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terça-feira, 21 de maio de 2019

Diz que é uma espécie de “frente progressista”

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 21/05/2019)

Francisco Louçã

(Mas que grande imbróglio. Há dois Costas, o Costa cá dentro para consumo interno e o Costa lá fora, para consumo externo?! Fico na dúvida: qual deles é o Mr. Hyde e qual deles é o Dr. Jekyll?

Comentário da Estátua, 21/05/2019)


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Se procurar na comunicação social portuguesa, dificilmente encontrará uma referência à “frente progressista” que Costa terá proposto a Macron para o próximo Parlamento Europeu. Não deixa de ser surpreendente. Os arautos do “nós somos Europa” escondem meticulosamente este imbróglio de alianças com que dividem a sua própria família política e que os parece levar para terra incógnita. As eleições devem ser um “referendo” ao Governo, resume Carlos César, mas apresentar aos crédulos eleitores um plano para a União Europeia, isso já parece estar fora de cogitação pelos seus mais ardentes defensores. Mas olhe que merecia.

Uma recente insinuação pública sobre esta “frente” terá sido a mensagem que o primeiro-ministro português enviou a um comício eleitoral do partido de Macron, em que sugere que “as forças progressistas (se) devem unir para permitir a mudança necessária”. Qual mudança, isso logo se verá. A fórmula até poderia ser interpretada como um rendilhado diplomático mas, interrogado sobre o assunto, Costa enviou à Lusa uma nota em que explica que, no seu entender, “a Europa precisa de uma grande frente progressista” e está “empenhado em ajudar a construir as pontes necessárias”. O encontro desta segunda-feira entre Macron e Costa em Paris confirma este vaivém para uma prometida convergência. Tudo desejos e boas intenções?

Ao contrário da discrição com que o assunto é tratado neste cantinho à beira-mar plantado, a imprensa francesa diz que a preparação do casamento já vai em juras solenes e aliança no dedo. Garance Pineau, um dos chefes do empreendimento de Macron, diplomata e responsável pelas consultas com outros partidos, veio a Lisboa e registou que o PS está “muito interessado” na “frente”. As mensagens emitidas do Largo do Rato confirmam-no. O Partido Socialista Europeu esclareceu seraficamente que “não está incomodado” com esta iniciativa. Ela parece ambiciosa, pretendendo juntar alguns dos socialistas (que tinham 185 deputados, mas estão em perda) com os eleitos de Macron e dos partidos seus aliados (ninguém sabe quantos serão), que por sua vez prometeram integrar uma aliança com os liberais (atualmente 69 deputados) para enfrentar a direita europeia do PPE (que tem agora 216 deputados, mas divididos entre os merkelianos e a extrema-direita do Grupo de Visegrado).

Ora, o projeto é duvidoso pelo menos por três razões. A primeira é que se trata em todo o caso de uma inversão de rumo, pois implicaria que Macron e Costa procurassem vencer o PPE de Merkel e deixassem de buscar a sua complacência para entendimentos do dia a dia. Havendo uma coligação governamental na Alemanha entre a CDU e os social-democratas, esse putativo afastamento parece atrevimento. A segunda é que chamar a isto “frente progressista” é uma bizarria. Os liberais, que já assinaram com Macron um protocolo que curiosamente declarava que pretende “romper com o bipartidismo” europeu entre os socialistas e a direita merkeliana, são conduzidos por Mark Rutte, o primeiro-ministro, e representam o tradicional programa neoliberal da direita. Seria mais fácil vê-los numa associação com Passos Coelho do que com Costa, pelo que chamar a isto “progressista” é em qualquer caso um floreado extravagante. A terceira razão é que esta frente divide os socialistas. Estes já foram destroçados em França pelo sucesso inicial de Macron e pode até admitir-se que Costa despreze os seus camaradas locais. Mas em Espanha isto é um problema, porque Macron se aliou ao Ciudadanos, e não vejo como possa haver um grupo europeu que tenha simultaneamente o PSOE, que está no Governo, e esse partido de direita, na oposição, sendo, por sua vez, aliado da extrema-direita na Andaluzia. É uma salganhada impossível, o que significa que, se Macron leva os seus, o PSOE fica de fora.

Assim, a “frente progressista” pode vir a ser uma frente (juntando partidos tão diferentes mas afastando uma parte dos socialistas), mas duvido que seja progressista (os liberais defenderam arduamente sanções contra Portugal e é de esperar que voltem a fazer o mesmo na primeira oportunidade) e, sobretudo, que configure uma alternativa razoável para a União Europeia. A não ser que o programa neoliberal à Rutte e Macron seja o novo oásis. Só que isso não se pode dizer em Portugal, pois não? Alguém se poderia lembrar de perguntar se esta aliança em Bruxelas não é o contrário do que promete o Governo em Lisboa, que por isso mesmo quer ser plebiscitado no meio da santa ignorância sobre estas aventuras casamenteiras. Entretanto, em Portugal o PS continua a repetir a promessa de um “novo contrato social europeu”. Mas isso vai ser com os liberais? Será que houve milagre da reconfiguração das almas e Macron deixou de ser o presidente dos milionários, Renzi o homem do ataque à segurança social, Rivera o nacionalista espanholista e Rutte o arauto dos mercados?

Como dizia Tyrion Lannister no último episódio do “Game of Thrones”, “não há nada no mundo mais poderoso do que uma boa história. Nada a pode travar. Nenhum inimigo a pode vencer”.

A questão é que, neste caso, a história da “frente progressista” não é boa, não é nova e nem sequer sei se chega a ser uma história, pois já aterra com um cadastro demasiado pesado. Talvez seja simplesmente a prova da incoerência dos seus inventores, reduzidos à manobra por falta de um projeto apresentável. Por alguma razão a escondem meticulosamente dos eleitores.

Da impossibilidade de reformas estruturais à esquerda

por estatuadesal

(Ricardo Paes Mamede, in Diário de Notícias, 21/05/2019)

Paes Mamede

Os entendimentos entre o PS, o BE e o PCP em matérias estruturais é impossível", escrevia há dias Pedro Marques Lopes na sua coluna do DN. A tese instalou-se há algum tempo no debate público em Portugal e ninguém parece sentir necessidade de a demonstrar. Mas há muitas razões para a pôr em causa.

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Seria, de facto, impossível obter acordos à esquerda em várias "matérias estruturais". PS, PCP e BE nunca se entenderiam para privatizar a Segurança Social ou perverter a sua lógica redistributiva. Não se espera um acordo que institua o "cheque-ensino" ou outras formas de financiamento público de colégios privados. O desvirtuamento do carácter público do SNS ou a sua transformação num sistema baseado em seguros de saúde são incompatíveis com os princípios da universalidade e da solidariedade defendidos pelas esquerdas. Não há entendimento possível para alterações à lei do trabalho que liberalizem o despedimento individual ou o emprego precário. O mesmo se aplica a medidas que reduzam a progressividade fiscal e ponham em causa o financiamento do Estado (por exemplo a descida dos impostos sobre os mais ricos ou sobre as grandes empresas).

Há quem defenda que aquelas são algumas das "reformas estruturais" necessárias ao desenvolvimento do país. Para esses, o Estado social é um peso financeiro, uma fonte de ineficiência e uma limitação à liberdade de escolha. A regulação do mercado de trabalho é considerada uma fonte de rigidez, que limita o empreendedorismo e o ajustamento da economia a choques externos. A redistribuição dos rendimentos por via fiscal é vista como um desincentivo à criação de riqueza.

Segundo esta forma de ver o mundo, a privatização, a desregulamentação e a liberalização são as vias para o progresso. Para quem assim pensa, nunca será possível haver acordos à esquerda para fazer as reformas consideradas necessárias.

É um facto: não se podem esperar entendimentos entre partidos de esquerda para implementar um programa de direita. Mas há outras formas de pensar o desenvolvimento do país.

Há quem acredite que o elevado nível de desigualdade constitui um problema-chave em Portugal. Que a coesão social se constrói com serviços públicos universais e de qualidade. Com mecanismos de proteção social abrangentes e solidários. Com regras que contrariam o desequilíbrio de poderes na relação entre empregadores e assalariados. Com um sistema fiscal que exige um esforço mais do que proporcional a quem tem mais rendimentos e riqueza.

Construir um modelo de desenvolvimento assente nestes princípios nunca foi fácil, ainda o é menos com as regras em vigor. Para que o Estado social seja sustentável, os seus custos não podem exceder as receitas fiscais, sob pena de pôr em causa outras funções do Estado e/ou a sua viabilidade financeira. Por sua vez, a sustentabilidade financeira do Estado não pode ser obtida através de uma pressão fiscal de tal forma elevada que inviabilize o investimento privado ou a competitividade das empresas portuguesas nos mercados globais. Da mesma forma, a proteção da parte mais fraca nas relações laborais - os trabalhadores - tem de ter em conta as condições internacionais de comércio e produção.

As mudanças estruturais são também dificultadas por centros de poder e grupos de interesse - nacionais e estrangeiros, públicos e privados - que resistem à perda de privilégios. São grupos influentes, que exercem pressão sobre os decisores públicos para preservar e reforçar benefícios, recorrendo a meios de que poucos dispõem.

Nenhum dos partidos que sustenta a atual maioria ignora as dificuldades descritas, mesmo quando divergem sobre a possibilidade de as ultrapassar. Ou quando uns e outros se mostram vulneráveis a diferentes grupos de interesses.

Nos últimos quatro anos, PS, PCP e BE procuraram soluções para avançar no sentido desejado, no quadro das regras e das condições existentes. Com maior ou menor impacto, foram dados passos importantes em áreas como o financiamento da Segurança Social, a organização do sistema de ensino, a redistribuição dos rendimentos e da riqueza, a proteção social, a prevenção de doenças, a promoção dos transportes públicos ou o direito à habitação. A legislatura iniciada em 2015 mostra que são possíveis entendimentos à esquerda para lidar com aquelas e outras "matérias estruturais".

Ainda há muito por fazer na construção de uma sociedade decente em Portugal - e os obstáculos a enfrentar não são pequenos. Não é certo que as esquerdas consigam entender-se sobre as matérias decisivas. Muito trabalho tem ainda de ser feito para construir um caminho partilhado. Mas quem exclui à partida a possibilidade desses entendimentos está a exprimir um desejo - e não uma tese já demonstrada.

Economista e professor do ISCTE-IUL

As relações comerciais com os EUA

por estatuadesal

(Por Prabhat Patnaik, 20/05/2019)

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A Grã-Bretanha, quando era o principal país capitalista do mundo, tinha um défice em conta corrente em relação aos países emergentes, como a Europa Continental e os Estados Unidos, no final do século XIX e início do século XX. Na verdade, é da natureza do país líder ter esse défice, uma vez que proporciona a esfera de acção para que outros cresçam dentro do arranjo de moeda internacional presidido pelo país líder.

Os EUA também têm um défice em conta correntevis-à-vis os países emergentes de hoje. A diferença entre os dois está no facto de que a Grã-Bretanha não apenas cumpria seu défice corrente, mas chegava a fazer exportações de capital para os mesmos países com os quais tinha um défice em conta corrente – e compensava-o pelo excedente da conta corrente engendrado em relação às suas colónias, para as quais fazia exportações "desindustrializantes", e de cujo excedente de exportação adicionalmente se apropriava de modo gratuito para liquidar seus pagamentos. Em suma, a Grã-Bretanha não teve de enfrentar qualquer problema de balança de pagamentos, apesar de ter défices substanciais em conta corrente e na conta de capital em relação aos novos países emergentes daquele tempo.

Os EUA não têm essa possibilidade em aberto. Embora ainda existam excedentes apropriados das antigas "colónias" por causa dos direitos de propriedade intelectual e outras destas extorsões, estas nada são quando comparadas ao que é necessário para equilibrar os pagamentos dos EUA. A descolonização política tornou impossível aos poderes metropolitanos imporem às suas antigas "colónias" um sistema de transferências gratuitas. Os EUA, portanto, expandiram sua dívida externa por um longo tempo a fim de cumprirem suas obrigações de balança de pagamentos, criando pela primeira vez na história do capitalismo uma situação em que a mais poderosa potência capitalista do mundo também é a mais endividada externamente. Mas agora ela deseja controlar seu endividamento externo.

Além disso, ela não pode sequer manter seu nível de actividade interno fazendo exportações "desindustrializantes". Tais exportações podiam ser feitas anteriormente porque a Grã-Bretanha, a potência colonial mais forte, tinha estes mercados coloniais "disponíveis"; ela podia acessá-los à vontade. Mas os EUA não têm mercados coloniais "disponíveis".

Confrontado com um declínio na actividade interna e um aumento do endividamento externo, os EUA embarcaram numa nova estratégia, de serem proteccionistas e, ainda assim, de "persuadir" os países emergentes a aceitarem voluntariamente seu proteccionismo unilateral.

Tentaram convencer a China a aceitar o seu proteccionismo unilateral. Deste modo, espera fazer com que outros países suportem o fardo do ajuste, enquanto aumenta o nível de actividade interna e ao mesmo tempo fecha seu défice na balança de pagamentos. Mas não teve êxito em relação à China, uma vez que o governo chinês acaba de aplicar tarifas mais altas a todo um conjunto de exportações dos EUA.

E agora [o governo dos EUA] está a tentar persuadir a Índia a aceitar seu proteccionismo sem retaliar e se possível reduzir suas próprias tarifas, de modo a que as exportações americanas possam ter mais facilidade para entrar no mercado indiano e deslocar as exportações asiáticas em direcção às quais a Índia se deslocava cada vez mais ao longo da última década ou pouco mais. Em breve uma equipe americana chegará à Índia a fim de tentar convencer o país a aceitar voluntariamente o proteccionismo dos EUA e reduzir a magnitude do défice americano nas relações bilaterais.

Os dois problemas básicos que os EUA têm em relação à Índia são: primeiro, o substancial saldo de mercadorias a favor da Índia e, segundo, o regime de direitos de propriedade intelectual da Índia que, apesar de ser compatível com TRIPS, não beneficia os Estados Unidos.

A balança de mercadorias a favor da Índia chegou a US$27,3 mil milhões em 2017; supõe-se ter baixado um pouco, em US$4 mil milhões em 2018, devido ao aumento da procura indiana por uma série de produtos americanos, em particular aviões civis e energia. Mas permanece, no entanto, um número considerável. Um fechamento do hiato escancarado na balança de pagamentos é o que os EUA gostariam.

Cerca de uma década atrás a participação dos EUA nas importações da Índia era de 8,5%; agora caiu para 5,7%. Ao longo do mesmo período, a participação da China aumentou de menos de 11% para mais de 16%. A Índia, em suma, tem-se movido de fontes americanas para fontes asiáticas nas suas importações e os EUA gostariam de alterar isso.

Durante a última década os EUA forçaram a Índia a mudar sua atitude em relação a commodities como as maçãs e amêndoas que importou. Da mesma forma, está a remover um certo número de ítens das exportações indianas do Sistema de Preferências Generalizadas. Além disso, também é provável que haja uma mudança nas importações indianas de petróleo provenientes do Irão para, pelo menos em parte, para os EUA, devido à pressão americana para boicotar o petróleo iraniano. O governo de Modi, ao contrário da China, está completamente alinhado com a exigência americana de não comprar ao Irão, apesar de o petróleo iraniano ser mais barato e de os EUA deixarem claro que não venderiam à Índia a um preço mais barato. Em matéria de petróleo, portanto, a Índia simplesmente abandonou sua posição de não ser obrigada a comprar a um preço mais alto. Todas essas áreas, no entanto, embora de alguma importância na perspectiva indiana, ainda não representam muito do ponto de vista dos EUA.

A outra área em que os EUA pressionarão a Índia é em relação à agricultura, na qual os EUA argumentam há muito que a Índia tem dado subsídios ao arroz e ao trigo superiores ao permitido pela OMC. Apesar de os próprios EUA terem aumentado seus subsídios de US$61 mil milhões quando a OMC foi formada, em 1995, para US$135 mil milhões em 2016, isso é supostamente aceitável, ao passo que os subsídios da Índia, que são dados a uma grande massa de pobres camponeses indigentes, não o são, porque "distorcem preços". Como nos EUA há muito poucos produtores no sector agrícola, eles podem receber subsídios directamente sem causar quaisquer "distorções de preço", muito embora esses "subsídios" sejam utilizados para capturar o mercado global. Mas na Índia, onde há milhões de camponeses, subsídios directos não podem ser dados na forma de apoio ao rendimento; os subsídios têm de ser concedidos sob a forma de apoio aos preços e é precisamente isto que tem sido contestado pelos EUA.

A lei de patentes aprovada na Índia em conformidade com os direitos de propriedade intelectual (TRIPS) foi um golpe para o sector de medicamentos genéricos. Antes disso, a Lei de Patentes indiana fora uma peça legislativa modelar que em certa medida rompeu o monopólio em tecnologia dos países avançados. Mas isso teve de ser abandonado para torná-la compatível com o TRIPS, aumentando a duração das patentes e estendendo as patentes de processo para patentes de produto. Mesmo isso, no entanto, não foi suficiente para os EUA, os quais desde então têm pressionado sistematicamente a Índia para que desencoraje empresas de genéricos. Esta pressão continuará a ser exercida pelos visitantes da delegação comercial americana.

O que a posição americana demonstra é que o argumento do livre comércio está dependente da existência de colonialismo. Quando o colonialismo reinou supremo, pode-se ser hipócrita sobre o livre comércio, uma vez que as colónias poderiam absorver as mercadorias não vendidas. O livre comércio parecia uma coisa boa, pois nenhum país avançado piorou com isso. Não que alguma vez tenha havido um comércio completamente livre; mas o país líder poderia praticar o livre comércio sem ser incomodado por isso. E as próprias colónias para as quais o excedente era exportado não contavam. Mas quando não há colonialismo, mesmo este argumento entra em colapso. E é isto que o mundo tem estado a enfrentar nos últimos anos.

A aceitação voluntária do proteccionismo dos EUA por países como a China e a Índia equivaleria a aceitar o fardo de impulsionar a procura agregada na economia mundial. Mas, como eles não podem sequer usar seus respectivos Estados para essa finalidade, como os défices orçamentais não serão permitidos além de um ponto, eles podem usar apenas a política monetária; mas a política monetária será inadequada para promover a procura agregada numa situação de deficiência geral da procura. Em consequência, a deficiência da procura agregada continuará e, portanto, a luta pela captura do maior mercado possível. O esforço americano para tornar seu proteccionismo aceitável para os outros simplesmente não terá êxito.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Entre as brumas da memória


Futebóis

Posted: 20 May 2019 10:39 AM PDT

Não sei se Lisboa só tem reformados e gente no desemprego, mas a Praça do Município já está cheia de adeptos do Benfica para umas festividades na CML, que terão lugar às 18:30 e oiço que alguns estão lá desde a 1:00 da tarde. Para verem o quê, exactamente? Cada jogador com mais um Santo António pintado de vermelho na mão? A taça? Ou a águia desce à baixa? Note-se que nada tive contra os festejos, a quente, no Sábado à noite no Marquês. Mas mais? Hoje?

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A CML não quer uma rua com os nomes dos assassinados pela PIDE em 25 de Abril de 1974?

Posted: 20 May 2019 06:17 AM PDT

Há cerca de um ano, 446 cidadãos puseram «à consideração da Câmara Municipal de Lisboa, e respectiva comissão de toponímia. a proposta de atribuir os nomes de João Arruda, Fernando Gesteiro, Fernando dos Reis e José Barnetto a um arruamento ou lugar da capital. Por dever de memória para com aqueles que viveram a liberdade durante apenas algumas horas e que podem ajudar-nos a dar a essa palavra um significado maior. São eles os heróis improváveis da revolução. Não permitamos que se lhes junte o adjectivo "esquecidos"».

A iniciativa foi bem acolhida a nível da Assembleia Municipal, em reunião de duas comissões na qual estive presente juntamente com Pedro Vieira que encabeçou o abaixo-assinado e a pedido deste. O tempo passou e foi hoje recebida uma comunicação do gabinete da vereadora da cultura da CML, em que é anunciada a recusa. É avançado como motivo principal que «os Cidadãos em causa já se encontram devidamente homenageados» numa placa com os nomes pretendidos numa parede do agora condomínio de luxo que foi sede daquela organização, na R. António Maria Cardoso, em Lisboa. Como se esta iniciativa que tanta luta deu a muitos de nós, e que NÃO foi iniciativa da CML, devesse ser motivo para o alheamento desta, num concelho onde se abrem novas ruas e becos por tudo quando é sítio!

Quando for recebido o texto do «Ofício do Núcleo de Toponímia» (hoje, chegou apenas um mail a anunciá-lo), serão decididas as acções a tomar.

(Pode ser lido AQUI o texto do abaixo-assinado enviado em Maio de 2018, bem como os nomes de todos os subscritores.)

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Descoberto plano para manipular a democracia em Portugal

Posted: 20 May 2019 03:14 AM PDT

«Ao fazer compras online ou ao pôr um “like” no Facebook, expomos a nossa identidade e privacidade a uma reserva gigantesca de dados. Sim, há aí um enorme potencial para a humanidade. Mas há também uma série de ameaças para as quais temos de estar atentos. Oitavo de uma série de dez textos sobre os riscos da “revolução digital”.

Este título podia remeter para uma notícia verdadeira, mas não é o caso. Foi fabricado apenas para demonstrar como se pode facilmente manipular a informação com o objectivo de conseguir mais visualizações e reacções (as minhas desculpas aos leitores!). A manipulação pode ser feita com base em factos verdadeiros ou pode ser totalmente fabricada, mas, uma vez lançados nas redes sociais, os conteúdos ganham vida própria e influenciam percepções e contextos offline.

Os novos media digitais simbolizam abertura, permitem aproximar e mobilizar pessoas, divulgar ideias e promover pluralidade nos debates. Mas existe também a outra face da moeda e, se dúvidas ainda persistissem sobre o seu impacto negativo na democracia, os mais recentes acontecimentos contribuiriam certamente para as dissipar. O ambiente online, que é amplamente definido por algoritmos criados por empresas como o Facebook e Google, está a transformar os comportamentos sociais e políticos. Apesar de não terem sido eleitos, Mark Zuckerberg (Facebook) e Larry Page (Google, Alphabet) estão actualmente entre as pessoas que mais poder têm no mundo. E entre o que mais tem proliferado com a utilização dos novos meios de comunicação está o extremismo. Os media online têm estado no centro do debate sobre eleições de populistas, campanhas de ódio ou ataques terroristas, levando a cada vez mais pressão para controlar (e censurar) o conteúdo na Internet.

São vários os “novos” desafios à democracia, entre eles: a criação de “bolhas”, que isolam os cidadãos numa realidade em que só lhes é dito aquilo que querem ouvir, a partilha de notícias falsas, e os problemas que isto coloca à liberdade de expressão.

As novas tecnologias vieram aperfeiçoar os instrumentos que permitem segmentar os utilizadores/eleitores e direccionar-lhes mensagens específicas. E se a lógica destas técnicas não é nova, uma vez que a aplicação de técnicas de mercado à democracia já é feita pelo menos desde a década 1930, a rapidez e precisão aumentaram exponencialmente. Algoritmos permitem agora recolher e analisar quantidades imensas de dados pessoais que cada utilizador produz através das suas pesquisas na Internet, das suas compras online, dos seus telemóveis e dos seus perfis nas redes sociais.

Pensemos numa qualquer campanha política. O seu sucesso passa pela capacidade que os candidatos têm de interagir com os eleitores e para isso sempre precisaram de informação. Mas se antes as mensagens eram mais genéricas, para agradar a “gregos e a troianos”, agora é possível agrupar os eleitores de acordo com critérios específicos (localização, sexo, interesses e comportamentos, etc.), o que permite enviar mensagens altamente personalizadas com base nos seus perfis. Estes programas de inteligência artificial conseguem mesmo prever características mais sensíveis, como a religião, e ajudar a desenhar mensagens que podem ser diferentes para si e para a pessoa que está ao seu lado, sem que ninguém se aperceba. Naturalmente, estes dados pessoais dos utilizadores podem ser utilizados para vários fins, incluindo para influenciar as suas percepções políticas, com efeitos nos resultados das eleições.

E se, idealmente, a informação sobre os factos seria uma base neutra, fundamental para resolver debates políticos, algo que permitiria sustentar acordos, agora é, mais que nunca, uma mercadoria, sujeita às regras de mercado, cuja livre manipulação é considerada ”normal” na disputa pelo poder. Organizações com menos escrúpulos podem criar informação falsa (as chamadas “fake news”) e enviá-las apenas aos eleitores mais susceptíveis. Isto não faz parte de um futuro distante, é o presente.

O que nos coloca perante outra questão fundamental: a dos limites à liberdade de expressão. As redes sociais e sua utilização foram apresentadas como uma ferramenta com enorme potencial de democratização e de participação política (recordemos os eventos que ficaram conhecidos como a Primavera Árabe) e têm certamente permitido que mais pessoas comuniquem em países totalitários ou com regimes muito controladores. No entanto, a utilização que tem sido feita dos meios online em eventos recentes, como os ataques terroristas em Christchurch, Nova Zelândia, em Março de 2019, ou no Sri Lanka cerca de um mês depois, levaram a pedidos de censura da informação e de limites à circulação de informação, práticas até agora próprias de governos autoritários. O Governo do Sri Lanka justificou o bloqueio das redes sociais após os ataques terroristas para evitar a propagação de notícias falsas que pudessem causar o pânico entre a população ou incitar ao ódio contra grupos específicos de uma sociedade, que é multicultural. E após o ataque em Christchurch que foi transmitido em directo, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, tornou-se uma das mais fervorosas defensoras da censura nas redes sociais, com o objectivo de eliminar os conteúdos relacionados com extremismos e terrorismo que circulam nestas redes.

A decisão do Facebook de apagar páginas e perfis de extrema-direita antes das eleições de Espanha (Abril de 2019) e das eleições europeias (já no próximo domingo) e a do Twitter de fornecer uma ferramenta para os utilizadores poderem denunciar informação falsa relacionada com as eleições demonstram não só como estas estratégias estão a ser postas em prática, como são, em muitos casos, bem-sucedidas. Ainda assim, o Facebook, cujas políticas têm motivado muitas críticas ultimamente, anunciou que não fechava estas páginas devido ao seu conteúdo, mas sim pelos indícios de se tratar de violações da política de autenticidade (ou seja, de serem páginas e contas falsas eventualmente actualizadas por software automático, bots, e não por utilizadores reais). Falsidade e extremismos parecem caminhar lado a lado nas redes sociais.

Deve então a manutenção do princípio de uma Internet completamente livre e aberta sobrepor-se à prevenção de extremismo e falsidade? O debate que tem de ser feito não se deve centrar apenas nos limites à liberdade de expressão, mas deve incluir também a responsabilidade das plataformas online e redes sociais na partilha de conteúdo falso ou de natureza extremista. As redes sociais não são os media tradicionais, que podem ser responsabilizados pelo que publicam, nem operadores neutros, como as redes de telecomunicações. Têm como modelo de negócio a monetização dos dados dos seus utilizadores e essa informação está a ser utilizada em campanhas com fins diversos, para influenciar comportamentos, incluindo eleitorais.

Se historicamente os media tradicionais têm operado na distinção entre o interesse do público (para aumentar as audiências e, logo, as receitas) e o interesse público, que inclui a defesa dos valores democráticos, para as empresas da Internet esta visão dos conteúdos a publicar está completamente ultrapassada: o seu modelo de negócio assenta em promover o que provoca mais receitas, geradas por mais visitas e clicks, promovidas por mais reacções. Isto cria uma espiral de afastamento, um efeito centrífugo nas opiniões, afastando-as do centro para os extremos, porque é precisamente aí que estão as emoções.

A sociedade pode exigir a responsabilização destas plataformas mas, para isso, é fundamental que os cidadãos e eleitores estejam informados e que assumam a sua responsabilidade na divulgação de conteúdos falsos. Para além das contas falsas e bots, os cidadãos também partilham “fake news”, logo cada um de nós tem de se perguntar se pensa na veracidade e no impacto daquilo que decide partilhar online. Existem cada vez mais serviços de identificação de notícias falsas, como o snopes.com e, mais recentemente em Portugal, o Polígrafo. Mas campanhas como a “Pro-Truth Pledge” alertam que só uma sociedade mais atenta, informada e comprometida com a verdade pode colocar travões à epidemia de notícias falsas. Plataformas que promovem o debate aberto e inclusivo podem ajudar a contrariar a radicalização e a polarização. Estes espaços virtuais também podem facilitar a identificação de notícias falsas, reforçando o combate à desinformação nas eleições futuras. Fora dos ciclos eleitorais, a participação democrática dos cidadãos pode ser potenciada pela dinâmica das redes sociais. Precisamos, contudo, de legislação adaptada à nova realidade que proteja a democracia. Mas também passa por nós: não nos deixemos manipular, nem manipular a nossa democracia.»

Susana Salgado

E o Coelho saiu da toca

por estatuadesal

(Por Estátua de Sal, 20/05/2019)

O catedrático desceu à terra

Há tipos com sorte e António Costa é um deles.

A campanha para as Europeias estava morna - o Marques é bom rapaz, pronto, mas tem pouco jeito. Contudo, a direita encarregou-se de lhe dar o pretexto de dramatizar no episódio das carreiras dos professores, colocando a maioria do país do seu lado, segundo sondagens, entretanto já realizadas. E, claro, Costa aproveitou e bem, a oportunidade.

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Rangel e Melo não dão uma para a caixa. Competem um com o outro para ver qual deles invoca mais vezes o nome de Sócrates em vão, como se Sócrates fosse também ele, candidato europeu. E não vislumbram, os tansos, que com essa invocação só solidificam mais e mais, e por contraste, no espírito do eleitorado, a ladaínha das "contas certas" que vai ser a chave da campanha do PS para as legislativas: Sócrates era despesista, este PS de Costa e Centeno é parcimonioso.

Ora, a sorte tornou a sorrir a António Costa. Passos saiu da toca para fazer campanha ao lado de Rangel.

Passos, esse catedrático de aviário, desceu do seu Olimpo de sabedoria para dar a sua lição de sapiência aos eleitores e trazer-nos a boa nova: Rangel é um grande candidato europeu, disse. E Rangel retorquiu o mimo dizendo que o PSD não se envergonha dos seus líderes, nem os esconde, como faz o PS (mais uma vez Sócrates chamado à colação).

Esteve mal, Rangel, em permitir esta colagem de Passos, mostrando ao vivo aos eleitores o líder de uma governação de má memória, e colocando ao peito a sua efígie, como se de uma comenda se tratasse.

O problema do PSD é que ainda não percebeu que Passos Coelho é, por enquanto, do ponto de vista eleitoral, um activo tóxico que deve ser bem fechado numa qualquer gaveta entre odores intensos de naftalina, para que não se estrague, à espera de melhores dias.

Trazê-lo para a ribalta é ressuscitar na memória dos portugueses os anos de chumbo da troika, dos cortes nos salários e nas pensões, da emigração em massa de novos e velhos, do desemprego galopante, das falências em catadupa, e do "brutal aumento de impostos" anunciado sem ponta de mágoa, e com voz de autómato, pelo entretanto arrependido Vítor Gaspar.

Trazê-lo para a ribalta é ressuscitar na memória dos eleitores, todas essas desgraças mas mais ainda: é fazer-nos recordar que o seu promotor, Passos Coelho, acreditava que o país devia empobrecer, e que tais desgraças eram merecidas por termos vivido anos a fio numa orgia consumista, bem "acima das nossas possibilidades". Se isto não é uma prenda de anos para António Costa e para o PS, eu vou ali à esquerda e venho já.

Até parece que Rangel está a tentar fazer a pior campanha possível, sabendo que, como cabeça de lista do PSD, o seu lugar como eurodeputado nunca estará em perigo. Ora, esta linha de análise deve ser desenvolvida.

É que Rangel ganhará sempre porque será eleito, mas o mesmo não se passará com Rui Rio se o resultado do PSD for desastroso, elegendo menos eurodeputados do que os que tem actualmente. Nessa altura, os lacraus irão pôr de novo a cabeça fora do saco, Rui Rio que se cuide. E talvez já não seja Montenegro o desafiante do líder, quiçá seja mesmo o próprio Rangel a ganhar fôlego, prescindindo - dirá ele -, das mordomias de Bruxelas para se apresentar como o salvador do povo laranja.

Razão tem Carlos César quando diz que o sucesso do Governo é referendado no domingo. Não teria que ser assim se a campanha privilegiasse a discussão da Europa, dos temas europeus, e das suas consequências no futuro do país. Mas, na verdade, à direita e ao centro do espectro político, nada há discutir porque todos aceitam participar num Parlamento Europeu que nada de essencial decide, já que se encontra, de acordo com as regras europeias previstas nos Tratados, desapossado de iniciativa legislativa. É uma espécie de parlamento de eunucos, onde o orgão existe mas amputado de uma das funções basilares para que foi criado.

Com este regresso de Passos, a juntar-se às viagens de helicóptero sobre as áreas ardidas, fogos e Sócrates quanto baste, Rangel tem feito uma campanha para as legislativas, talvez porque sonhe vir a ser ele a disputá-las.

Com inimigos destes António Costa pode dormir o sono dos justos pois antecipo para domingo uma subida percentual do PS, em relação às últimas europeias - as tais da vitória "por poucochinho" -, à custa do PSD e forças políticas à sua direita, mantendo o BE e o PCP um resultado sem alterações significativas. (Ver resultados da última sondagem de hoje aqui)

O que só irá reforçar o prestígio de António Costa, interna e externamente., e assim, já agora, acalentar também o seu próprio sonho de um cargo europeu de nomeada. Mas isso, são contas de outro rosário e ainda agora a procissão vai no adro.