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sábado, 16 de março de 2024

 

Cães que ladram muito à porta de casa, mas…

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16 de Março de

(Carlos Matos Gomes, in Facebook 15/03/2024)

A notícia do dia em termos internacionais é a reunião de um trio europeu constituído pelo presidente francês e os primeiros-ministros da Alemanha e da Polónia para discutirem a ajuda europeia à Ucrânia para esta vencer a Rússia. A História não ensina a decidir o presente, mas pode acontecer que existam antecedentes que aconselhem cautelas. As mais fortes tentativas da Europa Ocidental ir desafiar o urso russo à sua toca foram as de Napoleão em pessoa, no século 19 e a de Hitler, através do seu marechal de campo Ernest Paulus repetirem o desastre no século 20. Napoleão, o grandioso derrotado, repousa nos Invalides, em Paris, Paulus, o triste derrotado alemão, que se rendeu e depois foi julgado em Nuremberga acabou por morrer em casa e está sepultado em Baden Baden.

Nem Macron, nem Schulz, nem Trusk são cromos repetidos. Nem querem atacar a Rússia. A Rússia e o apoio à Ucrânia para a guerra de desgaste da Rússia são apenas pretextos para cada um dos membros do trio jogar os seus interesses. A França quer disputar com a Alemanha o papel de potência líder na Europa, um papel que os Estados Unidos, o mestre do jogo, atribuiu à Alemanha e que esta, queira ou não, tem de representar. A Polónia conhece a fraqueza da França - sempre magnificamente derrotada -, que na Segunda Guerra foi incapaz de cumprir o compromisso de defender a Polónia em caso de ataque alemão. A Polónia conhece o interesse da Alemanha pelo domínio do seu território e da sua economia, e tenta compensar o apetite alemão com a França e, fundamentalmente, com o apoio dos EUA.

Os milhões de euros e os milhões de munições para a Ucrânia são fichas lançadas para a roleta em que a França e a Alemanha estão a jogar. Sendo certo que o dono do casino são os EUA.

O palavreado agressivo contra Putin e as eleições que os órgãos de propaganda utilizam são reveladores da fraqueza dos jogadores. A Europa está a dar muito mais importância à Rússia do que esta dá à Europa, que para a Rússia deixou de contar.

Em resumo, a Europa está reduzida ao papel dos cães que ladram muito à porta de casa e fogem mal são ameaçados.

Quanto aos cidadãos europeus, vão pagar munições que um dia lhes podem cair sobre a cabeça. Para já, têm conseguido enviar as suas máquinas de guerra para serem transformadas em sucata na Ucrânia... O trio dos ponta de lança da Europa quer passar a uma fase seguinte, lutando entre si, fingindo que estão a lutar contra a Rússia...

É um número arriscado para os cidadãos europeus. Os três dirigentes europeus são representantes de três grandes derrotados... Estão como a cavalaria polaca a atacar blindados com uma carga a cavalo de sabre desembainhado...

 

Golpe de Estado

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15 de Março de

(José Goulão, in AbrilAbril, 12/03/2024)

Um golpe de Estado não acontece apenas quando esbirros de um qualquer Pinochet, movidos pelos fascistas do neoliberalismo económico, instauram um regime político militarizado para que um país e o seu povo sejam despojados de vidas, bens e direitos. Golpe de Estado é também aquilo que está a acontecer em Portugal desde 2022 (...).


Não é hora de rodriguinhos, de tiradas politicamente correctas, de hipérboles linguísticas, de palavras mansas. O que aconteceu durante os últimos meses teve um desenvolvimento dramático no domingo 10 de Março, e consumou um golpe de Estado; abrem-se problemas e situações ainda mais nefastas para o povo português.

Um golpe de Estado não acontece apenas quando esbirros de um qualquer Pinochet, movidos pelos fascistas do neoliberalismo económico, instauram um regime político militarizado para que um país e o seu povo sejam despojados de vidas, bens e direitos. Golpe de Estado é também aquilo que está a acontecer em Portugal desde 2022, através de interferências desnecessárias no chamado «regime democrático». Se é ou não é plenamente democrático sabemos perfeitamente que não, mas deixemos por ora isso de lado para posteriores considerações.

Sem qualquer carga simbólica, mas porque este desfecho é perseguido há 50 anos, com rampa de lançamento em 25 de Novembro de 1975, o afilhado do último ditador abriu terreiro para que as bestas derrotadas em 25 de Abril de 1974 voltem a ter poderosas rédeas de poder em Portugal.

Em duas eleições que decidiu ordenar à revelia dos portugueses e de quaisquer normas democráticas, o venerando Chefe de Estado, espécie de Thomaz com a agravante de ter capacidade de intervenção determinante nos centros de decisão, deu asas ao fascismo lusitano permitindo a multiplicação por 27 das representações dos seus heterónimos na Assembleia da República, bastante mais semelhante agora a uma Assembleia Nacional. Se o leitor não fez as contas saiba que a IL, o salazarismo snob, cresceu oito vezes, de um para oito deputados, em 2022, mantendo agora esse grupo: o salazarismo caceteiro, tão acarinhado pelos meios de intoxicação social levando em triunfo o trauliteiro da bola reconfigurado em picareta falante sob os sorrisos babados de oligarcas e especuladores domésticos e estrangeiros, cresceu doze vezes em 2022 e quadruplicou a sua representação no passado domingo, atingindo 48 deputados. 

Entre eles vêem-se operacionais e herdeiros do banditismo de 1974 e 1975 que assassinaram democratas e destruíram bens e instalações de partidos democratas, principalmente do Partido Comunista Português, alvo principal da sua sanha e também inimigo a abater pela cáfila de comentadores e analistas, deuses infalíveis da opinião única que chocam com desvelo os ovos da besta fascista. Caceteiros, admiradores, amigos e seguidores dos envolvidos na vaga terrorista de 1974 e 1975 são agora respeitáveis «eleitos», «senhores deputados» que, por muito que haja juras de serem mantidos à margem dos círculos governamentais – diz o povo que quem mais jura mais mente – são figuras que nunca deixarão de se fazer convidadas em cada recanto por onde se move a renovada classe política. Além de integrarem a miríade de cenários políticos que a comunidade informativa, opinativa e censória vai obrar com fartura durante uma cegada que parecerá interminável.

25 de Novembro 2.0

O núcleo duro do 25 de Novembro de 1975, aqueles que queriam verdadeiramente o regresso ao passado e não impedir que Portugal caísse sob uma «ditadura comunista», deram no domingo mais um significativo passo em frente e, por muito que se esmerem nos testemunhos de gratidão, nunca conseguirão prodigalizar os agradecimentos suficientes ao chefe de Estado, Marcelo afilhado de Marcello.

Em 25 de Novembro aglutinaram-se os que não quiseram acompanhar a dinâmica revolucionária e os que desejavam à viva força erradicar o 25 de Abril como se nunca tivesse existido. Um saco de gatos anticomunista manipulado pela CIA (tal como o golpe de Pinochet dois anos antes) mas dentro do espaço europeu, onde já pareceria mal fazer desaparecer pessoas ou fuzilá-las a eito num estádio.

Configurou-se então o «Centrão», o golpe brando que, através de quase 50 anos, deixou Portugal no estado em que se encontra hoje, um satélite da NATO, uma província da União Europeia sem capacidade para decidir sobre instrumentos democráticos fundamentais; um subúrbio económico esvaziado, com mecanismos públicos e sociais periclitantes, dependendo exclusivamente de uma actividade aleatória como o turismo; um pregoeiro de leilão que saldou todo o aparelho produtivo e transformou o país no mais desequilibrado e desigual da Europa, na cauda de praticamente todos os indicadores de referência. 

Em 10 de Março, exactamente um dia antes de se completarem 49 anos sobre outra tentativa de golpe, a do fascismo spinolista inspirada no modelo de Pinochet que os militares de Abril corajosamente fizeram abortar, abriu-se uma nova fase da execução do 25 de Novembro para erradicar completamente do país as referências do 25 de Abril de 1974. A jornada de luta e resistência em que se transformarão as celebrações da efeméride no próximo mês demonstrarão que o fascismo poderá ter colocado mais uma vez a carroça à frente dos bois. Nesse dia e, certamente, nos tempos que teremos pela frente, o dinamismo e a convicção popular saberão contribuir para minorar ou mesmo apagar os efeitos que a escória eleitoral resultante de um processo distorcido por um sofisticado aparelho de envenenamento e propaganda derramou sobre a sociedade. A resistência política e social, como sempre, irá separar as águas entre Abril e Novembro, demonstrando à classe política que não é dona exclusiva do poder e muito menos da democracia.

A doença do anticomunismo

Basta olhar os números eleitorais e escutar a barragem de fogo dos media corporativos – e mesmo dos públicos, que vegetam à imagem do país – para se concluir que hoje como em Novembro de 1975 o anticomunismo é a ferramenta fulcral do reaparecimento do fascismo e das elucubrações marcelistas. 

O Partido Socialista, que tanto se pôs a jeito – e ainda consegue chamar «centro democrático» à direita – deverá começar a sentir na pele que o fascismo com o peito cada vez mais inchado não irá poupá-lo, obviamente com o PSD como testa de ferro.

O Partido Comunista Português tem sido, porém, o único alvo a abater para que o 25 de Abril desapareça de vez da memória, consciência e vida dos portugueses. Digamos que o PCP é a última fronteira, a barreira que sobra para que o neoliberalismo fascista já instaurado nos planos económico e financeiro, graças ao eficiente aparelho policial de Bruxelas, tenha finalmente a sua correspondente política.

Daí que tenha valido e continue a valer tudo contra o PCP. Silenciamento do seu discurso e até da sua existência, deturpação ostensiva e constante da sua mensagem, calúnia contra as suas intenções, o seu programa e a acção dos seus dirigentes, o encorajamento e o  apoio grosseiro do divisionismo à esquerda, a censura pura e simples, a agressividade, a manipulação e desigualdade de tratamento contra a sua campanha eleitoral. 

Os exemplos recentes deste ramo essencial da estratégia golpista de inspiração fascista é o tratamento factualmente mentiroso e omisso das posições do PCP em relação ao problema ucraniano. A intoxicação mediática conseguiu o milagre de fazer crer que os comunistas portugueses estão ao lado do capitalismo oligárquico russo que, com a ajuda ocidental, arrasou a herança económica e social da União Soviética. Alcançar a quadratura do círculo é um feito só ao alcance dos que fazem da mentira, da censura, da liquidação do pluralismo e da liberdade de opinião o seu modo de vida. A defesa da paz na Ucrânia e em todo o mundo pelo PCP é interpretada como um apoio a Putin. Fazer do absurdo verdade é, desde sempre, uma trama do nazifascismo. Ao mesmo tempo, apoiar o regime golpista de Kiev é uma posição que, segundo o aparelho dominante, decorre da democracia. Isto é, a nossa democracia sustenta o nazismo, o racismo e a xenofobia dos nazi banderistas. Por estas e outras, não nos espantemos que as variantes do salazarismo somem 56 deputados no Parlamento, quase um quarto do hemiciclo.

A estratégia de fazer desaparecer o PCP da cena pública, apagando-o na comunicação social como caminho para o eliminar da política e do Parlamento, está em permanente movimento. Por ironia do destino, se o venerando chefe de Estado não tivesse inventado estas eleições – onde estão as provas das acusações ao primeiro-ministro cessante, António Costa, que espoletaram o processo? – e se não tivesse havido uma campanha eleitoral, o país ainda desconhecia praticamente que o novo secretário-geral do PCP é Paulo Raimundo e não Jerónimo de Sousa.

O apoio dado a correntes artificiais da esquerda fiéis à autocracia do europeísmo, do federalismo e de uma ecologia dolarizada à moda do Fórum Económico Mundial é outra estratégia orientada exclusivamente contra o PCP e aos seus aliados na CDU, de maneira a pulverizar votos e deputados nessa área. A mediatização, quase ao nível dos grupos fascistas, proporcionada a uma organização conduzida por indivíduos fala-baratos e sem ética política, como demonstraram anteriormente dentro de  partidos que os acolheram e promoveram, é outra manifestação da falta de princípios própria da estratégia de vale tudo no anticomunismo. Ao mesmo tempo, a classe média urbana que o poder europeísta despreza sentiu-se contente da vida por poder votar numa «esquerda» fofinha.

Desenganem-se, porém, os sectores para quem o combate do PCP e da CDU depende da dimensão da sua representação parlamentar. A sua luta política e social extravasa em muito as instalações da Assembleia da República. Em mais de metade dos seus 103 anos de existência o PCP não teve lugares no Parlamento; quando citado na propaganda do fascismo foi apenas para ser caluniado; e, contudo, nenhuma organização contribuiu tanto para fazer amadurecer as condições que derrotaram o salazarismo. Não admira, portanto, que seja o alvo a abater pelo fascismo e os seus instrumentos «democráticos». 

O PS, parte essencial do 25 de Novembro e da estratégia para apagar o país do mapa e de manter a maioria do povo em níveis de desenvolvimento muitas vezes indignos, vítima da política insultuosa e totalitária de Bruxelas, está prestes a tomar conhecimento de que a direita em bloco, falando já em revisão constitucional à sua revelia, não tenciona agradecer-lhe os serviços prestados.

Na comunicação social corporativa, entretanto, os socialistas começaram a perceber logo na noite eleitoral que a música vai tocar de maneira diferente daqui em diante. A agressividade de comentadores contra representantes do PS é um sinal que não deve ser negligenciado. E a manobra opaca e conspirativa contra António Costa diz tudo sobre a maneira como chegámos a esta situação que até um destacado membro do PSD, o presidente da Câmara Municipal de Cascais, qualifica como «um imbróglio».

Ao longo de décadas, o PS foi anulado pela NATO, tornou-se um pião do fundamentalismo federalista da União Europeia e tombou, como a maioria dos seus congéneres, para o lado do neoliberalismo e da ditadura de mercado, deixando entre parênteses ou espezinhando as referências sociais.

O quadro, porém, não é irreversível desde que haja noção da envergadura da ameaça fascista e admita que os seus inimigos principais não são os comunistas e aliados. Há um tempo para governar e um tempo não apenas para a oposição, como enfatizou o secretário-geral socialista, mas para a resistência.

O quadro político e a alteração de forças foi um tsunami e não uma picuinhice de mais ou menos um deputado, mais ou menos meia dúzia de votos. O cenário mudou completamente no domingo e o fascismo não é representado apenas pelos chegas e il’s; no interior do PSD, sem falar no CDS agora por ele engolido, acoitam-se um sem número de salazaristas que não hesitarão em dar a cara se o momento se proporcionar.

É preferível prevenir que remediar. O golpe foi dado, porém está longe de consolidado. Abril está aí e não é apenas uma efeméride, uma memória: é um instrumento. Nunca é cedo demais para resistir e para demonstrar ao fascismo, insuflado por ventos que sopram de feição, que a democracia, para o ser verdadeiramente, terá de ser antifascista.

É para restaurar essa realidade que os antifascistas devem estar disponíveis e prontos. Ainda vamos a tempo. Tornemos o próximo 25 de Abril inesquecível.

quinta-feira, 14 de março de 2024

 

Três reflexões para um futuro incerto

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13 de Março de

(Boaventura Sousa Santos, in Público, 12/03/2024)

Com a mesma certeza com que rejeitou o Chega, a direita aceitou a Iniciativa Liberal, cujo programa eleitoral é muito mais assustador que o do Chega no plano social.


Os resultados das últimas eleições obrigam a uma leitura para além da espuma dos resultados. Três reflexões: a não-democracia; o não-nacional; o não-presente.

não-democracia é o conjunto factores que, não estando sujeitos ao escrutínio democrático, influenciam de modo significativo os processos políticos e, sobretudo, eleitorais. São os elefantes dentro da sala.

sistema judicial é a causa próxima de algumas crises políticas recentes. É importante averiguar se não estarão a ocorrer em Portugal casos de guerra jurídica (lawfare) à semelhança do que tem ocorrido noutros países. Trata-se do uso do sistema judicial, não para averiguar ilícitos jurídicos, mas para neutralizar adversários políticos. Esta nova arma tem sido utilizada preferencialmente contra políticos de esquerda e assenta no uso político da luta contra a corrupção.

O segundo elefante é a comunicação social. Sem pôr em causa o fundamental serviço público dos media, não podemos deixar de reconhecer que nos últimos vinte anos houve uma viragem à direita no tratamento das notícias e nos comentários políticos. O modo como foi tratado o tema da TAP nos últimos anos e o tema das urgências hospitalares nos últimos meses são exemplares a esse respeito. O repetitivo e espectacularizado esmiuçamento dos casos, mais do que esclarecer os cidadãos, visava desgastar o Governo.

O terceiro elefante são as redes sociais que foram utilizadas sobretudo pelo Chega e pela IL, para criar polarização social, transformando adversários políticos a confrontar em inimigos a destruir. Uma lógica tribal ávida de adesão e avessa à confrontação dos factos cria a voragem da destruição do que está vigente de modo dominante sem curar de saber o que (e como) se deve construir para o substituir.

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não-nacional é a componente dos interesses globalmente organizados que interferem de modo activo nos processos políticos dos diferentes países seleccionados para intervenção em função de estratégias globais. A intervenção nas redes, o financiamento de partidos de extrema-direita ou de ultradireita e de institutos supostamente de investigação, mas, de facto, think tanks e centros de comunicação estratégica são alguns dos mecanismos de interferência. O Atlas Network (anteriormente Atlas Economic Research Foundation) é um dos agentes globais mais conhecidos, uma agência não-governamental baseada nos EUA que “fornece treino, contactos e financiamento a grupos libertários, pró-mercado livre e conservadores em todo o mundo”. A internacional ultraconservadora visa transformar a Europa num aliado incondicional dos EUA, criar o pânico anti-Rússia de modo a justificar os investimentos em armas em detrimento das políticas sociais e ambientais e travar a China.

não-presente é o modo como a memória de um povo é tratada valorizada ou manipulada para produzir resultados políticos concretos. Em Portugal, essa memória assenta em três pilares, cada um deles com a sua temporalidade. O primeiro pilar é a memória da revolução do 25 de Abril de 1974, cujo quinquagésimo aniversário celebramos este ano. Os portugueses concebem o 25 de Abril como o acto fundador da modernidade em que hoje vivem. Em Portugal, a democracia ainda não é um regime formal emocionalmente neutro ou pragmaticamente descartável. Apesar de todas as suas limitações, avaliar políticos e votar é a manifestação de uma potência existencial que, apesar de muitas vezes frustrada nas expectativas, ainda não se transformou numa frustração colectiva. Estão vivos e activos alguns milhões de portugueses que votaram pela primeira vez em 1976. Essa emoção fundadora tem sido agressivamente manipulada pelo Chega, mas, contraditoriamente, o Chega alimenta-se dela, trazendo para as mesas de votos muitos cidadãos descrentes da democracia. O voto de protesto é um voto tão democrático como os outros. Os empreendedores por detrás dele é que o usam para destruir a democracia.

O segundo pilar da memória dos portugueses é a crise existencial de 2011: a tutela da troika e um governo de direita para quem a austeridade imposta externamente aos trabalhadores e à classe média não era suficiente e devia ser ainda mais agravada por iniciativa própria. Os trabalhadores e os pensionistas, os jovens e os idosos, lembram-se do que então ocorreu. O que correu para o rio da memória não foram apenas os cortes nas pensões, a perda de direitos laborais, a pobreza abrupta e a iniquidade com que o sofrimento foi distribuído entre as diferentes classes sociais. Correu sobretudo a ferida na soberania e na auto-estima de um povo que se libertara do pesadelo colonial para, pouco depois, abraçar o sonho europeu, e que via agora esse sonho convertido num novo pesadelo (muitos se lembram dos termos usados pelos jornais alemães e ingleses para se referir a Portugal e aos portugueses). Era a destruição de uma materialidade muito concreta traduzida no aumento de bem-estar que as classes populares tinham vindo a experimentar apenas há três ou quatro gerações.

As forças de direita estão coladas a essa memória e durante a campanha eleitoral fizeram tudo para a avivar (Passos Coelho na campanha). O retumbante êxito, que estava ao seu alcance, fugiu-lhes. Menos visível por agora é que a direita moderada pensou que ao respeitar a primeira memória (do 25 de Abril) podia desqualificar a memória de 2011. Com a mesma certeza com que rejeitou o Chega, aceitou a Iniciativa Liberal, cujo programa eleitoral é muito mais assustador que o do Chega no plano social. Se o Chega representa a destruição política do 25 de Abril, a IL representa a destruição socioeconómica do 25 de Abril. O seu programa é uma versão do paradigma ultraliberal de Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, ridicularizado nos anos de 1930 e reabilitado quarenta anos depois no Chile do ditador Augusto Pinochet (1973). O programa da IL significa a privatização de tudo o que se move e pode dar lucro.

Os dirigentes e eleitores da IL professam a democracia, mas talvez nem se dêem conta de que o seu programa é inaplicável em democracia. Já o mesmo não se pode dizer dos seus mentores. Hayek admitia o colapso da democracia como um dano colateral das suas políticas económicas, cuja implementação era de longe o mais importante. Escreveu ao diário alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung em 1977 a protestar contra a crítica injusta feita no periódico contra o regime de Pinochet no Chile; considerava o Chile de Pinochet como um milagre político e económico e invectivava contra a Amnistia Internacional, considerando-a “uma arma de difamação da política internacional”.

O terceiro pilar da memória dos portugueses diz respeito ao desempenho do Governo durante a pandemia do coronavírus. Foi um excelente desempenho enquanto uma articulação exemplar entre políticos, profissionais de saúde e cidadãos conscientes da seriedade da emergência de saúde pública. Pouparam-se vidas que noutros mais países mais ricos se perderam. Esta memória foi desvalorizada e o Governo que a tornou possível desbaratou o capital de confiança que granjeara ao não saber compensar adequadamente os enormes sacrifícios do SNS num contexto em que a saúde privada desapareceu como que por encanto. Se o Governo, no dia seguinte a dar por finda a pandemia, tivesse aumentado em 100% os salários de todos os profissionais do SNS, o povo português teria aplaudido de pé. Lamentavelmente, as contas certas não acertaram com o país.

 O Chega tinha de vir e aqui ficará até o sabermos explicar

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13 de Março de

(Daniel Oliveira, in Expresso, 13/03/2024)

Daniel Oliveira

Durante anos prevaleceu a tese do excecionalismo português, negado pelos indicadores de aceitação do discurso populista. Faltava o protagonista, que foi buscar os votos à abstenção. Não há explicações e soluções simples para problemas complexos. Mas amarrar os democratas que têm de fazer oposição e apresentarem-se como alternativa, dando mais razões para as pessoas acreditarem que o Chega é a única forma de “mudar”, seria um enorme disparate.


Durante vários anos prevaleceu a tese, com a qual nunca concordei, da especificidade portuguesa e de como ela nos deixava e deixaria imunes aos encantos da extrema-direita. Esta espécie de nova versão do luso-tropicalismo, que nos tornaria únicos no contexto internacional, ignorou que os indicadores de aceitação do discurso populista e da aceitação de valores propagados pelos partidos de extrema-direita sempre estiveram cá, o que faltava era um protagonista. Num artigo prescientemente intitulado “Populismo em Portugal: um gigante adormecido”, Pedro Magalhães já o dizia há cinco anos: “Para que seja consequente, o populismo depende não apenas de uma procura social, que em Portugal claramente existe, mas também de uma oferta política e de oportunidades. Por outras palavras, precisa de ser “ativado” politicamente”.

André Ventura, crescido e formado dentro do PSD, aceitou dar o passo que Manuel Monteiro ou Paulo Portas nunca ousaram. Estes últimos dois líderes do CDS também piscaram o olho ao discurso contra os supostos subsídio-dependentes, que vivem “à nossa custa”, mas nunca o associaram diretamente aos ciganos. Foi sempre um discurso ambíguo, mais sugerido e insinuado do que abertamente proclamado, permitindo a Paulo Portas um populismo light, mas mantendo-se dentro do sistema. Ventura rasga esse compromisso, achando que volta a entrar no sistema pela força bruta dos votos de quem exige que se digam “umas verdades”.

É esse passo que o faz, pela primeira vez, ir buscar o exército que vinha engrossando a abstenção nas últimas décadas. Ainda é cedo para perceber a dinâmica de transferência de votos entre partidos, mas parece evidente que Ventura vai uma boa parte do seu milhão de votos à abstenção. A similitude entre o aumento de número votos do Chega com o crescimento do número de votantes é um sinal, mesmo que ténue, mas ainda maior é o dos concelhos onde mais cresceu a participação eleitoral terem uma significativa correlação com os locais onde o Chega teve votações mais elevadas. Ouvi esta história em terceira mão. Para explicar o seu voto, um homem disse: “Dantes abstinha-me para protestar. Agora, votei no Chega”. Os números batem incrivelmente certo.

O primeiro-ministro em funções não foi a votos, o que acontece apenas pela segunda vez nos últimos quarenta anos, depois de ter sido associado pela Procuradora-Geral da República a um processo de corrupção. Com um mandato interrompido a meio, as eleições acontecem num contexto de uma crise inflacionária que varreu a maioria dos governos nos últimos dois anos, com um secretário-geral do PS sem tempo para se afirmar e os juros a agravar a crise do poder de compra. Com isto tudo a seu favor, seria de esperar um resultado histórico do PSD. E foi, na verdade. Foi o pior resultado de sempre dos partidos que constituem a AD.

O resultado da AD é, contando com os votos na Madeira, inferior ao de Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, dois anos antes. Onde a AD, com todas as siglas com que se candidatou, conseguiu agora 29,49% dos votos, PSD e CDS mereceram a confiança de 30,89% dos eleitores em 2022. Se é certo que conquistou qualquer coisa como 200 mil votos a mais, apenas ganhou mais três deputados. A AD venceu apesar de Montenegro e da sua campanha. O único dado relevante sobre a vontade de mudança que levou à perda de quase meio milhão de votos no PS foi mesmo a votação em André Ventura e no Chega.

Saiba mais aqui

 

O Chega muda o quadro político nacional, obrigando a geometrias parlamentares muito mais complexas, tornando a governabilidade uma quimera quase impossível (tratarei disso na sexta-feira). Há dois anos disse que o Chega, ao contrário da IL, tinha condições para crescer e se afirmar como uma força política determinante. Porque corresponde ao clima político que se vive um pouco por toda a Europa e nos EUA e porque o seu discurso encontra um público recetivo.

Não vou, neste texto, tentar analisar as razões para os 18% do Chega. Aprendi, do muito que vou lendo e ouvindo sobre o tema, que só há duas coisas seguras nas explicações que cabem num texto curto: são sempre incompletas e correspondem quase sempre àquilo que nós queremos que o “protesto” queira dizer. Acredito que há uma confluência de razões transversais às sociedades ocidentais, ou o fenómeno não seria transversal, atingindo países radicalmente diferentes nas suas condições económicas, sociais e políticas. Há aumentos de desigualdade económicas; a falência do capitalismo globalizado como projeto de progresso partilhado; novas formas de mediação incompatíveis com a democracia que conhecemos; novas identidades sociais que valorizam as mesmas coisas que a extrema-direita sempre valorizou (desculpem ir contra a corrente, mas há muito mais do que 19% de racistas em Portugal e em qualquer país do mundo); consciência da inconsequência do voto em governos que decidem cada vez menos... Uma coisa é certa: cada um terá a explicação que lhe der mais jeito para a sua própria agenda, responsabilizando sempre o seu opositor por este fenómeno.

As redes sociais não são um pormenor. Elas polarizam a vida política a níveis impensáveis há poucas décadas. Com algoritmos que privilegiam os conteúdos mais virulentos, criando bolhas onde cada pessoa só vê conteúdos que confirmam a sua perceção da sociedade, a extrema-direita encontrou terreno fértil para propagar as “suas verdades”. A utilização hábil destas ferramentas, conjugada com uma juventude que abandonou o jornalismo como fonte de informação, explica que o Chega seja o segundo partido mais votado na faixa etária entre os 18 e os 34 anos.

O Chega, ao contrário de uma IL concentrada nos grandes centros urbanos, é um partido nacional e mais ou menos homogéneo. Ventura consegue eleger deputados em todos os círculos eleitorais, menos em Bragança, e é bem possível que consiga furar a representação nos círculos da emigração, atendendo ao exponencial aumento do número de votantes. Com um resultado nacional de 18%, o pior desempenho que teve foi no Porto, com 15,3%, e na maioria dos distritos obteve sempre resultados muito próximos da média nacional. A exceção, claro, são os 27% no Algarve, onde foi a força política mais votada, ou os 24,5% de Portalegre, onde só ficou atrás do PS.

Não podemos olhar para o Chega como um partido cujo discurso encontra eco apenas no país desprotegido do interior, como foi dito durante algum tempo, quando vemos o resultado que tem nas grandes cidades. Os seus temas são nacionais, mesmo quando olhamos para a excelente reportagem que Valentina Marcelino foi fazer na freguesia com a maior votação no Chega, em Albufeira, no Algarve. É a falta de habitação, de perspetivas de futuro, ou de salários dignos e compatíveis com custo de vida, culpando e responsabilizando os os imigrantes pela compressão salarial. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, há presidentes de junta de freguesia a constatar o elevado número de brasileiros que pede informações sobre o recenseamento eleitoral para poder votar em André Ventura.

Pouco importa a amálgama reivindicativa, com temas muitas vezes contraditórios e alguns irresolúveis. O Chega transmite a ideia de protesto contra o regime. O seu tema principal na campanha, e nos últimos anos, tem sido o combate à corrupção. “Vamos limpar Portugal”, diziam os cartazes, e ainda assim o pior resultado do Chega no distrito de Lisboa foi precisamente em Oeiras, com 11,6%. Para quem não passou os últimos anos numa cave, Oeiras é o concelho onde o atual presidente da autarquia cumpriu pena de prisão depois de ter sido condenado a dois anos de prisão por fraude fiscal e branqueamento de capitais.

A presença de imigrantes no bairro onde se vive também não parece determinar particularmente o voto. Nas freguesias com maior número de imigrantes na cidade de Lisboa, a votação no Chega ou ficou bem abaixo da média da cidade (9% em Arroios, 10% em Campo de Ourique), ou a par da média (12% em Santa Maria Maior). Das freguesias onde convivem os explorados da Glovo com os estrangeiros que compram as casas mais caras do país, até Campo de Ourique dos reformados franceses e jovens nómadas digitais, realidades sociais muito distintas, mas com resultados bastante uniformes. Mesmo em Odemira, epicentro da exploração de migrantes e concelho onde estes já representam mais de um terço da população, a votação não é superior à registada no distrito. O discurso repetido, e as perceções que o mesmo cria, parecem contar tanto ou mais que a realidade conhecida.

Há imensas razões para o crescimento do Chega em Portugal e de toda a extrema-direita em toda a Europa. Há até um eleitorado que sempre ali esteve e agora tem quem diga o que quer ouvir. Se eu soubesse a resposta para este fenómeno quase global quereria dizer que acreditava que ele resulta de um problema único e fácil de identificar. Uma das coisas que dizemos aos demagogos é que não há explicações e soluções simples para problemas complexos. Seria bom não fazermos o mesmo que eles para os explicar.

Mas sei o que não é solução: amarrar a um novo governo os democratas que têm o dever político de fazer oposição e de se apresentarem como alternativa, dando mais razões para que as pessoas acreditarem que o Chega é a única forma de “mudar”. Isso sim, seria um enorme disparate.

 

terça-feira, 12 de março de 2024

 

Partido SA

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12 de Março de

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 12/03/2024)


Após as eleições o que nos resta de Poder? O que torna democrática a representação política? O voto é a arma do Povo ou uma arma para legitimar o poder dos poderosos? Quem elegemos e como elegemos?

O direito ao voto pode originar uma democracia representativa, mas esta não é necessariamente uma democracia eleitoral. As campanhas eleitorais pretendem fazer crer que sim. O caso do derrube do anterior governo demonstra a diferença: os cidadãos que votaram nas anteriores eleições e elegeram os seus representantes — os deputados da Assembleia — para um mandato de quatro anos viram o seu voto ser “anulado” pela utilização de meios formalmente legítimos por parte de instituições de outra entidade, o Estado. O resultado das eleições, em particular o volume de votos atribuídos a um partido “SAD”, para utilizar uma imagem vinda do futebol, tal como o líder do Chega, expõe a fragilidade da representação como trave mestra de um regime democrático.

Na realidade, quer o derrube do anterior governo, quer o resultado das eleições são consequência da natureza ‘circular’ da interpretação por parte das ‘instituições aristocráticas’ do seu poder natural de utilizar o voto popular em seu benefício, ou segundo as suas interpretações. A ideia de que a democracia representativa dá a voz ao povo, guiando “a ação e o juízo políticos dos cidadãos”, é boa, mas não corresponde à prática. A relação entre o voto popular e o controlo do poder do Estado é bem mais complexa do que a ideia muito divulgada de que o povo é soberano. Não é. O soberano é o Estado e é falaciosa a definição de o Estado ser o povo politicamente organizado. O Estado é uma entidade autónoma do povo, é a entidade que regula a vida dos cidadãos. É o Estado que exerce a soberania, um poder sem limites na ordem interna através de instituições por ele criadas, uma delas o “governo representativo”.

No Ocidente o governo representativo, que deu os primeiros passos no século dezassete, em Inglaterra, assegurou sempre o elitismo nas instituições políticas, no Estado, com a legitimação popular através de eleições com o voto mais ou menos condicionado a certos grupos sociais (homens alfabetizados, por exemplo, ou com um determinado nível de rendimentos) e pela organização em partidos, cuja função era acima de tudo a da “integração da multidão”. Após a Segunda Guerra os partidos “democratizaram-se” apresentando-se como instituições de massas, unificadas por um credo político de tipo religioso. Na realidade apenas formalmente deixaram de ser organizações de notáveis, de detentores do poder, apoiadas por aparelhos eleitorais assentes na distribuição de bens públicos e na ação dos media  para “formar uma opinião e obter a servidão voluntária”. As eleições continuaram a fazer, tal como no período antecedente, parte do arsenal legitimador do exercício do poder, mas não o determinavam, estabeleciam uma relação entre os cidadãos e o Estado, uma entidade que substituiu o soberano, mas não tornavam, nem tornam os cidadãos soberanos.

A globalização da sociedade da informação que ocorreu no final do século vinte alterou os instrumentos de unificação das massas. Os partidos ideológicos, as grandes igrejas, os meios de comunicação confinados às fronteiras dos Estados, ou das línguas nacionais foram submersos pela informação e pelos negócios sem fronteiras físicas e esta alteração induzida pela tecnologia obrigou as oligarquias a alterarem os instrumentos de legitimação do seu poder. Recriaram os seus partidos como partidos empresa, “partidos SA” como já haviam feito com a cultura de massas através dos programas de televisão, ou dos clubes desportivos, por exemplo.

O fenómeno do partido empresa, do “partido SA” surgiu em Itália com o Forza Itália, de Silvio Berlusconi, o magnata que foi primeiro-ministro, dono de cadeias de televisão e de jornais reunidos no conglomerado Mediaset, do clube AC Milan. Embora o partido SA de Berlusconi tenha obtido sucesso, impondo os negócios do proprietário como interesses do Estado, o modelo deu origem a vários processos de corrupção e o rosto a descoberto do soberano foi substituído pelo de um CEO, uma máscara personificada da marca de legitimação do poder que evita a exibição da natureza privada do partido e afasta eleitores mais exigentes.

Os novos partidos são “empresas de angariação de legitimadores de poder”. Substituem a ideia clássica de que os representantes eleitos são a expressão do direito de os cidadãos participarem de algum modo na produção das leis, que os processos eleitorais constituem uma delegação da soberania que admite opiniões diversificadas e decisões sujeitas a revisão.

Para os novos partidos populistas a representação política é uma autorização eleitoral, um negócio de venda da alma, do tipo do estabelecido entre Fausto e o Diabo. As eleições “engendram” a representação, mas não a dos eleitores. Os eleitores são os ‘Fausto’ do negócio, os otários, em linguagem popular. Tocqueville definiu o que julgo ter sido o paradigma da organização política dos cidadãos ocidentais, os partidos, como associações que reúnem e separam os cidadãos de acordo com as interpretações de problemas gerais, ou de “igual importância para todas as partes do país”. O aparecimento e o percurso de vida de partidos como o Chega, ou a Iniciativa Liberal, em Portugal, semelhantes a outros na Europa, de Trump, Bolsonaro ou Milei nas Américas, são exemplos do fim da definição de Tocqueville de partidos e da sua substituição por empresas que criam representantes dos detentores do poder real, os financeiros, os grandes industriais, as oligarquias em geral, por empresas que criam eleitores como os proprietários dos aviários criam frangos, mas ainda assim sujeitos a menos controlo de idoneidade do que quem vende galináceos.

A representação que os partidos SA se propõem fazer resulta de um contrato com os seus financiadores e não com os seus eleitores. O juízo e a opinião dos representantes eleitos pelo povo, que deviam ser os pilares da soberania, são, nestes partidos máscara como o Chega ou a IL, substituídos pela venalidade e pelo engano.

Os partidos SA seguem o modelo de negócio que transformou os clubes desportivos em SAD. Não é um acaso que o presidente do Chega tenha sido recrutado no “mundo do futebol SA”.

O objetivo dos “promotores” de partidos SA é transformarem os seus eleitores em membros da claque que chefiam. Ventura representa para o sistema político o mesmo que Madureira, o líder da claque dos superdragões do FC Porto representa para o mundo do futebol. As claques do futebol foram o ensaio realizado pelos poderes (o sistema) para imporem novos modelos de representação política. O objetivo dos partidos SA é que os eleitores em geral tenham o mesmo poder na definição das políticas da sociedade que os sócios de um clube de futebol tenham nos negócios dos seus “investidores”, financiadores e patrocinadores: Nenhum!

O resultado destas eleições, tal como a de outras eleições na Europa e nas Américas devia ser motivo de discussão do poder de representação. Não o é porque a representação foi capturada por quem forma a opinião e, quem a forma, paga para que não se discuta a origem do seu poder.