Translate

quinta-feira, 21 de março de 2019

Ladrões de Bicicletas


Mais do que a dívida pública, a dívida externa

Posted: 20 Mar 2019 12:47 PM PDT

Acabaram de sair as estatísticas das contas externas portuguesas relativas a Janeiro. Mostram que a capacidade de financiamento da economia portuguesa face ao exterior está agora menos favorável do que no início de 2018 (que por sua vez era menos favorável do que no início de 2017). Não é de espantar, mas deve merecer atenção.
Todos sabíamos que à medida que a economia portuguesa recuperasse as contas externas iriam degradar-se. Mais crescimento económico significa mais consumo e mais investimento; dada a dependência energética e tecnológica do país, isto significa necessariamente um aumento mais que proporcional das importações. Além disso, aumenta também o repatriamento de lucros e juros para estrangeiros que têm comprado empresas e activos portugueses.
O problema é que a dívida externa portuguesa é uma das maiores do mundo e é uma das maiores fragilidades da economia nacional (e também da espanhola e da grega). Quem empresta dinheiro ao país (seja ao Estado ou ao sector privado) não gosta de ver Portugal a aumentar ainda mais a sua dívida externa em proporção do PIB. Podemos ter uma certeza: a partir do momento em que a dívida externa deixar de cair em percentagem do PIB (e é possível que isso aconteça em 2019, apesar da dívida pública continuar a cair) as dificuldades de financiamento de Portugal vão aumentar.
Muitos insistem em criticar o governo por não ter assegurado uma descida mais rápida da dívida pública. Eu há algum tempo que o critico por ter sido feito muito pouco ou quase nada para lidar com este enorme problema estrutural que é a dependência da economia nacional face ao exterior. Gostaria de não ter razão.

Duas palavras para Luís Aguiar-Conraria: causalidade reversa

Posted: 20 Mar 2019 12:49 PM PDT

Num artigo de opinião onde começa por puxar dos galões assinalando que é professor de economia monetária internacional, Luís Aguiar-Conraria vem afiançar que “[s]em poupança não há investimento e sem investimento não há crescimento”. Voltarei mais tarde, com mais tempo, a este assunto. Por agora, recordo ao professor Conraria que, além de outros, os professores Keynes e Schumpeter nos deixaram boas razões para pensarmos que a causalidade é reversa e deixo a tradução de um pequeno trecho de um estudo produzido com a chancela do Banco de Inglaterra por dois dos seus economistas.

“Primeiro discutimos a casualidade lógica. Considere-se o caso especial de um novo empréstimo destinado a investimento físico. O empréstimo e o depósito criado levam a investimento adicional que doutro modo não teria ocorrido porque o investidor não tinha acesso ao necessário poder de compra. Eles [empréstimo e depósito] têm de levar, por definição, a poupança adicional, especialmente enquanto resultado da identidade da contabilidade nacional entre poupança e investimento (numa economia fechada e a nível global) e não enquanto resultado de um equilíbrio entre poupança e investimento gerado por uma taxa de juro de equilíbrio. A direção da causalidade é, portanto, do financiamento para o investimento para a poupança. Por outras palavras, a poupança não financia investimento, é o financiamento que o faz.”

Entre as brumas da memória


Ela aí está

Posted: 20 Mar 2019 01:47 PM PDT

.

Ajuda a Moçambique – é por aqui

Posted: 20 Mar 2019 12:22 PM PDT

Forma mais fácil: Pagamento de Serviços
Entidade: 20999
Referência: 999 999 999
.

Nova Zelândia

Posted: 20 Mar 2019 10:08 AM PDT

Neozelandeses começam a entregar armas.

Não foi por acaso que eu gostei tanto deste país! Gente civilizada.

.

E que tal uma outro «Abraço» a Moçambique?

Posted: 20 Mar 2019 08:01 AM PDT

Onde estão estes (e outros) cantautores que fizeram isto em 1985?

«Quando em 1984 as estrelas da música britânica uniram-se para gravar o tema "Do They Know It's Christmas" com o objectivo de angariar dinheiro para combater a fome em África, a ideia depressa estendeu-se a outros países, a começar nos Estados Unidos com o nada menos mítico "We Are The World" e no ano de 1985, parecia que cada país no Mundo Ocidental tinha o seu tema musical all-star visando a mesma causa.

Portugal não foi excepção e em 1985, sob iniciativa da RTP e da RDP, mais de trinta nomes da música portuguesa uniram esforços para gravar "Um Abraço A Moçambique", composto por Pedro Osório, José Mário Branco e José Fanha.»

.

Como treinar um Bolsominion

Posted: 20 Mar 2019 04:04 AM PDT

«A estratégia Trump e a de Bolsonaro foram muito parecidas e não só na tecnologia da reprodução intensiva de mensagens robotizadas: o alvo é o mesmo (fanatizar alguns grupos dominantes, assustar o adversário, mobilizar os deserdados), a abordagem é semelhante (gerar bolsas de ódio) e até os temas são copiados (queremos andar armados, a família está sob ataque por uma “ideologia de género” e os imigrantes ficam com o nosso dinheiro). Desde há muito que eram evidentes estas conexões, que configuram a política suja, e que se nota que a direita portuguesa está fascinada pelo sucesso destas técnicas. Estão agora à vista os primeiros ensaios lusos desta estranha forma de política. Mais, não será André Ventura o mais destacado protagonista da aventura, mesmo que a queira representar, visto que os mais perigosos dos seus praticantes serão gente dos partidos tradicionais da direita.

O primeiro exemplo, mas dele não cuidarei hoje em detalhe, é Nuno Melo a verberar uma transposição de diretiva europeia que limita a posse de armas por particulares. Que alguém não possa ter mais do que 25 armas é uma “grave restrição à liberdade individual e ao direito de propriedade”, diz ele, acrescentando um vicioso e algo estranho ataque às polícias que, segundo o candidato do CDS, “sabem bem onde estão as armas ilegais” (e presumivelmente nada fazem para as capturar). Não é preciso um desenho para se perceber que quer namorar os caçadores para obter votos, mas a escolha de um timing tão funesto para esta defesa da multiplicação das armas – e já há um milhão e meio de armas nas mãos de particulares – só pode parecer de alto risco. O que querem é um tema Bolsonaro e ao candidato falta-lhe pimenta.

O meu segundo exemplo fala por si mas merece mais algum detalhe. É o de Bruno Vitorino, deputado do PSD, que seguiu a cartilha do tema “ideologia de género” como um perfeito Bolsominion, o carinhoso nome dado no Brasil a estas figuras. Primeiro passo: a provocação. Uma sessão de técnicos da Rede ExAequo a convite de uma escola do Barreiro, contra o bullying nas escolas, é uma “PORCARIA”, escreveu.

A coisa teria ficado pelas letras garrafais, mas teve a sorte de duas deputadas do Bloco terem caído na esparrela e, em vez de o criticarem usando o sarcasmo, terem anunciado uma queixa à Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género contra a ofensa.

Antes disso, tudo desfazia a tese da “porcaria”. Este programa de informação já vem do tempo do governo PSD-CDS, a associação em causa é apoiada pelo Conselho da Europa, a escola e os pais gostam das sessões e do cuidado da informação.

Mas haver alvos políticos permitiu ao Bolsominion passar à segunda etapa do plano e subir para o patamar superior, com a tese segundo a qual uma certa “ideologia de género”, uma misteriosa conspiração mundial que estabelece o predomínio das mulheres ou que quer transformar toda a gente em homossexual, segundo as versões (no Brasil, Bolsonaro chamava-lhe o “kit gay”), está a perseguir o coitado do Vitorino. A partir daí, foi descabelado: ele, que até tem amigos gays (não têm sempre?) estava a ser atacado por um “protofascismo”, tendo saído em sua defesa um surpreendentemente esbracejante Fernando Negrão, que chegou ao ponto de pedir uma conferência de líderes parlamentares para proteger a nação desta evidente “morte da democracia”.

Mesmo Pedro Duarte, normalmente elegante, foi a um programa de televisão ensaiar uma conversa sobre a “ideologia de género”, essa porcaria que, pelos vistos, contaminaria as nossas crianças com o vírus gay. Até um ex-diretor de jornal sério se misturou com a campanha acerca desta sinistra conspiração planetária da “ideologia de género”. No PSD, há uma espécie de corrida à “porcaria”, treinando os Bolsominions disponíveis para se porem na grelha de partida destes temas fascinantes. É que há um “ataque à família”, sentenciou aqui no Expresso o indignado Vitorino.

A agenda tem, no entanto, dois problemas. O primeiro é que é preciso que o povo e o eleitorado estejam dispostos a estes laivos de excitação. Se estivessem, esta agenda mudaria a política, e a direita precisa mesmo de deslocar a agenda, pois sabe que a discussão sobre pensões, salários, ajudas à banca, saúde e habitação não a leva a lado nenhum. Mas, se as pessoas não estiverem para estas trovoadas de medo, a conversa é só ridícula — e ser ridículo não convém nada a um candidato.

Depois, há ainda um segundo problema, o pior, que é o mal da precipitação e, aí, não perceberam a arte do mestre Bolsonaro. É que é preciso que o medo amadureça, é preciso meses, anos de medo, é preciso muito ódio para que o ódio se torne uma voz. E isto foi tudo feito à pressa, não foi? Esgrimir a “defesa da família” para tentar um voto religioso, sugerindo o missal e o confessionário para proteger a família em tempos em que Papa Francisco reúne os cardeais no Vaticano para combater a epidemia de casos de pedofilia na Igreja Católica, é simplesmente tosco. E inventar o perigo de uma “ideologia de género” para criminalizar o feminismo ou o combate à homofobia, logo depois de três semanas de show eletrizante de Neto de Moura, com a moca de pregos, a lapidação ancestral das mulheres indignas, os cem mil euros exigidos a cada humorista que o criticou e tudo o mais a impor-se no noticiário nacional e a revoltar Portugal, não é só tosco, é mesmo pateta.

O Bolsominion Vitorino estava treinado no tema, sabia a música e decorou o refrão, estudou como se faz, os comparsas até tentaram salvar o roteiro, mas quanto mais fizeram mais demonstraram o descompasso entre a gritaria e a total indiferença do país perante esta “porcaria”. No entanto, a quem se ri com este fracasso, deixo o alerta: isto vai voltar, com Bolsominions mais habilidosos, mais persistentes, com patranhas mais saborosas, com medos mais medrosos. Bruno Vitorino só mostrou a excitação que vai naquela gente e pôs-se demasiado em bicos de pés. Virão outros e serão mais perigosos.»

Francisco Louçã

Bolsonaro envergonha, na visita aos EUA, e constrangimento é mundial


Isac Nóbrega

Várias lideranças políticas do país estão atônitas com a visita de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos. Numa postura de total submissão, o presidente aceita abrir mãos de vistos aos norte-americanos sem reciprocidade para os brasileiros, faz discursos toscos e piadinhas homofóbicas. Uma postura bem diferente dos presidentes que lhe antecederam nas viagens àquele país.

A líder da Minoria na Câmara dos Deputados, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), diz que o sentimento é de vergonha pela “absoluta subserviência e deslumbre infantil” que a comitiva brasileira demonstra nos Estados Unidos.

Um presidente que chega sem proposta, sem discurso e fazendo um discurso ideológico idiota, de confronto com o comunismo, socialismo, confronto com ideologias de gênero, com piadinhas sobre homofobia e colocando o Brasil à venda, sem nenhum projeto concreto”.

Jandira Feghali

Num encontro com investidores, Bolsonaro falou de improviso dizendo que “a grande transformação do Brasil vem pelas mãos de Deus”. Criticou os governos petistas e falou que quando conheceu Paulo Guedes (ministro da Economia) foi “basicamente um amor à primeira vista”. E completou: “Na questão econômica, obviamente”.

Feghali lembrou que nos governos anteriores, sejam eles do PSDB ou do PT, haviam viagens com projetos e algum nível de respeito. “No período de Lula o Obama o chamou de o cara. Lula chegou lá com altivez”.

Para a líder, Bolsonaro usou o verbo descontruir e não de construção pelos interesses do Brasil. “Colocou aberto a biodiversidade na Amazônia, à venda de nossas riquezas naturais e não reciprocidade numa questão básica que é o visto para viagem”, disse a deputada.

Numa total subserviência, segundo ela, Bolsonaro reforçou a ideia de intervenção e não autodeterminação dos povos como é o caso da Venezuela, ajudou na deportação dos brasileiros com alguma ilegalidade naquele país, a política antiimingrante e abriu o território brasileiro para os norte-americanos como no caso da Base de Alcântara, no Maranhão.

Base de Alcântara

No caso de Alcântara, o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) diz que a decisão vai colocar em risco a soberania brasileira e a continuidade do Programa Espacial Brasileiro.

Inacreditável a superveniência desse governo aos americanos”.

Carlos Zarattini

“O Brasil está sendo exposto ao ridículo nos EUA, com repercussões em todo o mundo. Um presidente que se excede em vassalagem, ausência de autoestima nacional, patetices, bizarrices. Um festival de absurdos”, criticou o deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA).

Sobre o Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), Márcio Jerry disse que no acordo anterior existia uma cláusula que previa a expansão da área no entorno do Centro. “Isso é inadmissível. Não vamos admitir que se adentre ainda mais no território quilombola que está no entorno do centro de lançamento”, afirmou.

Comportamento vexatório

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), lembrou que a o canal de tevê norte-americano Fox News destacou o comportamento homofóbico vexatório de Bolsonaro e ligação da família dele com milicianos e assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Vai ser difícil comentar todas as besteiras que Bolsonaro está fazendo e falando nos EUA. Caramba, que vergonha tanto despreparo e tanta vontade de entregar o Brasil para os americanos”,

André Figueiredo

Disse o líder do PDT na Câmara dos Deputados, André Figueiredo (CE)

Foi Centeno quem fez descer os juros?

por estatuadesal

(Ricardo Paes Mamede, in DN, 19/03/2019)

Ricardo Paes Mamede

Há dias a agência de notação Standard & Poor's (S&P) subiu o rating de Portugal, levando os juros sobre a dívida pública para os níveis mais baixos de sempre. No mesmo dia, o ministro das Finanças realçava o impacto que as melhorias do rating da República têm vindo a ter nas contas públicas nacionais. A reacção rápida de Centeno teve o propósito óbvio de associar a subida do rating e a descida dos juros às opções de finanças públicas do seu governo. Será justo fazê-lo?

No momento em que escrevo este texto os títulos da dívida pública portuguesa a 10 anos estão a ser transaccionados à taxa de juro de 1,26%. Este valor contrasta com os cerca de 2,4% que se registaram nas vésperas da tomada de posse do actual governo (em Novembro de 2015) e com os cerca de 2,8% antes da S&P ter retirado Portugal da categoria de "investimento de lixo" (em Setembro de 2017).

Descidas daquela ordem podem significar poupanças de várias centenas de milhões de euros ao ano para o Estado. Tais poupanças podem ser utilizadas para acelerar a redução da dívida pública, para reduzir impostos e/ou para financiar a despesa pública com saúde, educação, protecção social, investimento, etc. Não é pois uma questão menor.

Centeno e a sua equipa têm motivos de satisfação. Desde cedo que a condução da política financeira do governo foi guiada pelo objectivo de assegurar as condições para a descida dos juros sobre a dívida pública. A contenção no crescimento da despesa e a recusa de descidas substanciais dos impostos foram assumidas como custos a pagar em troca da descida das taxas de juro. A redução do défice e da dívida pública eram vistos como condição necessária para melhorar a percepção dos investidores externos sobre a economia portuguesa e, por consequência, para baixar os custos de financiamento do país.

A evolução geral dos juros na zona euro explica apenas 1/3 da redução registada em Portugal

No actual contexto, o esforço de consolidação orçamental prosseguido pelo governo foi de facto uma condição necessária para a redução das taxas de juro sobre a dívida portuguesa. Uma condição, necessária, mas não suficiente.

Há uma parte da queda dos juros que não é específica ao caso português. Desde Setembro de 2017 até hoje as taxas de juro sobre os títulos de dívida pública a dez anos da Alemanha e de Espanha desceram de 0,42% para 0,09% e de 1,61% para 1,16% respectivamente. Esta evolução é explicada, em larga medida, pela política de baixos juros e liquidez abundante que o Banco Central Europeu (BCE) adoptou nos últimos anos.

Dito isto, a evolução geral dos juros na zona euro explica apenas 1/3 da redução registada em Portugal, sugerindo que grande parte da história tem que ver de facto com a situação nacional.

Para além da contenção orçamental e da política do BCE, a melhoria do rating e a descida das taxas de juro do país podem ser explicadas com base em três factores: o bom desempenho da economia nacional, a melhoria da situação dos bancos em Portugal e a estabilidade política. Estes vários factores estão, na verdade, relacionados.

O crescimento económico (2,8% em 2017 e 2,1% em 2018) contribuiu para a redução do défice e da dívida pública por via do aumento das receitas fiscais e da redução das despesas com subsídios de desemprego. Contribuiu também para melhorar a situação dos bancos, a par das medidas de estabilização do sector que têm vindo a ser implementadas.

O que distingue o caso português de grande parte dos países europeus na actualidade é a estabilidade política

A explicação para o bom desempenho da economia portuguesa baseia-se em larga medida na evolução da situação internacional (procura externa, preço do petróleo, câmbio euro-dólar, etc.), não podendo por isso ser atribuído fundamentalmente às opções de governação.

O que distingue o caso português de grande parte dos países europeus na actualidade é a estabilidade política. Ao contrário de Espanha, Itália, França, Grécia e de muitos outros Estados membros da UE, Portugal viu os últimos quatro Orçamentos do Estado anuais serem aprovados por uma maioria parlamentar que se manteve estável ao longo de toda a legislatura, ao mesmo tempo que se vivia um clima de razoável paz social no país. Em boa parte, isto deve-se ao esforço de cooperação que sustentou a maioria parlamentar.

É um facto que a estabilidade política só foi possível de alcançar devido a um contexto económico favorável. Sem este não teria sido possível compatibilizar o cumprimento das regras orçamentais da UE (uma opção clara da equipa do Ministério das Finanças) com as exigências dos partidos à esquerda do PS (nomeadamente, em matéria de devolução de rendimentos e reforço da despesa social). Mas, por sua vez, a estabilidade política e a melhoria da situação financeira das famílias contribuíram para dinamizar o consumo privado e o investimento.

Centeno e a sua equipa podem reivindicar para si parte dos louros da descida dos juros para níveis historicamente reduzidos. Mas têm de partilhar esses louros com o Conselho de Governadores do BCE, com as direcções do PCP e do BE, e também com a fada da sorte.

Economista e professor do ISCTE-IUL

Se as sondagens estão certas, vêm quatro anos de instabilidade política

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 20/03/2019)

donativo

AJude a Estátua de Sal. Click aqui

O que a ÚLTIMA SONDAGEM do Expresso nos diz é que o PS está em primeiro, bastante destacado. Mas que não só a maioria absoluta é praticamente impossível como está cada vez mais distante. Dizem também que Bloco de Esquerda e PCP não terão sofrido grande desgaste com esta experiência governativa mas, ao contrário do PS, também não terão capitalizado grande coisa. Ficarão mais ou menos na mesma. Quanto ao PSD, continua a sua queda livre. E o CDS, surpreendentemente, não será, ao contrário do que prometeu Assunção Cistas, líder da oposição. Acho que as sondagens estão a subvalorizar os pequenos e novos partidos, mas não tenho, para além da minha intuição, qualquer base para o afirmar.

Olhando para a sondagem, é evidente que não há condições para se fazer um bloco central. Ele exige o mínimo de paridade entre partidos. A enorme diferença entre o PS e o PSD torna totalmente inviável essa possibilidade. Com aquele resultado, dificilmente Rui Rio sobreviverá. E qualquer novo líder terá de se afirmar na oposição. Se, mesmo assim, Rio ficasse, nunca teria, com esta votação, força interna para impor um acordo com o Partido Socialista. A tendência, depois de um resultado destes, seria para o PSD radicalizar o discurso.

Se as sondagens estiverem certas há duas coisas inevitáveis: terá de haver um qualquer tipo de reedição da “geringonça” e isso será muito mais difícil de fazer do que nestes quatro anos. E o bloco central, com a hecatombe no PSD, é altamente improvável. Serão anos mais instáveis do que nos parecem à partida

Mas à esquerda as coisas também não são fáceis. O Partido Socialista, mesmo longe da maioria absoluta, aparece demasiado forte para que o Bloco de Esquerda e o PCP aumentem ou sequer mantenham a influência que tiveram no Governo. Se quiserem aprofundar a “geringonça” e não ficar como mero suporte de um governo do PS, os partidos à sua esquerda têm os próximos meses para roubar votos aos socialistas. Talvez só o consigam se o fizerem em nome da “geringonça”. O que implica valorizarem, mesmo com as suas insuficiências, estes quatro anos e o papel que tiveram neles. Fazer o que estão a tentar com a redução do preço dos passes sociais ou querem fazer na Lei de Bases de Saúde e, ao mesmo tempo, o que fizeram com o Novo Banco.

Mas acresce outro problema político causado pela matemática. Um dos segredos da “geringonça”, que se deveu aos resultados eleitorais de 2014, era o Partido Socialista precisar dos deputados do BE e do PCP em simultâneo. Isso obrigava a que todas as medidas tivessem de ter um apoio tripartido, vencendo o bloqueio na relação entre os dois partidos mais à esquerda. Nenhuma sondagem repete essa situação. E com a vitória do PS, que agora passa para primeiro lugar, dificilmente repetirá.

Por fim, há um problema político mais profundo. Um próximo governo não será de mera reposição de rendimentos. Teria de ser um governo com um programa mais profundo, sendo até possível que tenha de vir a lidar com uma situação económica europeia – e por isso também portuguesa – bem mais difícil. Não sabemos como acabará o Brexit, não sabemos que cenário político sairá das próximas europeias. Sabemos que as coisas deverão piorar, não melhorar. Tudo bem diferente do cenário de 2014.

A situação é paradoxal. Por um lado, o cenário político é muitíssimo negro para a direita, que deverá atravessar um deserto penoso com resultados especialmente maus. Por outro, a aritmética dos resultados à esquerda, seja por um peso relativo maior do PS, seja pelo facto de os socialistas deixarem de precisar de comunistas e bloquistas em simultâneo, será menos favorável aos equilíbrios instáveis destes quatro anos.

Muito menos para fazer reformas à esquerda ou lidar como uma possível crise económica europeia. Por fim, o bloco central, com a hecatombe no PSD, é altamente improvável. Serão anos mais instáveis do que nos parecem à partida.