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terça-feira, 7 de abril de 2020

Este é o primeiro dia do resto das nossas vidas

Curto

João Vieira Pereira

João Vieira Pereira

Diretor

07 ABRIL 2020

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“Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida:
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida!”

Sérgio Godinho, in "O Primeiro Dia"
‘Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo’
Talvez por estarmos há demasiado tempo sem poder dar boas notícias enfatizamos as poucas que existem. Mas elas existem de facto. E pouco a pouco vão aparecendo. Até nos números. A começar pelos recuperados, que nunca foram tantos. O melhor dia dos últimos 10 não nos sossega, mas deixa-nos com esperança.
O crescimento de novos casos e o número de mortes registadas começaram a abrandar nos últimos oito dias. Num novo gráfico, que parte da análise das médias semanais, o achatamento da curva portuguesa é especialmente notório.
Olhando para os números dos novos casos com covid-19, fica a ideia de que o pior já terá passado”, quem o diz, com alguns “se’s”, é Luís Aguiar-Conraria.
Até o consumo de eletricidade que caía, semana após semana reflexo da menor atividade económica, registou uma subida de 3%.
‘Dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo’
A Áustria anunciou que a 14 de abril devem abrir as pequenas lojas, quinze dias depois as grandes. Hotéis e restaurantes serão os seguintes da lista. Em Itália já se fala de um levantamento controlado e gradual das restrições. E a Dinamarca poderá reabrir, já para a semana, infantários e escolas até ao quinto ano.
Se a decisão de fechar um país é difícil, mais ainda é decidir quando e como se regressa à normalidade. Para que seja mais fácil retomar a atividade, há uma nova corrida pelos “certificados de imunidade” na Alemanha e talvez no Reino Unido.
Os mercados reagiriam em alta às notícias de que estão a diminuir o número de mortes em Itália e Espanha. A luz ao fundo do túnel, de Trump, foi suficiente para alegrar muitos.
Mas não para Boris Johnson. O primeiro-ministro britânico foi transferido para os cuidados intensivos e pode ter de ser ligado a um ventilador. Tinha sido hospitalizado “para fazer mais testes”. O seu sucessor designado é Dominic Raab, ministro dos Negócios Estrangeiros.
Johnson faz parte dos 1.249.077 infetados. O mundo registou ontem 82 mil novos casos, tantos quantos a China desde o início do surto. Os Estados Unidos são o país com mais casos confirmados e maior número de mortes. No mundo choram-se 69.599 vítimas confirmadas da covid-19.
Há morte. À morte digo: há vida. Aqui, nas histórias de Leo, dois meses, e Ada, 104 anos. O vírus não é invencível.
‘Diz-se do passado que está moribundo’
Já aqui falei de escola. É preciso olhar em frente. O governo de Itália decidiu que todos os estudantes vão passar de ano. O que não quer dizer que todos vão ter notas positivas. Os alunos com negativas terão de frequentar aulas de recuperação.
Por cá, António Costa anunciará quinta-feira o que podem esperar estudantes e famílias, sendo certo que se as aulas presenciais não forem retomadas até 4 de maio (alunos do secundário), todo o final de ano letivo terá de ser reajustado.
Mas ainda há notícias más. Falsos padres, funcionários de saúde pública que não o são, voluntários de ONG que não existem, tudo serve em Espanha para tentar burlar quem está isolado. Cuidado. Ainda em Espanha, um empresário foi preso por alegadamente ter roubado dois milhões de máscaras e outro material médico de um armazém na Galiza. O material terá sido vendido em Portugal.
Máscaras que parecem ser cada vez mais a solução. Não pode esperar mais, pelo menos para a Ordem dos Médicos que pede a revisão de várias recomendações em vigor contra a pandemia. A primeira, urgente, é sobre a utilização de máscaras pelos profissionais de saúde e pela população.
Já há autocaravanas a serem usadas para descanso de médicos e bombeiros em Braga e Gaia.
‘Bebe-se o alento num copo sem fundo’
O Governo anda a corrigir os erros das medidas de apoio a empresas e famílias. E ainda bem. Até porque é compreensível que assim seja, já que nesta crise somos todos alunos numa disciplina onde não há professores.
As linhas de crédito para ajudar as empresas vão ser alargadas e podem ir agora até €13 mil milhões. Palavra de Siza Vieira. Este aumento será gradual e começará pelo apoio ao comércio e serviços com mais €1.200 milhões. Há novos sectores contemplados e que antes “estavam excluídos, como os serviços, os transportes de mercadorias, de passageiros, e o agrícola", entre outros.
Também a ministra Ana Mendes Godinho disse ter alargado o apoio à redução da atividade de trabalhadores independentes (para quem tenha uma quebra de pelo menos 40% da faturação). E, finalmente, os sócios-gerentes passam a ter apoio igual ao dos recibos verdes, mas só se não tiverem trabalhadores a cargo. Vejas todas as novidades aqui.
Antes, entre novas críticas à banca, Rui Rio tinha apresentado as suas propostas. Pedro Siza Vieira agradeceu e respondeu com um ‘já está’ e um ‘não vamos por aí’.
Jogadores do Porto, Benfica e Sporting preparam corte de salários. A notícia avançada pelo ‘Record’ diz que os clubes grandes e outros da I Liga estão a chegar a acordo para a redução de 50%. A Tribuna Expresso conta que que "há um entendimento geral entre todos" para avançar com esta medida, de forma a evitar o lay-off. O sindicato dos jogadores já tinha considerado esta possibilidade com "escandalosa" e "oportunista".
Marcelo tinha prometido uma espécie de puxão de orelhas à banca, mas talvez a banca tenha conseguido provar que, desta vez, a culpa não é deles. Da reunião com os banqueiros fica “a sensação de que os banqueiros estão a acompanhar de forma muito atenta o que se vive nas empresas e nas famílias, quer a nível nacional, quer internacional.”
Pela Europa, Mário Centeno sonha com propostas alemãs. O Eurogrupo discute hoje um pacote de €540 mil milhões para apoiar a economia. Há quase consenso (Itália diz não, não e não) para abrir linhas de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Sobre coronabonds nada.
Os jornais estão a sofrer com a crise. ‘A Bola’ vai avançar para um lay-off de 50 profissionais, incluindo jornalistas, gráficos e administrativos. O diretor do jornal, Vítor Serpa, descreve a situação atual da imprensa desportiva como “calamidade pública”. Medida que o ‘Jornal Económico’ também vai tomar.
Para fechar, dois resumos sobre o que mais de importante se passou em Portugal e no mundo.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

A Cruz que afinal não veio para Lisboa

Curto

Pedro Lima

Pedro Lima

Editor-adjunto de Expresso

06 ABRIL 2020

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Bom dia,
Eis-nos chegados à Semana Santa, celebração maior do mundo cristão e que este ano, à semelhança de tudo o resto no nosso dia-a-dia, vai decorrer de forma anormal, confinada, por causa da pandemia de covid-19. Este ano, o Domingo de Ramos, que assinala a entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém, ficou marcado por mais uma imagem histórica, a da Basílica de São Pedro vazia enquanto o Papa celebrava a missa. Já antes, a 27 de março, correram mundo as imagens de Francisco a rezar sozinho na Praça de São Pedro.
A Páscoa, além de representar um momento de retiro espiritual para muita gente, também era um período de férias para grande parte dos portugueses. Comecemos por isso, por lhe desejar uma boa Páscoa, a melhor possível, atendendo aos constrangimentos que todos vivemos.
Na homilia deste domingo, o Papa apelou à solidariedade para os que sofrem e estão sozinhos e exortou a Humanidade a centrar-se no que é essencial. Porque, como referiu, “o drama que estamos a atravessar impele-nos a levar a sério o que é sério, a não nos perdermos em coisas de pouco valor; a redescobrir que a vida não serve, se não é para servir. Porque a vida mede-se pelo amor”.
Francisco anunciou também que a Cruz das Jornadas Mundiais da Juventude, que esteve dois anos no Panamá – país onde se realizaram as últimas jornadas – só será entregue a Lisboa no dia 22 de novembro. Esta Cruz simbólica, que foi entregue a jovens católicos pelo Papa João Paulo II, em 1984, e tem percorrido todos os continentes, saiu do Panamá a 23 de junho, com destino ao Vaticano, e deveria ter sido entregue este domingo a uma delegação portuguesa, para assinalar o facto de as próximas Jornadas Mundiais da Juventude se realizarem em Lisboa, em 2022.
Tal como muitos outros eventos, também este ato simbólico foi adiado. Tal como as nossas vidas, que continuam adiadas, à espera de melhores dias, à espera que tudo corra o melhor possível, que acabem as mortes, os medos – e que esta gigantesca crise económica que já estamos a viver seja devidamente atacada e os seus danos minimizados.
Posto isto, passemos então às notícias - relacionadas com a pandemia e não só - que têm estado a marcar Portugal e o mundo.

Os tempos vão mudar?

Posted: 05 Apr 2020 03:49 AM PDT

«Quando editou, em 1964, The times are a’Changin, Bob Dylan previa o futuro. O seu e o da América. John F. Kennedy fora assassinado meses antes e Dylan rompia com o passado. Fora o trovador da renovação da música folk. Mais uns meses e transformar-se-ia num herético: deslumbrado por Rimbaud e pelo LSD, trocava a viola por uma guitarra eléctrica. Os tempos tinham mudado. Recorda agora isso numa canção sem fim, Murder Most Foul. Diz ele, que já viu tudo: “Thousands were watchin'/No one saw a thing”. Fala da morte de JFK em Dallas e da misteriosa digressão mágica das décadas de 60 e 70. Poderia estar a falar de um vírus invisível que dinamitou todas as certezas das sociedades modernas.

Tal como nesses dias, os tempos estão a mudar? É verdade.

Só que, agora, ninguém sabe onde colocar os pés: estes campos colocados à nossa frente, outrora floridos e globais, estão minados. Cheios de espantalhos, de Jokers, de Freddy Kruegers. Estamos num labirinto onde não vemos o Minotauro, mas sentimos a sua presença. Todos desejam respostas. Mas, no mercado, estão esgotadas, como as máscaras ou o álcool etílico. Em Delfos, os gregos perguntavam o futuro à pitonisa. Hoje o Google não nos dá respostas. Nem os políticos. Nem os mercados. Nem os videntes. Como será o mundo depois da covid-19? Sabemos apenas o que desejávamos ignorar. Seremos mais pobres e haverá uma astronómica dívida por pagar. Pior: até quando existirá dinheiro, em países que não emitem moeda, para pagar a paz social? O Estado não é o cofre do Tio Patinhas.

A história do coronavírus é um duelo entre a saúde e a economia. Desejamos que ambas sobrevivam. Mas, até lá, temos de lidar com os vencidos da vida. Do país outrora conhecido como Holanda e agora novamente chamado Países Baixos, esperávamos a subtileza dos quadros de Rembrandt, frutos belos de uma sociedade aberta ao mundo. Pelo contrário coube-nos, nestes dias mais sombrios, o sr. Hoekstra, holograma do sr. Dijsselbloem.

Julgou-se, por momentos, que o Ferrão dos “Marretas”, resmungão que vive num caixote do lixo, e que deseja que a sua vida seja o mais miserável possível, tinha agora assento no Eurogrupo. Não. Esta é uma personagem real, menos carinhosa do que o Ferrão e usa fato e gravata. Cómodo, com a barriga cheia, pensa nele. E não nos outros. Fez bem Portugal, por intermédio do sr. António Costa, em fazer ouvir a sua voz. Não se pode jantar com uma personagem destas. Jean Monnet disse que a Europa será forjada nas crises. O surto de covid-19 é uma dessas crises. É sanitária e económica. Será moral e ética. Não poderá perder tempo com personagens como o sr. Hoekstra.

Portugal vive um momento crucial. No meio da sensatez política, tem sobrado espaço para o dislate. Transformar o Hospital Curry Cabral, por desígnio político do sr. António Costa, numa unidade exclusivamente para o combater a covid-19 é um deles. Tal como foram, antes, as iniciativas políticas para acabar com o Laboratório Militar e o Hospital Militar. Colocar-se já na fila da frente para um sebastiânico governo de “salvação nacional”, como faz o sr. Rui Rio, é outro. Os políticos portugueses usam demasiadas vezes a improvisação como almoço. Raras vezes desenham estratégias. Os resultados costumam ser desastrosos.

Nada que os diferencie, aqui, da Europa dita comunitária. Há um velho ditado grego que apetece recuperar agora: “Aquele a quem os deuses desejam destruir, primeiro enlouquecem”. A Europa, antes de se destruir, está a enlouquecer. Os deuses europeus actuais simbolizam instituições pós-modernas: são indiferentes ao que os cerca. No centro de toda esta tragédia sem solução está uma União Europeia sediada burocraticamente em Bruxelas. E que reage em vez de agir. Poderá assistir, a prazo, a democracias mais musculadas. E quem pagará a crise? E como? E como será a gestão social de um mundo empobrecido, sem presente e com um futuro muito nebuloso? Uma roleta russa?

O mundo tem surfado pelo Instagram, pelo Twitter, pelo Facebook e pelo WhatsApp. Com cada vez menos contacto com a realidade. Algo vai mudar, mas talvez não tanto como alguns desejaríamos. A grande dúvida, no meio do cataclismo, será uma: ficaremos melhores ou piores pessoas do que antes da covid-19? Foi a forma como tentámos domesticar o planeta aos nossos interesses que nos tornou alvos mais fáceis de vírus como estes. Julgávamos ser os conquistadores. Acabámos encurralados. A globalização, o viver numa rede sem fim, fez agora reerguer fronteiras e desconfianças. A economia vencerá a saúde. Mas, mais ou menos mutante, o mercado regressará sedento, como salvador. O vírus será o culpado de todas as desgraças. E, como sempre, serão os mais frágeis que pagarão a crise, no meio das cinzas.»

Fernando Sobral

domingo, 5 de abril de 2020

A Europa está a arriscar tudo

por estatuadesal

(Pedro Sánchez, in Público, 05/04/2020)

A Europa está a sofrer a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial. Os nossos cidadãos estão a morrer nos hospitais saturados por uma pandemia que representa a maior ameaça de saúde pública desde a gripe de 1918.

A Europa enfrenta uma guerra diferente das que temos conseguido evitar nos últimos setenta anos: uma guerra contra um inimigo invisível que está a pôr à prova o futuro do projecto europeu.

As circunstâncias são excepcionais e exigem posturas contundentes: ou estamos à altura das circunstâncias ou fracassaremos como União. É um momento crítico em que, inclusivamente os países e os governos mais europeístas, como é o caso de Espanha, precisamos de provas de compromisso real. Precisamos de uma solidariedade indiscutível.

Porque a solidariedade entre os europeus é um princípio fundamental dos tratados da União. E demonstra-se em tempos como este. Sem solidariedade não haverá coesão, sem coesão haverá desapego e então a credibilidade do projecto europeu ficará gravemente prejudicada.

Nas últimas semanas tomaram-se decisões importantes que aplaudimos, como o novo programa temporal de compra de emergência do Banco Central Europeu e, nesta semana, o plano “Sure” da Comissão, para os afectados pelo desemprego. Mas não é suficiente. É preciso chegar mais longe.

A Europa deve pôr em pé uma economia de guerra e promover a resistência, a reconstrução e a recuperação europeia. Tem que fazê-lo o mais rápido possível com medidas que sustentem a dívida pública que muitos Estados estão a assumir. E terá que fazê-lo depois, uma vez que se ultrapasse a emergência da saúde, para reconstruir as economias do continente mobilizando grande quantidade de recursos através de um plano que chamámos Plano Marshall e que terá que contar com o apoio de todas as instituições comuns.

A Europa nasceu das cinzas da destruição e do conflito. Aprendeu as lições da História e compreendeu uma coisa muito simples: se não ganhamos todos, no fim, perderemos todos.

Podemos transformar esta crise numa oportunidade para reconstruir uma União Europeia muito mais forte. Mas, para isso, precisamos de activar medidas ambiciosas. Se continuamos a pensar de forma limitada, fracassaremos. Os Estados Unidos responderam à recessão de 2008 com estímulos, enquanto a Europa respondia com austeridade. Os resultados são conhecidos por todos. Hoje, que está à espreita uma crise económica global de maior escala que a desse tempo, os Estados Unidos aplicaram a maior mobilização de recursos públicos da sua História. A Europa está disposta a ficar para trás?

É o momento de cortar com os velhos dogmas nacionais. Estamos num tempo novo e precisamos de respostas novas. Conservemos os nossos valores positivos e reinventemos o resto.

Nos próximos meses será inevitável que nós, os Estados-membros, criemos uma dívida maior para responder às consequências de uma crise na saúde mas que também é económica e social. Por isso, as respostas não podem ser as mesmas que estavam previstas para choques assimétricos da economia, como uma crise financeira ou bancária num Estado isolado ou num grupo de Estados. Se o vírus não percebe de fronteiras, os mecanismos de financiamento também não o podem fazer.

O Mecanismo Europeu de Estabilidade pode ser útil numa primeira fase para injectar liquidez nas economias europeias através de uma linha de crédito, sempre que esta seja universal e não condicional, mas não vai ser suficiente a médio prazo.

O desafio que enfrentamos é extraordinário, sem precedentes. Exige uma resposta unida, única, extrema e ambiciosa para preservar o nosso sistema económico e social. Para proteger os nossos cidadãos.

Os espanhóis sempre protegemos e defendemos o projecto europeu. É o momento da reciprocidade. Connosco, com Itália e com todos e cada um dos 27 países da União.

É o momento de agir de forma solidária: criando um novo mecanismo de mutualização da dívida, agindo como um bloco na aquisição de produtos sanitários de primeira necessidade, estabelecendo estratégias coordenadas de cibersegurança e preparando um grande plano de choque para que a recuperação do continente seja rápida e sólida.

Para que não haja divisões entre o Norte e o Sul. Para não deixar ninguém para trás. Vivemos tempos muito difíceis que exigem decisões valentes. Há milhões de europeus que acreditam no projecto da União. Não os abandonemos. Demos-lhes razões para continuarem a acreditar. Agora ou nunca, porque, nestes momentos, a Europa está a arriscar tudo.

Presidente do Governo de Espanha

O coronavírus mata

Posted: 04 Apr 2020 03:51 AM PDT

«Comecemos pelos números: em 2019, morreram em média 399 pessoas por dia em Portugal. Um valor que corresponde a um decréscimo face a 2018 (o ano com mais mortos desde 1949, quando a Europa vivia a ressaca económica dos anos de guerra). O envelhecimento da população explica, em larga medida, este padrão de incremento do número de mortos por ano em Portugal.

Curiosamente, o ano de 2020 parecia ser auspicioso no que toca à mortalidade. De acordo com os cálculos de Pedro Almeida Vieira, entre janeiro e fevereiro, morreram menos 2440 pessoas do que no ano anterior e menos 667 na comparação com a média de 2010-19. Ou seja, se consideramos apenas os dois primeiros meses do ano, a média de óbitos diários desceu para 358, um valor inferior aos 399 de 2019 e aos 369 do período entre 2010-19.

Com a chegada de março, os valores costumam atenuar-se. Passada a fase mais aguda da gripe e a chegada da primavera, com um clima mais ameno, a mortalidade tende a diminuir ao longo do mês, com diferenças significativas entre a primeira e a segunda quinzena. Foi a tendência dos anos anteriores. Este ano é exceção. Se até dia 10 de março não houve um único dia em que não tivessem morrido menos pessoas do que nos mesmos dias do ano passado, a partir de dia 15 dá-se uma súbita inversão de tendência, com um crescimento sistemático do número de óbitos, fazendo da segunda quinzena de março de 2020 a mais mortífera dos últimos dez anos. As 144 mortes com covid-19 explicam uma parcela desta variação. Contudo, continua bem longe de ser suficiente para explicar o acréscimo de 495 óbitos no período. Um aumento que não pode ser coincidência.

Há explicações para o fenómeno: o confinamento social tem efeitos mais agudos na saú¬de mental e física dos mais idosos, precipitando mortes; quer os suicídios, quer as mortes por violência doméstica podem ter aumentado; e, fundamental, os serviços de saúde estão a recentrar a sua atividade na resposta ao coronavírus, secundarizando outros tratamentos, ao mesmo tempo que os utentes se dirigem menos ou tardiamente aos hospitais (as notícias que dão conta da diminuição drástica de chamadas para o INEM e das dádivas de sangue, acompanhadas pelo aumento de reservas, são disso sintoma).

Mas o pior está mesmo para chegar. Os fatores económicos são o determinante mais poderoso da saúde pública (mais até do que o papel dos serviços de saúde). A ideia de que há uma escolha a fazer entre prioridade à saúde pública ou preservação da economia é, aliás, totalmente errada. O colapso anunciado da economia, o brutal aumento do desemprego previsto e um longo período de austeridade que se seguirá mostrarão que a tendência nos óbitos da segunda quinzena de março não foi coincidência e tenderá a intensificar-se. Vão ser muito mais aqueles que vão morrer por causa do coronavírus do que os que vão morrer com coronavírus.»

Pedro Adão e Silva