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terça-feira, 18 de junho de 2019

Porquê o Miguel?

Opinião

Mariana Mortágua

Hoje às 00:00, atualizado às 08:16

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No vídeo que divulgou nas redes sociais, ao contar as razões que o levaram a embarcar num projeto que salvou a vida de milhares de refugiados no Mediterrâneo, diz o Miguel: "Já tinha ouvido muitas notícias sobre o sofrimento dos migrantes e refugiados às portas da Europa e sempre tive a sensação que alguma coisa deveria ser feita. Uma pergunta ficava sempre minha cabeça: "Porque não eu?""

Miguel Duarte nasceu em Portugal, é estudante de doutoramento no Instituto Superior Técnico e tinha 24 anos quando se juntou, como voluntário, à associação Jugend Rettet. Entre 2016 e 2017, juntamente com os outros tripulantes do barco Iuventa, terá sido responsável pelo salvamento de cerca de 14 mil vidas. À coragem e grandeza desta ação humanitária, o Estado italiano contrapôs um processo judicial que o pode levar a passar os próximos vinte anos atrás das grades.

Que ninguém se engane: admitir a prisão de alguém que cometeu o "crime" de ajudar a salvar 14 mil vidas é uma perseguição. E uma perseguição, mesmo quando mascarada de processo judicial, é sempre um ato político. A Itália de Salvini, o ministro de extrema-direita que está hoje mesmo sentado ao lado de Trump, fecha os portos aos barcos que salvam vidas e bate com a porta aos direitos humanos.

Por cada vida que se perde no Mediterrâneo, há uma Europa mais cruel e desumanizada que se ergue. Uma Europa que esqueceu que já foi palco das maiores atrocidades.
As instituições europeias que se indignam com as pequenas transgressões italianas no défice orçamental são as mesmas que contribuem para manter o arame farpado na Turquia e o cemitério no Mediterrâneo. Os governos europeus que lucram e apoiam a venda do armamento para as guerras do Médio Oriente são os mesmos que calam perante a política xenófoba de Salvini e a indignidade nos campos de refugiados.

Em 2018, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, morreram no Mediterrâneo 2262 pessoas. Foram mais de 17 mil vidas perdidas nos últimos cinco anos, que transformaram o Mediterrâneo no maior cemitério a céu aberto.
"Porque não eu?", pergunta o Miguel. Porque, desta vez, o Miguel, como todos nós, teve a sorte de nascer de um lado da fronteira. O seu mérito é ser capaz de ver para além dela, com empatia e solidariedade. Mas porque é Miguel o alvo de Salvini? Porque os fascismos que se alimentam do ódio não suportam a coragem de um gesto justo.
O Miguel é um exemplo. E o seu país, a começar pelo Estado, deve honrá-lo, garantindo-lhe toda a defesa contra um ato de perseguição da política do ódio. Ninguém larga a mão de ninguém.

Dedicação exclusiva no SNS

«Na altura em que tanto se discutem matérias que pouco dizem ao Povo, parece-me indispensável centrar a discussão num tema central, o do modelo de trabalho dos seus profissionais. Reforçar as condições para uma gestão de qualidade, reconduzindo profissionais ao amor à camisola, através da concentração do seu labor nos serviços que os treinaram, onde conheceram pares e são por eles reconhecidos, numa hierarquia de competência e dedicação. O que escrevo centra-se nos médicos, mas pode ser adaptado aos restantes membros das equipas de saúde.

Longe vai o tempo em que muitos eram contra: figuras tutelares com clínica firmada, jovens que a ambicionavam e esgravatavam em múltiplos lugares, voando de mini-cooper entre urgências e consultas periurbanas; uma Ordem receosa do socialismo do SNS, arvorando as respeitáveis bandeiras da autonomia, do colóquio singular, do liberalismo. Os tempos foram mudando à medida que os hospitais se modernizaram, os centros de saúde desabrocharam em unidades familiares e os profissionais ganhavam respeito ao SNS pela formação e pela hierarquia que garante ajuda e qualidade.

O setor privado não dormiu, cresceu, absorvendo a clínica privada independente, através de eficientes ambulatórios de mais de uma centena de consultórios, excelente tecnologia e acolhedor tratamento, captando bons profissionais na força da vida, com retribuição líquida dobrando a do SNS. Aos poucos, porém, vai-se sentindo a pervasiva coação das metas, dos incentivos à eficiência, sem paralelo numa cultura de qualidade que não a orientada para alargar mercado. A proletarização vem a caminho.

A dedicação exclusiva do passado recente, inexplicavelmente extinta no final da primeira década, tinha fragilidades: com as exceções de sempre, atraía os que estavam próximo da reforma, os mais orientados para soluções coletivistas, ampliava os quadros dos hospitais centrais desfalcando os do interior, desincentivava a mobilidade, mas garantia estabilidade. Mal gerida e nem sempre bem-amada exceto no fim da vida ativa, a exclusividade garantiu, no SNS, a qualidade, o brio, o sentido de pertença, as carreiras. Razão para que ela seja revigorada. Surge agora a oportunidade.

Parece haver candidatos interessados, alguns até a prefeririam à emigração. Os hospitais, todos, anseiam por elas. As Ordens têm-se multiplicado em declarações favoráveis. Os administradores apoiariam sem reservas. Os programas políticos, da esquerda à direita, confirmam a sua necessidade, os ministros consideram-na uma aspiração, louvável para uns, indispensáveis para outros. Os pais fundadores do SNS e os seus herdeiros presuntivos não poderiam ser mais explícitos, as leis de bases propostas louvam-na como pedra filosofal. Quem se opõe, então? Dizem que as Finanças, sempre receosas de despesa pública incontrolada, se oporiam com firmeza e sanha. Será verdade?

Não o creio, as Finanças são resilientes, tendem a lutar contra a deriva e a regressar ao padrão controlador, têm serviços mais restritivos que ministros. Sim, tudo isso pode ser verdade, mas parte dessa verdade reconstrói o País depois das crises. Não o esquecemos. Resistência ao risco não é sinónimo de perda de inteligência. Há que explicar, que demonstrar os ganhos de eficiência, que convencer.

Há muito trabalho de casa nos escassos meses até às eleições. Novos governos carecem de novas ideias e chegam com a força que falece no fim do ciclo. Haverá que reunir um grupo de peritos com experiência, conhecimento, pragmatismo, vivência externa e legitimidade. O seu papel seria desenhar a nova dedicação exclusiva no SNS de forma a convencer os que a venham a abraçar, de que ela amplia eficácia, eficiência, equidade e qualidade no SNS. Sobretudo usar de realismo no faseamento, para garantir adesão e sustentabilidade crescentes. Nada é impossível. Está na altura.»

António Correia de Campos

Tanto sábio para ser Bolsonaro

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 17/06/2019)

Daniel Oliveira

Há uns tempos, um tweet de Jair Bolsonaro ainda conseguiu causar incómodo. Escrevia o Presidente do Brasil: “O ministro da Educação estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas). Alunos já matriculados não serão afetados. O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina. A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer contas e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta.” Nuno Crato diria mais ou menos a mesma coisa, mas em português.

A indignação resultava da ideia que as ciências sociais são uma espécie de inutilidade, sem valor económico. Isto poderia levar a dois debates. Um: que o valor da formação superior se resume ao seu valor económico e produtivo. Outro: que existe engenharia sem filosofia, design sem artes plásticas, marketing sem sociologia e por aí adiante. Parece-me que, no estado da arte da reflexão pública, debater a segunda é mais consensual. Mas o que Bolsonaro escreveu de forma boçal, o Governo português prepara-se para fazer escondido atrás da frieza de um grupo de tecnocratas. E tudo começa por uma decisão do ministro Manuel Heitor: congelar o aumento de vagas no ensino superior público em Lisboa e Porto.

Impedir que as universidades de Lisboa e do Porto abram mais vagas não é a melhor forma de promover a descentralização. Até porque aumentará o número de alunos deslocados. Se isso não vier acompanhado por um enorme reforço de apoio social, será insustentável para as famílias. A única coisa que conseguirão, pelo menos junto da população que vive nas duas áreas metropolitanas e sua proximidade (cerca de metade do total da população nacional), é levar as pessoas a fazerem contas e a preferirem ir para as universidades privadas mais próximas.

Forçar à deslocação de mais estudantes sem aumentar muito significativamente a dotação orçamental para residências e deslocações, agrava um problema existente. O relatório Education at a Glance 2015 disse-nos que Portugal é o país da União Europeia em que os privados (sobretudo famílias) mais custos suportam – 45,7% do total da despesa. Acima do Reino Unido, que é, depois da Hungria, o terceiro pior. É preciso alargar para países não europeus, como os Estados Unidos ou o Japão, para encontrar percentagens superiores. As famílias não podem gastar nem mais um cêntimo com a formação superior dos seus filhos. As novas centralidades conseguem-se com investimento que torne as universidades fora de Lisboa e Porto atrativas e diferenciadas, não limitando o acesso às que já têm capacidade instalada. Até porque, dificultando o acesso às universidades do Porto e de Lisboa, a tendência será para uma estratificação que as torna de elite.

Para que a medida não fosse cega, o Governo nomeou um grupo de trabalho. E em vez de uma decisão cega, veio uma decisão vesga. O grupo propôs que, nas universidades que servem metade do país, só fosse possível aumentar as vagas em cursos com média de entrada superior a 17. Ou seja, não permitir a entrada de mais candidatos a não ser nos cursos que só aceitam alunos extraordinários, porque a procura excede largamente a oferta. A lógica é deixar que seja o mercado a determinar as prioridades. Nem sequer é o mercado de trabalho, é o mercado universitário.

O que me choca não é que os cursos que exigem média de 17 possam aumentar o numero de vagas. Pelo contrário, acho absurdo que haja cursos onde só podem entrar alunos com esta média. Isto cria até distorções no perfil de estudantes e, mais tarde, no mercado de trabalho. Um aluno médio deve conseguir entrar na faculdade para, lá, continuar a ser provavelmente um aluno médio. Os excelentes também lá estarão para se destacarem na faculdade e no mundo de trabalho. E, como sabemos, nem isso é verdade. Alunos com médias de secundário de 15 ou 16 podem vir a ser os melhores estudantes na universidade ou os melhores profissionais. Qualquer curso que os dispensa à partida está a desperdiçar oportunidades. Mais: nem todos os licenciados numa área vão trabalhar nos lugares de topo dessa área. São precisos estudantes medianos para fazerem trabalhos de exigência mediana. Os melhores ou ficam nos lugares de topo ou muitas vezes imigram. Não querem ficar com os trabalhos medianos. Ter a oferta tão afunilada cria problemas no mercado de trabalho e às empresas.

Mas, acima de tudo, é absurdo qualquer medida que passe pela redução da oferta. Usando dados disponíveis entre 2014 e 2017, 34% dos portugueses entre os 25 e os 34 anos têm formação superior (entre os 55 e os 64 anos são 13,2%). A média na OCDE era de 44,5% (27,2% no grupo etário mais alto) e na União Europeia era de 42,3% (24,8% entre os mais velhos). Não temos licenciados a mais. Temos licenciados a menos. Não somos um país de doutores, somos um país com falta de doutores. Não faz sentido congelar a abertura de vagas em Lisboa e no Porto, o que temos é de ter mais gente a ir para todo o lado, incluindo para as restantes universidades, que têm de tornar-se mais atrativas. Talvez com algum tipo de especialização. Onde o fizeram tiveram bons resultados.

Mas o mais interessante é o efeito automático desta proposta. Tirando Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Nova, nenhum curso de ciências sociais poderá aumentar a oferta em Lisboa e no Porto. Os cursos que podem aumentar a sua oferta são Engenharia Física Tecnológica, Engenharia Aeroespacial e Matemática Aplicada e Computação, do Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa), Engenharia e Gestão Industrial e Bioengenharia, na Universidade do Porto, ou Multimédia, no Instituto Politécnico do Porto. O grande argumento é que não se pode desaproveitar capacidade instalada em Lisboa e Porto nestas áreas. Parece-me sábio. Não consigo é perceber porque se pode desaproveitar a capacidade instalada noutras áreas. Os especialistas do grupo respondem: porque estas são áreas que têm muita procura (pensei que isso era bom para que fossem estudar para outros lugares) e, aqui está a chave desta decisão, um maior potencial estratégico. Como dizia Bolsonaro, “o objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte” num “ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”. A tecnocracia faz o mesmo que os boçais que nos incomodam sem precisar de passar vergonhas.

Manda a intuição que se baseia no preconceito que andamos a formar demasiada gente em cursos inúteis e o que precisamos é de mais engenheiros. Assim como antes achávamos que cursos a sério eram os de Direito e Medicina. Não tenho como seguir o mercado, até porque ele é bastante volátil e estas certezas são rapidamente desmentidas pela realidade. E porque acredito que, com o atraso que temos, só aumentando a oferta em tudo estaremos preparados para o futuro. Mas posso comparar-nos com o resto da Europa, onde se incluem alguns dos países mais competitivos do mundo e que é o mercado em que estamos integrados.

Segundo os números do Eurostat, e seguindo a tipificação de cursos constante nas suas estatísticas, 5,3% dos nossos estudantes andam em cursos de educação (na Europa são 9%), 9,4% em artes e humanidades (11% na UE), 30,4% em ciências sociais, jornalismo, gestão, direito e administração (34,1% na UE), 7,8% em ciências naturais, matemática, informática e tecnologias da comunicação (11% na UE), 21,3% em engenharia, transformação e construção (14,8% na UE), 18,2% em saúde e apoio social (13,7% na UE), 5,8% em serviços (3,7% na UE) e 1,9% na agricultura, florestas, pescas e veterinária (1,7% na UE).

Olhando para estes números, é difícil pôr todas as fichas numa aposta centrada quase exclusivamente nas engenharias e na indústria, quando se percebe que é aí que a nossa oferta é muito maior do que é habitual na Europa, ignorando a falta que temos nas ciências naturais e informática mas também, e ao contrário do que se pensa, nas ciências sociais. E não se pensa porque se olha para as ciências sociais como Bolsonaro, não percebendo que elas estão a montante de imensas atividades científicas e profissionais.

A proposta de travar a oferta universitária nas duas áreas metropolitanas onde vive metade da população é um erro. Porque se o Estado não aumentar significativamente a despesa pública em residências e deslocações fará com que as famílias portuguesas, que são as que mais suportam as despesas na formação superior dos seus jovens em toda a Europa (quase metade), sejam ainda sobrecarregadas. Ou optem pela oferta privada, por, com a deslocação compulsiva, sair mais barata. E porque continuamos bastante abaixo da UE e da OCDE em percentagem de licenciados, estamos longe da necessidade de congelar oferta seja onde for. O que temos é de melhorar e diversificar a oferta fora das áreas metropolitanas, para as tornar mais atrativas. Estamos a 20 à hora e longe do destino com um histérico que quer poupar na gasolina a mandar-nos travar por causa do risco de despiste.

A proposta feita pelo grupo de trabalho nomeado pelo Governo tornou vesgo o que era cego. Ao só permitir o aumento da oferta em cursos com média de entrada de 17 valores, consegue o efeito automático de deixar de fora as ciências sociais. Levam à prática a tese de Jair Bolsonaro: desinvestir nas ciências sociais, tratando-as como inúteis para o desenvolvimento económico. Num país que tem uma percentagem de licenciados em ciências sociais, humanas e económicas inferior aos seus parceiros europeus.

Os números mostram, aliás, que os cursos mais beneficiados são de áreas em que a percentagem de estudantes é largamente superior aos restantes países europeus, não beneficiando significativamente as áreas tecnológicas onde somos deficitários. Em vez de definir uma estratégia, o grupo tomou as médias de entrada, determinadas pela relação entre a oferta e a procura, como necessidades do país. Para quê escolher um grupo de especialistas se o que têm a propor é tão cego como o que quiseram corrigir? Se é para decidir com base no preconceito, um Bolsonaro chegava.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Velhos e beatas

«Cada número é uma agressão. Um idoso. Uma idosa. Às vezes um estalo. Mas há murros. Pontapés.

E sabe-se lá que misérias mais escondem quatro paredes. Às vezes de um familiar. Um filho ou uma filha. Outras de um cuidador. Pago para cuidar.

Os números são aterradores. Quase quatro mil só nos primeiros meses deste ano. Mas tanto as polícias como a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima temem que sejam muitos mais. Bastantes mais, escondidos na vergonha da denúncia e no medo da solidão. De acabarem sozinhos.

Os números são aterradores, mas bastaria um. Com um nome e um rosto. E não há um clamor. Uma ténue revolta. Uma indignação. Vá, uma pequena intenção, quanto mais não fosse para reforçar os meios do Ministério Público, que, perante tantos processos abertos no ano passado (15 997), assume, em declarações a este jornal, ser a violência contra idosos uma área de intervenção prioritária, uma realidade que "merece particular atenção por parte da investigação criminal".

Há falta de políticas concretas para as terceira e quarta idades, lares decentes, integração social, combate ao abandono e à solidão. Mas perante os velhos, o país político que criou nos anos da troika a inveja geracional, empurrando a "peste grisalha" para o patamar dos alegados privilegiados, não é muito diferente do país político que se entretém a aprovar e a debater multas pesadas para os prevaricadores das beatas de cigarros.

Não está aqui em causa a necessidade de sensibilização de um povo que ainda cospe para o chão de perceber que a responsabilidade entre gerações é também tentar deixar como herança um planeta melhor, que se afunda no aquecimento global. Está sim a criação da brigada do policiamento dos costumes, todas as dúvidas sobre quem fiscaliza, com que meios, como se regista o cadastrado que deitou a beata para o chão, a carta de pontos do prevaricador, mas sobretudo a falta de perspetiva e de noção da realidade das necessidades dos portugueses.

Mas é provável que os velhos não sejam uma causa fraturante.»

Domingos de Andrade

A vitória moral de Lula da Silva

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 15/06/2019)

Quando um homem é mordido por uma víbora, não há quem apoie o réptil, mas se esse homem caiu num ninho de víboras e ninguém procura salvá-lo, é o género humano que se humilha pela cobardia e o torna indigno.

Lula da Silva até podia ser corrupto, e mereceria o desprezo que a indignidade provoca, mas estar preso por uma associação de malfeitores emboscados nas togas e becas, é um crime que produz o vómito de quem ainda preza a liberdade e a dignidade humanas.

Conspirar contra a democracia e derrubar o homem que os malfeitores escolheram para subverter a legalidade e exercer uma vingança partidária, é a baixeza ética da cáfila que nunca procurou combater a corrupção, apenas queria ter o monopólio dela.

Lula da Silva, cuja inocência é hoje irrelevante face aos estragos que o justiceiro Sérgio Moro causou à Justiça, à democracia e ao Brasil, tem hoje contra o ardiloso conspirador a superioridade ética de quem foi preso por vingança, cálculo eleitoral e ódio de classe.

A vergonha dos convites que juristas portugueses fizeram ao biltre que os envergonhou, com a defesa dos truques tropicais para prender adversários, teve o mérito de permitir à atual ministra da Justiça, a honrada procuradora que afirmou, sem o referir, que Portugal era uma democracia e se regia por normas de um Estado de Direito.

O julgador que negociou um lugar de ministro a troco da vitória eleitoral do mais burro e ignaro PR que o Brasil teve, talvez sonhe ainda com a indigitação para o Supremo Tribunal que o indigno capitão lhe terá prometido, mas a nódoa que lançou sobre o sistema de Justiça brasileiro não encontrará benzina que a remova.

A minha solidariedade com Dilma e Lula da Silva é um grito de revolta contra a ordália que foi urdida contra eles, tal como na Idade média, pelos que se julgaram deuses e não passavam de meros patifes infiltrados na Justiça.