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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Não são apenas umas quantas maçãs podres

Posted: 10 Dec 2019 03:14 AM PST

«No dicionário, corrupção também se define como degradação, adulteração ou decomposição. Aos poucos a corrupção vai desviando recursos públicos, condicionando pequenas decisões políticas e grandes decisões de Estado, vai dando má fama à política e minando a confiança nas instituições públicas.

Sabemos que há a pequena e a grande corrupção e que a fronteira entre o crime e o favor, ou a "cunha", nem sempre é fácil de delinear e menos ainda de investigar ou julgar. É nesta névoa de fronteiras difusas que encontramos a porta giratória, onde o que entra público sai privado, e nunca se sabe em nome de quem são tomadas as grandes decisões do país. Até que ponto a política de energia foi corrompida pela EDP? E as obras públicas pela Mota-Engil? E a política de telecomunicações pelo BES? O que sabemos é que o fluxo de ex-ministros PS/PSD/CDS de e para estas empresas foi intenso, e que essa é só a forma mais visível da porta giratória.

Foi por compreender que a corrupção é como um caruncho que escava fundo na estrutura da democracia - um problema do cesto, mais do que de umas quantas maçãs podres -, que o Bloco se empenhou tanto na denúncia destes casos. Mas também fez propostas: períodos de nojo alargados para ex-governantes, exclusividade dos deputados, um regime forte de incompatibilidades, mais exigência na declaração e fiscalização dos rendimentos e património, criminalização do enriquecimento injustificado. Algumas destas propostas, como a criação de uma entidade para a transparência, foram recentemente aprovadas, outras não.

Ontem o Governo anunciou a criação de um grupo de trabalho para definir uma estratégia de combate à corrupção. De pouco vale dizer que vem tarde. O mais importante é que venha e que seja célere na produção de resultados. Para já, a maior parte das propostas anunciadas - em particular a separação dos megaprocessos - parece ir na direção certa. Há, no entanto, uma proposta preocupante. Como nos mostra o regime brasileiro e o uso do sistema judicial por Sérgio Moro para favorecer Bolsonaro, a delação premiada - ou seja, a possibilidade de fazer acordos sobre a dimensão da pena de arguidos que denunciam terceiros - é uma ideia perigosa: declarações forjadas ao sabor da estratégia de associações criminosas e denúncias forçadas pela ameaça de duras penas, tudo se presta a fazer da Justiça um negócio ou mesmo uma arma para tramar os adversários políticos. Não, Justiça é outra coisa.

Finalmente, devemos nunca esquecer que a Justiça é também um serviço público. Mais eficácia e dedicação no combate à corrupção exigem mais meios, mais recursos, mais financiamento. Depois de anunciada a prioridade, que o combate à corrupção não acabe engavetado, também ele, no Ministério das Finanças.»

Mariana Mortágua

Brasil: O processo golpista em curso

por estatuadesal

(Cid Benjamin, in Resistir, 06/12/2019)

"Se as pessoas más fossem mortas, ficariam apenas as boas, não?". A pergunta foi feita a Mafalda, o genial personagem do cartunista argentino Quino, por Manolito, um amiguinho dela. Mafalda respondeu com uma lucidez cortante: "Não. Ficariam apenas os assassinos".

Pois a sugestão de Manolito parece estar sendo posta em prática pelos bolsonaristas: matar as pessoas supostamente más. Só que os alvos são os pobres, negros e jovens, moradores de favelas ou periferias das grandes cidades. Entre janeiro e agosto, só no Rio de Janeiro, cinco pessoas foram mortas a cada dia pela polícia. A fonte dessa informação impressionante é a Secretaria de Segurança Pública.

Em todo o país, as polícias militares estão sendo estimuladas a humilhar, espancar e matar pobres. Nas 27 unidades da federação, contam com cerca de 500 mil integrantes, armados e cada vez mais fascistizados, e têm armamentos altamente letais, como fuzis e equipamentos como os caveirões , que espalham medo e terror entre os pobres. São uma gigantesca reserva para a extrema direita.

O episódio ocorrido semana passada na favela de Paraisópolis , na capital paulista, quando foram assassinados nove moradores pela PM de São Paulo, é ilustrativo. A defesa que, no primeiro momento, autoridades estaduais e o governo Bolsonaro fizeram do comportamento dos policiais envolvidos é vergonhosa. Deixa claro o incentivo para o assassinato de pobres. Só quando essa posição se mostrou insustentável trataram de amenizar o discurso. Mas ninguém acredita que essa mudança terá alguma consequência prática.

Para assegurar o alinhamento e o apoio político das polícias, Bolsonaro as compra de duas maneiras: por meio de uma vasta distribuição de benesses materiais e pela proteção aos que usam a farda para cometer crimes. É algo parecido com o que faz com as Forças Armadas,

Assim, num momento em que o sistema de previdência pública – elemento essencial numa sociedade civilizada – é desmantelado, deixando os trabalhadores comuns sem qualquer cobertura, as vantagens de policiais e militares (assim como as de juízes e outras categorias privilegiadas) são ampliadas ao extremo. Para eles não vale o discurso de austeridade.

A bajulação não para por aí. Propostas como o tal "excludente de ilicitude" para policiais ou integrantes da Forças Armadas são um claro estímulo à violência e ao assassinato de pobres em geral.

Ela é, na prática, uma licença para matar que se assemelha ao "direito" que, na literatura de ficção, encontra similaridade com as prerrogativas do famoso agente James Bond, o 007, uma criação do romancista inglês Ian Fleming. Bond fazia parte de um seleto grupo de agentes secretos britânicos cujo número em código começava com dois zeros. Estes significavam que aqueles agentes tinham licença para matar quem se atravessasse no seu caminho.

A bandeira do combate à violência estimulando a letalidade das ações policiais é um dos carros-chefes da direita. Aproveitando-se da justa preocupação das pessoas com a criminalidade urbana – cujas raízes principais estão na exclusão social, nunca é demais dizer – a direita protofascista prega o extermínio dos que classifica como bandidos, ou, na hipótese mais branda, um rigor ainda maior no Código Penal para os que escaparem vivos.

Interessante é que essas mesmas pessoas se mostram inteiramente lenientes e com uma suspeita compreensão no que diz respeito aos crimes praticados pelas milícias ou por policiais a elas associados. Basta ver que o plano de combate à criminalidade, apresentado pelo ministro Sérgio Moro no início deste ano, praticamente não trata do combate às milícias. E nem o Ministério Público, nem a Polícia Federal, conseguem encontrar o miliciano Fabrício Queiroz, amigo íntimo da família do presidente.

É bom que não se perca de vista que, embora tenha passado pelo Exército – onde, aliás, teve uma carreira pífia e de onde saiu pela porta dos fundos –, Bolsonaro tem uma cabeça muito mais de miliciano do que de militar.

O fato é que está se conformando mais e mais no Brasil um Estado policial. As polícias fascistizadas e as milícias tornam-se o braço armado da extrema direita. São uma tropa de choque que pode ser mobilizada para golpes de estado ou assassinatos políticos, tal como ocorreu na morte da vereadora Marielle Franco. O recente golpe na Bolívia, que depôs Evo Morales, teve nessas polícias e nos seus amigos paramilitares o seu motor, cabendo ao Exército apenas a omissão e a "sugestão" ao presidente para que renunciasse.

Dessa forma, no Brasil, esses contingentes são uma reserva de tropa de choque para a direitização do país, talvez, mais adiante para a quebra da institucionalidade e a implantação de uma ditadura.

Na legitimação e no apoio político a uma saída desse tipo jogariam papel importante igrejas neopentecostais, cuja influência é crescente, e emissoras de rádio e TV voltadas para uma programação popularesca. Tanto umas, como outras, já tiveram papel importante na busca de apoio para a contrarreforma da Previdência.

Quando Bolsonaro e os porta-vozes mais próximos – entre os quais os filhos boquirrotos – acenam repetidamente com uma reedição do AI-5 não estão cometendo destemperos verbais. Não se trata de coincidência, mas da criação das condições políticas para uma tentativa de implantação de uma ditadura.

Da mesma forma, são também preparação do terreno para um fechamento do regime os ataques do núcleo central do bolsonarismo a instituições conservadores – e até mesmo reacionárias, mas não necessariamente golpistas, como o Congresso, o Judiciário ou certos veículos da grande imprensa, como as que integram as Organizações Globo ou a Folha de S.Paulo.

Assim, o processo golpista pode ou não chegar ao seu objetivo final, mas já começou a ser desencadeado.

Que ninguém se iluda.

É oficial: Trump “traiu a Nação”

Cristina Peres

Cristina Peres

Jornalista de Internacional

11 DEZEMBRO 2019

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Após três meses de audiências e investigação, os líderes democratas apresentaram duas queixas formais no decurso do processo de destituição do Presidente dos Estados Unidos: abuso de poder e obstrução ao Congresso. Na sessão desta terça-feira, apelou-se à destituição de Donald Trump por ele ter “posto em perigo a Constituição dos Estados Unidos, ter comprometido a integridade das eleições de 2020 e ter dado cabo da segurança nacional”.
A última edição do “New York Times” deixa claro que esta medida deixa o Presidente dos Estados Unidos à beira da destituição pela quarta vez na história do país e fornece a análise completa do caso.
Durante algum tempo ainda pareceu que a Câmara dos Representantes acusaria Trump de participar em subornos, definidos na lei como a troca de alguma coisa de valor por influência num ato oficial. A alegação dizia que o PR suspendeu 400 milhões de dólares de auxílio militar à Ucrânia e acenou com uma visita à Casa Branca ao Presidente ucraniano para levar este a anunciar investigações políticas que ajudariam o chefe de Estado americano. Afinal, os líderes daquela Câmara acabaram por escolher alargar o âmbito dos artigos para a destituição: abuso de poder no caso ucraniano e obstrução ao Congresso por recusa de entregar documentos ou permitir que testemunhas prestassem declarações nas audições do processo de destituição.
Ao mesmo tempo, o Departamento de Justiça demoliu a teoria da conspiração que o Presidente construiu para justificar o seu esforço para destruir a confiança dos cidadãos americanos nas suas agências de segurança nacional. Uma coluna de opinião da CNN comenta que, mesmo assim, não é de esperar que Trump pare de negar a realidade e de demonizar os democratas por apenas quererem, sustenta o POTUS, desfazer o resultado das presidenciais de 2016, que estão na origem de toda a confusão.
Aqui fica a explicação dos passos atuais e seguintes do processo de destituição. Estados Unidos, o país onde “se espalha o vírus da informação falsa e da falta de confiança”, escreve a CNN.
O cenário não é ainda de olho por olho, dente por dente, mas há cada vez mais sinais de impaciência: um juiz federal do Texas acaba de bloquear à administração Trump o uso de milhares de milhões de dólares de fundos do Pentágono para construir o muro na fronteira com o México, tweetava a CNN logo de madrugada.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Nem a diretora-geral da Saúde é catequista, nem nós somos crianças

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 09/12/2019)

Daniel Oliveira

Comecei a fumar cedo e sempre muito. Quando quis deixar de fumar, fui a uma consulta de cessão tabágica. Queria ajuda médica e alguma informação rigorosa, não opiniões que se baseassem nas convicções e experiências pessoais. Se quisesse preleções sobre a vida e o bem estar tinha ido ter com um padre ou um instrutor de yoga. Em conversa amena, expliquei isso mesmo ao médico: qualquer discurso moral sobre o vício me desincentivava. Porque não tenho nada contra o vício. Não só não acredito num mundo sem vícios como o temo tremendamente. Tomei a decisão de deixar de fumar por razões de saúde e era informações de saúde que queria, com corresponde estratégia para deixar de fumar com o mínimo de sofrimento possível. Nada mais. Fora os efeitos que tem para a saúde, que estão longe de ser um pormenor, acho que fumar é excelente. Bonito, inspirador, reflexivo, cinematográfico, relaxante. O médico era inteligente e atento e deu-me ouvidos. Até me falou de algumas vantagens da nicotina para a atividade cerebral. Sentindo-me realmente informado, foi mais fácil deixar de fumar. Mesmo sem a adição do passado, tenho saudades quase todos os dias. Mas, em seis anos, nunca mais voltei a tocar num cigarro. Prometi a mim mesmo que o faria no dia em que chegasse, se chegar, aos 80 anos.

A semana passada apeteceu-me pegar num cigarro eletrónico ao ouvir a diretora-geral da Saúde. Na quinta-feira, a Direção-Geral da Saúde (DGS) fez sair um comunicado onde se podia ler: “Não existem cigarros eletrónicos nem produtos de tabaco seguros, nomeadamente tabaco aquecido. Apresentam riscos para a saúde e não devem ser consumidos.” Era resposta a alguém que o tivesse afirmado? Não. Sendo tabaco ou cigarros, suspeitávamos que não fizessem bem. O que se diz, e essa é a parte que eu gostava de saber se é mesmo verdade, é que estas alternativas são menos nocivas do que os cigarros comuns. Aparentemente, a DGS acha que se o afirmar está a incentivar o seu uso. Eu acho que está a tratar os cidadãos como adultos capazes de tomarem as suas decisões com base em informação rigorosa. Sou um cidadão adulto e não tolero que nenhum funcionário público (ou privado) me trate como uma criança.

Mas fez pior: lançou o alarme, falando, no comunicado, de “caso de doença pulmonar grave, incluindo mortes”. No entanto, a DGS não teve conhecimento de qualquer caso de doença pulmonar grave potencialmente relacionado com estes produtos em Portugal e sabe que a ciência ainda não chegou a conclusões sobre o tema (ver AQUI), o que quer dizer que Tabaqueira e DGS se estão a atirar para fora de pé. No caso de uma empresa, estou preparado para não acreditar no que dizem sobre os seus produtos. Quanto ao Estado, espero informação rigorosa. A única coisa útil no comunicado parecem mesmo ser os avisos para a não adulteração dos cigarros eletrónicos e para alguns produtos específicos que neles possam existir. Isso é o que espero que a DGS me diga. Se dúvidas houvesse sobre o caráter extemporâneo do comunicado, foi a própria diretora-geral a explicar que não se deveu a qualquer descoberta em particular, mas às notícias relacionadas com os EUA.

Portugal é um exemplo na redução de riscos em várias drogas. Começou a sê-lo no dia em que abandonou o discurso que domina a DGS – que só interessa a abstinência. Interessam duas coisas: que quem não quer ou não consegue deixar de fumar passe a fumar menos ou corra menos riscos quando fuma; e que quem não fuma não o comece a fazer, mesmo que seja por via de produtos menos nocivos. Pelo menos para mim, a intervenção da diretora-geral da Saúde fez o oposto do que deve fazer a prevenção antitabágica. Limitou-se, por ser extemporânea e pouco fundamentada, a reduzir a minha confiança noutras informações que venham da DGS. De um serviço desta natureza não espero clarificações de posições nem cruzadas para um país sem vícios, espero políticas públicas de sensibilização para o risco e, como fizemos na droga quando deixámos de ter puritanos a dirigir essas políticas, redução de riscos.

Todos sabemos que os cigarros eletrónicos ou sem combustão estão muito longe de ser inócuos. Se nem todos sabem, garanta-se que passam a saber, com a difusão de informação rigorosa e cientificamente comprovada.

A DGS acha, e eu também, que deixar de fumar é melhor. Mas não é essa a resposta que quem não se sente capaz ou não quer deixar de fumar quer ouvir. O que quer saber é se estes produtos são menos nocivos do que os cigarros normais. E a DGS tem o dever de o esclarecer, com informações precisas e honestas, baseadas em estudos científicos, e não em cruzadas pela abstinência. Caso contrário, um dia destas as pessoas acreditarão mais nas tabaqueiras.

A máquina de fabricar estrangeiros

Posted: 09 Dec 2019 03:20 AM PST

«O debate sobre a lei da nacionalidade está de volta. Em Portugal as posições sobre este tema posicionam-se num contínuo direita-esquerda em que quanto mais à direita estiverem os protagonistas mais preponderância se dá ao jus sanguini, o princípio de que os portugueses são os filhos dos portugueses e quanto mais à esquerda estiverem mais se defende o jus solis, o princípio de que são portuguesas as pessoas que nascem em Portugal. Como sempre, ao centro procura-se a justa proporção entre os dois princípios. Mas estará desta vez o centro a ser virtuoso?

Pode defender-se contra o jus solis que nenhum país da União Europeia o adota como princípio puro. O que não surpreende dado que o jus sanguini vem da tradição germânica e de uma ideia de povo como ancestralidade. E essa ideia de ancestralidade como identidade nacional casa bem com o pensamento conservador europeu, que sempre assentou numa visão da mudança social como perda.

Mas devemos perguntar-nos se a Europa neste ponto é uma boa fonte de inspiração para Portugal. As dificuldades levantadas à aquisição de nacionalidade por imigrantes de segunda geração está em todo o continente associada a fenómenos de desfiliação social de que não há motivos para orgulho e de que a radicalização de jovens islâmicos de bairros desfavorecidos é apenas um extremo num contínuo de pobreza e exclusão social que passa por tentar manter barreiras artificiais e assimetrias de estatuto social entre pessoas nascidas, educadas e (não) entrando no mercado de trabalho no mesmo país, que se discriminam por algo que não foram elas que produziram - a nacionalidade e o estatuto residencial dos seus pais.

Em matéria de integração social de imigrantes os EUA e o Canadá são muito melhores exemplos. Têm proporcionalmente muito mais imigrantes que a Europa, gerem contingentes muito volumosos de imigrantes ilegais e conseguem que a segunda geração seja um problema social e político muito menos grave. Há muitas razões que concorrem para isso. Mas o facto de adotarem o jus solis puro, de considerarem nacional quem nasce no país, independentemente do estatuto dos seus pais, está entre as razões para esse sucesso.

Acresce que só nas fake news do PNR e do seu irmão político Chega é que Portugal é um país a sofrer grande pressão imigratória. Temos um nível baixo de imigrantes e saldo migratório negativo. E mesmo a relutância dos refugiados que chegam à Europa em dirigir-se a Portugal nos diz que a construção de um súbito movimento turístico de massas para obter a nacionalidade portuguesa é apenas real em delírios de direita e protofascistas. Como argumento para discutir a nacionalidade faz lembrar os que se opunham à despenalização do consumo de drogas em Portugal porque todos os drogados da Europa se mudariam para cá. Passaram duas décadas e não aconteceu, pois não?

Mas a questão primordial atual é a de que a nossa lei da nacionalidade afeta hoje sobretudo jovens nascidos no seio de famílias com fortes ligações a Portugal. Os seus pais podem até ter chegado há pouco. Mas têm cá, muitas vezes há décadas, grande parte da sua família alargada. A grande maioria das comunidades estrangeiras em Portugal é constituída por pessoas com fortes laços históricos com a cultura portuguesa. E os novos imigrantes não deram ainda nenhum sinal de constituir um problema social, de gerar tensões sociais significativas.

Há mais razões para temer que o insucesso da política de inclusão social de pessoas desfavorecidas, a vulnerabilidade à pobreza, a segregação espacial e social possa gerar a prazo problemas crescentemente mais graves com a segunda geração do que para recear uma invasão de imigrantes grávidas. E face a esses riscos sociais reais, por contraponto aos do imaginário da direita, uma lei da nacionalidade que continue a condicionar a nacionalidade à condição dos pais é um sério erro e um sinal de medo de uma sociedade que começa a desenvolver fenómenos de racismo e xenofobia que não queremos ver florescer.

Se, como dizem as notícias, o PS não apoiar a adoção do jus solis na lei da nacionalidade, ao contrário do que propõem o BE, o PCP, o PAN, os Verdes e o Livre, não estará a ser uma força política moderada, mas ponta de lança de uma visão conservadora da sociedade europeia que alimentou germes de ódio. Estará a alimentar de novo uma perigosa máquina de fabricar estrangeiros na sua própria terra.»

Paulo Pedroso