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sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Rui Rio e a Maçonaria

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 02/12/2019)

Paulo Mota Pinto, uma referência ética do PSD, incapaz de ver incompatibilidade entre a fiscalização do SIS, a passagem a CEO do BES, não efetuada, e o regresso à função anterior, insinuou que a Maçonaria quer controlar o PSD, no que logo foi secundado por Rui Rio, que viu imediatamente os «interesses obscuros» que querem dominar o partido que o repudia.

Valeu-lhe não ter como adversário Mota Amaral, bem mais honrado do que Mota Pinto, para ser o Opus Dei o acusado da oposição que lhe faz a tralha cavaquista e passista.

Tenho pela Maçonaria uma consideração oposta à que o Opus Dei merece, mas prefiro a competência e a honradez de Mota Amaral à do que Mota Pinto e Rui Rio insinuam que pertence à maçonaria, como se isso fosse crime.

À Maçonaria devemos a Revolução Liberal, a República e leis progressistas: o direito ao divórcio; a separação da Igreja e do Estado; a despenalização da IVG; o direito à saúde reprodutora da mulher e à sua autodeterminação sexual; a Laicidade; a liberdade religiosa; a Revolução Francesa; o sufrágio universal secreto; a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o reconhecimento da autodeterminação dos povos; a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Enfim, não há leis progressistas que não tenham a colaboração ou não tivessem na origem a participação da Maçonaria. Até a criação do S.N.S. português teve na criação o ilustre maçon António Arnaut que foi Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano.

Do Opus Dei basta referir o pérfido fundador, agora santo Escrivà, apoiante de Franco e cúmplice silencioso do genocídio que, durante décadas, fria e metodicamente o ditador levou a cabo. A ação deletéria nos países sul-americanos, o combate ao divórcio e IVG, a participação em movimentos de extrema-direita, incluído o partido VOX, em Espanha, são apanágio da seita misógina, racista e xenófoba, o que não invalida que haja gente de bem no Opus Dei e biltres, que não são livres-pensadores nem de bons costumes, que tenham entrado na Maçonaria.

A debilidade dos candidatos leva-os a invocar a maçonaria como podiam invocar clubes de futebol ou frequentadores de retiros espirituais de uma qualquer religião. Precisam de um bode expiatório para justificarem o fracasso.

Há diferenças entre Rui Rio, aparentemente sério e capaz, algo desnorteado na Rua de S. Caetano, demasiado a Sul para o homem do Norte, mas sem a demagogia e desatino da oposição interna, órfã de Cavaco e Passos Coelho, agora que a vaidade de Santana Lopes o levou a fazer hara-kiri e a libertar o PSD da sua petulância.

Atribuir à Maçonaria a oposição a Rui Rio é dar importância aos cúmplices de Relvas e Marco António, de Filipe Meneses e Maria Luís, de Cavaco e do grupo do BPN.

O estado de decadência a que parece ter chegado o PSD leva-me a crer que a luta é mera questão regional, uma birra de rapazes entre adeptos do Boavista e do FCP.

Portugal: atraso irrecuperável

Posted: 05 Dec 2019 03:13 AM PST

«Portugal anunciou pela voz do seu primeiro-ministro António Guterres que pretendia alcançar a média europeia em termos de produto per capita numa década. Passadas mais de duas, Portugal liderado por elites incompetentes, não conseguiu esse desiderato e encontra-se dezenas de anos atrasado, em relação aos seus parceiros europeus e sem perspetiva de recuperar esse atraso.

Numa tertúlia recente verifiquei que a perceção de muitas pessoas sobre o atraso português é muito enviesada. Para tal muito contribui a televisão que nos devolve uma imagem muito diferente do país real.

O atraso português pode medir-se de muitas formas, mas optei aqui por uma mais intuitiva. Partindo do atual PIB per capita (em paridade de poder de compra) calculei quantos anos nos levaria a atingir o PIB per capita da Alemanha ou da França, o mesmo da Estónia, da Republica Checa. Os números atuais foram retirados do último Índice de Desenvolvimento Humano publicado pelas Nações Unidas (2018).

Assumi duas hipóteses: a primeira que Portugal conseguia recuperar 1% ao ano, isto é crescer 1% mais que cada um desses países. A segunda, mais inverosímil, que conseguíamos crescer mais dos 2% do que esses países.

Os resultados não enganam. Na Hipótese A precisamos de 6 anos para atingir os valores do PIB per capita da Estónia, 12 anos os da República Checa, 23 anos os da Espanha, 37 anos os do Reino Unido, 44 anos os da Bélgica, 57 anos os da Holanda e 68 anos os da Irlanda. Na hipótese B precisaríamos sensivelmente metade desses tempos. Estamos, em qualquer dos casos, a falar de um esforço de várias gerações.

Mas ao atentarmos nestes números verificamos que já estamos muito atrasados em relação aos países pobres de Leste, que acolhemos na União Europeia com sobranceria e que já nos ultrapassaram. A melhor qualidade das elites económicas e governantes permitiu-lhes um crescimento muito superior.

Se fizermos o mesmo exercício com o ordenado mínimo considerando uma recuperação de 2% ao ano, precisamos de 5 anos para atingir os valores de Malta, 12 os da Eslovénia, 21 os da Espanha, 40 os da França, 43 os da Holanda e 47 ao do Reino Unido. A maioria da força de trabalho já estaria reformada quando se atingisse os valores da Espanha!

Percebe-se, assim, que os portugueses mais empreendedores, mais qualificados, mais impacientes, mais salutarmente ambiciosos, prefiram o caminho da emigração.

O nosso atraso não se vence com as políticas habituais que se já provaram ineficientes. É necessário uma grande alteração do paradigma económico do país se queremos almejar a estar no pelotão da frente. Tal só se consegue com uma forte presença e intervenção pública. O modelo chinês, o mais bem-sucedido modelo de desenvolvimento do pós-guerra é bem elucidativo.»

Jorge Fonseca de Almeida

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

O PSD ainda está na geringonça?

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 05/12/2019)

O debate entre os candidatos começou da pior forma para o PSD. Pelas contas de merceeiro, com uma medição de desempenhos que levou a alguns momentos ridículos, como a responsabilização de Rui Rio por resultados tidos quando era vice-presidente ou o regresso dos resultados de Luís Montenegro nas candidaturas à Câmara de Espinho ou uma distrital. Em resposta, Montenegro explicou as condições difíceis em que concorreu à autarquia do norte. Ou seja, assumiu que, tal como dissera Rui Rio em relação às legislativas, as condições em que se concorre são relevantes. E Rui Rio repetiu a responsabilização dos opositores internos. O que, num partido com a história do PSD, cola mal.

É natural que num confronto interno se faça um debate sobre os créditos de cada um. Mas não é um debate que nos diga respeito. Um debate entre candidatos a um partido, quando passa na televisão, deve sair do que apenas é importante para os militantes. E a viagem de Rui Rio à Maçonaria (cuja obediência eu também considero incompatível com a liderança de um partido), acabando a dizer que acredita em notícias desmentidas, foi um dos momentos mais infelizes. Rui Rio optou, mais uma vez, pelo julgamento de tabacaria que sempre criticou.

Passado este momento penoso, chegou-se ao debate que é relevante para os próximos anos: como o PSD fará oposição ao PS? A posição de Montenegro é das que resulta sempre em todos os partidos: o sectarismo. Mas será difícil, caso chegue à liderança, manter a fasquia onde a colocou. Afirmar que não precisa de ver o Orçamento para dizer que vota contra (Pinto Luz explicou que era preciso dar a aparência de que se tinha esperado para ver e ser contra) é incompreensível para qualquer pessoa normal. Rui Rio, nessa matéria, tem o discurso do senso comum. Pelo menos para os eleitores – outra coisa são os militantes.

Para explicar o seu posicionamento, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz construíram uma fantasia sobre a atual situação política. É como se a “geringonça” continuasse a existir e toda a estratégia do partido se baseasse nessa ideia. Só que a “geringonça” não morreu apenas em teoria. Morreu na prática. Não há acordos e não há interesse, nem do Bloco de Esquerda nem do PCP, em prolongar uma relação com os socialistas que não lhes trará vitórias programáticas ou eleitorais.

Se o PSD tem um problema é o PS ter-lhe comido o centro. O retrato fantasioso resulta da necessidade em justificar a incomunicabilidade com o PS, que galvaniza os militantes

A partir desta fantasia, os dois candidatos construíram uma segunda fantasia, ainda mais distante da realidade: a de um PS radicalizado, totalmente amarrado a uma política esquerdizante e socializante. Até de amor à Venezuela se falou. Se isso não foi verdade durante a “geringonça”, onde o papel de bloquistas e comunistas foi forçar devolução de rendimentos perdidos e reversão de medidas impostas no período da troika (onde se incluíram a renacionalização da TAP e o recuo nas concessões dos transportes urbanos, as duas muito recentes e mal explicadas), vai para lá do delirante neste momento. Se o PSD tem um problema é o PS ter-lhe comido o centro, não é ter-se radicalizado à esquerda.

Este retrato fantasioso não resulta de uma dificuldade de perceção. Resulta de uma necessidade. Montenegro e a sua versão moderada precisam dele para justificar a incomunicabilidade com o PS, que galvaniza mais os militantes do que os eleitores. Que não é seguramente justificada, como tentaram fazer crer, pela história do partido que fez inúmeras revisões constitucionais com os socialistas. Uma estratégia que corresponde a uma radicalização à direita que transformaria o PS num partido charneira, que ocuparia todo o centro e não, como querem fazer imaginar para consumo interno, o lugar de líder de um bloco da esquerda que morreu no início de outubro. Esse episódio político passageiro durou apenas a anterior legislatura e terá, na melhor das hipóteses, o seu último momento na aprovação deste Orçamento de Estado, demasiado precoce para uma crise política.

Com base nesta fantasia o debate deslizou para o que poderia ser interessante: as grandes clivagens políticas e ideológicas que definem o confronto de alternativas. Fora a construção de uma história muito própria do país, em que o PSD foi quem “instaurou uma verdadeira democracia liberal em Portugal” e até “construiu o terceiro sector”, apenas duas ideias estiveram presentes: baixar impostos sobre as empresas e dar mais espaço ao privado no Serviço Nacional de Saúde, ignorando a recorrente suborçamentação do SNS, responsabilidade de vários governos. E depois, o velho, estafado e enganador debate que contrapõe um crescimento económico baseado nas exportações ao aumento do consumo interno, como se um e outro fossem contraditórios. Bem à moda portuguesa, que vê a ideologia do outro como uma doença e a nossa como “reformismo”, todas as divergências com o PS, as reais e as imaginadas, foram tratadas como “complexos ideológicos” dos adversários.

No fim, ficou uma sensação estranha: sabemos que Luís Montenegro é mais à direita e Rui Rio mais ao centro, estando Miguel Pinto Luz, que até nem se safou mal, algures no meio deles. Mas isso só se percebe na relação que prometem ter com o PS, chumbando tudo, chumbando tudo mas fingindo que se pensa no assunto ou chumbando quase tudo quase de certeza. Entre eles, não houve sinal de divergências políticas substantivas. E o PSD tem abrangência suficiente para elas existirem. Talvez não aconteça porque diferenças menos acentuadas não permitem caricaturas sobre os “complexos ideológicos” dos outros ou simples frases de efeito sobre a “agenda reformista” deles próprios. Uma agenda que vá para lá de baixar impostos às empresas e privatizar partes do SNS. O país ficou a saber o que cada um quer fazer na oposição, não percebeu o que os distinguiria no poder.

Bolsonaristas usam quase meio milhão de dinheiro público em fake news

A deputada (PSL-SP) depôs na Comissão Mista de Inquérito Parlamentar (CPI mista) das Fake News.

A parlamentar afirmou que os bolsonaristas utilizam ao menos R$ 491 mil do dinheiro público por ano para espalhar fake news. A informação é do site Congresso em foco.

Essa verba seria destinada ao “gabinete do ódio”, criado para cuidar da comunicação do presidente. Segundo denúncia da deputada à CPI mista, esses funcionários recebem a ordem através do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Uma vez que o alvo é identificado e as montagens e notícias falsas são criadas, estes assessores enviam para os multiplicadores via Whatsapp, “a partir deste momento não tem mais volta”, ressaltou a deputada. O próximo passo é a ativação dos robôs que espalham a notícia pela internet.

Segundo levantamento da deputada, somente as contas oficiais do presidente Jair Bolsonaro e de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, contam com 1,87 milhão de robôs.

A parlamentar prometeu, no último dia 19, quando adiou sua ida à CPI, apresentar um “tsunami de novas e gravíssimas informações”. Deputados bolsonaristas temem que o conteúdo que será apresentado por Joice venha a atingir em cheio o governo de Jair Bolsonaro.

O depoimento da Joice é o segundo de um ex-aliado do presidente Jair Bolsonaro a falar à comissão. O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) denunciou a participação de assessores do Palácio do Planalto em um esquema de ataques a aliados e adversários do governo.

Leite estragado

Ri alto quando ouvi que o novo presidente da Funarte, Dante Mantovani, disse “O rock ativa a droga que ativa o sexo que ativa a indústria do aborto. A indústria do aborto por sua vez alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo. O próprio John Lennon disse que fez um pacto com o diabo”. Mas depois pensei: a quantos brasileiros faltará discernimento para compreender o absurdo desta e de tantas outras afirmações que a turma de Bolsonaro inscrevem diariamente no autos da nossa história?

Uma vez, quando eu estava na sexta série do ensino fundamental (nem sei se ainda é assim que se diz), uma professora aplicou uma prova, não lembro de qual matéria ou mesmo se era alguma avaliação extracurricular. O fato é que, de posse do questionário, um engraçadinho da classe, divertindo-se com a simploriedade de uma questão leu alto: “Qual o melhor leite para alimentar um recém-nascido?”. Do outro lado da sala, outro colega, ainda mais engraçadinho, respondeu: “Leite estragado”. Ambos riram.

Dias depois a professora nos apresentou as provas corrigidas. Para estupefação e regozijo da classe, e, por que não dizer, com uma dose de sadismo, mais comum em professores do ensino básico do que gostaríamos de admitir, ela leu em voz alta a resposta de uma garota à simplória pergunta do leite: “Leite estragado, fulana de tal?”. Todos riram diante da menina que ficou imóvel e constrangida.

Lá se vão trinta anos deste episódio, mas embora eu já não lembre mais qual era a matéria, a professora e nem dos rostos dos engraçadinhos, nunca esqueci da expressão catatônica da colega, exposta ao ridículo por sua flagrante falta de conhecimentos básicos.

Hoje ela deve ter seus 42 anos, como eu. O ponto em que quero chegar é, como uma pessoa que aos doze anos não consegue discernir algo tão básico como um alimento estragado, interpreta o mundo hoje? Em outras palavras, como pessoas privadas de conhecimento, incentivo ao senso crítico e cultura, interpretam os absurdos descarregados por Bolsonaro e sua trupe diariamente nos olhos e ouvidos do Brasil?

No instante da prova, minha colega se agarrou à informação que lhe foi oferecida, inscrevendo-a no documento que passaria pelo crivo de sua mestra, sem pensar sobre a plausibilidade daquilo. A professora, por sua vez, não abriu mão de humilhá-la perante a classe. Não cuidou de resguardar a fragilidade de sua aprendiz. Não procurou saber antes que história estaria por trás de tanto alheamento.

Isso aconteceu em uma importante escola estadual, o Fernão Dias Paes, em um bairro nobre de São Paulo, no ano de 1989. Uma escola marcada pela mistura de alunos de classes mais remediadas, que viviam no bairro, com alunos que chegavam da periferia pelo extenso terminal de ônibus no Largo de Pinheiros.

Infelizmente, embora os indicadores de acesso à educação tenham melhorado, não podemos comemorar uma melhora substancial na cultura e educação no Brasil. A privação de conhecimento, incentivo ao senso crítico e cultura é a regra que sedimenta nosso secular atraso. E esta privação acontece de diversas formas, até mesmo dentro das escolas, uma vez que o ensino também é permeado por preconceitos e diferenciações sociais.

Ontem, dia 2 de dezembro de 2019, eu ri alto quando ouvi que o novo presidente da Funarte, Dante Mantovani, disse “O rock ativa a droga que ativa o sexo que ativa a indústria do aborto. A indústria do aborto por sua vez alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo. O próprio John Lennon disse que fez um pacto com o diabo”. Mas depois pensei: a quantos brasileiros faltará discernimento para compreender o absurdo desta e de tantas outras afirmações que a turma de Bolsonaro inscrevem diariamente no autos da nossa história?