Translate

terça-feira, 5 de novembro de 2024

 

O neoliberalismo e a destruição da consciência

By estatuadesal on Novembro 5, 2024

(Hugo Dionísio, in Strategic Culture Foundation, 01/11/2024, revisão da Estátua)

Com a destruição do professor, o ocidente neoliberal destrói algo mais importante ainda: a consciência de nós próprios!



Muito se tem falado sobre a crise no Ocidente e, em especial, na União Europeia. O discurso tem-se concentrado sobretudo na crise energética, militar, social ou migratória. Contudo, estas crises são resultado de um mal muito mais profundo, representativas, sobretudo, da vitória da ignorância sobre o conhecimento, do individuo sobre o colectivo, do económico sobre o social.

Ao contrário do que muitos possam pensar, é nos próprios países ocidentais que a pilhagem neoliberal, operada pelas oligarquias ocidentais, mais se tem intensificado. Podemos mesmo dizer que esta pilhagem aumenta à medida que diminui a dos povos da maioria global.

Mas, para infelicidade dos que aí residem, esta dicotomia vais mais longe: quanto mais alertados estão os povos, da maioria global, para o caracter predatório da oligarquia ocidental, menos conscientes estão, os povos ocidentais, das razões, pelas quais, se agravam as suas condições de vida. Os povos ocidentais estão em contraciclo com os povos da maioria global, em todos os sentidos. À medida que os segundos ganham consciência de si, os primeiros tornam-se cada vez mais inconscientes do seu ser, alienados que estão das suas raízes, culturas, famílias, comunidades…

Vector fundamental para a produção desta inconsciência, traduzida na incapacidade crítica e analítica crescentes, por parte das populações ocidentais, tem sido, precisamente, a área da educação.

A degradação dos sistemas públicos de educação, não apenas constitui uma das características mais repugnantes, por parte dos sistemas que sucumbem ao reaccionarismo e revisionismo histórico e científico, como constitui, também, o motor desse processo reaccionário.

Portanto, não foi surpresa, para os mais avisados, que um estudo da EDULOG, um Think Thank da Fundação Belmiro de Azevedo (um dos principais multibilionários portugueses já falecido, que pertencia à Forbes 500), tenha retirado, entre muitas outras, a seguinte conclusão: “A crise de falta de professores está a tornar-se sistémica em todas as economias da OCDE”.

Como razões para este drama, entre outras, o estudo aponta: “a degradação da imagem e estatuto dos professores; a fraca atractividade dos salários e das condições de trabalho; a falta de perspectivas de progressão e evolução na carreira profissional”.

Este estudo trouxe-me à memória (uma coisa criminosa no Ocidente) que - já em 2002, durante o governo de “sua eminência”, o Dr. Durão Barroso, ex-Primeiro Ministro de Portugal, Ex-Presidente da Comissão Europeia e homem de confiança da Golden Sachs -, se havia intensificado um processo de redução dos salários dos professores, mascarado sob a forma de “sistema de avaliação”, o qual, à boleia da introdução de um sistema de medição da qualidade do desempenho acabava a reduzir os salários e, principalmente, a progressão na carreira dos professores.

Eu pergunto-me porque razão o Professor Doutor David Justino, à data Ministro da Educação, não teve em conta o que lhe transmitiram os sindicatos dos professores da CGTP-IN (maior central sindical em Portugal). Nomeadamente, alertando para as consequências nefastas que o seu ataque teria para a escola pública, a profissão do professor e para os alunos. Vejam lá o que se teria poupado em estudos e políticas desastrosas.

Fossemos ingénuos e acreditaríamos que, à data, David Justino não poderia prever estas coisas, mas a ingenuidade que não temos, é proporcional à inexistência de espinha dorsal por parte de quem, um dia atacou os professores portugueses e, passados 22 anos, fez um estudo concluindo que as políticas que então defendeu, estão todas absolutamente erradas.

Os argumentos que hoje são conclusão deste estudo, foram, à data, esgrimidos contra o governo de Durão Barroso e de que fazia parte David Justino. É caricato pensarmos que, hoje, a União Europeia de Úrsula Von Der Leyen convida sindicatos e patrões europeus para celebrar um “Pacto Europeu para o Diálogo Social”, quando, repetidamente, desconsideram todas as propostas e argumentos, empíricos, científicos ou outros, que contrariam os seus planos de guerra, concentração de riqueza e supressão das soberanias, e com elas, das liberdades nacionais.

Como prova a história, o resultado de tão intenso “diálogo social”, entre sindicatos da educação e os sucessivos governos, consistiu na “elevação” do Secretário Geral da FENPROF (Federação Nacional dos Professores), Mário Nogueira, a inimigo público número um, um dos ódios predilectos da oligarquia dominante. De cada vez que alertou para o facto de que a destruição do estatuto dos professores resultaria numa destruição a escola pública, o exército de comentadores e jornalistas de serviço, acusaram-no de “corporativismo” e de apenas se importar com os professores. Faz lembrar os EUA quando acusam os outros de fazerem, ou quererem fazer, tudo o que eles já fizeram, querem continuar a fazer e querem ser os únicos a poder fazer. O oportunismo excepcionalista constitui uma das mais odiosas expressões do supremacismo neoliberal norte americano.

Hoje tão preocupada com as “competências”, Ursula Von Der Leyen até se esquece que é parte da organização, que integrou a maldita Troika governativa (FMI, BCE e EU), que se seguiu à crise de 2008, introduzida em Portugal pela mão de um governo do Partido Socialista (só de nome, sendo um partido liberal social) e continuando a todo o gás, com um governo do Partido Social Democrata (só de nome, é neoliberal puro e duro), coligado com o partido do Centro Democrático Social (só de nome, sendo um partido da oligarquia mais reaccionária e nostálgica do fascismo), que prometiam “ir além da Troika”, produzindo uma espécie de choque neoliberal ao modo Chileno ou Argentino. Tudo isto com o beneplácito de Durão Barroso, então já Presidente da comissão Europeia.

Foi neste período que se assistiu a um abrupto desinvestimento nos gastos públicos com a educação. Dizer que este cenário é decalcado do que sucedeu nos EUA e Reino Unido, seria redundante. Seria não se perceber que factores políticos provocaram tal situação e de onde foram importados.

Mas se existe coisa que este estudo, tal como todos os estudos do tipo, nunca fazem, consiste em fazer a ligação entre estes resultados desastrosos, em matéria de política pública, e as teorias económicas que o ocidente exporta e quer impor, através do FMI, Banco Mundial e BCE, a todo o mundo. Não admira que muitos olhem para o que se passou em Kazan na semana passada, como um evento histórico. Afinal, se existe algo comum a todos esses países, consiste na tentativa de afirmarem a sua soberania económica, política e social, rejeitando o “paraíso” liberal (ou neoliberal) idealizado por Fukuyama.

Pelas razões apontadas, olhar para as conclusões deste estudo é como sofrer um déjà-vu, revivendo numa fracção temporal mínima todas as horas, dias e anos de combate político aceso, por parte de todos os que – como eu próprio – se opuseram (e opõem), de forma veemente, ao neoliberalismo, ao consenso de Washington e às charlatanices que, mascaradas de discurso tecnocrático, alegadamente pragmático e extirpada de cientificidade, mais não visaram do que desviar enormes quantidades de recursos – produzidos pelo trabalho – para a oligarquia dominante, com resultados nefastos para a própria normalidade democrática, hoje ameaçada pelo retorno do fascismo e do nazismo.

Já em 2015, aponta o estudo, um grupo de investigadores (Padhy et al., 2015) concluiu que a probabilidade de se escolher a profissão “aumenta com a percepção de ser uma carreira agradável, com bom ambiente de trabalho, colegas que colaboram e com quem se estabelecem boas relações profissionais, ter uma garantia de emprego com contratos de longo prazo”.

Acresce ainda que, “mais recentemente, um estudo alargado e desenvolvido em vários países (BCG, 2023) identificou as características mais valorizadas num emprego: emprego estável, com um bom equilíbrio entre vida pessoal e trabalho; um horário de trabalho fixo e que não se arraste pelos fins de semana; um salário compatível com as habilitações e possibilidade de evoluir na carreira; possibilidade de negociar condições adaptadas à situação individual, incluindo adaptação de horários de trabalho, períodos de férias e planos de reforma”.

Perante tais conclusões, chegou o momento de sermos jocosos: quem diria que as pessoas, os trabalhadores, querem estabilidade, salários adequados, horários fixos e não muito extensos, progressão na carreira e capacidade de negociação, férias e bons planos de reforma? Eu questiono-me sobre quantos estudos são necessários, quantos biliões de euros terão de ser gastos, quantos Think Thank de bilionários têm de ser fundados, para se chegar a esta “brilhante” conclusão. Seja para os professores ou para todos os trabalhadores, em geral.

Vale a pena questionar onde se enquadram as políticas de desregulação do mercado de trabalho, destruição da contratação colectiva, defesa da precariedade laboral e da flexibilidade do horário de trabalho. Onde se enquadram então as propostas de “contenção dos custos laborais” e “promoção da mobilidade laboral”, como encontramos, de forma repetidamente doentia, nos compêndios normativos da EU, da Reserva Federal, do BCE ou do FMI.

Numa era em que o ocidente, e a europa em particular, se debate com graves problemas de mão de obra, envelhecimento populacional e enceta uma corrida por recursos humanos, apenas para conter salários; numa época em que se desenvolve, instrumentos como a Inteligência Artificial e torna-se possível produzir em maior quantidade, com melhor qualidade, em muito menos tempo e consumindo menos recursos ainda; nesta época, em que tanto se fala de quarta revolução industrial, automação e digitalização; poucos, muito poucos, defendem que toda esta inovação, este aumento brutal da produtividade, a que se acumulam os subsídios estatais que faltam aos serviços públicos e o desagravamento fiscal para a oligarquia dominante, todos estes factores resultando, eles próprios, do trabalho, devam de reproduzir-se na melhoria das condições de vida, de quem deu vida a tais recursos..

Ao invés, as mesmas vozes que calam a conferência de Kazan, que escondem o descalabro do regime de Kiev, que nos contam que a Federação Russa e esse “maléfico” Vladimir Putin, querem conquistar a europa toda; as mesmas vozes que calam, consentem e são cúmplices do genocídio palestiniano; são as mesmas vozes que, apesar de todas as evidências, empíricas e científicas, continuam a considerar que a solução passa por intensificar ainda mais as medidas que tanto falham.

Louve-se, contudo, que o estudo da EDULOG vem, pelo menos, dizer que os governos devem evitar fazer, o que afinal têm feito em toda a linha: Baixar (e desregular) a qualificação dos docentes; alargar o horário de trabalho dos professores; aumentar o número de alunos por turma”.

Ao mesmo tempo que, para os professores (poderia ser para qualquer outro profissional) os estudos científicos dizem que não se devem “baixar as qualificações” de acesso, a União Europeia, ansiosa por captar mão de obra migrante e, ainda mais ansiosa, por poupar na sua integração e qualificação, adopta, ao invés de uma agenda para as qualificações, para a valorização das profissões ou do trabalho, opta antes por uma “Agenda para as Competências”. Não pensem que é despiciendo ou se trata de um acaso. O objectivo é bem claro. Uma vez, trata-se de flexibilizar e desregular qualificações e profissões.

Para libertar os sistemas nacionais de qualificações da necessidade de investirem em processo de educação e formação mais estruturados, de maior duração, mas com maior amplitude de conhecimentos e competências, resistindo mais tempo à obsolescência e à desactualização e possibilitando um maior leque de escolhas profissionais, a EU vem promover a atomização do sistema de qualificações, com vista a reduzir o investimento com a formação estrutural dos indivíduos, promovendo uma lógica de formação de curta ou curtíssima duração, mas sem o suporte de competências chave essenciais para o desenvolvimento pessoal, social e profissional (literacia, numeracia, pensamento crítico, competências digitais…). Uma vez mais, dos EUA importam-se então coisas como as “micro-credentials”, tentando reproduzir no espaço europeu, todos os cancros educacionais e formativos que se observam no centro imperial.

Coincidentemente, é o próprio estudo da EDULOG que nos diz que EUA e Reino Unido, não apenas já sofrem, com agudeza, o problema da falta de professores, como não o conseguem resolver.

Quando me recordo, nos idos anos 80 e 90, sobre o papel que os meus professores tiveram na minha vida, nunca me esqueço que os professores eram um pilar fundamental do nosso desenvolvimento individual e social. Era absolutamente impensável, para mim ou um colega meu, falar mal, de forma gratuita, de um professor.

A crise no sistema de educação ocidental é, sobretudo, reflexo de uma crise moral e éticas profundas. As brilhantes, mas banais conclusões a que este estudo chegou- este e muitos outros –, pecam por tardias, pecam, sobretudo, por anacronia. A experiência histórica, o conhecimento científico e os instrumentos de análise permitiam em 1989 (ano da celebração do consenso de Washington), como hoje, perceber o quão erradas estavam aquelas propostas políticas. Não faltaram avisos, críticas e análises fundamentadas sobre as reais intenções e as falácias montadas para deturpar a realidade e justificar o movimento ilusório. Todas foram e são secundarizadas, quando não perseguidas e ostracizadas.

No máximo dos máximos faz-se como faz este estudo: nunca ligam as causas e as conclusões à vivência política. Fazê-lo, dizem, é “ideologizar”, não o fazer é “pragmatizar”. E assim se justifica e branqueia a candidatura e eleição, mesmo que precária e democraticamente pouco representativa, de todos os que defendem o erro e, mais grave ainda, a sua continuidade e aprofundamento.

Décadas de testes americanos – de escolha múltipla – em que se diz ao aluno o que pensar, ao invés de o fazer pensar por si mesmo, de burocratização e mercantilização do ensino, ataque à escola pública e destruição do estatuto individual e colectivo do professor, foram os veículos usados pelo neoliberalismo para conseguir o que o fascismo fazia com o analfabetismo: convencer o povo de que os seus interesses eram, na realidade, os interesses da oligarquia que o oprime.

Para o conseguir, retirou-se dos programas de ensino o desenvolvimento e utilização de um instrumento cognitivo essencial para qualquer ser humano: a análise dialéctica, ou seja, a capacidade de analisar a realidade em movimento e como parte de um processo histórico. Fazendo-o, conseguiram apresentar uma versão histórica unicista e unificadora, a versão liberal. A história tinha acabado e era importante transmitir esse facto, fazendo acreditar que, não apenas era impossível outra realidade, como não era sequer desejável. Para tal diabolizaram-se todas as experiências indesejáveis e perigosas para a oligarquia. Hoje, quando se assiste ao fenómeno BRICS, os EUA apresentam-no como uma espécie de “união das autocracias”. Trata-se de um elogio, um elogio dito pelo medo, o medo de ficarem para trás.

Neste mundo neoliberal, para chegar ao topo, o fundamental é saber operar, mas não pensar. Stoltenberg não soube responder à questão de quantas invasões a China tinha praticado nos últimos 40 anos ou de quantas bases possui no estrangeiro; o Ministro da Defesa de Portugal, Nuno Melo, não sabia o que queria dizer a sigla NATO, chamando-lhe Tratado do “Atlético” Norte; Von Der Leyen acreditava que a Rússia retirava semicondutores de máquinas de lavar…).

Num mundo em que o conhecimento é pernicioso e perigoso para a oligarquia dominante, não admira que não existam professores suficientes. Não admira que a sua imagem tenha sido degradada e destruída, afastando os jovens dessa profissão.

Não admira que o ocidente seja o mundo do populismo, das fake-news, da pós-verdade, das revoluções coloridas, das vitórias eleitorais contestadas, dos golpes de estado judiciais e da alternância sem alternativa. Neste quadro, o professor torna-se uma personagem, não apenas redundante, como indesejada. O professor da escola pública, que se organiza e organiza os alunos em turmas, que transmite, pensa e faz pensar, é persona non grata.

Num sistema que promove o individualismo e o narcisismo, em que os heróis são os que enriquecem à custa de bilionários contrato públicos, o professor constitui, ainda e apesar de todas as limitações, um elo social precioso, ainda representativo da nossa conexão social, podendo conferir-lhe coesão e sentido de unidade.

Neste sentido, a destruição da sua imagem, do seu estatuto, é consequência inevitável da aceleração e intensificação do processo neoliberal, um sistema que vive precisamente do isolamento, solidão e desconexão social. O professor, enquanto elo de ligação entre seres de uma comunidade, é triturado por um sistema que sonha ver-nos aprender sozinhos, ligados a um ecrã e apenas comunicando pelo tempo estritamente necessário e sem conexão real, emocional.

Como qualquer fascismo, também o neoliberalismo tem ódio ao grupo, ao nosso ser social e colectivo, à civilização que a existência colectiva importa. “Em 2018, já mais de metade dos países da UE reportavam falta acentuada de professores”. A violência e o sentimento de desagregação social a que se assiste no ocidente, tem muito a ver com esta aniquilação do estatuto do professor.

Não é possível viver numa sociedade civilizada, que valorize o conhecimento e a sabedoria, e ao mesmo tempo, promova o neoliberalismo, o imperialismo e a hegemonia. A sua sobrevivência depende da destruição do sistema público de educação e das suas componentes fundamentais: a turma, o grupo, a escola e o elo que liga tudo isto, o professor.

Torna-se, portanto, imperioso para o neoliberalismo, “matar” a figura do professor, para melhor dominar e chegar ao aluno. Eis o que se esconde por detrás da destruição da escola pública! No final, basta apresenta-lo como uma consequência inesperada, prometer que se vai mudar, e tudo fica como está. “Democraticamente” imóvel, em degradação constante até final.

Com a destruição do professor, o ocidente neoliberal destrói algo mais importante ainda: a consciência de nós próprios!

O individualismo extremo consiste na inconsciência mais absoluta.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

As Eleições que não vão mudar o mundo

By estatuadesal on Novembro 4, 2024

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 03/11/2024)



Ver os anúncios das TV sobre as reportagens das eleições nos Estados Unidos, ou os títulos dos jornais transporta-nos ao mundo da fantasia do Circo, o maior Espetáculo do Mundo, com os melhores palhaços do mundo, os melhores trapezistas do mundo. Ou ao mundo do boxe, o Combate do Século, Cassius Clay contra Joe Frazier (Madison Square, 8 Março de 1971). Agora temos Trump contra Kamala (Washington, 5 Novembro 2024)!

Algumas citações ajudam a situar o espetáculo das eleições presidenciais norte-americanas na sua circunstância, como o resultado de um processo civilizacional. Em A Sociedade do Espetáculo, publicado em 1967, Guy Debord, o autor, escrevia: “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção é uma imensa acumulação de espetáculos.”

O espetáculo, incluindo o político, substituiu as religiões como meio de conduzir povos — de os unificar como um rebanho. Esta substituição já tinha sido detectada por Ludwig Feurbach, um filósofo alemão do século XIX, em Essência do Cristianismo, onde escreveu: “O nosso tempo prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à sociedade, a aparência ao ser. À medida que decresce a verdade a ilusão aumenta.”

Os elementos mais relevantes destas eleições para presidente dos Estados Unidos não dizem respeito a qualquer alteração radical nem na vida dos norte-americanos, que continuarão sem um sistema de saúde e um sistema de proteção social públicos, a viver com más infraestruturas básicas, transportes, eletricidade, habitação, sem ordenamento do território (o que nem os resultados das tempestades tem alterado), a não ter qualquer intervenção na definição das guerras e dos negócios que elas proporcionam, a estarem sujeitos a lóbis poderosos como o do American-Israel Public Affair Commitee (AIPAC), que determina a política dos Estados Unidos e que impôs que desde 1946 até hoje, ano fiscal de 2024, estes tivessem apoiado Israel com 310 biliões de dólares (bilião=mil milhões, preços correntes de 2022), enquanto no mesmo período o Egito, o segundo país mais beneficiado recebeu 165 biliões, o Afeganistão 160 biliões, o Vietname do Sul 148 biliões e a Ucrânia, o quinto país mais beneficiado, 120 biliões[1].

Estas eleições não alterarão as parcelas do orçamento destinadas ao complexo militar-industrial, nem a imposição de verdades únicas através das indústrias do infoentretainment , das igrejas evangélicas e dos gigantes das redes e bases de dados, a Google, a Microsoft, a Meta.

Para o Ocidente Global, a importância das eleições norte-americanas diz respeito ao modo como os Estados Unidos vão agir num mundo onde estão a perder a supremacia e a confrontar-se com novos polos de poder, caso dos BRICS e com a desdolarização. O que é um assunto para ser dirimido pelo lóbi financeiro, do qual os presidentes são meros instrumentos. Para o resto do mundo os Estados Unidos vão manter os seus conhecidos e assumidos objetivos estratégicos permanentes e apenas serão detidos ou pela força ou pela criação de alternativas que permitam dispensar a sua “proteção” ou paralisar a sua ação.

Os animadores do espetáculo anunciam golpes espetaculares na guerra na Ucrânia e no Médio Oriente. Não se vislumbram quais. Na Ucrânia, a Rússia já definiu o futuro: uma Ucrânia neutral. No Médio Oriente os Estados Unidos não podem fazer mais do que fizeram, fornecerem a Israel os meios para eliminar os palestinianos. O trabalho do novo presidente vai ser o restabelecimento de laços proveitosos com as monarquias do petróleo, agora renitentes em surgirem ao lado dos americanos cúmplices e patrocinadores de um genocídio cometido sob os seus turbantes e barbas. Dispõem agora dos BRICS, uma alternativa que lhes alivia o laço de dependência dos Estados Unidos.

No próximo fim de semana o mundo não vai estar diferente. Nem em Janeiro de 2025. O único elemento excitante seria proporcionado por uma derrota de Trump, que este não aceitaria. Mas assaltar edifícios do governo e provocar tumultos são números já vistos e que até tiveram uma versão tropical em Brasília.

O elemento degradante será o da eleição de um ser grotesco para presidente. Mas a eleição de um ser como Trump é um revelador da sociedade do espetáculo em que se transformou a sociedade americana. E essa transformação é fruto de uma ideologia em que o ser foi substituído pelo ter e pelo parecer, onde o indivíduo vale o que valer o seu poder de transmitir uma imagem. No caso, uma imagem de sucesso, não importa com que meios. Uma ideologia transmitida através de um discurso ininterrupto, reduzido, como é patente no caso de Trump a um monólogo autoelogioso, recitado como uma lengalenga de um vendedor de bugigangas.

As eleições presidenciais americanas fazem parte dos grandes espetáculos produzidos nos Estados Unidos com audiências planetárias, a par da cerimónia dos Óscares, ou da Superbowl, o jogo da final do futebol americano. Estes grandes espetáculos transformam em mercadoria a “solidão das multidões”, o isolamento dos indivíduos. Veiculam a ideologia da alienação que destrói o sentido crítico e promove a quebra dos laços sociais, que reduz o papel social dos indivíduos à escolha para salvador da figura mais aberrante do mercado. Nada de novo. Um comportamento idêntico ao dos povos que desde a antiguidade e em todo o planeta criaram e adoraram deuses-polvo, ou jacaré, ou elefante, ou uma hidra de sete cabeças, ou uma serpente, como Tiamat, da Mesopotâmia. Deuses bêbados, violadores, assassinos. Há para todos os gostos. A novidade é que na civilização do mercado e dos videojogos os monstros podem aparecer como heróis a fazer campanha para serem adorados e os fiéis votam neles dispostos a receber uma recompensa virtual.

Quer ganhe Trump, ou Kamala, os satélites da Starlink de Elon Musk continuarão a debitar dados aos serviços de informações da Ucrânia e de Israel para estes referenciarem alvos, as 865 bases militares americanas continuarão nos 130 países onde se encontram cerca de 350 mil soldados e os mais sofisticados armamentos. O ouro continuará a valorizar-se. A bolsa de Wall Street continuará a determinar o que cada um de nós pode comprar com o dinheiro que recebe. A Europa, com UE e NATO, continuará desaparecida.

Aos cidadãos em geral resta o extraordinário exemplo da força dos movimentos populares dos espanhóis da martirizada região de Valência. Abandonados à sua sorte pelas autoridades que os devia ter avisado a tempo da aproximação da tormenta e por quem os devia ajudar a sobreviver, uniram as suas forças, organizaram-se por si próprios e viraram as costas, por vezes com insultos de raiva, àqueles que lhes haviam pedido o seu voto e não o souberam merecer.

[1] Dados recolhidos de https://www.cfr.org/article/us-aid-israel-four-charts

 

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

 

Mercenários dos EUA mortos na Rússia; Ocidente fica histérico com a alegada presença dúbia da Coreia do Norte

By estatuadesal on Outubro 31, 2024

(Finian Cunningham, in Strategic Culture Foundation, 29/10/2024, Trad. da Estátua)

A NATO e os líderes ocidentais preferem fantasiar sobre a Coreia do Norte do que admitir a verdade da sua “grave escalada” nas fronteiras da Rússia, e da sua ameaça imprudente à paz mundial.



É uma grave escalada nesta guerra e uma ameaça à paz global, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, esta semana.

Certamente é um desenvolvimento alarmante que mercenários americanos, canadianos e polacos tenham sido mortos em ação, em solo russo, esta semana. Os membros de uma unidade de reconhecimento e sabotagem foram eliminados pelas forças russas quando cruzavam a região de Bryansk, na Rússia, vindos da Ucrânia.

Mas, von der Leyen e outros líderes ocidentais não disseram nada sobre isso. Eles estiveram a dar hiper atenção, em vez disso, a alegações precárias sobre tropas norte-coreanas enviadas para a Rússia.

Imagens confiáveis ​​da segurança russa mostraram os homens mortos deitados ao lado de armas pesadas, incluindo explosivos Semtex e lançadores de granadas antitanque, "o suficiente para explodir uma cidade pequena", foi  relatado. Uma das vítimas tinha a tatuagem do 75º Regimento Ranger dos EUA, uma unidade de elite das forças especiais aerotransportadas. Não está claro se o soldado americano era um ex-membro do Exército dos EUA que se juntou a um grupo mercenário privado ou se ele foi transferido das fileiras do exército para lutar na Ucrânia contra a Rússia.

De qualquer forma, a presença de combatentes militares dos Estados Unidos e de outros países da NATO em território russo é uma evidência clara de que as potências da NATO estão diretamente envolvidas na guerra por procuração da Ucrânia contra a Rússia.

Washington e Bruxelas mantiveram a ténue ficção de que “apenas” fornecem armas à Ucrânia, mas que a NATO não participa no conflito com a Rússia, sendo esta uma potência nuclear.

Essa ficção sempre foi um insulto ao senso comum. Os países da NATO têm-se envolvido ativamente no recrutamento de mercenários estrangeiros para lutar na Ucrânia. A Rússia estima que 15.000 a 18.000 militantes viajaram para serem mobilizados pelas Forças Armadas da Ucrânia desde que o conflito eclodiu em fevereiro de 2022. Muitos deles foram mortos ou feitos prisioneiros.

Mercenários dos EUA, Grã-Bretanha, Canadá, Alemanha, França, Polônia, Países Bálticos e Geórgia foram identificados, bem como jihadistas da Síria treinados pelas forças de ocupação americanas em bases como Al Tanf. Estima-se que combatentes estrangeiros de mais de 100 países tenham acabado na Ucrânia, auxiliando o regime de Kiev patrocinado pela NATO.

Alguns deles são, sem dúvida, “soldados da fortuna” ganhando ao dia de combate. Outros teriam que ser militares da NATO porque a operação de armas técnicas, como artilharia HIMARS e assim por diante, deve envolver a expertise de manuseio especial.

Acredita-se que a incursão desesperada na região de Kursk, na Rússia, que começou em 6 de agosto, incluiu muitos mercenários estrangeiros. Uma empresa privada identificada, contratante de militares americanos, foi o Forward Observation Group.

A mídia ocidental ignorou ou obscureceu amplamente os relatos de conexões da NATO com os combates no terreno. Não é surpreendente, dada a função de propaganda da mídia ocidental de “notícias”, no que é a guerra de informação.

Enquanto isso, esta semana, o Secretário-Geral da NATO, Mark Rutte, anunciou preocupação de que tropas norte-coreanas estejam lutando na região de Kursk. Esta foi a primeira vez que a NATO fez a afirmação, oficialmente. Durante semanas houve especulações e rumores sobre tropas norte-coreanas, que se teriam juntado às forças russas. A mídia americana e europeia publicaram manchetes sugerindo que as alegações da NATO eram factos.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou: “Soldados norte-coreanos estão a ser enviados para dar suporte à guerra de agressão da Rússia. É uma grave escalada nesta guerra e uma ameaça à paz global.”

Mas, um ceticismo saudável justifica-se. Rutte, da NATO, não forneceu nenhuma evidência para apoiar sua alegação. Ele, simplesmente, referiu-se às suas discussões com oficiais da inteligência militar sul-coreana.

O ditador ucraniano, de facto, Vladimir Zelensky (ele cancelou as eleições há uns meses atrás) vem há meses alegando que milhares de tropas norte-coreanas estão a juntar-se às fileiras da Rússia na Ucrânia.

Parece significativo que Zelensky se tenha encontrado com o presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, no ano passado na cimeira do G7 em Hiroshima. Foi o primeiro encontro deles. Imediatamente após esse encontro, a Coreia do Sul prometeu mais ajuda militar e financeira à Ucrânia. A esposa de Zelensky também fez viagens suspeitas à Coreia do Sul para comparecer em “eventos de mídia”.

O índice de aprovação do presidente Yoon, entre o público sul-coreano, atingiu o fundo do poço devido a uma série de queixas, incluindo o alto custo de vida. Yoon é um falcão nas relações com a Coreia do Norte. Pyongyang criticou Seul por incrementar deliberadamente as tensões.

Durante a presidência de Yoon, a Coreia do Sul tornou-se uma grande exportadora de armas, tendo vendido cerca de US$ 20 biliões em armas nos últimos dois anos. A Coreia do Sul está alertando que aumentará os seus fornecimentos militares para a Ucrânia, com base nas alegações de que as tropas norte-coreanas estão a ser enviadas para a Rússia.

Parece haver muita dramatização sobre o suposto contingente norte-coreano. O regime de Kiev está amplificando as alegações como uma forma de envolver mais os Estados Unidos e a NATO na guerra por procuração em curso. A Casa Branca expressou preocupações sobre as alegações da suposta participação de Pyongyang. Para o presidente Yoon, a Ucrânia apresenta oportunidades para impulsionar os seus investimentos em investigação, agora em declínio, e os seus ganhos económicos com o aumento das exportações de armas.

A mídia ocidental está afirmando, ilusoriamente, que o envio de tropas norte-coreanas é um sinal de desespero do presidente russo, Vladimir Putin, em relação às supostas perdas militares na Ucrânia.

Essa alegação não faz sentido. As forças russas estão a avançar rapidamente para assumir o controlo total da região de Donbass, na Ucrânia. O lado apoiado pela NATO está a perder território agora, a um ritmo tão elevado que nunca ocorreu em mais de dois anos de conflito. A ideia de que a Rússia precisa de ajuda militar norte-coreana é implausível, se não absurda.

Moscovo assinou um pacto de defesa mútua com Pyongyang no início deste ano. Se soldados norte-coreanos forem enviados para a Rússia, talvez para treino, isso é uma questão inteiramente legal, de acordo com o direito internacional.

Não é a Rússia que está “desesperada”. A mobilização de mercenários americanos, e de outros países da NATO para a Ucrânia, é um sinal real de desespero de que o regime de Kiev ficou sem carne para canhão e está a envolver-se em provocações transfronteiriças.

É claro que a NATO, e os líderes ocidentais, preferem fantasiar sobre a Coreia do Norte do que admitir a verdade da sua “grave escalada” nas fronteiras da Rússia, e da sua ameaça imprudente à paz mundial.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

 

Ucrânia – Zelensky implora à Rússia para renovar os acordos que ele próprio rasgou

By estatuadesal on Outubro 23, 2024

(Por Moon of Alabama, Trad. Estátua de Sal, 23/10/2024)


O ator que vem interpretando o papel de presidente da Ucrânia há algum tempo, está a ficar com medo. O inverno está a chegar e as redes de energia da Ucrânia estão perto do colapso total.

Poderia ter havido acordos para evitar isso. Mas, o lado ucraniano, rasgou esses acordos. Agora Zelensky está a implorar para que sejam renovados.

No final de 2022, os militares russos lançaram uma campanha de bombardeamentos contra estações de comutação de eletricidade na Ucrânia. Muitos transformadores explodiram. Os militares ucranianos responderam concentrando as suas defesas aéreas perto de estações de eletricidade. Esse, foi exatamente o efeito que os russos pretendiam. As instalações de defesa aérea, não as estações de eletricidade, passaram a ser os seus verdadeiros alvos.

Após se separar da União Soviética, a Ucrânia tinha as melhores defesas aéreas que o dinheiro podia comprar. Durante o outono e o inverno de 2022, a maior parte delas foi destruída. E então a campanha russa contra as estações de eletricidade foi interrompida.

Em 2023/24, os militares ucranianos começaram sua própria campanha contra as infraestruturas na Rússia. Várias refinarias foram atingidas por drones e incendiaram-se. A produção de gasolina na Rússia esteve a cair significativamente e a exportação de gasolina teve que ser interrompida por um tempo.

Os russos retaliaram renovando a sua campanha contra a rede elétrica da Ucrânia. Mas, dessa vez, os alvos não eram apenas estações de comutação, mas as próprias instalações de geração. A produção de eletricidade não nuclear na Ucrânia foi dizimada.

Nos seus briefings diários, o Ministério da Defesa russo considerou os ataques às estações de eletricidade ucranianas como uma retaliação direta aos ataques ucranianos à Rússia propriamente dita. Por exemplo :

“Esta manhã, em resposta às tentativas do regime de Kiev de danificar objetos da infraestrutura energética e da economia russas, as Forças Armadas da Federação Russa realizaram um ataque coletivo com armamento de precisão de longo alcance contra objetivos da infraestrutura militar-industrial ucraniana e bases de aviação da AFU.”

Com a sua capacidade de geração em perigo e sob a ameaça de apagões, o governo ucraniano caiu em si - pelo menos por um tempo. E negociações secretas foram organizadas em Doha, Qatar, para se pararem os ataques às infraestruturas de ambos os lados.

Em agosto de 2024, logo após o exército ucraniano ter lançado uma incursão na região de Kursk, na Rússia, o Washington Post relatou:

“Ucrânia e Rússia devem enviar delegações a Doha, neste mês, para negociar um acordo histórico que suspende ataques às infraestruturas de energia de ambos os lados, disseram diplomatas e autoridades familiarizadas com as discussões, no que equivaleria a um cessar-fogo parcial e ofereceria um alívio para ambos os países. Mas as negociações indiretas, com os catarianos a servirem de mediadores e reunindo separadamente com as delegações ucraniana e russa, descarrilaram devido à incursão surpresa da Ucrânia na região de Kursk, oeste da Rússia, na semana passada, de acordo com as autoridades.

(...)
Durante mais de um ano, a Rússia atacou a rede elétrica da Ucrânia com uma enxurrada de mísseis de cruzeiro e ataques de drones, causando danos irreparáveis ​​às centrais de energia e apagões em todo o país. Enquanto isso, a Ucrânia atacou as instalações de petróleo da Rússia com ataques de drones de longo alcance que incendiaram refinarias, depósitos e reservatórios, reduzindo a refinação de petróleo de Moscovo em cerca de 15% e aumentando os preços do gás em todo o mundo.
(...)
Um diplomata informado sobre as negociações disse que as autoridades russas adiaram a reunião com as autoridades do Qatar após a incursão da Ucrânia no oeste da Rússia. A delegação de Moscovo descreveu isso como "uma escalada", disse o diplomata, acrescentando que Kiev não alertou Doha sobre a sua ofensiva transfronteiriça.”

A Ucrânia teve que pagar um preço alto pela incursão em Kursk. As tropas de elite que ela havia enviado não conseguiram atingir o seu alvo, uma central nuclear perto de Kursk, e logo foram dizimadas. Os ataques às infraestruturas ucranianas continuaram a toda a força.

Três meses depois, com a incursão de Kursk, bem como com a sua rede elétrica quase em colapso total, o governo ucraniano está novamente a tentar mudar de registo. Está a implorar à Rússia para serem renovados os acordos que, ele mesmo, torpedeou.

Conforme relata o Financial Times:

“O fim dos ataques aéreos contra alvos energéticos e navios de carga ucranianos pela Rússia pode abrir caminho para negociações para pôr fim à guerra, disse o presidente ucraniano.

Volodymyr Zelensky disse a jornalistas em Kiev na segunda-feira que "quando se trata de energia e liberdade de navegação, obter um resultado nesses pontos seria um sinal de que a Rússia pode estar pronta para encerrar a guerra".
(...)
Se Moscovo e Kiev concordassem em encerrar os ataques em suas respetivas infraestruturas de energia, seria um passo significativo para a redução da tensão no conflito, disse Zelensky em referência aos ataques de drones ucranianos às refinarias de petróleo russas.”

Bem - ele poderia ter feito esse acordo há três meses. Agora será mais difícil consegui-lo. Uma retirada total das forças ucranianas da região de Kursk será o pré-requisito mínimo que a Rússia pedirá para renovar as negociações.

Zelensky também quer renovar o acordo do Mar Negro. A reportagem de agosto do Washington Post lembrou isso mesmo:

“Autoridades ucranianas e russas não se encontraram pessoalmente para conversas desde os primeiros meses da guerra, quando delegações de ambos os lados se reuniram para conversas secretas em Istambul. Essas negociações acabaram fracassando. Mais tarde, os dois lados concordaram com um acordo de cereais que levou a Rússia a suspender temporariamente um bloqueio naval, permitindo que a Ucrânia transferisse cereais pelo Mar Negro. Isso também entrou em colapso meses depois, quando a Rússia saiu do acordo.”

O acordo do Mar Negro incluiu uma promessa ocidental de não atrapalhar as exportações russas através do Mar Negro. Esse obstáculo, no entanto, continuou, pois o seguro para cargueiros continuou a ser negado. Os ataques ucranianos à frota russa do Mar Negro também continuaram. A Rússia saiu do acordo e restabeleceu o seu bloqueio quase total dos portos ucranianos.

Durante o último semestre, a Ucrânia começou a reconstruir a sua linha de fornecimentos através do Mar Negro. Dezenas de navios com carga seca chegaram a Odessa e outros portos ucranianos do Mar Negro. Os russos logo presumiram, corretamente, que aqueles navios transportavam armas e munições para os militares ucranianos. Mísseis Iskander foram enviados para destruir as cargas assim que os navios atracaram. Nos últimos meses, mais de 20 cargueiros de carga seca foram atingidos, danificados ou afundados. Explosões secundárias, após os ataques, confirmaram a presença de cargas explosivas.

O bloqueio naval russo foi renovado — não intercetando navios a caminho da Ucrânia -, mas atacando-os enquanto descarregavam.

Durante a guerra, a Rússia ofereceu a Zelensky pelo menos dois pequenos acordos que eram amplamente a favor da Ucrânia. O acordo de cereais do Mar Negro falhou porque a Ucrânia e seus "parceiros" falharam em cumprir a sua parte do acordo. O acordo de paz de infraestruturas falhou porque a Ucrânia decidiu atacar em direção a Kursk.

Agora Zelensky está implorando para renovar ambos os acordos.

Isso pode bem vir a ser possível. Mas a Rússia, certamente, pedirá um preço muito alto para o fazer.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

 

O genocídio e o “Plano do General” para anexar Gaza

By estatuadesal on Outubro 23, 2024

(Robert Inlakesh, correspondente de guerra britânico, in Observatoriocrisis.com, 20/10/2024)



Após a nova invasão e cerco ao norte de Gaza, Israel está a tomar medidas para designar a área como uma “zona militar fechada”, uma medida que os críticos dizem equivaler a uma anexação efectiva do território. Embora Israel tenha utilizado estratégias semelhantes no passado, os opositores afirmam que o plano actual envolveria essencialmente um extermínio em massa da população do norte de Gaza.

Depois de quase um ano de deliberações israelitas sobre qual deveria ser a estratégia da “  próxima fase  ” no seu conflito com a Faixa de Gaza, os relatos dos meios de comunicação israelitas começaram a indicar que o plano envolveria provavelmente a anexação e a expansão dos colonatos.

Embora Israel negue oficialmente que qualquer plano específico esteja a ser implementado, a invasão e o cerco ao norte de Gaza coincidem com discussões que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, teria mantido em “  reuniões secretas  ” nos meses anteriores à operação.

O que é agora conhecido como o “  Plano do General  ” é provavelmente a estratégia que Telavive pretende implementar no norte de Gaza. Esta abordagem envolveria a apreensão de todo o território a norte do Corredor Netzarim e a sua designação como zona militar fechada. O plano impediria a entrada de toda a ajuda na área e imporia uma situação de “  rendição ou fome  ” aos restantes combatentes palestinianos.

Aproximadamente 300 mil palestinos continuam a residir no norte de Gaza, apesar de terem recebido a ordem de evacuação. Alguns não podem partir porque temem pela sua segurança durante a viagem, enquanto outros recusam-se a fazê-lo porque não têm outro lugar onde se abrigar. De acordo com o “Plano do General”, estes civis teriam uma semana para fugir para o norte, após a qual todos os restantes seriam considerados combatentes inimigos. Os críticos afirmam que esta medida poderia levar ao assassinato em massa de civis.

O GENERAL

A proposta para o norte de Gaza é atribuída ao general reformado Giora Eiland. Eiland, que já foi considerada uma figura da “esquerda” política de Israel, já havia trabalhado com o ex-presidente israelense Shimon Peres durante o “processo de paz” no início dos anos 2000.

As posições cada vez mais extremadas de Eiland desde o início da guerra em Gaza fizeram dele um queridinho dos meios de comunicação israelitas. Ele usou essa atenção para apelar à “  faminta Gaza  ” e defender políticas de extermínio. Após o ataque liderado pelo Hamas em 7 de Outubro, Eiland recomendou que os militares israelitas evitassem uma dispendiosa invasão terrestre da Faixa de Gaza.

Em Novembro de 2023, Eiland escreveu um  artigo de opinião  argumentando que nenhum civil palestiniano deveria ser considerado inocente, zombando mesmo da ideia. “Quem são as mulheres pobres de Gaza? “Todas são mães, irmãs ou esposas de assassinos do Hamas”, escreveu ele.

O general reformado foi ainda mais longe e sugeriu que Israel deveria criar condições para fome e epidemias. “Israel não deve fornecer ao outro lado quaisquer capacidades de prolongamento da vida”, escreveu ele.

“A comunidade internacional alerta-nos que uma catástrofe humanitária e epidemias graves ocorrerão em Gaza. Não devemos ignorá-los, por mais difíceis que sejam. “Em última análise, as graves epidemias no sul da Faixa de Gaza aproximarão a vitória e reduzirão as baixas entre os soldados das FDI.”

A principal organização israelita de direitos humanos, B'Tselem, citou as declarações de Eiland como prova de que a crise humanitária em Gaza não foi uma consequência não intencional, mas sim um “  resultado intencional  ” deliberadamente fabricado da guerra em curso.

INTENÇÃO GENOCIDA

O Plano do General não reflete apenas as opiniões de Giora Eiland, mas alinha-se com o que os líderes mais graduados de Israel têm defendido desde outubro de 2023. Ele incorpora os sentimentos expressos pelo Ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, em seu discurso, onde afirmou: “Estamos lutando contra os animais humanos e agiremos em conformidade”, e declarou que “não haverá eletricidade, nem comida, nem combustível, está tudo fechado”.

“É uma nação inteira que é responsável pelas ações do Hamas”,  disse  o presidente israelita Isaac Herzog,  acrescentando  : “Não há verdade nesta retórica sobre os civis não estarem conscientes, não estarem envolvidos. É absolutamente falso. “Eles poderiam ter subido.”

Quando a África do Sul citou as declarações de Herzog no Tribunal Internacional de Justiça (CIJ) para argumentar que Israel pretendia cometer genocídio, o presidente israelita tentou retratar as suas declarações, alegando que as suas palavras tinham sido mal interpretadas e distorcidas.

Apesar das tentativas de Herzog de retratar os seus comentários, o governo israelita continuou a aumentar a sua retórica. Contas governamentais publicaram um vídeo online dizendo: “Não há civis inocentes” em Gaza. Entretanto, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, referiu-se repetidamente aos palestinianos de Gaza como “  Amalek  ”, um termo da tradição bíblica que é frequentemente associado ao apelo à destruição de um povo inteiro, defendendo indirectamente o assassinato de mulheres, crianças, idosos e até gado.

Embora Israel tenha tentado negar que a referência a “Amaleque” fosse de natureza genocida, a equipa jurídica da África do Sul  demonstrou  ao Tribunal Internacional de Justiça (CIJ) que foi precisamente assim que os soldados israelitas interpretaram a mensagem.

Esta retórica, quer do arquitecto do Plano Director, quer de outros líderes israelitas seniores, alinha-se claramente com os resultados pretendidos das estratégias propostas para o norte de Gaza. E se houvesse alguma dúvida, desde Janeiro, grupos de colonos israelitas – apoiados por ministros do governo de Netanyahu – já começaram a organizar  conferências  para lançar as bases para colonatos ilegais no norte de Gaza.