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segunda-feira, 22 de julho de 2019

Os asfixiados

por estatuadesal

(Pedro Marques Lopes, in Diário de Notícias, 20/07/2019)

Pedro Marques Lopes

Num comício na Carolina do Norte, uma enorme multidão gritou em coro "send her back". Referia-se a Ilhan Omar, uma cidadã norte-americana, congressista, de origem somaliana, e respondia ao incentivo do presidente dos Estados Unidos da América.

Não há como negar um certo avanço civilizacional, fosse há uns anos - não muitos - e aquela gente, em vez de pedir o envio da senhora para a Somália, estaria a incendiar uma cruz e a pedir ao grande feiticeiro Donald Trump que liderasse o linchamento.

Aquela rapaziada que não prescinde da sua sagrada liberdade de expressar o seu ódio em público, de gritar o seu desprezo por direitos fundamentais, de berrar o seu inalienável direito de ser racista e xenófobo vive nos EUA. Nada daquilo podia acontecer em Portugal. Cá não há colunistas a escrever autênticos manifestos racistas, não se ouve ninguém a dizer "preto, vai para a tua terra", não se trata pessoas de "qué frô", como também não há gente a insultar homossexuais na rua e muito menos juízes a fazer comentários sexistas em sentenças.

O verdadeiro problema em Portugal é existir um ataque à liberdade de expressão por parte de uma frente organizada sob a égide do politicamente correto. Esse diabólico conceito que deu cabo dos direitos de livre expressão nos Estados Unidos. Aliás, o que faz com que as pessoas decidam tentar expulsar pessoas do seu próprio país é a revolta contra o politicamente correto. Ou seja, aqueles cidadãos não são racistas nem xenófobos, estão é a sentir-se tão asfixiadas com essa nova ditadura que não têm outra maneira de lutar que não seja gritar frases racistas e xenófobas.

O mesmo se passa em Itália. Os asfixiados, também para que fique claro que com a sua liberdade de expressão não se brinca, querem correr com os ciganos - não especificam para onde.

Aliás, em Portugal não é só o combate à liberdade de expressão que está em curso. Há um verdadeiro ataque às mais amplas liberdades. Agora um qualquer louco fundamentalista lembrou-se de querer multar quem deita as beatas de cigarro para o chão (fumador e atirador de beatas para o chão, me confesso). É o verdadeiro terrorismo estatal. Imagine-se que querem cercear a liberdade do cidadão de fazer lixo no espaço público. Um dia destes há multas para quem despeja o lixo no meio da Avenida da Liberdade ou para quem decida dar uma festa com música alta, às quatro da manhã, à porta de um qualquer prédio de apartamentos.

Um gigantesco enfim.

Convenhamos, era preciso não viver cá para ficar surpreendido com a quantidade de pessoas que preferiram dar mais importância aos imaginários ataques à liberdade de expressão e de imprensa do que ao manifesto racista da doutora Bonifácio - tenho de dizer, porém, que as reações à proposta de multas por atirar beatas ao chão me espantou. E que fique claro, não confundo muitas destas pessoas com quem utilizou o dito texto para enquadrar os racistas em movimentos políticos.

Há uma corrente que insiste em tentar convencer-nos de que os problemas de racismo, misoginia, homofobia, sexismo estão extintos ou a caminho disso e que o grande drama é um suposto ataque às liberdades, nomeadamente, a de expressão.

Não faço ideia onde essas pessoas vivem, mas não é em Portugal. Talvez seja num país distante onde as pessoas vivem em restaurantes da moda, casas em Cascais e fins de semana na costa alentejana.

No país onde vivo não vejo barreira de espécie nenhuma à divulgação de ideias, por mais absurdas, odiosas e atentatórias a valores fundamentais e constitucionais que sejam. Vejo, sim, uma enorme incapacidade da gente que é injuriada, ofendida, ameaçada em defender os seus direitos. Vejo que alguém que recorre aos tribunais para os proteger é vista como alguém que não lida bem com a liberdade e que se contam por os dedos de uma mão os casos de alguém que tenha sido condenado por esse tipo de crimes.

Neste meu país comparar as imaginárias limitações à liberdade de expressão à continuação de problemas de discriminação racial e social é, só e apenas, um insulto. Mais que não seja porque, simplesmente, não há nada que se assemelhe sequer a uma pulsão censória na nossa comunidade. Dava mesmo um doce a quem me explicasse que raio é o discurso politicamente correto em Portugal. Não devemos lutar contra a normalização de discursos discriminatórios e a promoção de linguagem ofensiva? Não devemos defender quem se quer defender de ofensas racistas ou homofóbicas?

Em Portugal, estamos longe de ter um tipo como Trump em cargos políticos importantes. Mas que aquele tipo de discurso está presente no espaço público, que tem apoiantes e gente que acaba por o legitimar através de conversetas sem sentido sobre o politicamente correto, não há dúvida. Muito mais próximos de um Trump e de tudo o que tipos como ele trazem para a comunidade do que de qualquer limitação à liberdade de expressão ou outras liberdades. Bem mais próximos.

Explicar sentenças

Leio que o ex-presidente da Câmara de Braga foi condenado por ter tido "intenção direta", como explica a sentença, de favorecer patrimonialmente a filha e o genro em detrimento do erário público. Por este crime foi condenado a três anos, mas com pena suspensa. Não conheço o processo, não tenho assim opinião sobre o mérito da sentença. Desconheço, por exemplo, as atenuantes que eventualmente possam ter levado a uma pena tão baixa, num crime em que um delegado do povo trocou os interesses que jurou cuidar pelos da sua família. O que julgo saber é que pessoas condenadas pelos mesmos crimes e por valores patrimoniais menores não tiveram esta, digamos, leveza. Ninguém quer pôr em causa a legitimidade de um juiz ser completamente independente no julgamento dos factos e, muito menos, pôr em causa a justeza da sentença, pelo contrário. Existirão boas razões para as decisões serem as que foram nos mais diversos casos similares. Simplesmente, nestes casos, e dado o presente estado de coisas, era conveniente explicar estas situações de forma muito clara. Nem toda a gente domina a linguagem jurídica e é muito fácil fazer demagogia e discursos incendiários com este tipo de casos.

Assunção Cristas e as flautas do Observador

Assunção Cristas estava a fazer um bom mandato como líder do CDS e depois cometeu dois erros crassos: o primeiro foi ter-se deslumbrado com o resultado que teve em Lisboa e o segundo foi ter designado Nuno Melo como cabeça-de-lista às europeias. A combinação dos dois pode ter gerado uma tragédia para o partido. Se a má leitura do que se passou em Lisboa é compreensível, a escolha de um trauliteiro com um discurso radicalmente diferente do que estava a ser o do CDS não tem explicação lógica. Extraordinário é que, depois de ter ficado evidente que o discurso de Melo resume o CDS a um eleitorado de nicho, haja gente que defenda que Assunção Cristas o deve manter. Ou melhor, não é assim tão estapafúrdio, faz parte mesmo de uma estratégia: a de destruir os partidos de centro-direita para construir uma direita radical.

A ordem medieval inscrita nas ordens profissionais

por estatuadesal

(Vítor Lima, in Blog Grazia Tanta, 18/07/2019)

Bem no seio da estreiteza intelectual e política que se vive na paróquia lusa estão as ORDENS PROFISSIONAIS, uma emanação corporativa de tempos medievais, replicada pelo actual regime pós-fascista a antigas e novas profissões.

Se um Estado reconhece um diploma emanado das suas próprias instituições (temos mais dúvidas em relação aos emitidos por algumas instituições privadas de venda de diplomas), o diplomado deveria ficar livre de tutelas corporativas de grupos mais ou menos mafiosos de profissionais encartados que se arrogam ao direito de condicionar a entrada de jovens na profissão que escolheram e, depois de tecnicamente tomados como habilitados a tal.

As castas ou gangs que dominam as Ordens equiparam-se aos medievais mestres das artes e ofícios que decidiam o enquadramento na profissão e avaliavam as qualidades dos aprendizes do ofício bem como a sua progressão. Na Idade Média as corporações eram autónomas do aparelho de Estado, pela simples razão que aquele era embrionário. Hoje, ao contrário dos tempos medievos, o Estado intervém nas Ordens da pior forma, validando condicionamentos no acesso ao exercício da profissão, para que os barões da mesma tenham um vasto mercado. 

As Ordens impõem as regras, os percursos e todos os passos para aceitarem um novo membro.

Daí surgem as obrigações de estágios, organizados pela Ordem e pagos pelos estagiários (ou melhor, pelas suas famílias), depois de terem arcado com as propinas de um ensino privado ou público. No caso de uma estagiária de advocacia que conhecemos, o seu patrono – dono de um conceituado escritório de advogados - no âmbito de um caso que entregara à estagiária para resolver, decidiu que ela deveria deslocar-se a uma cidade do norte do país, com as despesas … a seu cargo… mesmo que ela não auferisse um cêntimo durante o estágio.

No caso dos psicólogos, os recém-licenciados começam a sua relação com a Ordem com a inscrição e o pagamento de quota mensal, mesmo que não tenham qualquer rendimento próprio. Depois, têm de encontrar onde possam estagiar – um estágio remunerado – o que no modelo neoliberal de redução constante dos direitos no âmbito do trabalho, não é coisa fácil. E ainda são obrigados a frequentar cursos de formação, ministrados pela Ordem e pagos, por quem ainda não tem o direito de trabalhar na sua profissão, sem o aval dos oligarcas.

Como a psicologia é desprezada pelos governos, muito mais próximos da classe médica (psiquiatras, neste caso, que tendem a resolver as situações com antidepressivos ou com fármacos à base de lítio), Portugal está nos primeiros lugares na parcela da população com problemas de ordem psíquica – 22% (contra 9% em Espanha).

Espanta, como num cenário político e económico tão neoliberal, onde se sublinham as delícias do empreendedorismo, da competitividade, do auto-emprego, da empregabilidade, existam Ordens de onde exala um fedor medieval e oligárquico, cuja função é hierarquizar os profissionais entre ricos, pobres e desempregados e obter o seu quinhão na partilha dos impostos.

Salazar, nunca conseguiu levar até ao fim o seu projeto de instaurar o modelo de “Estado Corporativo” gerado na Itália fascista; e é interessante verificar a criatividade do regime pós-fascista (leia-se PS/PSD) no aprofundamento da ordem corporativa a muitas mais profissões do que Salazar conseguiu. 

Nesse contexto, existe uma coisa parasitária chamada CNOP – Conselho Nacional das Ordens Profissionais - que afirma ter por objetivo “promover a autorregulação e a descentralização administrativa, com respeito pelos princípios da harmonização e da transparência”; que visa “a autorregulação de profissões cujo exercício exige independência técnica”; e que as Ordens não podem exercer funções sindicais (à atenção de Ana Rita Cavaco…).

Vamos de seguida enumerar as profissões regidas por Ordens por ordem alfabética, para que tudo fique na devida…ordem: arquitectos, biólogos, contabilistas certificados, despachantes oficiais, economistas, enfermeiros, engenheiros, farmacêuticos, médicos, médicos dentistas, médicos veterinários, notários, nutricionistas, psicólogos, revisores oficiais de contas e solicitadores e agentes de execução. Falta a fabulosa Ordem dos advogados que não se mistura com as anteriores, eventualmente requerendo uma CNOP… só para si.

A própria designação de bastonário para a figura realenga do chefe da Ordem tem um cunho medieval, pois designava o portador do bastão de uma confraria numa procissão; ou um apetrecho também usado por marechais… onde existam. Se um bastão tiver uma curva na ponta passa a chamar-se báculo e é usado por outra figura de autoridade com odor medieval – um bispo. Não confundir báculo com… um bácoro que por vezes empunha um bastão!

Para replicarem totalmente a prática das ordens profissionais da Idade Média, falta-lhes (?) arranjarem um santo padroeiro e terem fundos para apoio social das famílias com problemas. E mais, porque não ostentarem os seus pendões e bandeiras nas marchas ditas populares de Santo António? Os turistas deveriam achar very interesting a rivalidade entre a marcha dos advogados, de negro fardados e, a dos médicos de branco ataviados, com os respetivos bastonários à frente, fazendo piruetas com os bastões. Wonderful!

A mesma lógica corporativa vem-se verificando com a criação de sindicatos como pequenos grupos profissionais fechados, com escasso número de elementos, com poder de chantagem sobre os governos e a sociedade e, desligados de qualquer integração com outros trabalhadores. Pequenas mafias e nada mais. Cada um é uma Cosa Nostra.

Neste contexto corporativo, é muito sentida a falta de Ordens para arrumadores de carros, condutores da Uber, canalizadores, eletricistas, reparadores das linhas telefónicas, pedreiros, vidraceiros, sem esquecer a Ordem dos Abrolhos para os membros da classe política…É injusta a discriminação!

domingo, 21 de julho de 2019

O eufemismo do excesso ou o excesso dos eufemismos?

Posted: 20 Jul 2019 01:12 PM PDT

«Anda por aí uma preocupação descabelada por parte de algumas pessoas, muitas delas pagas para opinarem nos jornais ou nas televisões, com o ser moderado, bem-comportado, bem-pensante, para que ninguém lhes chame radicais. Anti-radicalistas, portanto.

Ouvi, com estes ouvidos que a terra há-de comer – como se diz na minha província alentejana –, que o racismo é uma opinião. Agressiva, mas opinião. O comentador que disse tal coisa – para além de mostrar desconhecimento da Constituição da República Portuguesa, dos tratados internacionais que vinculam o Estado Português e da lei penal portuguesa – já foi tido como radical. Moderou-se e se calhar estragou-se, do ponto de vista de quem possa ter apreciado o estilo.

Dou graças a Deus – eu, que nem ao nível das crenças nem das ideias posso ser tida como fazendo parte da cristandade – por não me identificar, há décadas, com nenhum dos partidos existentes no panorama político nacional, à esquerda ou à direita. Nem ao centro, moderado q.b., e que nem sei o que seja a não ser isso mesmo – uma paródia, a que pertencem quase todos os comentadores e colunistas que tenho ouvido, com algumas e muito honrosas excepções. Na minha opinião, claro.

Penso, até, que foram essa moderação, essa contenção, essa contemporização e espírito conciliador a razão por que os pides não responderam criminalmente por aquilo que fizeram, e que, depois disso, ninguém respondeu pela privação da liberdade de quatrocentas e tal pessoas, entre as quais eu, a 28 de Maio de 1975. Conciliou-se tudo, faziam todos parte da cristandade, nada de radicalismos, credo!

Mas que ao menos fiquem a saber que não perdoo. Não só não perdoo a quem me torturou e a quem me prendeu depois, como não perdoo a quem não os julgou por isso.

De ambas as vezes, houve quem falasse de “excessos”. Assim na tortura bárbara, quando o espancamento, programado e anunciado, me fez perder os sentidos e o pide que o tinha ordenado, o inspector do meu processo – Américo da Silva Carvalho –, entrou e o apelidou assim, de “excessivo”. Mais tarde, também apelidaram de “excessos” as prisões e os maus tratos de 1975. “Excessos”, disseram também os pretensamente moderados de então.

Segundo os moderados de agora, também Fátima Bonifácio se terá “excedido”. Só que isso não muda nada.

Tal como os outros sabiam que fizeram o que queriam fazer, os moderados de hoje sabem que no artigo “Podemos? Não, não podemos” a sua autora disse precisamente o que queria dizer, de forma deliberada, livre e consciente, como erudita e doutorada que é, em pleno uso das suas faculdades mentais.

Têm a mesma filosofia que aqueles que levaram o pide Óscar Cardoso à televisão e o trataram de igual para igual, como “Sr. Inspector”, ele que nunca tinha sido senão inspector da PIDE e criador dos Flechas em Angola. O mesmo pide que me aparecia nas longas noites do muito longo período de tortura do sono e se vangloriava de ter torturado Francisco Martins Rodrigues e Rui d’Espiney e me exibiu o isqueiro que tinha roubado a este, cerca de dez anos antes, durante a tortura. O único pide que ouvi vangloriar-se de ser um torcionário.

Para não ser acusada de querer exercer censura, terei também de concordar com o facto de os pides terem tido, em democracia, audiência – na televisão e não só – como normais cidadãos, sem contas a prestar? De lhes terem apertado a mão, coisa que nunca farei na vida, e de os terem tratado com deferência? Afinal, o que os pides foram dizer e dizem, quando lhes dão palco, é “a sua opinião”.

Ter estado presa no tempo da ditadura e ter sido submetida a torturas violentíssimas não me dá autoridade moral sobre qualquer outra pessoa. Embora o que pensava então e as ideias que defendia sejam, no essencial, as que defendo hoje – a liberdade, a igualdade, o anti-racismo e anti-xenofobia e o anti-colonialismo, tanto como o anti-fascismo.

Gostava de os ter visto ali e, se não tenho autoridade para dar lições de moral a ninguém, não as aceito, seja de quem for. E as minhas opiniões e tomadas de posição, neste como em muitos outros casos, não são pagas e esse é mais um motivo para serem livres e unicamente em conformidade com a minha consciência.

Também gostava que esses comentadores e cronistas, alguns deles com o curso de Direito, tal como eu – lembro-me, pelo menos, de um deles, nos corredores da Faculdade de Direito de Lisboa, onde nos cumprimentávamos vagamente –, me explicassem para que servem as convenções e tratados internacionais que Portugal ratificou e as leis penais que, no nosso ordenamento jurídico, punem determinadas condutas, a não ser para que sejam aplicados.

Gostaria que me explicassem o significado das limitações e restrições à liberdade de expressão, em países democráticos como o nosso, constantes do n.º 2, do art. 10.º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a mesma que criou o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, quando estipula que o exercício dessa liberdade, “porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido” a certas “restrições ou sanções previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática” para, entre outras, “a protecção da honra ou dos direitos de outrem”. E que me explicassem como é que a expressão de ideias racistas e xenófobas, quando ofendem a honra e a consideração de outras pessoas ou grupos, em razão da raça ou da etnia, entre outras, que é um delito no nosso ordenamento jurídico e não só, que atenta contra o direito de outras pessoas ou grupos, não tem de estar excluído da liberdade de expressão e se pode colocar a questão da censura prévia.

Já agora, gostaria também que me explicassem o significado da alínea a), do art. 4.º, da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 4-1-1969, que entrou em vigor no ordenamento jurídico português a 23-9-1982 – razão por que me parece que vincula Portugal –, quando estabelece que os Estados Partes se obrigam a declarar delitos puníveis pela lei a difusão de ideias fundadas na superioridade ou no ódio racial, entre outras condutas aí enunciadas.

A Assembleia da República, através do art. 240.º do Código Penal, procedeu à criminalização da discriminação e incitamento ao ódio e à violência e, a 23 de Agosto de 2017, alterou a redacção dessa norma, de modo a tornar mais abrangente o seu n.º 2, cuja alínea b) criminaliza a difamação ou injúria de pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, religião, sexo, orientação sexual ou identidade de género, retirando a exigência do dolo específico, “com a intenção de incitar à discriminação racial, religiosa ou sexual, ou de a encorajar” que era requisito do crime na redacção anterior e que “desapareceu” na redacção actual.

Fê-lo apenas para enfeitar e mostrar que sim, também temos a norma penal?

Ou só se aplica quando os agentes do crime não fazem parte da academia?»

Aurora Rodrigues

Magistrada do Ministério Público e uma das subscritoras de queixa-crime contra Maria de Fátima Bonifácio pelo artigo de opinião publicado neste jornal no dia 6 de Julho de 2019

Portugal – País disfuncional

Portugal – País disfuncional

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 19/07/2019)

A Cavaca

Enquanto os cavalos da GNR servirem mais para abrilhantar procissões pias do que para transportar militares, os lugares de capelão forem mais fáceis de preencher do que os de médico e as Ordens profissionais, Fundações e IPSSs tão difíceis de escrutinar, não se espere um módico de sensatez nos pequenos e grandes feudos enquistados no País.

Desde um sindicato de motoristas de camiões de matérias inflamáveis, que recorre a um advogado de percurso sinuoso e sem carta de ‘pesados’, para líder sindical, até à Ordem de uma bastonária que inventa e dirige um sindicato e se opõe ao exercício das funções de inspeção que cabem ao Governo, tudo é possível.

Tendo da ética a noção de que falsificar a assinatura da folha de ponto não é crime por – segundo ela – ser prática comum; conhecida a leveza com que lida com os dinheiros da OE para benefício próprio; verificadas a leviandade e a mentira com que afirmou que no SNS a eutanásia “já é de alguma forma praticada, com médicos que sugerem essa solução para alguns doentes”, mesmo sem exibir provas, não surpreende que a proteção partidária lhe garanta a impunidade em tantos e tais despautérios.

Podemos esperar do primata José António Saraiva, que se julgava fadado para o Nobel e debita inanidades no luminoso Sol, o coice da criatura contra quem for de esquerda, não se lembrando do pai, antes de perder as faculdades mentais e de ficar igual ao filho. Mas ler dessa irrelevância intelectual e ética que o legítimo direito exercido pela excelente deputada Mariana Mortágua, filha de Camilo Mortágua, torturado pela criminosa polícia do regime que Saraiva branqueia, que as suas inquirições, inteligentes e televisionadas, parecem o regresso aos tempos da PIDE, é mais do que um democrata pode suportar.

É também a atitude da azougada amiga do ora catedrático Passos Coelho, cujo exemplo a inspira, que, depois da obstrução à legítima sindicância à Ordem dos Enfermeiros e da desobediência ao cumprimento de uma ordem do Tribunal, sem ser presa, se permite o despautério de comparar uma sindicância ordenada por um governo com legitimidade democrática, às práticas do “Estado fascista italiano ou do Estado Novo português”, ao qual, certamente, respeitaria.

Fará ideia a criatura do que eram as torturas da Pide, os simulacros de julgamentos dos Tribunais Plenários, os presídios salazaristas, a fome, o analfabetismo, a emigração, a violação da correspondência ou o que foi a guerra colonial?

Terá esta analfabeta funcional noção da ofensa que faz a quem sofreu na pele a guerra, a emigração ou a prisão, do que era a demissão da função pública por razões políticas, da recusa de emprego a filhos de presos políticos nas empresas ou a vida das famílias dos exilados, presos e assassinados por um regime que o PSD de Passos Coelho e Cavaco se esforçou por branquear?

Se não fosse a minha educação chamava-lhe ‘filha de uma nota de 5 euros’. Desabafava

sábado, 20 de julho de 2019

«Deram-lhe o Nobel porquê?»

Posted: 19 Jul 2019 03:25 AM PDT

«A pergunta que Trump coloca a Nadia Murad, refugiada yazidi e Prémio Nobel da Paz em 2018, aquando da sua visita à Casa Branca, diz mais sobre a atenção que o presidente norte-americano dedica aos assuntos internacionais humanitários do que sobre a sua inóspita e habitual falta de tacto. Habituado a cuspir palavras, os últimos dias de Trump têm feito salivar os mais abjectos racistas e xenófobos, colocando a opinião pública dos EUA num patamar de extremismo e radicalização que dificilmente deixará de ser transportado como nota maior para as próximas eleições presidenciais em 2020.

A pedra de toque pode mesmo ser a toque de caixa. "Send her back" ("enviem-na de volta"), foi o cântico racista inflamado por Trump no seu discurso na Carolina do Norte, a propósito da congressista democrata Ilham Omar, nascida na Somália mas cidadã norte-americana desde os 17 anos. Eis o gatilho para os mais fracturantes e definidores temas da campanha eleitoral que se avizinha: racismo, patriotismo e os conflitos culturais. Donald Trump é bem capaz de testar umas palavras em espanhol na campanha, como muitos candidatos democratas já ensaiaram nos dois debates televisivos do mês passado, mas pode mesmo ser o inglês que o trame.

"Trump on tweets" é cada vez mais um parente próximo de "Trump on acids". Se é verdade que a comunicação singular e sintética do presidente tem já uma longa folha de serviço de atrocidades e nem isso o impediu (pelo contrário) de ganhar eleições, também é revelador que o racismo dos seus mais recentes tweets domingueiros o tenha agora baptizado com um cognome pouco abonatório: "un-American". Numa sondagem anteontem revelada, uma clara maioria dos americanos considera as suas declarações ofensivas e anti-americanas. Trump não esconde a vontade de enviar para os países de origem quatro mulheres que têm sido, a alto e bom som, vozes críticas da administração norte-americana. Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Ayanna Pressley e Rashida Tlaib têm muitas coisas em comum: americanas, democratas, congressistas, demasiadamente jovens e com origens étnicas insuficientemente arianas para o gosto presidencial. A bola de neve destas eleições pode muito bem ser às cores.

Qualquer processo de destituição de Trump, nesta fase, é um presente envenenado. A vitimização e a demagogia habitual encarregar-se-ão de retirar dividendos de qualquer tentativa de "impeachment". Assistiremos a Trump com exposição ao desgaste. O cântico algo russo "lock her up" ("prendam-na"), atirado a Hillary Clinton nas eleições de 2016, pode agora ser vingado em bom inglês com sotaque. "Send him back".»

Miguel Guedes