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sábado, 19 de junho de 2021

Noah e o bisavô

Posted: 18 Jun 2021 01:24 PM PDT



 

Foram quase dois dias terríveis, mas que acabaram bem, muito bem, talvez por o Noah ser bravo, uma criança sem dúvida muito forte.
O ADN não engana. E estou certa de que o seu bisavô, o meu queridíssimo amigo NUNO BRAGANÇA, daria uma enorme gargalhada como esta quando ele apareceu.

(P.S. – Sei, desde ontem, quem é a mãe da criança – alguém de impecável pelo que me diz quem a conhece bem. Mas só hoje escrevo isto porque vi há pouco o seu nome divulgado nalguma imprensa.) 

 


A santa resiliência

por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 18/06/2021)

António Guerreiro

Antes que o jargão da tripla aliança política, económica e mediática nos submerja com a sua capacidade injuriosa e de cancelamento da crítica, devemos cuidar das palavras, observar a sua vida e perceber o sentido das suas inflexões. Num tempo que nos parece hoje já distante, mas do qual, se nascemos nos últimos quarenta anos, somos ainda contemporâneos, a palavra “progressista” teve uma considerável fortuna e sinalizava o “imaginário” político (“imaginário” é, aliás, outra palavra defunta).

Ser “progressista” era acreditar no progresso. Não no progresso tecnológico ou científico (muito embora esse também fizesse parte do processo), mas num progresso que tinha uma escala muito mais ampla: a do curso inelutável da história em direcção à “justiça” social e à “emancipação” política. “Progressista” era o termo condescendente usado pelos comunistas para nomear quem não se comprometia com lutas revolucionárias, mas também não estava do lado das soluções conservadoras ou até reaccionárias.

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Nesse jargão outrora dominante, ser progressista significava olhar em frente, em direcção a um futuro radioso, em oposição aos reaccionários, que olhavam para trás, para um passado geralmente mitificado. Quando o progresso e o mundo por vir em vez de inspirar confiança e mobilizar a acção começaram a gerar o medo, ser progressista perdeu a condição de título a reivindicar.

A herança dos antigos progressistas reside hoje num pensamento que, pelos critérios de antigamente, seria considerado reaccionário (como classificar muitas das lutas identitárias e ecológicas?). Esta inversão de valores constitui um enorme desafio às representações baseadas na topologia que divide o espaço político entre esquerda e direita.

Hoje, que a palavra “revolução” passou por uma zona demoníaca e tornou-se depois uma ruína inerte, um outro “re-” substituto entrou em cena e triunfou. Comecemos por uma aproximação negativa: não é “resistência”. Resistir era a atitude do “antes quebrar que torcer”, era um heroísmo com uma dupla face: ou era épico ou trágico. A atestá-lo, aí estão, por todo o lado, os monumentos e os “lugares de memória” que celebram os “heróis da resistência”, ao serviço do uso que em cada momento se faz da história.

Um discurso do presidente francês, Emmanuel Macron, pronunciado no dia 9 de Novembro de 2020, pelo cinquentenário da morte do general de Gaulle, indica-nos qual é o novo “re-” que revogou a “resistência”. Nessa ocasião, Macron, com a eloquência francesa que serviu durante séculos como medida da “civilização”, saudou o “espírito de resiliência” do general. E assim passou de Gaulle a herói da “resiliência” francesa. Foi uma operação “revisionista” sem grandes custos: bastou a substituição de uma palavra por outra, muito mais actual. A República ganhou assim o seu terceiro “re-”, caducado que foi o tempo da revolução e fora de moda em que caiu a resistência.

Os novos tempos são pois os da resiliência. Do Atlântico aos Urais e para além, da costa leste à costa oeste e vice-versa. Temos a nova palavra-maná pronunciada a toda a hora pelos políticos democratas (sim, porque nos regimes ditatoriais os opositores não julgaram ainda adequado substituir a resistência pela resiliência, e os ditadores movem-se noutro campo semântico). Basta ouvir os nossos políticos para perceber que a resiliência se tornou uma ideologia: a ideologia do sofrimento e da infelicidade que salvam e purificam. O resistente estava disposto a quebrar; o resiliente é maleável, adapta-se a tudo, não tenta alterar nenhuma ordem, mas, pura e simplesmente, fazer o jogo da ordem presente para daí retirar ganhos.

A táctica da resiliência é o consentimento. Por cada crise, infortúnio ou catástrofe, os arautos da resiliência prometem que “vamos sair daqui ainda mais fortes”. Toda a felicidade é conseguida à custa da infelicidade, e é sempre a destruição que é uma fonte da reconstrução.

Aliás, o pressuposto da resiliência, essa terapia inventada nos gabinetes clínicos da aliança económico-política, é que a infelicidade é um mérito e a destruição uma bênção. Uma coisa que tem o nome de “Plano de Recuperação e Resiliência” poderia ser uma prescrição médica seguida numa associação de alcoólicos anónimos. Tudo neste jargão político tresanda de vício e de uma execrável ideologia.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

 

Aventuras e desventuras do dos afectos

por estatuadesal

(Amadeu Homem, 17/06/2021)

Leio no Sapo-Informação que o governo, considerando a progressão da pandemia, "decidiu e proibiu a circulação de e para a Área Metropolitana de Lisboa ao fim de semana".

Isto deve ser uma "fake new" . O dos afectos não quer! O dos afectos, como gosta muito de nós todos, declarou por extenso que "com ele nunca haveria marcha atrás no processo do desconfinamento". Eu ouvi. O País todo ouviu. E quando o Costa, sensatamente, observou que tudo dependia da expansão dos contágios e que nem um PR os poderia prever, o dos afectos abespinhou-se todo, empertigou o papo, encheu-se de brios e declarou, enfaticamente, que um Primeiro-ministro não poderia desautorizar em nenhuma situação um Presidente da República!

O dos afectos ama-nos tão intensa e desmedidamente que nos quererá ver doentes, internados em meio hospitalar, eventualmente, entubados.

Ora, acontece que eu moro no Bairro da Bica, aqui mesmo pertinho do coração do Bairro Alto, onde os sensatos jovens - umas vezes de sexos diferentes outras vezes de sexos iguais - circulam sem máscara e prestam a sua vassalagem ao dos afectos, beijocando-se como calha.

Garanto desde já ao dos afectos que eu nada tenho contra as beijoquices. O gajo que beije as velhinhas cariadas, que abrace os jovens, que faça festas aos meninos de colo, que faça o que bem lhe apetecer para que o desconfinamento lisbonense nunca volte para trás, uma vez que ele assim o decidiu.

O que a mim me chateia é a possibilidade de ficar doente, de ter de hipoteticamente ser internado no Hospital de Santa Maria (preferiria esse) ou entubado nos cuidados intensivos desse mesmo hospital.

Eu confesso que nada me daria mais prazer do que continuar a ouvir o dos afectos a cacarejar as coisas descerebradas que ele serve aos basbaques. Mas já me chateia quando tenho de lhe pagar os preços das baboseiras expelidas pela boca beijoqueira com o meu rico corpinho e com a minha preciosa saúde.

Por isso, decido escrever este texto, com a esperança improvável de que tal gajo não se lembre de vir ao Bairro da Bica e me infecte a Travessa do Sequeiro.

No comboio descendente, vai tudo à gargalhada

Posted: 17 Jun 2021 03:46 AM PDT



 

«Já toda a gente reparou na recente e vertiginosa mudança nos modos de comunicação, através da banalização da boçalidade. Um chefe de um partido sugere levemente que o ministro devia ser decapitado, os liberais treinam os meninos a atirar setas à cara dos adversários (com a natural exceção da do chefe do partido que acha que o ministro deve ser decapitado), a candidata laranja à Amadora quer exterminar um partido e é aplaudida pela turba da sede, um cordato e elegante administrador da Gulbenkian solta o animal feroz que afinal morava dentro de si, junta-se uma fronda para assegurar que há um “fundo de verdade” em que os comunistas comem crianças, um ministro, outro que não o decapitável, convoca raios e coriscos por lhe terem lembrado a borla fiscal das barragens, o bastonário de uma ordem profissional indigna-se para assegurar que umas casas de uma urbanização aparentemente não licenciada são alugadas por cem mil euros por mês na emergência da covid em Odemira, e quantos mais exemplos são necessários para dizer desta mudança que é tribalização de espaços públicos?

Há duas formas de menorizar este rápido deslizar da linguagem. Uma é que já foi assim, talvez mais vezes do que as que ocorrem à nossa memória recente: no PREC foi à bomba e fogo posto, algumas vozes incendiavam a pradaria, houve mesmo um candidato presidencial da direita unida que exibia a distinção de ter dirigido um campo de concentração durante a ditadura, houve programas de televisão cortados, houve jornalistas a responder em tribunal por discutirem planeamento familiar em antena, houve governo que correu com Marcelo do seu comentário televisivo, houve ameaça de censura a Saramago, houve Pides condecorados. Já houve o mal e a caramunha. E, se é certo que qualquer período de instabilidade ou de grande disputa aquece os termómetros da palavra, também agora estamos em vésperas de eleições, autárquicas que sejam, mas vão definir o mapa da direita e revelar-lhe se tem alguma chance para os próximos anos, o pote está a ficar muito distante. A segunda forma de relativizar esta temperatura é lembrar que até somos de brandos costumes: em contrapartida, em Espanha não houve um único dia do seu mandato como ministro em que Pablo Iglesias não tivesse uma manifestação da extrema-direita instalada à porta da casa onde vive com os seus filhos.

Permita-me dizer-lhe que estes dois argumentos são mancos. Há pior e até já houve pior, mas nada disso explica este comboio descendente. Vale a pena compreendê-lo, porque isto vai durar mais do que o breve campeonato europeu de futebol: o que alicerça a degradação da linguagem, poluindo a política para esvaziar os espaços de conversação e de enunciado de posições e propostas, é uma combinação entre a concorrência feroz à direita (o que é novo e notável, desde há quarenta anos que não surgiam novos partidos eleitoralmente viáveis nesta ala e, pela primeira vez desde o 25 de Abril, podemos estar nas vésperas do desaparecimento de um dos partidos da Constituinte) e o predomínio de novos modos de comunicação que são impulsionadores da necropolítica.

A mudança que as redes sociais produzem não é a difusão dos memes ou o uso do sarcasmo, aliás desejável nos debates democráticos que, como lembrava um editorialista, não têm por que ser “amorfos”; o seu efeito é, antes, a intoxicação intensa. A linguagem é usada neste terreno para uma função predominante: a blindagem, ou seja, para deixar de comunicar, para se tornar opaca e intraduzível, para fechar os seus seguidores numa redoma inexpugnável, protegida por barreiras de ódio. Isso é possível precisamente porque vivemos em hipercomunicação, com o ecrã a colonizar muitas horas do nosso dia, e porque a sociabilidade passou a ser esta forma de encriptação que cria símbolos, ícones e liturgias na gritaria, forjando identidades fictícias e obediências sectárias. Quanto mais comunicante for a incomunicabilidade, maior o seu sucesso. É por isso que a figura típica deste mundo é o bufão. E o bufão é quem, para aplicar o poema de Fernando Pessoa, vai no comboio descendente à gargalhada, criando um espetáculo em que vão “uns por verem rir os outros/ E os outros sem ser por nada”, “uns calados para os outros/E os outros a dar-lhes trela/(…) Mas que grande reinação”.

Não é tudo novo? Não. Mas já se alcandorou ao esplendor de sugerir a decapitação de um adversário. Não é fala de Estado Islâmico, é mesmo a direita portuguesa.»

Francisco Louçã 

 

A ditadura do futebol

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 18/06/2021)

A minha paixão pelo futebol não é recente, não é de moda, não é fruto do acaso. Vem de sempre, do mais longe da infância, manteve-se sempre constante e alimentou-se sempre de um genuíno prazer pela estética e pela geometria do jogo: até mesmo ver miúdos a jogar na areia de uma praia me cativa, não apenas ver jogar Messi ou Ronaldo. Mas, hoje em dia, dou por mim a ficar cada vez mais farto de futebol. O jogo, em si mesmo, é cada vez mais desinteressante, a partir do momento em que o seu objectivo principal — marcar golos — foi substituído pelo de não deixar o adversário marcar golos. O futebol-arte foi substituído pelo futebol-indústria, no qual desaguaram em força todas as máfias de dinheiro obscuro do mundo — da Rússia, do Médio Oriente, da Ásia — que forçaram o espectáculo futebolístico até aos limites: mais jogos, mais competições, mais horas de transmissões televisivas de jogos e debates sobre jogos, e jogadores pagos pornograficamente, com a contrapartida de jogarem até à exaustão. Todos os envolvidos no negócio — donos e administradores dos clubes, técnicos, jogadores, programadores de televisão, dirigentes das Federações, da UEFA e da FIFA — sabem que a corda está esticada até ao limite, mas apostam na infinitude de um filão que não se esgotará nunca, pois acreditam que não se esgotará nunca, passando de geração em geração a paixão do público por este jogo. E, por isso, não é possível abrandar nem conter a ambição — daí a recente tentativa, por enquanto frustrada, de 12 dos mais ricos clubes europeus quererem ainda enxertar uma outra competição, só para eles, às já existentes. E, quando se paga seis, dez, vinte milhões por ano a um jogador, e mais do que isso a um treinador, perder não é opção. Daí que todos os treinadores, sem excepção, cuidem hoje, primeiro que tudo, de preparar as suas equipas para não perder. Os das mais ricas preparam-nas também e depois, para tentar ganhar; os outros, apenas para defender. O resultado à vista é que todas as equipas acabam a jogar da mesma maneira, um futebol previsível, cauteloso, aborrecido, destinado a matar à nascença o improviso e o génio. Bom exemplo disso é a saída de bola dos guarda-redes, actualmente a jogada mais ensaiada pelos treinadores, a mais repetitiva e a mais desinteressante. Aliás, tenho para mim e desde há muito, que, com honrosas excepções — como um padre-treinador que tive aos 15 anos — os treinadores só servem para complicar o que é simples. E quando vieram acrescentar-lhes o VAR (hoje, o personagem principal e invisível do jogo) e toda uma teia de intrincadas interpretações técnico-jurídicas sobre as 13 leis do futebol — ainda por cima, mudando todos os anos — este jogo, outrora fascinante, vai-se tornando cada vez mais aborrecido.

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Mas se o futebol é cada vez mais aborrecido, o espaço que ele ocupa nas nossas vidas — ou naquilo que nos propõem que sejam as nossas vidas — é cada vez maior. Isso não acontece por acaso, mas porque os biliões investidos neste negócio precisam de retorno: precisam de público, de atenção mediática, de espaço publicitário, e tudo isso está interligado. Convencer cada vez mais pessoas de que o futebol é parte essencial da vida delas é a chave do negócio. Atrair a atenção de novos públicos, sem distinção de género, de condição social, de origem geográfica. O futebol, repetem-nos, é a única coisa que une todos os povos do mundo, que estabelece tréguas entre as guerras, que esbate as diferenças, que combate o racismo e mais uma série de causas bonitas. Era bom que assim fosse e não a alienação de massas, sabiamente promovida pelo futebol — em cuja sombra um exército de privilegiados, das Federações nacio­nais, dos clubes, da UEFA e da FIFA, acumulam fortunas e chantageiam governos.

Isso é conseguido, obviamente, graças ao empenho e conivência do jornalismo e, em particular, das televisões. Sem a comunicação social e sem as televisões, a alienação — ou as audiências, se assim lhes preferirem chamar — não atingiriam o patamar que hoje atingiram e o negócio afundar-se-ia. É um pouco assim em todos os países, mas evidentemente que é tanto pior quanto mais subdesenvolvido culturalmente é um país. E Portugal é disso um exemplo eloquente.

Em Portugal e até ao 25 de Abril, o futebol ocupou um papel tão importante quanto tudo o resto ou não tinha importância ou não era consentido — essa foi a missão que lhe atribuiu o Estado Novo. Com a democracia, outras coisas, mais importantes, mais urgentes e novas, passaram a ocupar-nos e o futebol passou para segundo plano. Até que (a sondagem do Expresso da semana passada confirma-o) os portugueses, que confundem democracia com bem-estar, começaram a suspirar por outro ditador ou autocrata, que restaurasse o “espírito pátrio” e nos devolvesse o orgulho nacional perdido. Encontraram-no no Euro de 2004 e na figura importada de Luis Filipe Scolari, um homem de extrema-direita, que chegou, mediu a cena e soube tirar todo o partido dela. Convenceu os portugueses que o Euro — no qual investimos milhões a perder de vista — era uma oportunidade única de restaurar a grandeza da pátria por via do futebol, afinal de contas a nossa melhor, se não única, valência. O resto é história: dez milhões menos um português (eu) passaram um mês a cantar o hino e vestidos com as horrendas cores da bandeira, a vitoriar os novos heróis do mar que acabaram derrotados por uma selecção medíocre, nas nossas barbas.

Com alguém, não charlatão e mais competente que Scolari, lá acabámos por ser campeões europeus em 2016 em Paris, para justa desforra dos nossos emigrantes e porque, por algum estranho mistério genético, temos, de facto, sucessivas gerações de gente com especial talento para o futebol. Mas o resto, o lado mau da coisa, manteve-se inalterável: o futebol continuou a passar à frente de tudo na agenda editorial das televisões, a Selecção continuou a confundir-se com a pátria e os jogadores com os navegadores de Quinhentos, e gritar por eles a plenos pulmões é sinal infalível de patriotismo. Mesmo que saibamos que aqueles heróis tatuados e de aberrantes penteados fazem o que podem para não pagar impostos à pátria, passam férias no Dubai e nem desconfiam quem foi Fernando Pessoa ou Eça de Queirós. Mas ai de quem se atreva a não saber todos os nomes deles, a não tremer de emoção quando os veem cantar o hino, quando veem as televisões seguir em directo o autocarro que os transporta para o estádio ou o avião que levanta voo rumo à Hungria, ou a não acompanhar ao minuto os relatos dos enviados especiais a Budapeste, plantados à porta do hotel da Selecção, a dar conta, em tom dramático, quais Peros Vaz de Caminha usando as novas tecnologias para informar D. Manuel do achamento de Vera Cruz, de que Fernando Santos foi avistado a ausentar-se, talvez para ir à missa!

E, porém, somos um pequeno país, mas temos alguns notáveis escritores, pintores, arquitectos, cientistas, médicos, investigadores, gente que se bate para defender o nosso património cultural, a nossa paisagem, a nossa língua. Mas nunca o hino toca por eles, nunca a bandeira sobe por eles, nunca as televisões e o povo aguardam por eles no aeroporto. Mas o que havia de esperar de diferente quando o próprio Presidente da República (que, por mais que finja, pouco percebe de futebol), interrogado sobre a situação cada vez mais preocupante da pandemia em Lisboa, declara isto: “Agora, temos de estar focados, e estamos todos focados — o senhor primeiro-ministro, o senhor presidente da Assembleia da República, eu próprio, todos os portugueses — no Europeu de Futebol”? Depois de ouvir isto, só me ocorre um desejo: oxalá não sejamos campeões, nem próximo disso! Porque, com Marcelo a comandar os festejos, nova onda de infecções, como a que foi causada pelos festejos do Sporting, vai tornar Lisboa inabitável. Graças ao futebol.

Eu, adepto de toda a vida do futebol, estou farto da ditadura do futebol! Queria que o futebol fosse apenas aquilo que devia ser: uma parte de descompressão e alegria nas nossas vidas e na vida do nosso país. E não a parte mais importante das nossas vidas e da existência de Portugal. Futebol, patriotismo e saloísmo são três coisas diversas entre si. Era bom que fizéssemos um esforço para não as confundirmos todas numa só.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia