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segunda-feira, 18 de março de 2019

Entre as brumas da memória


Cantar pelo clima

Posted: 17 Mar 2019 01:24 PM PDT

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17.03.1945, Elis Regina

Posted: 17 Mar 2019 10:48 AM PDT

Elis Regina faria hoje 74 anos e morreu com apenas 36. Nestes dias terríveis para o seu país, lembrá-la e ouvi-la em jeito de homenagem.

Viveu os «Anos de chumbo» da ditadura brasileira e não lhes passou ao lado, participando em vários movimentos culturais e políticos. Uma das suas canções – «O bêbado e o equilibrista» – funcionou como uma espécie de hino pela amnistia de exilados brasileiros. Notável também, nessa mesma linha, «Aos nossos filhos».

E, como não podia deixar de ser, o seu ícone:
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Assim vai o Brasil

Posted: 17 Mar 2019 08:53 AM PDT

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Guterres falou

Posted: 17 Mar 2019 07:08 AM PDT

… bem como vários líderes de alguns países. O nosso governo primou por um silêncio de chumbo: nem uma palavra de apreço ou de esperança para os jovens portugueses.

Alterações climáticas: vamos ouvir os jovens do mundo.

«Dezenas de milhares de jovens foram nesta sexta-feira às ruas com uma clara mensagem para os líderes mundiais: atuem agora para salvar o nosso planeta e o nosso futuro da emergência climática. Estes estudantes aprenderam algo que muitas pessoas mais velhas parecem não entender: estamos a correr em contrarrelógio pelas nossas vidas e estamos a perder. A janela de oportunidade está a fechar-se e não nos podemos dar ao luxo de perder mais tempo. Atrasar a ação climática é quase tão perigoso quanto negar a existência de alterações no clima.

A minha geração não conseguiu responder adequadamente ao dramático desafio das alterações climáticas e tal é profundamente sentido pelos jovens. Não admira que estejam zangados. (…)

Hoje, muitos de vocês estão ansiosos e com medo do futuro, e eu entendo as vossas preocupações e raiva. No entanto, sei também que a humanidade é capaz de enormes conquistas. As vossas vozes dão-me esperança.

Quanto mais me apercebo do vosso compromisso e ativismo, mais confiança tenho de que vamos ganhar. Juntos, com a vossa ajuda e graças aos vossos esforços, podemos e devemos superar esta ameaça e criar um mundo mais limpo, mais seguro e mais verde para todos.»

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Este terrorismo

Posted: 17 Mar 2019 04:01 AM PDT

«Terrorismo é terrorismo, no Médio Oriente ou nos nossos antípodas. Não lhes chamem loucos, não os tratem por atiradores, chamem-nos terroristas, tratem-nos por assassinos. Mas saibamos medir o nosso tremor europeu à sua real escala e perceber como à medida que o Daesh perde força os ataques de extrema-direita aumentam. Como ontem na Nova Zelândia.

Os números são assustadores e os relatos medonhos. 49 mortos contados à hora do almoço cá, noite lá, quando à porta do hospital se amontoavam familiares em angústia sem saberem se os corpos dos seus se encontravam entre os cadáveres desfeitos por outros. Sincopadamente, na praça de espera, alguém cortava o silêncio com um grito. A má notícia chegava, uma de cada vez.

Um terrorista de extrema-direita assassinou dezenas de muçulmanos.

O seu manifesto, que os jornais não publicaram para não servir os intentos propagandistas dos perpetradores, é claro nisso: no ódio aos imigrantes, na xenofobia, na apologia do que os anglo-saxónicos chamam supremacismo branco. Na arma de fogo estavam escritos os nomes de outros assassinos de muçulmanos, de migrantes. Nomes de neonazis.

Talvez nos tenhamos habituado à sucessão de tragédias no mundo e tenhamos perdido a escala. O número de ataques e de vítimas mortais está em queda, depois do pico de quase 33 mil mortes no mundo em 2014. Foram 19 mil em 2017. Desses, mais de quatro mil no Afeganistão como no Iraque, mais de mil na Nigéria, na Somália como na Síria. Todos países envolvidos em conflitos armados. É no Médio Oriente e no Norte África que se concentram mais ataques, com muçulmanos a sofrer com o fanatismo de outros muçulmanos. Na Europa, houve 204 vítimas mortais (Portugal é um dos quatro países onde não houve vítimas mortais de terrorismo nos últimos 20 anos, juntando-se a Chipre, Islândia e Suíça). Nos Estados Unidos e no Canadá morreram 85.

Todos estes dados constam do relatório do Índice Global de Terrorismo 2018, que mostra as razões mas também as diferenças. E é lá que já estava escrito que há um fenómeno a emergir, o da extrema-direita. Na América do Norte e na Europa Ocidental não há guerras e o terrorismo não tem a dimensão do que sucede noutras regiões, sendo aqui motivado sobretudo por razões de radicalização religiosa, por alienação social e por desigualdades económicas. Mas é aqui, no Ocidente, e em países maioritariamente brancos, como a Nova Zelândia é, que ataques de terroristas de extrema-direita nos surpreendem.

A política é tanto parte da causa como parte da consequência deste terrorismo. Porque os discursos securitários e as políticas nacionalistas, as decisões xenófobas e a palavra populista criam espaço para si mesmos. O ódio alimenta-se do medo. Trump não é um fantoche, Putin não é uma flor e na Europa que ambos querem entalar e enlatar a extrema-direita ganha votos e os antieuropeístas ganham lugares. Se a União Europeia se cinde, se os extremistas a tomam a cavalo de Troia, não vamos desta para melhor, mas vamos disto para pior.»

Pedro Santos Guerreiro

Porquê as mulheres?

por estatuadesal

(Isabel do Carmo, in Público, 14/03/2019)

Isabel do Carmo

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Por que é que são as mulheres espancadas, algumas até à morte, ameaçadas, assediadas, sobrecarregadas com trabalho doméstico, ganham menos desempenhando as mesmas funções, vivem na sombra? Porque vivemos numa sociedade patriarcal hierarquizada. Os casos extremos são a ponta do iceberg. É uma questão de poder e é também o quotidiano que temos que discutir, para pôr ao sol o que parece subtil ou insignificante. Dar testemunho é um dever.

Participei na avaliação das consequências físicas do inquérito de prevalência de violência sobre mulheres (Manuel Lisboa, 2006). Algumas ousavam revelar lesões, arranhões, encontrões, hematomas, torções. As que tinham sofrido fracturas tinham ido ao hospital. Quase todas “porque tinham caído na escada” na declaração feita à entrada da urgência. Não sabemos os comentários que aí as acolheriam se dissessem o verdadeiro motivo.

Há portanto aqui uma escala, em que o assassinato emerge como caso extremo e sinal de alarme. No entanto, sei o que ouço nas minhas consultas clínicas, e por dever de médico, pergunto o que é que se passa “lá em casa”, para além das queixas que são motivo da consulta. O que ouço também é uma escala. Há as que se queixam que os maridos são uns “brutamontes”, dos quais nunca se separaram porque não tinham condições para isso. E há aquelas, muitas, a quem o marido “levanta a mão”, entra em cólera e impede qualquer conversa sobre razões conflituosas. Enfim, uma relação de maior força física e de poder que regula a relação doméstica.

Estes homens já foram crianças que assistiram a espancamentos ou a simples empurrões ou cóleras exercidas sobre a mãe, para eles “naturais”, assimilados, interiorizados. Foram crianças elas próprias espancadas pelos pais e educadas a reguadas na escola pública. Ou que, mais elegantemente, levaram “uns açoites” ou umas “palmadas que não fazem mal a ninguém”, exercidas pelas mães, subjugadas pelo patamar de cima. A escala do poder foi pois “natural” e interiorizada, o comportamento e o impulso nem são interrogados.

Este ambiente foi o mesmo em que viveram ou vivem polícias e juízes, para só falar nos que têm que exercer autoridade e decidir. É pois necessário meter a mão naquilo que é a vida privada, a vida quotidiana, sem ter medo de ferir susceptibilidades. Mas também sem considerar os homens como inimigos das mulheres ou dizer que “são todos iguais”. A par das histórias dramáticas e sobretudo tristes que ouço, também testemunho muitos casos de casais de muitos anos, verdadeiros companheiros solidários e jovens rapazes que partilham com alegria os cuidados dos filhos e da casa, o que nos dá esperança para o futuro.

Mas a maior parte das vezes em que pergunto sobre as tarefas domésticas, as mulheres descrevem um quotidiano em que fazem quase tudo. Nos casos mais simpáticos ele “ajuda”. Ele “ajuda” e ela até fica agradecida, como se fosse a vizinha do lado, prestável, que a ajudasse. E não a pessoa que tem os mesmos filhos e vai utilizar os mesmos objectos, a mesma roupa e comer a mesma comida que ela, que tem os mesmos horários e os mesmos transportes. Pôr em questão estes problemas relacionados com a sociedade patriarcal e com estas relações de poder não é coisa fácil e atravessa classes sociais e ideologias. Indignação perante um assassinato é uma coisa, mexer nas relações do quotidiano é outra. Infelizmente, a primeira tem que servir para trazermos à luz do dia aquilo que está oculto.

Podemos lembrar as concepções ditas machistas que emergiram a seguir ao 25 de Abril e durante o processo revolucionário. Iam muito além dos tradicionalistas e conservadores e atravessavam os politicamente à esquerda, que se diziam “chefes de família”, respeitavam as suas “esposas”, mas tinham uma vida hipócrita tal como o papa Francisco descreve para os habitantes do Vaticano — moralistas para fora, “pecadores” para dentro. Aliás, homem que tinha “casos por fora” até era engraçado, sinal de virilidade, mas as mulheres tinham que ser “sérias”, “honradas”. Considerar “histéricos” os protestos contra a estrutura machista da sociedade veio até agora.

Só há poucos anos vou a sessões do dia 8 de Março com alguma tranquilidade, pois durante muitas comemorações fui objecto de provocações e tentativas de desacato, as quais foram provocadas por personagens insuspeitos. Numa, um militar muito radical interrompia e queria provar que os homens é que eram vítimas das mulheres. Noutra, uma jovem mulher dizia que estas questões da mulher não deviam ser levantadas porque quando a sociedade mudasse elas ficavam resolvidas, o que desde já se provava pelo facto de no partido dela não haver discriminação de sexos. Noutra, numa sessão da Ler Devagar, uma “feminista” vestida à homem contestava violentamente que estivéssemos a exibir um belo filme, Curvas Graciosas, onde se mostravam as formas próprias das mulheres novas e velhas, muito para além do estereotipado. Todos estes casos foram provocações premeditadas e destinadas a acabar com a sessão, em locais considerados “abertos” e com frequentadores habituais.

Evoco, todavia, também como janela de esperança, o caso de um adolescente, numa escola que servia o Vale da Amoreira, no Barreiro, que numa dessas sessões me colocou uma verdadeira questão: ser ou não verdade que se for o homem a estar desempregado e a fazer tarefas domésticas se sente mais humilhado do que se for o inverso. Foi há poucos anos, estávamos e estamos ainda muito na infância da discussão do quotidiano. Quando estou numa reunião, seja política, seja institucional, seja profissional, com homens e mulheres, proponho sempre que quem fale o faça pedindo a palavra ou, muito melhor, dando a volta à mesa. Porque se não for assim... já sei quem vai falar primeiro, mais alto e a sobrepor-se. E quantas vezes em reuniões sociais vemos as mulheres entrarem e saírem caladas porque “onde há galos não cantam galinhas”. E não evoquemos as excepções para provar o contrário, porque são mesmo excepções conseguidas a custo!

Aprofundando mais ainda os sinais e observando a linguagem, não se poderá reflectir sobre a expressão de insulto “filho da p...”? Não considero que a prática da prostituição seja uma profissão, também não considero que seja crime ou delito e conheço o sofrimento que acarreta. O que sei é que as mulheres que a praticam e os filhos delas são tão dignos de consideração como qualquer cidadão.

O insulto é mal escolhido. Indo mais longe: o que é que queremos dizer com a expressão agressiva “fuck you” nos vários idiomas? Falocrático, não é? Com isto não quero fazer qualquer campanha moralista contra os palavrões e até aprecio a poesia erótica de José Maria do Bocage, que os empregou na verdadeira acepção. O que quero mostrar é que esta sociedade está cheia de sinais que vão da linguagem banal, à ordem “natural” do quotidiano, público e privado, passando dos pequenos gestos ameaçadores até grandes gestos. Para finalmente emergir em crimes baixos que fazem tocar o alarme. Mas é tudo o resto que também temos que discutir.

domingo, 17 de março de 2019

O populismo alt-right à portuguesa e a justiça

por estatuadesal

(Pedro Marques Lopes, in DN, 16/03/219)

Pedro Marques Lopes

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Alguns cidadãos, albergados no projeto político Observador, viram no clamor público contra Neto de Moura uma campanha encapotada contra a justiça. A coisa foi um bocadinho disfarçada, mas não muito. Escreveu-se e disse-se que sim, claro, que o que o ainda juiz escreveu era inaceitável, mas - e na adversativa estava a mensagem essencial - que os ataques de que foi alvo visavam o edifício judicial. Todas as pessoas que não estão envolvidas diretamente no processo político (humoristas, atores e comentadores de jornais) e que se insurgiram contra Neto de Moura foram tratadas por idiotas úteis. Os outros fazem parte duma conspiração sinistra contra a justiça.

O discurso não é o novo, é aliás repetido incessantemente. A justiça está sob ataque porque está a pôr em causa uma entidade vaga que o ativista Rui Ramos, toda a santa semana, trata como oligarquia. Um grupo de gente que inclui a classe política, mediática e económica (pôr neste rol o poder económico e ser um dos líderes Observador revela ou que não conhece os pagadores do projeto ou, digamos assim, um bocadinho de falta de vergonha). Ou seja, todos menos os que não estão no projeto político Observador. Uma espécie de dragão que terá de ser combatido por um São Jorge que os homens do Observadoresperam ansiosos . No entretanto, tentam melhorar, no pior sentido, as condições para que ele surja - e, infelizmente, elas existem.

Este tipo de narrativas e de movimentos já não são novidade para ninguém. Escolhe-se um conjunto de pessoas - a tal oligarquia, neste caso - e atira-se para cima dele todos os problemas que uma comunidade enfrenta. É o populismo em todo o seu esplendor: explicações simplistas para problemas complexos. Os emigrantes que destroem a segurança social e que espalham o crime, os corruptos que bloqueiam o país e o seu desenvolvimento, o suposto imperialismo americano, etc., etc. A face visível do discurso político é uma, apela aos instintos mais básicos, baseia-se em mentiras descaradas e é sistematicamente repetido. A agenda real vem escondida - e essa varia segundo a orientação política do movimento. A aparente sofisticação do discurso da alt-right Observador não é mais do que populismo puro e duro.

Não é em vão que esta gente insiste que a justiça está sob ataque. Alguns setores do poder judicial também embarcaram numa espécie de cruzada populista contra os "ricos e poderosos", não hesitando em violar princípios básicos e direitos fundamentais em função de valores que eles definiram como superiores. Não faltam documentos de associações de profissionais da justiça que clamam a necessidade de a justiça combater o sistema, de o moralizar, de fazer uma limpeza ética.

Também não foi por qualquer preocupação com o bom funcionamento da justiça que o Observador fez uma campanha tão violenta a favor da continuação de Joana Marques Vidal (que simplesmente serviu de arma de arremesso nesta guerra e até por um ex-primeiro-ministro que fez uma tristíssima figura e mostrou uma falha imperdoável de sentido de Estado) ou que põe em causa de forma sistemática o trabalho do juiz Ivo Rosa. O objetivo é sempre o mesmo: fazer de alguma justiça uma aliada no combate que estão a travar. Para tal, não hesitam em fazer passar a ideia de que a independência do poder judicial está em causa e que a tal oligarquia está a tentar controlar o edifício judicial. A tentativa de instrumentalização é descarada, o desprezo pela estabilidade do funcionamento dos órgãos de soberania é desprezada. Na linha da velha extrema-esquerda vale tudo para atingir os objetivos. Uma variante da destruição criativa.

Os propósitos finais dos dois grupos são diferentes, mas, neste momento, coincidem: descredibilizar o poder político e dar a ideia de que há uma conspiração e que o poder judicial é o último bastião de defesa.

Não surpreende também que Rui Rio seja apontado a dedo como o campeão da luta contra a justiça e, em consequência, o símbolo da oligarquia. Não é de agora que o presidente do PSD fala dos problemas da justiça. Tem, verdade seja dita, dentro da classe política um histórico de denúncia do seu evidente mau funcionamento que não é feito em função de interesses políticos de ocasião. É, aliás, dos pouquíssimos políticos que têm tido coragem para falar deste tema desassombradamente e sem medo de perder popularidade.

Rui Rio é o político que mais interessa a esta alt-right populista destruir. É ele que eles julgam estar a impedir a tomada do PSD que tanto desejam (estão enganados porém, nunca esta linha conquistará o PSD). Nada, mais uma vez, que ver com justiça.

Desengane-se quem pensa que existe alguma preocupação com o bom funcionamento da justiça das pessoas que disseram que os ataques a Neto de Moura visavam pôr em causa a independência do poder judicial. Mais, são exatamente estes que mais desejam que os claros problemas que afetam o setor continuem a existir e se agravem. Tudo o que possa contribuir para o caos lhes interessa. São assim os populistas.


A lei de Vítor Melícias

Já se sabe que Vítor Melícias é um frade franciscano muito dado a causas terrenas. Nada a opor, claro está. Mas dado o seu convívio tão íntimo com as questões deste mundo e com os corredores do poder, apetece lembrar-lhe que não é ele que faz as leis nem é ele que define quais são as que se devem respeitar. Mas como tenho poucas dúvidas de que ele sabe perfeitamente o que é o Estado de direito e que a lei é para ser respeitada e que obriga tanto padres como presidentes de bancos e até secretariozecos, resta perguntar quem pensa ele que é para achar que os seus amigos estão acima da lei? Esta causa terrena vale assim tanto?


Viva o Ricky Gervais

Há uns anos, um tipo, durante um jantar, estava a dizer mal do Extras II. Do outro lado da mesa, um cidadão, claramente furioso, berrava que a série era fabulosa, que o Ricky Gervais era um absoluto génio e que qualquer pessoa que discordasse merecia ver ininterruptamente os Malucos do Riso com a participação especial do Badaró. Foi um momento muito constrangedor por duas razões. A primeira, é que o indivíduo que parecia enlouquecido de amor pelo Ricky ainda não tinha visto a série; a segunda, é que esse tipo era eu.

É este o tipo de fã que sou do Gervais, e tenho boas razões para isso. O Office, o Extras I e II e o Derek são absolutamente geniais. Mas há mais, o An Idiot Abroad, o Life Is Too Short, as longas-metragens, os shows de rádio, as apresentações nas cerimónias dos Óscares e nos Globos de Ouro, etc., etc. é tudo excelente. A verdade é que até as coisas menos boas do inglês são ótimas.

Agora, para a Netflix, o Ricky Gervais fez uma série que fica ao lado ou mesmo transcende o melhor que já tinha feito. Chama-se After Life e não pode deixar de ser vista. Fala das nossas fraquezas, da nossa fragilidade, dos nossos medos e anseios. Fala de nós.

É uma história sobre a vitória da bondade (como sempre no Gervais) e de redenção, contada com o seu fantástico humor e o seu imenso amor pela humanidade.

Luxos

Posted: 16 Mar 2019 07:01 PM PDT

Para além do luxo de estar isenta do pagamento de impostos, a Universidade Católica Portuguesa também parece estar por vezes isenta do respeito pelos limites morais ao capitalismo que a Doutrina Social da Igreja prescreve. Digo isto, entre outras razões, por causa do seu programa executivo de gestão do luxo, o enésimo exemplo de promoção intelectual do porno-riquismo neste país.
Neste contexto, talvez seja oportuno lembrar alguns excertos da Encíclica Laudato Si do Papa Francisco, um notável texto sobre a questão ecológica:
“Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres (...) Dado que o mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para vender os seus produtos, as pessoas acabam por ser arrastadas pelo turbilhão das compras e gastos supérfluos. O consumismo obsessivo é o reflexo subjectivo do paradigma tecno-económico (...) O referido paradigma faz crer a todos que são livres pois conservam uma suposta liberdade de consumir, quando na realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o poder económico e financeiro (...) A educação será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. Caso contrário, continuará a perdurar o modelo consumista, transmitido pelos meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado.”
É caso para perguntar, neste contexto: será este tipo de programa um eficaz mecanismo de mercado?

Entre as brumas da memória


16.03.1974 – O falhanço das Caldas

Posted: 16 Mar 2019 11:31 AM PDT

Há 45 anos, o golpe falhado das Caldas foi um passo importante para a queda da ditadura.

Em 2014, por ocasião do 40º aniversário dos acontecimentos, o Diário de Notícias ocupou duas páginas com vários textos sobre «A coluna rebelde que Spínola e Costa Gomes impediram de ocupar o Aeroporto de Lisboa». Excertos:
«A imagem que ficou na memória dos portugueses sobre a intentona tentada pelo Regimento de

Infantaria N. º 5 das Caldas da Rainha no dia 16 de Março de 1974 foi a de uma coluna militar que ficou parada às portas de Lisboa. Ilustrava perfeitamente o golpe militar frustrado, que só teria o seu epílogo a 25 de Abril, e que logo deu origem a uma anedota bastante popular. A de que os camiões com 200 militares que iriam ocupar o Aeroporto de Lisboa teriam parado às portas de Lisboa porque o então presidente da República, Américo Tomás, ameaçou que o primeiro a chegar à capital seria obrigado a casar com a sua filha. (...)
A anteceder o 16 de Março tinham-se verificado mais dois factos políticos que fizeram o presidente do Conselho hesitar: a 22 de fevereiro dera-se o lançamento do livro Portugal e o Futuro, do general Spínola, que defendia uma solução política e não militar para a guerra no Ultramar; a 14 de março, o Governo demitira os generais Spínola e Costa Gomes dos cargos de chefe e vice- chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, devido à ausência no evento em que as chefias militares se solidarizavam com Caetano, numa cerimónia definida como representativa da “Brigada do reumático”.
A demissão dos dois generais espoletou a Intentona das Caldas e criou esse acto militar falhado.»

A nota oficiosa difundida pelo governo foi esta:

«Na madrugada de Sexta-feira para Sábado, alguns oficiais em serviço no Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha, capitaneados por outros que nele se introduziram, insubordinaram-se, prendendo o comandante, o segundo comandante e três majores e fazendo em seguida sair uma Companhia autotransportada que tomou a direcção de Lisboa.

O governo tinha já conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não tinham tido êxito.

Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR. Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por Unidades da Região Militar de Tomar.

Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo. Reina a ordem em todo o País.»

Alguns dias depois (em 22 de Março), na sua última «Conversa em Família», foi assim que Marcelo Caetano se referiu ao golpe das Caldas:

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Vasco Pulido (?)Valente(?)

Posted: 16 Mar 2019 08:15 AM PDT

Anda uma pessoa umas décadas por este planeta para ler um cronista do reino, que escreve isto num jornal de referência. Até chega a Hitler e a Estaline, não faz o caso por menos.

(Vasco Pulido Valente, Público, 16.03.2019)
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Na continuação do dia de ontem

Posted: 16 Mar 2019 06:49 AM PDT

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Ao nosso lado

Posted: 16 Mar 2019 04:03 AM PDT

José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Em que países da Europa é que seria hoje possível fazer um processo por “sedição”? Dois: ¬a Rússia e a Espanha. Neste momento estão a ser julgados em Madrid um conjunto de dirigentes políticos catalães eleitos, com funções na Catalunha durante o movimento pela independência, por “rebelião, sedição e peculato”. A acusação de “peculato” é ridícula, destina-se apenas ao esfregar das mãos dos seus adversários, dizendo que eles “roubaram” alguma coisa, quando a acusação diz respeito ao uso de dinheiros públicos, geridos pelo governo legítimo da Catalunha, para organizar os processos de referendo. Aliás, os argumentos jurídicos são a maneira neste caso de deixarmos de ver o essencial: estes homens foram eleitos para fazerem o que fizeram, contam com o apoio dos catalães e conduziram um processo pacífico destinado a garantir a independência da região da Catalunha, algo que não é alheio a direitos e garantias do próprio estatuto catalão e dos compromissos para a sua revisão. É um processo político puro, e os presos catalães são presos políticos puros.

A outra coisa do domínio do político é o silêncio cúmplice de toda a União Europeia, que não mexe uma palha perante o que se está a passar em Madrid, onde a comunicação social se comporta como partidária do “espanholismo” mais radical e mobiliza os seus leitores, ouvintes e telespectadores para exigirem a condenação dos catalães, como se de criminosos de delito comum se tratassem. Este silêncio cúmplice é mais uma pedra no abandono de valores da União, que se mobiliza para todas as causas longínquas e oculta as que estão bem dentro dela.

E não adianta vir com a demagogia de comparar o “nacionalismo” catalão com a onda nacionalista que atravessa a Europa, xenófoba, hostil às liberdades, populista, sobre a qual as autoridades europeias mostraram sempre grande complacência. O movimento independentista catalão é até o único exemplo, juntamente com o nacionalismo escocês, de um movimento pacífico, moderado, cosmopolita, com enorme apoio popular, mas sem nenhuma das perversões do nacionalismo basco do passado, nem do irlandês, nem, registe-se, do nacionalismo espanhol, uma das correntes políticas mais agressivas de Espanha, como, aliás, se vai ver em breve nas próximas eleições.

Mas, já o escrevi e repito, nós, nesta matéria, somos uma vergonha. Estamos ao lado da Espanha, cujo nacionalismo tememos ao longo de toda a nossa história, com raros momentos de descanso, e apenas de descanso porque a Espanha estava fraca, e fazemos de conta que somos os três macaquinhos de mão a fechar a boca, os olhos e os ouvidos. Os presos políticos estão lá e nós caladinhos a pensar que não é connosco.

Somos capazes de juntar umas dezenas de pessoas para causas remotas e obscuras – e quase sempre bem –, mas quanto a Espanha ou ficamos apáticos e indiferentes, ou, o que é pior, alinhamos com o coro espanholista. Esse coro vai varrer o PSOE e vai trazer o PP e o neo-PP, os Cidadãos, o Vox e muitos grupos junto dos quais o nosso Chega é um pacífico menino. O espanholismo dos dias de hoje, posterior à tentativa catalã, é genuinamente franquista, mergulha fundo na trágica história de Espanha do século XX.

Portugal e os portugueses não podem ter esta indiferença face à sorte dos nossos irmãos catalães a quem devemos também uma parte da nossa independência nos idos de 1640. A causa catalã está a passar momentos difíceis, mas só a cegueira é que pode pensar que vai desaparecer. Se os presos políticos catalães forem condenados, então aquilo que já é hoje o principal bloqueio da política espanhola, ancorando-a à direita, tornar-se-á uma fonte conflitual muito séria em toda a Espanha, onde a reivindicação nacionalista no País Basco, na Galiza e noutros locais vai mobilizar uma nova geração de desespero, e o desespero é mau conselheiro. Para Portugal, a doença espanhola vai chegar com um pólo espanholista agressivo aqui ao lado que irá condicionar a política portuguesa. E vai ter na nossa direita radical, na alt-right nacional que começa a organizar-se como grupo de pressão face aos partidos políticos que acha que saíram da linha, como o PSD, um apoio entusiástico.

Com a memória ainda fresca do passado recente da troika-Passos-Portas, não teriam por si próprios muita importância, porque a nostalgia de um passado escuro não chega para mobilizar para o futuro, mas o apoio de uma Espanha muito à direita pode ser um factor de desequilíbrio. Também por nós, deveríamos olhar para esse grupo de homens corajosos que estão a ser perseguidos e julgados em Espanha com um olhar mais solidário e comprometido.»