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terça-feira, 23 de abril de 2024

 

Europa à deriva, França NATOnizada, militarização e corrida precipitada para a guerra…

estatuadesal

22 de Abril de

(Marti MICHEL, in Le Grand Soir, 20/04/2024)

(Este texto, não é só sobre a França. É sobre todos os países europeus, Portugal incluído. Talvez a França esteja mais avançada no processo de ver que a Europa se está a destruir, com os serviços públicos a desmoronar-se devido ao desvio, cada vez mais significativo, de recursos para a guerra, para a NATO, para a Ucrânia e outras paragens de conflito.

Até agora tem ido só dinheiro. Mas, em breve, vão pedir-nos a carne e o sangue dos nossos filhos e netos. A França está a acordar. Por cá, em Portugal, dormimos ainda o sono dos idiotas.

Estátua de Sal, 22/04/2024)


A Europa à deriva, a França NATOnizada, militarização e corrida precipitada para a guerra... O que fazer?... Talvez construir uma frente unida para a paz?...Foi isso que um pequeno grupo de coletes amarelos perdidos nos subúrbios de Paris se propôs a fazer. Contactaram uma UL CGT local e, com ela, começaram a elaborar um quadro em torno de 3 propostas simples, susceptíveis de ultrapassar as divisões partidárias e conseguir reunir o maior número possível de cidadãos. 3 propostas comuns a muitos partidos (mas sim, considere as declarações deles e lá encontrará, formuladas de forma diferente, esses 3 pontos) dizendo-se pacifistas e respondendo à urgência do dia:

- Nem um euro, nem um soldado, nem uma arma para guerras
- Saída da NATO
- Reorientação da diplomacia francesa em favor da negociação e do cessar-fogo.

Estas 3 propostas excluíram deliberadamente as questões incómodas: as da origem e das responsabilidades da guerra na Ucrânia, as relativas à União Europeia neste período eleitoral.

3 propostas susceptíveis de sentar à volta da mesma mesa as diferentes componentes do chamado campo da "paz" na esperança de lançar assim a primeira pedra de uma frente única que faz tanta falta neste país. Entenda-se que, dentro de tal movimento, cada organização poderia desenvolver livremente as suas próprias análises: o essencial era que a base unitária fosse mantida.

Note-se que os resultados até agora são escassos: das 6 organizações contactadas, sem contar várias personalidades e sites alternativos, 3 simplesmente reconheceram a receção, apenas uma respondeu. Lutte Ouvrière, a quem agradecemos apesar de sua relutância, em a nomear.

Os folhetos foram impressos. Quanto à petição nacional lançada em apoio à iniciativa, as 50 assinaturas não foram alcançadas!

Então vamos parar? Seríamos tentados...

Mas aqui é que está o problema: a máquina de guerra à nossa frente está entrando em overdrive dia após dia.

Esquizofrenia Ocidental: Afundando-se na Crise e Empurrando para a Guerra

Todos os nossos meios de comunicação estão agora em pânico com a dívida pública. Em 31 de março, a dívida pública da França era estimada em € 3.000 biliões, com um déficit de € 154 biliões em 2023. Uau! Mas isso é horrível! E voltando à dos EUA: 31.400 biliões de dólares de dívida! Somos anões ao lado deles! Fique tranquilo: há uma grande diferença em relação aos americanos: eles, graças ao dólar, têm a possibilidade de fazer outros países pagarem a dívida deles. Nós não!

Curiosamente, o pânico fiscal pára nas fronteiras da despesa pública. Em suma, sabem atingir os pequenos serviços públicos que restam, os desempregados, a segurança social, as ajudas à agricultura, as pequenas e médias empresas, enfim, sabem fazer tudo isto. Congelar salários e pensões aos reformados, arranhar a superfície do Livret A explicitamente orientado para a defesa nacional, tudo é bom. Os professores recém-recrutados (medidas Attal) serão pagos abaixo do salário mínimo: 800 ou 900 euros! E os impostos? É tentador, mas é perigoso eleitoralmente... Logo se verá...

Macron disse isso: são 10 biliões de euros que devem ser recuperados. A UE estabeleceu o intervalo para a França: estamos em 5,5% de déficit, Attal propõe passar para 4,4%... Não, no final, seria melhor 5,1% para o ano, antes de se nvoltar aos sacrossantos 3%... em data posterior.

Mas a mesma mídia acha natural que o orçamento militar que deve acelerar a modernização do exército francês (diante das "ameaças inimigas"?) tenha aumentado de 43,9 biliões em 2023 para 47,2 biliões este ano (aumento de 46% desde 2017). E, garante Macron, o esforço será mantido. Nós acreditamos!

O império americano exige-o, a NATO está a trabalhar, a UE está empenhada, o nosso governo está entusiasmado: estamos em guerra! Pergunta-se contra quem: as sanções afetaram mais a Europa do que a Rússia.

Os nossos deputados concordam, apesar de tudo: em 12 de março, a Assembleia Nacional por 372 a 99 (votos de LFI e PCF) votou o acordo bilateral de segurança França/Ucrânia. Pelo voto dos deputados, são mais 13 biliões pagos diretamente pela França por conta da guerra que foram oficialmente validados (parte dos 50 biliões votados para a UE, mais a extensão de 3 biliões decidida por Macron). Você ouviu bem: 13 biliões, para serem comparados com os 10 biliões confiscados por Macron levando à destruição dos nossos serviços públicos.

E eis Macron a revelar-se como um excelente estratega da NATO. Em 7 de março, concluiu um acordo de defesa Moldávia-França. Porquê a Moldávia? Até agora, era um país neutro. Só que faz fronteira com a Ucrânia e é vizinho de um país independente muito pequeno, a Transnístria. Como resultado, a Moldávia, trabalhada pela UE e pela NATO, está a aumentar as suas provocações contra o seu pequeno vizinho, um aliado tradicional dos russos. Daí o acordo de Macron, que poderia abrir uma segunda frente nas fronteiras da Federação Russa. Em que a França seria arrastada... Finamente jogado!

Mas também estamos armando as poucas ditaduras africanas ainda leais à França. No Senegal, a França acaba de sofrer um sério revés com a derrota eleitoral de Macky Sall, até então fiel ao Hexágono.

Acrescente-se a isso a óbvia cumplicidade com o atual genocídio no Congo (6 milhões de mortos até agora!) por ação interposta do Ruanda, permitindo que a UE saqueie os recursos minerais fronteiriços.

Sem falar no apoio financeiro e militar da França ao genocida Israel, que segue a mesma lógica belicista, apesar dos apelos hipócritas de Macron por um cessar-fogo, aos quais ele sabe que Netanyahu faz orelhas moucas.

Em suma, as engrenagens estão ajustadas. A França só tem que marchar em passo rápido, a sua juventude em primeiro lugar: restauração à honra do serviço militar (Serviço Nacional Universal), retorno do uso de uniforme na escola, propaganda de recrutamento no exército em todos os lugares. E repressão a todos os níveis: 600 processos policiais e criminais foram recentemente instaurados por "apologia terrorista e antissemita", incluindo vários sindicalistas e líderes políticos.

Palestina-Ucrânia: dois pesos e duas medidas?

É o que ouvimos com frequência nas marchas de solidariedade da Palestina. Com isso, os manifestantes querem dizer a diferença de tratamento entre a Rússia e Israel em nome do direito internacional.

No entanto, a questão também poderia ser colocada de forma diferente: como explicar tamanha disparidade? A isto, há que responder que em ambos os campos de batalha são as mesmas pessoas que estão a promover a escalada, os americanos e os seus aliados europeus, fornecendo ajuda militar e aplicando sanções aqui e ali como lhes apetece, tornando assim o direito internacional uma concha vazia, com o perigo iminente do que isso implica para a paz em todo o mundo.

Em primeiro lugar, o genocídio sionista, amplamente tolerado, se não apoiado, pelo Ocidente será lembrado como uma prova impressionante aos olhos dos povos de todo o mundo de até onde pode ir a barbárie belicista de nossos governos. Os nazis esconderam os seus campos de concentração, os israelitas estão a fazer tudo com a cara descoberta: os seus soldados filmam-se durante o massacre.

Israel comporta-se como um mero agente do império norte-americano: um meio de controlar a subjugação do mundo árabe, simbolizada pelo famoso processo de Abraão.

É também um aviso aos "nossos inimigos", russos ou em breve chineses, da determinação dos EUA em manter o seu domínio a todo o custo.

A segunda parte da tragédia palestina é o roubo de gás planeado pelo Ocidente (liderado por Israel) com a cumplicidade do Egito e da Autoridade Palestiniana ao largo de Gaza.

As sanções económicas contra a Rússia perturbaram a economia global, levando à inflação global. A aquisição de novos recursos energéticos tornou-se fundamental. No entanto, os campos de gás a 30 km da costa de Gaza são uma sorte inesperada para o Ocidente.
 
Os campos de gás marinhos 1 e 2 de Gaza, identificados desde 1999, têm reservas extraíveis estimadas em cerca de 35 biliões de m3 e uma capacidade de produção anual de 1,5 biliões de m3 durante um período de 12 anos.

Recorde-se que a UE proíbe, teoricamente, qualquer transacção de recursos palestinianos por parte da potência ocupante. No entanto, não há fim para as sórdidas e ilegais negociações entre Israel, a UE e até a Índia, supervisionadas pelos EUA, tendo como pano de fundo a fatia que iria para a Autoridade Palestiniana (e, por extensão, para o Hamas).

Para a UE, a exploração direta do depósito seria realizada pelo gigante italiano ENI (Ente Nazionale Idrocarburi) de alcance global, ao qual Israel estaria a preparar-se para entregar o contrato.

E tudo isso é negociado com bombas e mortes, para grande alegria da indústria armamentista, cujos lucros continuam a explodir. Mas tudo isso não é novidade. Novidade seria: e se todos nos envolvêssemos para parar a máquina?

Construir uma frente unida pela paz

Estamos de volta ao ponto de partida. Todos os partidos, à excepção do PRCF (Polo da Renascença Comunista), que também contactámos, estão ocupados com as eleições europeias. Não lhes pedimos que façam muito: apenas que se sentem à volta de uma mesa e concordem com uma base minima... que já consta dos seus próprios programas!

Quantos cidadãos viriam a juntar-se a um movimento tão unido para travar o massacre: todas as sondagens mostram-no. Os franceses, como outros povos, não querem a guerra. Por que aceitar fazê-la, noutras paragens e com o sangue dos outros?

Todos concordam: queremos viver em paz, num mundo melhor, para nós mesmos, para os nossos filhos. "Por um mundo melhor": essas letras são as de uma de nossas músicas, a canção dos Coletes Amarelos tocada e cantada internacionalmente.

Então, vamos ao que interessa. Que aqueles que se dizem pacifistas assumam as suas responsabilidades. Ao assinarmos o apelo lançado pelo nosso pequeno grupo dos Coletes Amarelos, talvez consigamos fazer-nos ouvir. Vamos pelo menos tentar!

domingo, 21 de abril de 2024

 

Passos Coelho e os que comem criancinhas

estatuadesal

21 de Abril de

(António Fernando Nabais, in Aventar, 21/04/2024)

Quadro de Goya - Saturno devorando um filho

No tempo do salazarismo, havia um faduncho anticomunista que servia para alimentar o medo do papão leninista-estalinista-siberiano. Incluía, o dito faduncho, versos como “Maldita seja a Rússia soviética!” e “Malditos os que comem criancinhas!”. Quando se pensava que já não seria possível reencontrar um discurso tão primário, eis que Passos Coelho reaparece para reavivar fantasmas em que ele próprio não acredita, mas que lhe dão jeito para a campanha em que se integra, juntamente com outros intelectuais do mesmo calibre, como Paulo Otero ou João César das Neves, alguns dos autores que integram a colectânea “Identidade e Família”.

Descaindo os cantos da boca, de modo a imitar uma gravitas de estadista, Passos Coelho disse que há uma «sovietização do ensino».

Um dos mitos alimentados pela direita tola (ou pela direita que fala para tolos) é o de que a Escola Pública é uma verdadeira madraça dominada por comunistas e outros parentes desgraçadamente próximos que andam a catequizar as pobres criancinhas, que, a não serem comidas ao pequeno-almoço, hão-de transformar-se, por força da doutrinação, em futuros comedores de criancinhas, em consumidores de drogas pesadas, médias, leves e pesos-pluma e em heterossexuais convertidos em quaisquer outros sexuais que tentarão obrigar toda a população a mudar a orientação sexual.

A acreditar em Passos Coelho (a propósito de acreditar em Passos Coelho, convém relembrar), os professores portugueses andaram a receber instruções para encher a cabeça dos alunos de ideias satanicamente esquerdistas. Temos, então, de imaginar que, de acordo com a cabecinha de Passos, os professores constituem um conjunto homogéneo de pessoas

  1. acéfalas: que obedeceriam a qualquer instrução ministerial;
  2. de esquerda: haveria um ou outro professor de direita, mas viveriam, na melhor das hipóteses, aterrorizados com as brigadas vermelhas de docentes que vigiam as escolas, de kalashnikov em punho, a fim de manter o comunismo em boa ordem;
  3. sem ética: porque se achariam no direito de usar as aulas para deixar de ensinar as matérias, com comícios em cada sala de aula e com as turmas transformadas em células de pequenos soviéticos, com o caderno diário a ser substituído pelo kit pedagógico da foice e do martelo.

No mundo fantástico da cabeça de Passos Coelho, os alunos serão, ainda, seres amorfos que se limitam a obedecer cegamente às ordens dos professores. Os alunos seriam gente, toda ela, sem cabeça e sem espírito crítico, incapazes de não cumprir uma única tarefa que lhes seja imposta pelos canibais infanticidas que se disfarçam de professores.

As próprias famílias, acuadas nas suas casas, viveriam petrificadas, impossibilitadas de criticar os professores, porque, vivendo em residências sovietizadas, estão a ser permanentemente escutadas, enquanto, lá fora, as tropas rubras dos professores batem as ruas, de noite e de dia, enquanto sovietizam os passeios, as ruas, as janelas e os postes de iluminação pública.

Como explica, ainda, o Rui Correia, até a tia – talvez de Passos Coelho – é soviética, o que, a ser verdade, deve ser um desgosto enorme para a família.