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terça-feira, 27 de outubro de 2020

António, chame o Pedro Nuno

por estatuadesal

(Ana Sá Lopes, in Público, 27/10/2020)

O que aconteceu não podia ter acontecido. O PS e o Bloco têm que se entender para que o Governo aguente quatro anos.


Enquanto nos Açores começava o princípio do fim do ciclo socialista (com a perda da maioria absoluta ao fim de 24 anos no poder), a líder do Bloco de Esquerda anunciava o voto contra o Orçamento do Estado, pré-anunciando um fim de ciclo no governo da República. O PS é minoritário e, a menos que deseje governar em bloco central, o que já disse que não faria, está condenado a entender-se com o Bloco de Esquerda. O PCP, relativamente ao qual António Costa não esconde as suas preferências, não chega para fazer a maioria. PAN e deputadas independentes vão agora ajudar, mas no ano que vem não sabemos.

Costa contava com a maioria absoluta em 2019 e começou a descartar a “geringonça”, que formou para chegar ao poder, já no fim da última legislatura. Ao não aceitar novos acordos escritos, sonhou com aquilo que as urnas não lhe deram: um poder para fazer exactamente aquilo que quisesse, conforme os seus melhores interesses. À “humildade” de 2015 sucedeu a arrogância de 2020. A relação estragou-se. Quem ouvisse Duarte Cordeiro e, no dia anterior, Catarina Martins, não acreditava que estes dois partidos tiveram um acordo durante quatro anos.

Não vai adiantar grande coisa a fúria de vários dirigentes do PS contra o Bloco, criticando-lhe “a sua natureza” ou afirmando agora velhos ódios que, nos últimos anos, estiveram mais ou menos escondidos. Há um problema de base: a menos que o PCP suba muito – e, infelizmente, as sondagens não mostram que isso esteja a acontecer –, o PS está condenado a entender-se com o Bloco de Esquerda, agora e no futuro, assim como o PSD está, desde os alvores da democracia, condenado a governar com o CDS. E isso também não é fácil: perguntem a Passos Coelho, que assistiu à “demissão irrevogável” de Paulo Portas. Ou a Marcelo – que não foi primeiro-ministro porque Portas acabou com a AD de 1999, na qual o próprio Marcelo também já não acreditava.

A relação entre Costa e o Bloco de Esquerda está agora completamente deteriorada. Apesar de Duarte Cordeiro ser um dos melhores activos do PS da nova geração, é caso para perguntar se, caso fosse o “esquerdista” Pedro Nuno Santos a conduzir as negociações, as coisas tinham chegado a este ponto. Na altura, atribuía-se parte do sucesso da geringonça ao facto de o negociador ser um homem que sempre defendeu a coligação das esquerdas, por quem tinha apreço manifesto. Uma coisa que, em relação ao Bloco, há muito que Costa não tem.

É claro que vai ser difícil para o Bloco explicar a parte do seu eleitorado porque é que vota contra um Orçamento que tem uma forte componente social. O Bloco pode perder votos – e as presidenciais serão uma “grande sondagem”. Mas quem quer continuar a ser governo até 2023 é o PS. E para que isso aconteça tem que rapidamente refazer as relações com o Bloco. Chamem o Pedro Nuno. Ele, que quer ser líder do PS quando António Costa “meter os papéis da reforma”, sabe melhor do que ninguém que precisa do Bloco para fazer um governo, se for caso disso. E vai matar-se para arranjar um acordo.

26.10.1998 – O dia em que ficámos sem Cardoso Pires

Posted: 26 Oct 2020 05:02 AM PDT

Mais de duas décadas passam depressa quando se é jovem, pesam muito quando a vida vai avançando. Cardoso Pires continua a fazer-me falta como amigo e dou por mim a imaginar o que escreveria sobre o Portugal de hoje se ainda cá estivesse. Quanto a nós, cá vamos, como o Zé nos descreveu neste belo texto.

Lá vai o português

«Lá vai o português, diz o mundo, quando diz, apontando umas criaturas carregadas de História que formigam à margem da Europa.

Lá vai o português, lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a de facto, e que remédio – índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol-a-sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce deixa de ser criança: fica logo com oito séculos.

No grande atlas dos humanos talvez figure como um ser mirrado de corpo, mirrado e ressequido, mas que outra forma poderia ele ter depois de tantas gerações a lavrar sal e cascalho? Repare-se que foi remetido pelos mares a uma estreita faixa de litoral (Lusitânia, assim chamada) e que se cravou nela com unhas e dentes, com amor, com desespero, ou lá o que é. Quer isto dizer que está preso à Europa pela ponta, pelo que sobra dela, para não se deixar devolver aos oceanos que descobriu com muita honra. E nisso não é como o coral que faz pé-firme num ondular de cores vivas, mercados e joalharia; é antes como o mexilhão cativo, pobre e obscuro, já sem água, todo crespo, que vive a contra-corrente no anonimato do rochedo. (De modo que quando a tormenta varre a Europa é ele que a suporta e se faz pedra, mais obscuro ainda.)

Tem pele de árabe, dizem. Olhos de cartógrafo, travo de especiarias. Em matéria de argúcias será judeu, porém não tenaz: paciente apenas. Nos engenhos da fome, oriental. Há mesmo quem lhe descubra qualquer coisa de grego, que é outra criatura de muitíssima História.

Chega-se a perguntar: está vivo? E claro que está: vivo e humilhado de tanto se devorar por dentro. Observado de perto pode até notar-se que escoa um brilho de humor por sob a casca, um riso cruel, de si para si, que lhe serve de distância para resistir e que herdou dos mais heróicos, com Fernão Mendes à cabeça, seu avô de tempestades. Isto porque, lá de quando em quando, abre muito em segredo a casca empedernida e, então sim, vê-se-lhe uma cicatriz mordaz que é o tal humor. Depois fecha-se outra vez no escuro, no olvidado.

Lá anda, é deixá-lo. Coberto de luto, suporta o sol africano que coze o pão na planície; mais a norte veste-se de palha e vai atrás da cabra pelas fragas nordestinas. Empurra bois para o mar, lavra sargaços; pesca dos restos, cultiva na rocha. Em Lisboa, é trepador de colinas e de calçadas; mouro à esquina, acocorado diante do prato. Em Paris e nos Quintos dos Infernos topa-a-tudo e minador. Mas esteja onde estiver, na hora mais íntima lembrará sempre um cismador deserto, voltado para o mar.

É um pouco assim o nosso irmão português. Somos assim, bem o sabemos.

Assim, como?»

José Cardoso Pires, E agora, José?, Moraes Editores, 1977.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A poesia não contribui para o PIB

Posted: 25 Oct 2020 04:24 AM PDT

«“O amor é o único assunto. Na vida humana tudo é acerca do amor ou da sua ausência.” Era este o título da excelente entrevista de Isabel Lucas ao escritor Salman Rushdie, publicada a semana passada neste jornal, que foi largamente partilhada, numa lógica onde, entre outras coisas, não custa nada supor que a frase de Rushdie deverá ter tido um efeito decisivo.

Gostamos de pensar que o amor, os afectos, o saber ou a cultura são o que de mais importante existe na vida. Mas praticamos o contrário. Queríamos abraçar o curso que idealizámos, mas achamos que não tem saída. Fantasiamos com uma actividade, mas a remuneração não é a que aspiramos. Suspiramos por romance, mas a garantia de conforto acaba por ser determinante. E a poesia vai pelo cano. Triunfa o pragmatismo.

Durante o confinamento enaltecemos os artistas. Entoaram-se canções. Viram-se filmes. Disseram-se poemas. Discutimos reflexões de filósofos ou cientistas sociais. Agarrámo-nos ao que nos faz sentir vivos. Ao que atribui sentido à existência. Ao que produz compreensão e entendimento, seja no singular ou no colectivo. Percebemos que aquilo que consideramos inútil como valor de mercado é tantas vezes o mais útil como valor de vida.

Foi um momento de suspensão. Depois voltámos à existência pautada pelo ser humano da produção e do consumo. Tudo o resto, a dimensão humana, o prazer, a reflexão, foi esquecido. Tudo o que não contribui para o PIB está lixado. Há uma semana, durante a concentração da associação Circuito, constituída por uma trintena de espaços de música ao vivo, era nisso que pensava. Olhava à volta e via músicos, DJs, técnicos ou programadores, clamando ajuda, em nome da manutenção de um ecossistema cultural que não só é vulnerável, como é tantas vezes estigmatizado, porque associado à boémia, ao prazer, ao lazer ou às artes.

Nos discursos dos que se manifestavam o que era evocado eram os números. Percebe-se. É assim que tudo é validado. O valor económico da actividade daqueles espaços. O serem factor de desenvolvimento. O contribuírem para a atracção turística da cidade. O serem fonte de sociabilização. O alimentarem o sentimento de pertença. Tudo justo e inteligível. Mas por uma vez apetecia que não tivesse de ser assim.

Apetece que poetas, DJs ou artistas, digam o que é óbvio. Que não são médicos, mas alguns já salvaram vidas. Que não são empreendedores, mas fartam-se de arriscar. Que ao contrário de tantos cientistas, que podem passar a vida a investigar e nunca produzir resultados, sempre credibilizados, eles passam o tempo a ter de justificar a sua actividade.

Numa das sequências mais reveladoras de Magnolia (1999), o filme de Paul Thomas Anderson, baseado na vida de nove personagens cujas histórias se cruzam, há uma chuva de sapos. Quando todas as personagens parecem perdidas nos seus problemas, surgem sapos, aos magotes, vindos do céu. Todos ficam aflitos. A excepção é Stanley, o miúdo, que está no templo da erudição, uma biblioteca, quando a chuva de sapos irrompe. Em vez de se assustar, revela fascínio. Com os olhos arregalados, exclama: “Isto acontece! É uma coisa que acontece!” O saber, a cultura, tranquilizam-no. Ele sabe. Sabe que uma chuva de sapos não é da ordem do milagre, do absurdo, da impossibilidade. É raro. Mas real.

Pode mesmo acontecer. Como uma pandemia. Tal como em Magnólia, parecemos barata-tontas a lidar com o que está a acontecer. Descurámos o saber, a cultura, a ciência, o desejo de compreender, esse sim, inesgotável, ao contrário dos recursos do planeta. Nem tudo se pode resumir ao PIB. Há muitas coisas que nos ajudam a enfrentar a realidade. A olhar com maravilhamento mesmo o que não entendemos por inteiro. É verdade: o amor é o único assunto. Mas tendemos a esquecê-lo.»

Vítor Belanciano

Desvalorização salarial é erro

Posted: 24 Oct 2020 04:10 AM PDT

«Taxas de desemprego de grande dimensão transportam sempre uma forte tendência para a desvalorização salarial. Essa desvalorização e a persistência de desemprego transformam-se em profunda e prolongada crise, em entrave à recuperação económica, e afundam o patamar de desenvolvimento do país.

Quando observamos a evolução do peso dos rendimentos do trabalho no Produto Interno Bruto (PIB) constata-se uma queda da parte do trabalho, quase contínua, durante duas décadas. Em 2001 esse peso era de 60% e em 2019 de 51%. O enfraquecimento acelerado da negociação coletiva por efeito de disposições introduzidas no Código do Trabalho - em vigor desde 2003 - e o processo de financeirização da economia com alteração do seu padrão de especialização, constituíram causas fundamentais daquele rombo na fatia da riqueza a que os trabalhadores deviam ter direito. Está aí, também, uma fonte das desigualdades que marcam a sociedade portuguesa.

Só o Governo PSD/CDS, através da aplicação das receitas de desvalorização interna recomendadas pela troika e ampliadas pelo próprio Governo, impôs uma perda superior a cinco pontos percentuais entre 2010 (56,5) e 2015 (51,5). Na legislatura seguinte o Governo do Partido Socialista (PS) travou a queda, mas não encetou a recuperação que se impunha, dado que, em 2019, a parte do trabalho era de 51,44%.

No contexto em que estamos, ou se segue uma trajetória de coerência e articulação entre as políticas sociais (protegendo todos) e as políticas de emprego, evitando a todo o custo o agravamento do desemprego e, concomitantemente, impulsionando a criação de emprego e a melhoria da sua qualidade, ou marcharemos para o retrocesso. O Governo teima em adotar um rumo que não faz essa necessária articulação: afirma preocupações sociais e adota algumas medidas reparadoras, mas não prepara barreiras que impeçam uma nova vaga de desvalorização salarial.

As forças económicas conservadoras e da Direita ressuscitam as velhas teses de que o importante é criar emprego independentemente da sua qualidade, e que isso se garante entregando dinheiro aos acionistas das empresas. As políticas de baixos salários são apresentadas como inevitáveis e necessárias. Recusam contrapartidas claras e controláveis, designadamente pela assunção de compromissos negociados com os trabalhadores e os seus sindicatos, e muitos ainda pregam a necessidade de se atrair investimento estrangeiro na base da oferta de mão de obra barata.

Aí está a reposição da cartilha da troika, que se mostrou profundamente injusta e estéril. Acresce que esta crise pandémica afeta profundamente não só a procura interna como, de igual modo, a procura externa. Este facto e a constatação de que a pobreza é impeditiva do desenvolvimento, reforçam a necessidade de um forte combate à desvalorização salarial.

O Governo e o PS andam mal quando proclamam que os seus interlocutores preferenciais são os partidos à sua Esquerda e, depois, afunilam toda a discussão de políticas com eles em torno do Orçamento, e quando acantonam as suas propostas, nas áreas laborais e sociais, num beco onde dizem não haver razoabilidade e bom senso.

A proteção social tem mesmo de ser articulada com políticas quantitativas e qualitativas de emprego e de valorização salarial.»

Manuel Carvalho Da Silva

Quando as palavras não servem para nada

por estatuadesal

(Pacheco Pereira, in Público, 24/10/2020)

Pacheco Pereira


Há muito tempo que penso que as classificações assentes na dicotomia esquerda-direita não servem para grande coisa e, bem pelo contrário, têm um efeito contraproducente. Mas o seu peso na linguagem política é hoje tão forte que muitas vezes concedo ao seu uso, por economia de explicações, mas sempre contra vontade.

O próprio facto de o seu uso ter altos e baixos mostra até que ponto não se trata de classificações unívocas, mas de modas e ciclos semânticos que dependem do léxico corrente que, por sua vez, remetem para o modo como se desenvolve a conflitualidade política e o seu contexto. No pós-25 de Abril, mais do que a dicotomia esquerda-direita usavam-se classificações como “socialista”, “comunista”, social-democrata”, “fascista”, “democrata-cristão”, “progressista”, reaccionário”, “revolucionário” (“conservador” e “liberal” não eram muito comuns) quer como autoclassificações, quer como invectivas a adversários. Foi a reciclagem do CDS em PP e da extrema-esquerda em Bloco de Esquerda que levaram ao actual uso corrente da dicotomia esquerda-direita, ou seja, Paulo Portas e Francisco Louçã. Em ambos os casos, houve um elemento de ocultação nesse processo, em particular no caso do abandono do maoísmo e do trotsquismo por parte dos grupos fundadores do Bloco, a favor da mais cómoda e vaga e politicamente correcta designação de “esquerda”.

Mas hoje o uso de “esquerda-direita” é um dos aspectos do geral empobrecimento do debate político, da sua dependência crescente de palavras gastas e de um simplismo analítico. Esquerda-direita é mais uma nomeação, uma invectiva, um enunciado simplista do que uma análise e, por isso, é mais fruto da preguiça do que do rigor. Em tempos de radicalismo e tribalismo, estas palavras condicionam de tal maneira o debate que ficamos presos a elas, contribuindo assim para erros políticos.

Veja-se o modo como se classifica o actual Governo, e por arrastamento o PS. É possível passar horas a ouvir numa reunião do PSD os intervenientes a classificar o Governo como sendo de “extrema-esquerda”. Não se trata sequer de dizer que o Governo, pela sua política de alianças, colabora com a extrema-esquerda, ou concede à extrema-esquerda, mas que “é” de extrema-esquerda. É uma classificação errada e todas as políticas que derivam dessa classificação são-no igualmente. Veja-se, do outro lado, o que o PCP diz do mesmo Governo, classificando-o como sendo de direita ou concedendo à direita. É igualmente errado, mas num certo sentido é menos errado.

Veja-se, na discussão do projecto do Orçamento, o que leva a direita (cá estamos presos nas palavras) a dizer que é de esquerda o Governo. Há duas razões principais: uma, que diz que o Orçamento não dá o papel central na recuperação da economia às empresas; e a outra, porque distribui “benesses” pelos funcionários públicos e por certos grupos sociais que seriam a “clientela” do PCP e do BE. Deixando de lado o aspecto interpretativo do Orçamento, nem uma nem outra coisa são especialmente de esquerda, a não ser quando se ligam uma à outra; quando se diz que, por exemplo, o aumento do salário mínimo é uma opção em detrimento dos apoios às empresas, ou quando se diz que há uma contradição entre os apoios ao Estado (a que agora se chama “socialismo”, pobre palavra…) e às empresas. Ora alguns dos países cuja intervenção estatal é maciça são também aqueles em que o mesmo Estado disponibiliza recursos gigantescos às empresas e as duas coisas estão interligadas, como, por exemplo, a Turquia e os EUA. Não se estranhe incluir os EUA, cujo Estado gasta biliões para apoiar o sector privado por via dos gastos militares, ou agora na indústria farmacêutica. E alguém pensa que a “bazuca” europeia não vai disparar para o privado? E desde quando aumentar o salário mínimo, ou as prestações sociais, como fizeram Marcelo Caetano, Sá Carneiro, Soares, Guterres, Cavaco, Sócrates, é especialmente de esquerda? De facto, como classificação a dicotomia esquerda-direita serve-nos de pouco.

E ainda menos nos serve quando vamos ao PCP como classificador, embora o PCP tenha mais razão em dizer que o Governo é de direita do que o PSD, quando o classifica de extrema-esquerda. (O Bloco de Esquerda diz algo de semelhante mas de forma menos clara que o PCP.) Na verdade, as chamadas “linhas vermelhas” do Governo são todas na fronteira da economia capitalista; o resto é apenas uma questão de repartição de recursos, ou de estatismo, que não é de esquerda nem de direita. Refiro-me à recusa de incluir legislação sobre despedimentos que corresponda ao slogan do cartaz do Bloco “Quem tem lucros não pode despedir” e a tudo o que diz respeito ao Novo Banco, mesmo que de forma ambígua. Aí o Governo pára na propriedade e nos mecanismo da economia capitalista e ao colocar aqui as “linhas vermelhas” (que não coloca noutros sítios) mostra aquilo a que o PCP chama “posição de classe”, que justifica a classificação de direita.

Confuso, não é? É, confuso e inútil. Teria mais sentido analisar, medida a medida, o grau e veemência da recusa de negociação, onde há “abertura negocial” ou não, em vez de uma classificação geral que acaba por dizer mais sobre quem classifica do que sobre o que é classificado. Por exemplo, quando no PSD se diz que o Orçamento é de extrema-esquerda, está-se a deslocar quem classifica muito para a direita, e no caso contrário, no PCP, muito para a esquerda.

O resultado é que as classificações ajudam ao radicalismo no debate político e dão asneira. E dificultam o caso a caso, mais útil numa negociação, manietando as partes no medo de estar a comprometer princípios, quando estão apenas a comprometer classificações, de um modo geral erradas.