lugar nas comunidades protegidas. Quem põe em causa a ordem estabelecida é morto em público, para dar o exemplo.

Se leram Oryx and Crake ou The Handmaid's Tale, livros de Margaret Atwood (o segundo transformado em série de televisão), reconhecem os mundos que descrevi.

A ficção científica nunca me atraiu e a escritora canadiana não me fez mudar de ideias. Deslumbram-me, claro, as ficções que conseguiram antecipar o futuro, como o submarino de Júlio Verne ou as redes de computadores de Isaac Asimov. Mas por cada previsão acertada existem milhares de seres e máquinas absurdos, que não respeitam as leis da física nem a natureza humana. Salvo exceções, prefiro ler sobre mundos plausíveis, sobre relações que podem ser reais.

Não é só o irrealismo que me afasta. A ficção científica, mesmo quando realista, é muito dada a distopias, como os livros de Atwood que referi. Sociedades disfuncionais, onde tudo o que valorizamos - a liberdade, a segurança, o conforto, a satisfação das necessidades básicas, a beleza, a amizade, a cooperação, a confiança no outro - é posto em causa por condições tecnológicas, ambientais e sociais opressivas. Neste sentido, não gosto de ficção científica como não gosto de filmes de terror. Não tiro prazer da angústia que provocam, muitas das vezes sem outro propósito para além da angústia em si.

Nada disto se aplica a 1984, de Orwell, nem ao Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago. São livros distópicos, sim. E são marcantes, pelo que nos mostram da natureza humana. Fazem-nos pensar no que existe através de mundos imaginários. Até há pouco tempo não incluía Atwood neste grupo de autores. Os mundos que descreve pareciam-me apenas catastrofistas, exagerados para lá do razoável.

Entretanto chegou à presidência dos EUA um homem que nega as alterações climáticas. À presidência do Brasil um defensor de armas para todos. Discursos de ódio emergem até nos lugares onde se julgavam extintos. Pretendentes a líder reclamam castigos de tempos medievais - e ganham votos com isso.

Gente em lugares de topo diz que os meninos devem vestir de azul e as meninas de cor-de-rosa e dedicarem-se à família. As multinacionais testam tecnologias perigosas sem escrutínio. Os ricos levam ao poder quem lhes permite fugir aos impostos. As cidades dividem-se em guetos para pobres e bairros para as elites. Os protestos legítimos são reprimidos com violência e desinformação geral.

De repente apercebi-me de que já estivemos mais longe das distopias de Atwood. O mundo pode ser bem pior do que julgamos. Tudo o que já existe é mais do que um carnaval, mais do que um sonho mau. Temos de estar bem despertos.

Economista e Professor do ISCTE

Ventinhas e a sorte de não existir imprensa em Portugal

por estatuadesal

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 05/03/219)

Ventinhas, Presidente do Sindicato do MP

Existe imprensa em Portugal? Existem jornalistas, alguns que honram exemplarmente a profissão no seu código deontológico e ideal, mas não existe imprensa. E essa ausência tem vastas consequências, tanto no espaço público como nos órgãos de soberania. Se existisse, não seria possível assistir a isto: “Decisão sobre estrutura do Ministério Público condiciona combate à corrupção”

De um lado, um magistrado do Ministério Público que acumula em estatuto e responsabilidade ao aparecer como presidente do sindicato. Do outro, dois jornalistas, um deles premiado e considerado um príncipe da elite mediática, social e cultural do País. Dir-se-ia estarem reunidas as condições para que o primeiro conseguisse passar a sua mensagem e que os segundos a conseguissem esclarecer e criticar com objectividade, idoneidade e coragem cidadã. Eis o que aconteceu:

– O magistrado sindicalista nunca referiu – nem sobre tal foi questionado – os objectivos principais, primeiros e últimos, que o SMMP pretende atingir no seu combate contra o actual Governo, contra a Assembleia da República e contra o sistema partidário. Nomeadamente, o aumento da remuneração, a falsa avaliação das carreiras e a protecção disciplinar absoluta, já para não falar na possibilidade de recusarem ordens e transferências de tribunal.

– O magistrado sindicalista repetiu a cassete onde agita a bandeira da “corrupção” como técnica falaciosa para manipular, difamar, caluniar e alarmar.

– O príncipe dos jornalistas não conseguiu desmontar a retórica do magistrado sindicalista, tendo chegado ao ponto de o interromper quando ele se estava a afundar a pique nas suas distorções só para lhe dar uma bóia de salvação na forma de uma questão mal colocada.

Quem usa as palavras “Justiça” e “corrupção” como tropos para ganhar dinheiro, seja o caso deste Ventinhas ou dos caluniadores profissionais na indústria da mesma, exibe uma característica comum: nunca apresentam dados mensuráveis e fidedignos que permitam validar as suas declarações, conclusões e profecias. Como não se ancora em qualquer realidade passível de ser identificada e partilhada com isenção, o discurso destas personagens é desvairadamente hiperbólico e catastrofista. Estamos perante um clássico registo panfletário com séculos de uso, se não forem milénios. Funciona porque antropológica e cognitivamente fomos seleccionados para dar atenção a quem nos avisa de perigos, mas é essa nossa resposta instintiva e automática perante um qualquer alarme lançado no meio social que igualmente nos faz sermos presas destes predadores que nos enganam vezes sem conta, tantas quanto deixarmos. Como curiosidade, convido à visita ao canal digital do SMMP, e peço a algum bravo que tente lá descobrir dados objectivos e comparativos sobre a corrupção em Portugal (se existirem, por favor mostrem onde).

António Ventinhas é um cidadão que nos pretende enganar. Representa e chefia um sindicato que nos pretende enganar. A estratégia que seguem é a de usarem o tema da “corrupção” como forma de chantagem sobre a classe política que nos representa, que elegemos com o nosso voto. Nessa lógica, assumem a posição oficial de considerarem que os políticos por atacado são corruptos – e dizem-no oficialmente porque se sentem, e se sabem, blindados contra qualquer poder da República.

Cá fora, órgãos de comunicação que lucram com os crimes cometidos no Ministério Público fazem coro na calúnia de estarmos infestados por políticos corruptos, os quais só recentemente, graças a Joana Marques Vidal e Carlos Alexandre, começaram a ser investigados e punidos, repetem diariamente. Este clima populista, justiceiro e linchador é usado pelo SMMP como trunfo negocial no que não passa da tentativa de manter o controlo corporativo mais completo e feroz que for possível, impedindo uma abertura democrática do Ministério Público em nome da transparência e da liberdade. Em nome da justiça para todos. Por vontade do Soberano.

Se existisse imprensa em Portugal, se o Miguel Sousa Tavares tivesse sido um bocadinho esperto, Ventinhas teria continuado a explanar a sua analogia entre o combate à corrupção no MP e o futebol para nossa educação. Recordemos a maravilha:

PP - Permita-me citar uma frase do sindicato quanto a uma eventual mudança na composição do conselho superior, não querem "entregar o País àqueles que beneficiaram com a corrupção ao longo de décadas". Isso foi dito pelo próprio sindicato. Alterar a composição do conselho é defender a impunidade da corrupção?

AV - [...] Muitas vezes gosto de dar o exemplo do futebol pa que as pessoas lá em casa percebam, que às vezes interpretam mas não percebem. Era como se disséssemos assim: a administração de um clube, se escolher o treinador e os jogadores, determina o resultado final da equipa ou não determina? Eu diria afirmativamente que sim. Se escolher um bom treinador, experiente, que conhece os meandros do futebol, se escolher os jogadores certos para as posições certas, poderá condicionar, e...

MST - Desculpe que o interrompa, [...]

E interrompeu mesmo. O exercício teria tido continuação, talvez chegando ao ponto de nos ter explicado o papel dos árbitros, das claques profissionais e dos vendedores de couratos no combate à corrupção. A ideia, todavia, ficou bem explícita. Implica ter reconhecido que o Ministério Público é composto por dois grupos de procuradores: o grupo dos competentes e o grupo dos incompetentes. Toda a gente sabe quem é quem. Assim, o Ventinhas sabe quem são os magistrados ganhadores, com experiência e conhecimentos nos meandros da corrupção, e quem são os nabos, os verdinhos. Se ele sabe, os corruptos dos políticos também, pelo que nos tenta assustar com um futuro onde esses políticos corruptos, a partir do Conselho Superior do Ministério Público, coloquem os incompetentes à frente das investigações e se safem com os milhões no bolso. É esta a imagem que o sindicalista está a passar, a qual não é só alucinada, é para todos os efeitos ofensiva da honra de um número indeterminado de representantes políticos democraticamente eleitos ou meros cidadãos escolhidos democraticamente, e com mandatos democraticamente limitados, igualmente ofendendo a honra e o prestígio de um número indeterminado de magistrados do Ministério Público. Calhando ter estado um elemento da imprensa à sua frente ao largar estas atoardas inaceitáveis, pérfidas e escandalosas, de imediato seria atingido por perguntas implacáveis a exigir que provasse as colossalmente gravíssimas denúncias ou que admitisse não passar de um agitador indecente e indigno do poder que o Estado lhe confiava.

A verdade é a de António Ventinhas ser, com obra feita, um caluniador triunfante e impunível. Em 2015, disse publicamente que “o principal responsável pela existência do processo Operação Marquês se chama José Sócrates, porque, se não tivesse praticado os factos ilícitos, este processo não teria acontecido”. Embalado, acrescentou que os portugueses tinham de decidir se querem “perseguir políticos corruptos, se querem acreditar nos polícias ou nos ladrões”. Em 2015, a investigação ainda decorria, saltando de hipótese para hipótese sem provas de corrupção encontradas. Não havia sequer acusação, quanto mais condenações com trânsito em julgado, pois. Isso não impediu um magistrado de violar alguns dos direitos mais valiosos de um cidadão e, portanto, do próprio Estado de direito democrático. Seguiu-se um festival de cumplicidades institucionais com esta violência criminosa. O Conselho Superior do Ministério Público arquivou a queixa de Sócrates, o Tribunal da Relação de Lisboa recusou julgar o crime de Ventinhas, e o Supremo Tribunal de Justiça idem e aspas. Quem se quiser rir a bom rir, mas também chorar, ide ler a argumentação fabulosamente contorcionista e ofuscantemente pífia que protegeu Ventinhas de ser julgado e inevitavelmente condenado por um crime evidente.

Não admira que este senhor veja corruptos em todo o lado. É que ele sabe muito bem, por experiência pessoal, do que fala.