A Ordem das Grandes Potências: A nova realidade geopolítica de Trump
(A l e x a n d r e D u g i n, in ArktosJournal, 17/03/2025, Trad. Estátua) ![]() Alexandre Dugin afirma que a visão geopolítica de Trump abandona o globalismo liberal em favor de uma “Ordem das Grandes Potências” multipolar, onde a verdadeira soberania pertence apenas aos estados civilizacionais autossuficientes, cada um consolidando o seu próprio grande espaço, anunciando a fragmentação da velha ordem mundial e a ascensão inexorável de hegemonias regionais. Hoje, a geografia da nova ordem mundial que Trump e os seus apoiantes estão determinados em construir está a tornar-se cada vez mais clara. Desta vez, Trump 2.0 está firmemente decidido a romper com o globalismo liberal de esquerda e com os neocons (que são, na sua essência, apenas outro tipo de globalistas) e recusa a comprometer-se com tais projetos. Ele está a cortar laços com o passado e a colocar o porta-aviões dos EUA num novo rumo. O modelo de relações internacionais ao qual Trump adere pode ser descrito como a "Ordem das Grandes Potências". Esta é uma extensão lógica de toda a ideologia MAGA — "Make America Great Again". O próprio nome evidencia que não se trata do Ocidente, não se trata de espalhar a democracia liberal em todo o mundo, e não se trata de atlantismo, mas especificamente dos Estados Unidos como um estado-nação. De acordo com a visão de Trump, este estado deve libertar-se completamente do globalismo, juntamente com as restrições, obrigações e imperativos associados a ele. Aos olhos de Trump, quase todas as instituições internacionais existentes refletem a velha ordem, enquanto ele busca criar uma nova ordem. Isso aplica-se a tudo — à ONU, à NATO, á OMC, à OMS e todos os outros órgãos supranacionais. Ele vê-os todos como sendo criações de liberais e globalistas, enquanto ele próprio se mantém firme e consistentemente ancorado nos princípios do realismo. Realistas e liberais são as duas principais correntes de pensamento em relações internacionais, opondo-se em todos os aspetos, especialmente na sua compreensão fundamental da soberania. Os realistas consideram a soberania absoluta, enquanto os liberais a veem como sendo relativa, esforçando-se para subordinar administrações nacionais a uma autoridade internacional superior. Na visão deles, isso deve eventualmente levar à unificação da Humanidade e à criação de um Governo Mundial. Os realistas rejeitam tal ideia categoricamente, vendo isso como um ataque à liberdade e à independência dos estados. É por isso que os trumpistas se referem aos globalistas como o "Estado Profundo" — a entidade que busca subordinar a política dos EUA a uma agenda supranacional. Um protótipo de política globalista pode ser encontrado em “Fourteen Points” de Woodrow Wilson, que, após a Primeira Guerra Mundial, delineou o papel dos EUA como uma potência global responsável por promover a democracia liberal à escala planetária. Trump, por outro lado, no espírito da escola realista, gravita em direção à Doutrina Monroe anterior — “América para os americanos”, que implica evitar o envolvimento ativo na política europeia e a recusa de interferir nos assuntos internos de outros estados fora do continente americano (e mesmo assim, apenas quando eventos nas Américas afetam diretamente os interesses nacionais dos EUA). No entanto, deve-se notar que o Trumpismo difere em alguns aspetos do realismo clássico. Para Trump, o que importa não é meramente o status legal da soberania, mas algo mais crucial — a capacidade de um estado conquistar, estabelecer, fortalecer e defender a sua independência frente ao mais sério rival potencial. Portanto, não se trata de soberania em geral, mas de soberania real, apoiada por um volume correspondente de recursos — económicos, militares, demográficos, territoriais, naturais, intelectuais, tecnológicos, culturais e assim por diante. O proeminente estudioso americano de relações internacionais, Stephen Krasner, também ele defensor do realismo, referiu-se à soberania nominal puramente legal como uma "ficção" e até mesmo uma "hipocrisia". John Mearsheimer, um realista clássico, tem a mesma visão. Donald Trump também compartilha dessa perspetiva. Na opinião deles, a verdadeira — real — soberania só pode pertencer a uma grande potência. Consequentemente, o realismo está a ser atualizado para um nível que não envolve apenas estados comuns, mas estados civilizacionais completos e autossuficientes. Esse é o tipo de ordem mundial que Trump prevê como o roteiro para sua revolução geopolítica. Por um lado, é uma rejeição completa do globalismo; por outro, é um movimento em direção à integração regional de "grandes espaços", o que é necessário para a autossuficiência e autarcia de uma grande potência. Disso decorre o curso lógico em direção à anexação do Canadá e da Groenlândia, bem como a prioridade das relações com a América Latina num paradigma que mais beneficiaria os Estados Unidos. É interessante notar a ambiguidade do slogan MAGA. Não está totalmente claro a que “América” se refere. Apenas os EUA? Ou toda a América do Norte (incluindo Canadá e Groenlândia)? Ou talvez até mesmo todas as Américas, incluindo a América do Sul? Essa ambiguidade não é acidental. Ela abre o horizonte de um “grande espaço” sem estabelecer limites claros preventivamente. Além disso, o apelo de Trump para tornar a América grande novamente pode ser interpretado como um apelo para a sua expansão territorial. Da mesma forma, o termo “Mundo Russo” é usado, estendendo-se para além das fronteiras da Federação Russa com limites indefinidos. O “Mundo Russo” é sinônimo do estado civilizacional russo, ou seja, a Grande Rússia. Trump, por sua vez, pensa em termos do seu próprio estado civilizacional — a Grande América. Ao mesmo tempo, ele não tem pressa, nem pretende, abandonar a hegemonia — pelo menos ao nível regional. Mas ele está a mudar a configuração dessa hegemonia. Não é mais uma ordem mundial liberal baseada em regras em constante mudança e na usurpação do poder por elites cosmopolitas internacionais (no espírito do projeto global “Open Society” de George Soros), como era operacionalizado pelo Deep State, que Trump desmantelou. Em vez disso, é a liderança dos Estados Unidos como uma grande potência entre outras grandes potências que possuem soberania real — não nominal — e capaz de competir com os EUA de uma forma ou de outra. A nova ordem de Trump prevê quantas grandes potências? O professor Mearsheimer reconhece apenas três: os EUA, a China e, ficando um pouco atrás das duas primeiras, a Rússia. Ele continua cético sobre a Índia, acreditando que ela ainda não acumulou o potencial necessário para competir seriamente com as outras. No entanto, existem outras perspetivas — alguns argumentam que a Índia também pode ser classificada como um estado civilizacional. No entanto, em relação aos EUA, China e Rússia, quase todos os realistas concordam: essas nações poderosas — embora poderosas de maneiras diferentes — possuem o mínimo necessário para reivindicar o status de grande potência. Assim, em vez do mundo bipolar da Guerra Fria, em vez do mundo unipolar neoconservador, ou do mundo não polar dos globalistas liberais, o Trumpismo prevê um mundo tri ou tetra polar, com um equilíbrio de poder definindo a arquitetura da futura ordem mundial. Isso exigirá o restabelecimento de quase todas as instituições internacionais para que elas reflitam realidades reais em vez de serem resquícios fantasmas de eras passadas, não mais ancoradas na realidade concreta. Tal projeto pode parecer bastante similar à multipolaridade. De facto, o Secretário de Estado dos EUA Marco Rubio reconheceu recentemente que vivemos em um mundo multipolar. China, Rússia e Índia concordariam prontamente com essa verdade, pois já possuem todas as características de polos. No entanto, Trump assume uma postura altamente crítica sobre o bloco multipolar dos BRICS, que inclui quase todas as principais civilizações e serve como uma personificação institucional e simbólica da multipolaridade. Para Trump, a China aparece como o concorrente mais sério e até mesmo oponente. Ele provavelmente vê o BRICS como uma estrutura onde a China desempenha um papel fundamental como o estado mais poderoso — financeiramente, economicamente, tecnologicamente e assim por diante. Além disso, diferentemente do conceito de Trump de uma ordem de grande potência, o BRICS inclui não apenas grandes potências totalmente estabelecidas, mas também blocos civilizacionais emergentes, como o mundo islâmico, a África e a América Latina. Isso transforma o BRICS numa hexarquia e, juntamente com a civilização ocidental, em uma heptarquia. Trump, no espírito do realismo frio e do pragmatismo americano, é cético em relação a qualquer coisa virtual ou potencial — isto é, algo meramente possível, mas ainda não realizado. Sua postura é essencialmente: "Primeiro, torne-se uma grande potência, depois conversaremos." Qualquer aliança além da influência dos EUA — especialmente uma em oposição a ela — será percebida como uma ameaça. Ora, onde é que a União Europeia se encaixa nesse quadro? Bruxelas, após a mudança de administração dos EUA, encontra-se numa posição difícil. Após a Segunda Guerra Mundial, a Europa tornou-se uma espécie de província ou mesmo uma colónia político-militar da América. Mas com o afastamento de Trump do globalismo, a UE deve dissolver-se ou passar por uma transformação radical. Algumas nações europeias — Hungria, Eslováquia, Sérvia (não membro da UE), Croácia e, até certo ponto, a Itália e a Polónia — estão inclinadas em seguir Trump e adotar o slogan MEGA: “Make Europe Great Again” (Tornar a Europa Grande Novamente). Outras estão confusas, lutando para manter o rumo globalista anterior sem o apoio dos EUA. O futuro da Europa agora depende se ela abraçará a soberania real e os valores tradicionais — ou perecerá. O gelo do velho mundo está a quebrar-se. O degelo já começou. |