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terça-feira, 15 de outubro de 2024

 

O nazismo geracional e o Diário de Anne Frank

By estatuadesal on Outubro 15, 2024

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 15/10/2024)



A geração nascida no pós Segunda Guerra, a dos babyboomers, cresceu e foi educada na associação do nazismo à Alemanha e à caraterização do nazismo como uma ideologia assente no racismo, na imposição de um grupo classificado como raça, a raça ariana, como superior e de uma outra raça, a dos judeus, como uma espécie infra-humana, que deveria ser reduzida a cinzas em campos de concentração e depois eliminada em massa.

A geração atual, a do neoliberalismo e da lei da selva, do sucesso assente na violência, dos meios justificarem os fins, está a ser confrontada com o nazismo israelita, que considera os palestinianos infra-humanos e os israelitas a raça eleita e superior. Esta geração não parece ter termo de comparação e desculpa a violência que lhe é servida nos ecrãs assumindo que os israelitas estão a defender os seus valores, como surge nas legendas.

Na Europa e na União Europeia, a geração dos netos dos que fundaram a Europa com base em valores antinazis, os netos da geração que leu o Diário de Anne Frank, estão agora a viver e a participar na ressurreição do nazismo enquanto ideologia e estão a ser condicionados pelos atuais meios de manipulação a aceitar essa ideologia como a “defesa da liberdade e da democracia e do mercado livre”, valores entendidos segundo o seu ponto de vista: sou superior, logo sujeito os outros, se necessário elimino-os. O neoliberalismo era, sempre foi, um produto do ovo do nazismo! Por detrás do espetáculo da liberdade de comportamentos, mas não tanta que não separe cultura branca (a da elite), de cultura afro e de cultura latina ou hispânica, como é visível nos prémios da indústria do infoentretainment da oligarquia americana) encontra-se o racismo das oligarquias designadas por WASP (White, Anglo-Saxon Protestant), um branco, protestante, cuja família tenha origem no noroeste da Europa e que passou a integrar a oligarquia judaica, Rothschild, Rockefeller, Morgan, Goldman entre outros que dominam o mercado financeiro mundial. O liberalismo nem é livre, nem igualitário.

Assentando o nazismo israelita e o nazismo alemão nos mesmos princípios ideológicos, a superioridade rácica ou étnica, ou até religiosa como razão, a justificação para ocupação de territórios e eliminação de povos, a perversidade do nazismo israelita tem a vantagem de ser patrocinada económica, militar e, no essencial, politica e ideologicamente pela superpotência Ocidental, enquanto que o nazismo alemão dispunha apenas das suas próprias forças e atuava por si e pelos seus interesses. O nazismo israelita beneficia do poder financeiro dos Estados Unidos, do seu aparelho militar industrial e da cobertura fornecida pela sua poderosa indústria de comunicação e manipulação da opinião pública. Fatores determinantes e que permitem todos os atrevimentos e provocações.

O nazismo alemão tinha uma doutrina expressa no Mein Kampf (A minha Luta), superioridade rácica, recuperação da antiga ideia nacionalista alemã do “Drang nach Osten”, a necessidade de ganhar o Lebensraum, o espaço vital, que vemos reproduzido nos nacionalistas israelitas na criação do Grande Israel, que inclui o Líbano e a Síria, e na estratégia do Grande Ocidente Global, leia-se dos Estados Unidos, do domínio do Médio Oriente.

Sendo a mesma a base ideológica no nazismo alemão e do nazismo israelita, a radical diferença entre ambos reside no tempo histórico em que eles se manifestam e na inversão de valores que a adoção do nazismo israelita representa na ideologia do Ocidente — no seu sistema de valores.

O neoliberalismo enquanto doutrina dominante no Ocidente justificou e impôs os fundamentos do nazismo como condição para a sua existência enquanto sistema dominante no mundo no século XXI, mas colocou-o em confronto com a emergência de antigas civilização durante séculos sujeitas ao domínio ocidental e que o contestam.

O Ocidente, como a Alemanha de Hitler, justifica-se pela necessidade de impor a sua supremacia através da conquista de territórios e da eliminação de povos para em seu lugar colocar o povo eleito — arianos num caso, judeus israelitas noutro — que servissem os interesses da sede do império, em Berlim, num caso, em Washington atualmente. O nazismo alemão tem, como qualquer fenómeno político, várias causas e várias explicações, mas todas elas vão convergir na necessidade de impor um poder para defender um interesse julgado vital.

No caso do nazismo alemão, além da crise do orgulho ofendido com a derrota na Grande Guerra e da crise económica provocada pelas reparações que resultaram dela, ou da luta contra a ameaça comunista, ele tem, na essência, por base o objetivo da recuperação do estatuto de grande potência mundial por parte da Alemanha, num tempo em que a Europa ainda era o centro do mundo e de esse objetivo apenas poder ser alcançado pela forma mais brutal que pudesse ser utilizada para o efeito. Por isso os alemães estiveram tão perto da construção da arma atómica, um conhecimento científico que os Estados Unidos aproveitariam em Hiroshima e Nagasáqui. Não herdaram apenas o saber técnico, mas também o objetivo que ele proporciona.

No caso do nazismo israelita, estamos a assistir e a participar na repetição dos mesmos princípios do nazismo alemão para imposição de um poder, o dos Estados Unidos, que seja incontestado. Porque são quem financia (paga), arma e, sabemos agora com a presença dos mais altos comandantes militares americanos em Israel, manda e comanda as operações de Israel no Médio Oriente, como já se sabia que era esse o papel da NATO na guerra na Ucrânia, onde vigora um poder de cariz nazi, apoiado pelos Estados Unidos.

Também é interessante verificar que, tal como no nazismo alemão, o nazismo israelita jamais refere que tipo de sociedade pretende impor nos territórios ocupados a não ser que ficam sob a lei da superioridade ariana ou judaica. Estados teocráticos, na sua essência, o que não os distingue do Irão, do Afeganistão ou da Arábia Saudita.

Jamais o Ocidente — os Estados Unidos — referem nos seus planos de guerra e de pós guerra de valores, de Liberdade, de Justiça e de Respeito pelos povos. Tal como o nazismo alemão jamais o fez. Também, tal como no nazismo alemão, o nazismo israelita impôs a mais férrea censura à contestação à sua política e, fundamentalmente, aos resultados desta. Fê-lo, como o nazismo alemão havia feito, eliminando intelectuais, jornalistas e repórteres e impondo regras leoninas sobre segredo de Estado, utilizando os onze princípios de propaganda de Goebbels, o ministro de Hitler.

Os cidadãos dos Ocidente Global passaram a ter direito apenas a uma verdade oficial, todos os que se manifestam contrários são classificados como traidores, marginais e, logo, banidos do rebanho e do espaço público.

A grande vitória do nazismo israelita é que ele provou que o nazismo pode ser apesentado com sucesso como uma ideologia e uma prática que os ocidentais, os europeus, quer os da geração dos babyboomers, quer a dos precários liberais da nova geração, tomam não só como aceitável moralmente, mas como o melhor lugar ideológico para obter sucesso, lugares de topo da administração pública e privada, títulos académicos, negócios e tudo dentro de uma embalagem que apregoa os grandes valores do Ocidente no pós Segunda Guerra, é certo que mais apregoados do que praticados, mas ainda assim invocados.

No pós Segunda guerra, a Europa Ocidental declarava-se Mundo Livre, patrocinadora da libertação de África, liberal nos costumes e nos mercados, acolhedora de emigrantes de mão de obra barata, mas implacável com os que colocassem em causa a ordem e a exclusividade da violência por parte do Estado, mantendo nos seus aparelhos de poder uma rede protofascista de desestabilização, a GLADIO, gerida pela NATO, aceitando as ditaduras portuguesa, espanhola e grega. Chegou o momento de a embalagem ir borda fora!

A normalização de Hitler e do Mein Kampf tem sido feita diante dos nossos olhos através da glorificação de Zelenski, o ilusionista escolhido pelos americanos para transformar os batalhões nazis em combatentes da liberdade e os antigos nazis em heróis, caso de Bandera e de apresentar Netanyahou como o Herodes que, segundo a Bíblia cristã, ordenou a matança dos inocentes para evitar o nascimento de um verdadeiro rei dos Judeus, que ameaçasse o poder romano.

A normalização de uma estratégia nazi está certificada nos documentos que definem a política dos Estados Unidos para o século XXI, entre eles os recentes National Security Strategy (NSS) e National Defence Strategy (NDS) publicados na segunda metade de 2022 pela administração Biden, que reafirmam a preeminência dos Estados Unidos na ordem mundial em termos militares e económicos e referem a continuidade dos esforços de Donald Trump para estabelecer regras que garantam os meios para as empresas americanas “vencerem na cena mundial”. O Irão é um grande produtor de petróleo e um grande exportador para a China, o inimigo principal dos Estados Unidos económica e militarmente.

Israel representa o papel de provocador de um conflito que permita aos Estados Unidos atacar a China e as suas empresas por via da dificuldade de abastecimento de energia. Os Estados Unidos estarão por detrás do ataque de Israel ao Irão, que utilizou como operações provocatórias e preparatórias o ataque a Gaza, a pretexto do Hamas, o ataque ao Líbano a pretexto do Hezbolah, o assassinato de lideres palestinianos no Irão para dar oportunidade a este ataque.

Imagens do nazismo alemão, tendo a adolescente Anne Frank como figura referencial, do tratamento dado às crianças fechadas no gueto de Varsóvia revelam a herança do nazismo através das práticas dos militares israelitas em Gaza.

Em termos de princípios e valores estamos perante o mesmo fenómeno, o nazismo. Também estamos perante os mesmos objetivos. O nazismo alemão tinha como objetivo a preeminência da Alemanha na cena mundial, cujo centro a Europa ainda representava nos anos vinte do século passado e é pela mesma preeminência, agora ao serviço de um outro patrocinador, e noutro tempo, que o nazismo israelita age para garantir a hegemonia dos Estados Unidos.

O próximo ato de afirmação de luta pela imposição da hegemonia dos Estados Unidos será o ataque ao Irão. Que ele seja desencadeado por um estado nazi caracteriza os valores essenciais pelos quais se rege o estado patrocinador que colocou duas esquadras e forneceu os mais modernos equipamentos de guerra ao serviço de Israel, o estado vassalo. E indicia os valores que vão ser os dominantes no Ocidente Global.

Não foi certamente para defender Israel dos ataques de grupos de guerrilha e resistência que são o Hamas e o Hezbolah que os Estados Unidos deslocaram duas esquadras, forneceram os mais modernos sistemas de armas e, por fim, colocaram em Israel, no comando da operação militar, generais de quatro estrelas do topo da hierarquia das Forças Armadas Americanas, como tem sido a narrativa passada pela comunicação social do Ocidente alargado.

Um êxito no ataque ao Irão será assumido como um êxito americano e um sopro vital para os Democratas, que se apresentarão como os “capitães América” contra os Republicanos; um fracasso ou uma meia vitória será imputada aos israelitas. O nazismo alemão utilizou até ao fim a estratégia de atribuir as vitórias a Hitler e as derrotas aos exércitos executantes no terreno. Os nazis israelitas tanto correm o risco de serem os bodes expiatórias de um mau resultado, como têm a possibilidade de reforçar a condição de elementos indispensáveis ao futuro dos Estados Unidos, com quem partilham os conceitos de conquista e gestão do poder.

Quem está já fora da mesa do jogo de xadrez é o esforçado Zelenski, porque a Ucrânia passou à condição de causa perdida e o Irão passou a ser o objetivo principal para chegar à China.

O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do Sol. - Eclesiastes

 

Israel versus Irão: a Rússia entrou no jogo

By estatuadesal on Outubro 14, 2024

(Por M.K. Bhadrakumar, in Outras Palavras, 10/10/2024, revisão da Estátua)

2018: Putin encontra-se, em Teerão, com então presidente do país, Hasan Rohani

Um grande analista do Médio Oriente sustenta: os mísseis iranianos já são capazes de penetrar a “cortina de ferro” israelita. Há indícios claros de que Moscovo está apoiando Teerão – e de que ambos firmarão, em breve, um pacto de defesa mútua.


Israel, aparentemente, pôs na gaveta o seu ataque planeado contra o Irão. Uma combinação de circunstâncias pode estar na base desse recuo, o que desmente a retórica intensa de Telavive, de que estava pronta para agir.

Apesar da brilhante gestão dos média por Israel, surgiram relatos de que o ataque de mísseis iranianos a 1 de outubro foi um sucesso espetacular. Foi uma demonstração da capacidade de dissuasão do Irão para esmagar Israel, se necessário. O fracasso dos EUA em intercetar os mísseis hipersónicos iranianos trouxe uma mensagem própria. O Irão afirma que 90% dos seus mísseis penetraram nos sistemas de defesa aérea de Israel.

Will Schryver, engenheiro técnico e comentador de segurança, escreveu no X: “Não entendo como, alguém que viu os muitos vídeos dos ataques de mísseis iranianos contra Israel, pode não reconhecer e não admitir que foi uma demonstração impressionante das capacidades iranianas. Os mísseis balísticos do Irão ignoraram as defesas aéreas dos EUA/Israel e realizaram vários ataques com grandes ogivas contra alvos militares israelitas.”

Evidentemente, na situação de pânico que se seguiu em Israel, até 4 de outubro ainda havia indecisão sobre qual tipo de resposta dar ao Irão. Como disse o presidente dos EUA, Joe Biden, “se eu estivesse no lugar deles [israelitas], estaria a pensar em outras alternativas além de atacar campos de petróleo”. Esta declaração foi feita numa rara aparição na sala de imprensa da Casa Branca, um dia depois das autoridades israelitas dizerem que uma “retaliação significativa” estava iminente.

Biden acrescentou que os israelitas “ainda não concluíram como — e o que vão fazer” em retaliação. Biden também disse aos repórteres que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, deveria lembrar-se do apoio dos EUA a Israel ao decidir os próximos passos. Também afirmou que estava a tentar mobilizar o mundo para evitar uma guerra total no Médio Oriente.

Nesta pantomina, é mais seguro acreditar em Biden, já que a verdade é que, sem a ajuda prática e financeira — e a intervenção direta — dos EUA, Israel simplesmente não tem fôlego para enfrentar o Irão. O dominío regional de Israel restringe-se a executar planos de assassinato e a atacar civis desarmados.

Mas, mesmo aqui, é discutível o quão autossuficiente Israel é, em comparação com o Irão. Surgiram relatos de que foi a nova inteligência tecnológica dos EUA que localizou o paradeiro do líder do Hezbollah, Sayyed Nasrallah, o qual foi transmitido a Israel, levando ao seu assassinato.

Curiosamente, o diretor da CIA, William Burns, interveio para refutar os rumores de que o Irão tenha conduzido um teste nuclear no último sábado, 5 de outubro. Falando numa conferência de segurança na segunda-feira, Burns afirmou que os EUA monitoraram de perto a atividade nuclear do Irão em busca de qualquer sinal de que o país esteja acelerando em direção a uma bomba nuclear. “Não vemos evidências hoje de que tal decisão tenha sido tomada. Observamos isso muito cuidadosamente”, disse ele. Burns desfez, assim, suavemente, outro pretexto para atacar o Irão.

Um fator crítico que obrigou Israel/EUA a adiar qualquer ataque ao Irão foi o severo aviso de Teerão de que qualquer ataque à sua infraestrutura por Israel seria respondido com uma reação ainda mais dura. “Ao responder, não hesitamos nem agimos precipitadamente”, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Abbas Araghchi, que, aliás, fez uma viagem ao Líbano e à Síria no fim de semana para enviar uma “mensagem” desafiadora a Israel — como ele afirmou — de que “o Irão apoiou fortemente a resistência e sempre a apoiará.”

No início de 4 de outubro, o Líder Supremo, Aiatola Ali Khamenei, usou um raro sermão público para defender o ataque de mísseis do Irão contra Israel, dizendo que foi “legítimo e legal” e que, “se necessário”, Teerão o faria novamente. Falando em persa e árabe durante as orações de sexta-feira em Teerão, Khamenei disse que o Irão e o Eixo da Resistência não recuarão diante de Israel. O Irão não “procrastinará nem agirá apressadamente ao cumprir seu dever” de confrontar Israel, declarou Khamenei.

No entanto, o que desmotiva os israelitas e causa desconforto nos EUA é outra coisa — a crescente sombra da Rússia sobre o cenário do Médio Oriente.

Analistas militares norte-americanos divulgaram que certas armas altamente avançadas da Rússia foram transferidas para o Irão nas últimas semanas, apoiadas pelo envio de pessoal militar russo para operar esses sistemas, incluindo mísseis S-400. Há especulações de que o secretário do Conselho de Segurança da Rússia (ex-ministro da Defesa) Sergei Shoigu fez recentemente duas visitas secretas ao Irão.

Aparentemente, Moscovo também respondeu ao pedido iraniano do envio de dados de satélite, relativos a alvos israelitas, para realizarem o seu ataque de mísseis a 1 de outubro. A Rússia também forneceu ao Irão o sistema de guerra eletrónica de longo alcance “Murmansk-BN”. O sistema “Murmansk-BN” é um poderoso sistema de guerra eletrónica, capaz de bloquear e intercetar sinais de rádio inimigos, GPS, comunicações, satélites e outros sistemas eletrónicos até 5.000 km de distância, neutralizando munições “inteligentes” e sistemas de drones — e é capaz de interromper sistemas de comunicação via satélite de alta frequência pertencentes aos EUA e à NATO.

Sem dúvida, o envolvimento russo no impasse do Irão com Israel é potencialmente um divisor de águas. Do ponto de vista dos EUA, isso levanta o espectro preocupante de um confronto direto com a Rússia, algo que Washington quer evitar.

É nesse cenário que agências de notícias oficiais russas citaram o assessor presidencial Yury Ushakov, no domingo, afirmando que Putin planeia encontrar-se com o seu homólogo iraniano, Masud Pezeshkian, na capital do Turquemenistão, Ashgabat, em 11 de outubro. Ushakov não elaborou sobre a reunião. De facto, isso é uma surpresa, já que os dois líderes programaram encontrar-se novamente na cúpula do BRICS, na cidade russa de Kazan, de 22 a 24 de outubro.

Claro, os iranianos também estão sendo discretos. Tanto Moscovo quanto Teerão anunciaram que os seus presidentes visitariam Ashgabat em 11 de outubro para participar numa cerimónia marcando o 300º aniversário de nascimento do poeta e pensador turcomano Magtymguly Pyragy. Fumaça e espelhos! (aqui e aqui).

É totalmente concebível que, no meio das crescentes tensões regionais, Moscovo e Teerão possam ter pensado em antecipar a assinatura formal do pacto de defesa russo-iraniano, originalmente programado para acontecer em Kazan.

Se for assim, o evento de sexta-feira será semelhante à visita não programada do então ministro das Relações Exteriores soviético, Andrei Gromyko, a Nova Deli para a assinatura do histórico Tratado de Paz, Amizade e Cooperação entre a Índia e a URSS, em 9 de agosto de 1971.

Curiosamente, Ushakov acrescentou que Putin não tem planos de se encontrar com Netanyahu. Putin ainda não respondeu a um pedido de Netanyahu para uma conversa telefónica, feito há cinco dias. Uma lenda que Netanyahu criou, nos últimos anos, para impressionar o seu público doméstico (e confundir as ruas árabes) — de que ele tinha um relacionamento especial com Putin — está a desmoronar-se.

Por outro lado, ao marcar uma reunião urgente em Ashgabat — na verdade, o presidente do Turquemenistão, Serdar Berdimuhamedov, esteve em Moscovo apenas na segunda-feira/terça-feira para uma visita de trabalho — o Kremlin está deixando claro para Washington e Telavive que Moscovo está irrevogavelmente alinhado com Teerão e ajudará este último, não importa o que for necessário. (Veja, no meu blog outro artigo, “Crise na Ásia Ocidental leva Biden a quebrar o gelo com Putin”, 5/10/24, aqui).

A história não estará a repetir-se? O Tratado Indo-Soviético de 1971 foi o tratado internacional mais consequente assinado pela Índia desde sua independência. Não foi uma aliança militar. Mas a União Soviética aumentou a capacidade militar da Índia para uma guerra iminente e criou espaço para que o país fortalecesse as bases de sua autonomia estratégica e da sua capacidade de ação independente.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

 

Médio Oriente — Um claro momento de exposição da natureza humana

By estatuadesal on Outubro 14, 2024

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 09/10/2024)



O aniversário dos acontecimentos de 7 de Outubro de 2023, um sangrento ataque de guerrilheiros do Hamas a uma povoação do sistema de ocupação do Estado de Israel do território palestiniano serviu, como se esperava, para a montagem de uma gigantesca campanha de apoio à política que desde a sua fundação o Estado de Israel conduz na Palestina .

Para erigir Israel como mártir e vítima valeu tudo: Inventar a História, esquecer o passado, manipular factos do presente. A linha central da mistificação da justificação dos atos assenta na afirmação do direito “à defesa de Israel” e da sua existência. Na realidade o Estado de Israel é uma entidade política criada pelas potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial e por sua conveniência. O direito à defesa de Israel é o mesmo de qualquer guarnição romana nos confins do império. Tem o direito a defender-se correspondente à força de que dispuser ou lhe for proporcionada. Quanto ao direito à existência do Estado de Israel ele resulta do poder de potências exteriores imporem um bastião armado num ponto chave de domínio de um território. Em resumo, o atual Israel corresponde ao Krak des Chevaliers do tempo das cruzadas, uma fortaleza da Ordem dos Hospitalários na Síria e que serviu como centro de administração e base militar, permitindo aos europeus dominar a ampla região do Médio Oriente.

Desde a ocupação do Krak pelos cruzados da ordem dos Hospitalários, 1142, esta fortaleza foi o centro do conflito entre os cruzados e os árabes com vitórias e derrotas. Na primeira metade do século XIII, enquanto outras fortalezas dos cruzados foram ocupadas, o Krak e sua guarnição permaneceram na sua posse até 1271, sendo a única área importante sob seu controlo. A proximidade da fortaleza dos territórios muçulmanos permitiu-lhe assumir um papel ofensivo como uma base a partir da qual áreas vizinhas poderiam ser atacadas. Em 1250 um exército muçulmano devastou o campo ao redor do castelo. Em 1268, o mestre da ordem, Hugo Revel, informou os superiores que a área estava deserta e que a propriedade do Krak no Reino de Jerusalém já valia pouco. O direito do Krak a existir extinguiu-se com a perda de valor para a estratégia do Ocidente, que iria concentrar-se no seu desenvolvimento e na expansão marítima.

Krak des Chevaliers, como atualmente Israel, são exemplos clássicos de perturbadores estratégicos. Os pregadores da nova história têm inventado um outro, o Irão, agora o responsável pelo genocídio israelita na Palestina e pela invasão do Líbano. O Irão faz parte da história do Médio Oriente desde sempre. Para não ir aos tempos bíblicos, o Médio Oriente e o Norte de África foram dominados por dois grandes impérios, o império persa e o império otomano. Quem não faz parte da história, a não ser como interventor externo, são Israel, o império britânico e o seu herdeiro, os Estados Unidos.

Durante a antiguidade, o império persa englobava os territórios desde a atual Turquia até o Punjab, incluindo o Egito. Do século VII até ao século XI a Pérsia foi anexada pelo império árabe e a partir de então o islamismo passou a ser a religião oficial, mas os iranianos adotaram a versão xiita como forma de reação nacionalista, já que o império árabe seguia a versão sunita. Da mesma forma, a língua persa foi mantida em oposição à língua árabe. Mais tarde a Pérsia vir-se-ia espremida entre os impérios russo na Ásia Central e britânico na Índia. Cada um destes retirou ao Irão territórios que se tornariam Azerbeijão, Quirguistão, Turcomenistão, Tajiquistão, Uzbequistão e partes do Afeganistão.

A Convenção Anglo-Russa de 1907 formalizou as esferas de influência da Rússia e do Reino Unido sobre o norte e o sul do país, respetivamente, onde a potência colonial detinha a decisão final em assuntos económicos. O Xá Cajar concedeu à Anglo-Persian Oil Company autorização para explorar e operar campos de petróleo, que começaram a produzir em 1914. Winston Churchill, que supervisionava a conversão da Marinha Real Britânica para navios de guerra movidos a petróleo, nacionalizou parcialmente a companhia antes do início da Primeira Guerra Mundial.

O atual Irão foi envolvido na Primeira Guerra Mundial devido à sua posição estratégica entre o Afeganistão e os impérios otomano, russo e britânico e ao seu petróleo. Em 1914, o Reino Unido enviou uma força militar à Mesopotâmia para negar aos otomanos o acesso aos campos de petróleo persas. A Alemanha infiltrou agentes na Pérsia para atacar os campos petrolíferos e provocar uma guerra santa contra o governo britânico na Índia. Após a I Grande Guerra o norte do Irão foi ocupado pelo general britânico William Edmund Ironside e o Reino Unido assumiu o controlo dos campos petrolíferos.

Em 1953, após a nacionalização da Anglo-American Oil Company surgiu um conflito entre o xá (pró-americano) e o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh (nacionalista), que levou à deposição e prisão deste num golpe militar realizado com a ajuda dos serviços secretos do Reino Unido e dos Estados Unidos. O xá Reza Pahlevi, que havia fugido do país, retornou e assumiu poderes ditatoriais.

Os laços militares com os Estados Unidos aprofundaram-se em 1971, quando os norte-americanos concederam ao Irão crédito para a compra de armas no valor de um bilião de dólares.

Os Estados Unidos são o herdeiro do império britânico e utilizam Israel como base de ataque na sua estratégia de domínio do Irão. É esta a causa da guerra de Israel contra todos os seus vizinhos e é a recusa em serem submetidos que leva os persas ou iranianos a atacar Israel, que vêm como um factótum americano.

Na década de 80 os interesses no domínio da região do Médio Oriente materializaram-se na guerra Irão-Iraque, oficialmente por razões de definição de fronteiras na região do Shatt al-Arab, onde os rios Tigre e Eufrates se encontram e desaguam no Golfo Pérsico e com um fundo religioso, porquanto o Irão seguia a versão xiita do islamismo, o Iraque era de maioria xiita, mas com um governo sunita e secular. Além disso, o Iraque possuía uma minoria curda que não apoiava o governo iraquiano e, por isso, recebia apoio secreto dos iranianos. Os Estados Unidos apoiaram o Iraque, aliados à Arábia Saudita, dentro da estratégia que está em curso de domínio da versão atual do “Crescente Fértil”, o que inclui os Estados do Golfo, a Arábia Saudita, o Iraque, a Síria, o Líbano e o Egito, tendo como objetivo final o domínio do Irão. Esta estratégia replica a reconstituição do união dos antigos impérios Otomano e do Persa, o domínio do Mediterrâneo Oriental, do Mar Vermelho, do estreito de Ormuz, que permite ameaçar a Rússia e controlar o tráfego marítimo entre o Índico (Índia e China) e o Ocidente através do Canal do Suez. Israel é o pivô desta estratégia e o elemento desestabilizador que a justifica.

O apoio do Irão a vários grupos de resistência na região tem por objetivo opor-se ao domínio dos Estados Unidos que seria a continuação do domínio do império britânico e do regime do Xá Reza Pahlevi.

Durante séculos o desestabilizador da região foi o Império Britânico e desde a revolução industrial e a importância do petróleo, os Estados Unidos e as grandes companhias petrolíferas. O Irão nunca foi um desestabilizador, foi sempre uma entidade sujeita. A justificação de que a Arábia Saudita se aliou aos Estados Unidos por se sentir ameaçada pelo xiismo de Teerão é do domínio da mais despudorada desonestidade. O regime religioso da Arábia Saudita, o wahhabismo sunita, não deve nada em termos de exigência fundamentalista ao xiismo. Grupos terroristas como o Estado Islâmico e a Alqaeda são expressões do radicalismo sunita. O fundamentalismo foi legitimado com a formação da dinastia saudita, no século XVIII, e institucionalizado pelo Reino da Arábia Saudita, formado em 1932, criado pelos ingleses. O fundador da dinastia saudita, Muhammad bin Saud, incorporou na sua política as ideias radicais de Wahhab. Não existe em termos de radicalismo religioso distinção que favoreça o apoio dos Estados Unidos e do Ocidente à Arábia Saudita a não ser a venda de petróleo barato e a compra de material de guerra caro. O resto é hipocrisia e desonestidade intelectual.

Os israelitas são apenas os atuais ocupantes do Krak des Chevaliers que é Israel.

A posição do “resto do mundo” sobre a ação dos Estados Unidos no Médio Oriente reflete o momento de transição das relações de poder que estão em curso. Ao resto do mundo interessa o desgaste que esta guerra provoca nos Estados Unidos, que são quem a paga. À China e à Rússia, em particular, interessa o empenhamento dos EUA nesta região, que limita as possibilidades de intervenção na Ucrânia e em Taiwan. Para os BRICS, esta guerra irá aumentar a já monstruosa dívida pública americana e desvalorizar o dólar, o que é para eles um fator positivo.

A ação de Israel durará até os financiadores americanos entenderem ser lucrativo pagá-la. Uma ação devastadora de Israel sobre o Irão obrigaria os Estados Unidos a empenharem ainda mais meios na região e a aumentar a despesa e é este balanço entre custos e benefícios que os estados maiores financeiros americanos devem estar a fazer relativamente à retaliação de Israel ao Irão. Contas. Contabilidade. Nada mais do que isso. As vidas humanas estão fora da contabilidade. A nossa civilização é um mercado!

Estamos num claro momento de exposição dos valores da nossa civilização e da natureza da humanidade.

 

A cultura da vitória e da violência é uma faca de dois gumes — lições d’Os Lusíadas

By estatuadesal on Outubro 14, 2024

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 13/10/2024)



A propósito da guerra na Ucrânia, numa entrevista recente, Sergei Lavrov, o ministro dos negócios estrangeiros russo, afirmou que ela apenas poderá terminar com a vitória da Rússia, porque vitória e derrota são as únicas linguagens que o Ocidente entende.

Independentemente do que cada um possa pensar sobre as causas do conflito e das justificações dos contendores, a vitória com esmagamento do adversário é a doutrina da Europa e do Ocidente desde que a Europa iniciou a sua expansão no século XV.

Estamos, embora se note pouco, na celebração dos quinhentos anos de Os Lusíadas, de Camões. Ora, Os Lusíadas refletem a diferença de pensamento e de estratégia do que foi o conceito português de abordagem do “outro” e o conceito vencedor do Ocidente, o dos impérios espanhol e inglês. Os Lusíadas expõem a diferença radical no modo como os dois grandes impérios europeus expandiram o seu poder e o da abordagem dos portugueses aos outros povos e civilizações. Motivam a provocadora interrogação: Com quem e com o que fariam os espanhóis uma epopeia? Com Cortés e a conquista do México, ou com Pizarro, que realizou o feito de prender o imperador Atahualpa, dos incas, depois de aceitar o convite deste para um jantar, durante o qual assassinou a sua pequena guarda? E os ingleses que herói têm para uma epopeia? Os corsários Drake e Raleigh, que os seus contemporâneos designavam por Sea Dogs, os cães do mar?

Os Lusíadas são também um extraordinário manual de relações internacionais. Os dirigentes dos impérios europeus que sucederam aos portugueses, os ingleses e os espanhóis, agiram com a arrogância e a convicção de superioridade que se iriam traduzir na gigantesca empresa da escravatura de africanos, na destruição das culturas e civilizações do continente americano e no genocídio dos povos. A partir da chegada de espanhóis e ingleses e também dos portugueses às américas que contributo foi permitido aos povos locais — desde a Patagónia ao Alaska — darem ao progresso do mundo e que possa ser comparado ao que as civilizações do Índico e do Pacífico proporcionaram?

A ordem internacional imposta por espanhóis e ingleses, também por franceses e alemães, atualmente pelos norte-americanos, assenta em princípios opostos aos que Camões expressou em Os Lusíadas. Fundou-se na morte por asfixia das culturas e civilizações existentes.

É este reconhecimento que Sergei Lavrov faz e que motiva a atitude da Rússia nos atuais conflitos que o Ocidente conduz na Ucrânia e no Medio Oriente.

A estratégia que o império Ocidental — herdeiro dos impérios inglês e espanhol — está a conduzir na Ucrânia e no Medio Oriente é a do esmagamento dos povos que existem desde o Líbano à Rússia — com propositado exagero, estabelecer uma Gaza de Beirute a Moscovo — ou uma limpeza como a que foi feita na América do Norte de Nova Iorque a São Francisco, ou como as levadas a cabo por Cortés e Pizarro na América Central e do Sul.

A velha Europa, como a tratam os “jovens americanos” — Reagan e Trump — acredita que a sua forma de abordar os outros — esmagando-os — ainda é a certa para impor a sua civilização e os seus interesses. A atual Europa, agora uma província do Ocidente Global, adotou como política para se relacionar com o Velho Mundo persa e mesopotâmico a dos invasores ingleses e espanhóis no Novo Mundo, o problema é que o “velho mundo” não está nu, apenas com arcos e flechas para se defender!

As visitas do presidente da Assembleia do Irão e do ministro dos negócios estrangeiros a Beirute realçam a aliança existente e a assinatura de um pacto de defesa entre o Irão e a Rússia. E isso significa que a reprodução da estratégia de vitória por esmagamento que presidiu à estratégia ocidental durante cerca de cinco séculos tem grandes probabilidades de degenerar num desastre a vários títulos, militar, desde logo, mas também económico e, mais profundamente ainda, civilizacional.

Apenas para recordar, os princípios filosóficos em que assenta o pensamento europeu foram transpostos do grego para a Europa através dos árabes e foram-no principalmente durante os sete séculos em que eles estiveram na Península Ibérica no Al Andaluz. Já agora, os nossos algarismos ainda são conhecidos por números árabes.

A estratégia de terra queimada que o Ocidente está a desenvolver em Gaza e no Líbano, mas que já utilizou na Líbia, no Iraque e na Síria é a-histórica e a Europa vai pagá-la com o definhamento que ocorre às árvores a quem cortam as raízes.

Os Lusíadas são a epopeia de uma península que era a proa de um continente que viajava ao encontro de outras gentes e culturas e ali aportava. Da epopeia dos portugueses no Oriente cantada em Os Lusíadas mantiveram-se e desenvolveram-se civilizações tão pujantes como a Índia, a China, a Indochina, o Japão, enquanto nas Américas nada restou, além de ruínas e a humilhação espelhada nos rostos daqueles a quem arrogantemente o Ocidente uniformizou sob a designação de “índios”. Na expansão para Ocidente, os europeus provocaram terror a todos os que encontraram com o barulho ensurdecedor das armas, o cheiro insuportável da pólvora e com os “monstros de quatro patas”, o cavalo, desconhecido pelos povos do continente americano. Tal como acontecerá em Hiroshima e Nagasáqui com as duas bombas atómicas e acontece hoje em Gaza e no Líbano com as mais mortíferas armas ocidentais.

A anti epopeia da Europa terminou com a sua derrota na Segunda Guerra Mundial, quando foi substituída por uma entidade sem alma, que funda o novo mundo com um imenso genocídio e uma exploração sem regras nem limites da natureza, expressa na célebre carta do cacique de Seattle ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1855:

O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também a sua amizade e benevolência. Isto é gentil da sua parte, pois sabemos que não precisa da nossa amizade. Vamos, porém, pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. […]

Cinco séculos após a passagem do Cabo das Tormentas, rebatizado em da Boa Esperança, o Adamastor venceu, o Ocidente perdeu. O Oriente apresenta hoje ao mundo uma civilização vencedora, mais aberta, mais flexível, mais adaptada ao mundo. O Ocidente seguiu o caminho na direção contrária ao que Camões celebrou e, em vez de respeitar o ‘Outro´, aniquilou-o, esquecendo-se que as sementes do ódio são eternas. São estas sementes que o Ocidente continua a espalhar.

Há uma diferença radical entre a chegada dos europeus às Américas e a de Vasco da Gama à Índia. Entre a dominação e uma aliança, Vasco da Gama propõe uma aliança ao Samorim:  E se queres, com pactos e lianças/De paz e de amizade, sacra e nua, Comércio consentir das abondanças/Das fazendas da terra sua e tua, Por que creçam as rendas e abastanças/(Por quem a gente mais trabalha e sua)/De vossos Reinos, será certamente/De ti proveito, e dele glória ingente.

Os Lusíadas não fazem parte das leituras nem na sede da UE, nem da NATO.

domingo, 13 de outubro de 2024

 

Da impunidade dos crimes do Ocidente à impotência coletiva dos povos – Parte II

By estatuadesal on Outubro 12, 2024

(Por Erno RENONCOURT, in Le Grand Soir, 10/10/2024, Trad. Estátua)

Anteriormente, postulámos que a invariância, no tempo e no espaço, da impunidade dos crimes ocidentais e do desamparo coletivo dos povos, confrontados com a desapropriação da sua identidade, autenticidade, liberdade, dignidade e humanidade pelo capitalismo inovador (através do cancelamento de direitos humanos e inteligência artificial), estiveram ligados à peregrinação das legiões militantes e revolucionárias que se lançaram, como vanguardas das lutas dos povos, em todos os lugares, ao assalto ao capitalismo, com as bandeiras do materialismo histórico. Baseando-nos nos exemplos de Gaza e do Haiti, modelámos um sistema de equações que tende a mostrar que esta invariância, esta impotência e esta deambulação estão entrelaçadas e emaranhadas nos fios de uma espiral desumanizante que carrega o mundo, não sem resistência, mas com perda de sentido e de inteligência, rumo ao que chamamos de indigência para todos.



Apressemo-nos a dizer que, na nossa concepção, a indigência é um estado de inclinação (colapso) da consciência humana em direção aos padrões culturais e éticos mais básicos, onde o ser humano, acotovelado, precário e condicionado pelas incertezas da sua existência, renuncia à inteligência e abandona a dignidade humana através do desejo de se apegar a vacuidades materiais que são promovidas, mediadas e, portanto, percebidas como valores existenciais. Esta busca pelo sustento da existência resulta em fissuras na consciência humana. É através delas que o capitalismo se infiltra para despejar os recursos da sua geoestratégia de desumanização, brutalizando os humanos.

O paradoxo de não pensar, através de um processo de duplo pensamento

Este processo de embrutecimento, condicionamento e colapso da consciência através do capitalismo mutante foi previsto por Pierre Bourdieu. Em 1998, ele escreveu, com uma precisão analítica cirúrgica, que “esta utopia neoliberal, que pretende basear-se no progresso, na razão e na ciência, procura apenas enviar o pensamento crítico de volta ao arcaísmo, destruindo metodicamente todas as estruturas colectivas e todas as conquistas sociais” (Pierre Bourdieu, Contre-feux. Propos pour servir à la résistance contre l'invasion néo-libérale, Paris, Liber-Raisons d'Agir, 1998).

No mesmo livro, escreveu: “A essência do neoliberalismo é impor por toda a parte o embrutecimento coletivo maciço, promovendo o caos e a precariedade como únicos modos de dominação. São estes os factores que permitem manter este estado generalizado de insegurança e precariedade como condicionamento psicológico para melhor subjugar os trabalhadores, escravizar o povo e impedi-lo de pensar noutras possibilidades mais dignas de sair deste impasse existencial que faz do mercado livre o único valor dominante que se pode impor à humanidade".

Tendo gerado precariedade material, que condiciona os seres humanos a uma busca frenética pelo acesso aos recursos materiais para subsistir e sobreviver, o capitalismo também se infiltrou nas fendas que essas precariedades geram. E isto porque, aparentemente, melhor do que os marxistas, os teóricos do capital compreenderam que a relação entre existência e consciência gera ciclos de feedback que podem levar a vários estados mentais que condicionam a acção humana. Porque como escreve Ludwig Von Mises em seu Abridged Human Action, um tratado de economia: "O homem só age na história se sua consciência estiver em dificuldades (frustrada, desconfortável) em relação a determinadas condições de existência". E é para evitar esta elevação da consciência para as vibrações mais elevadas de resistência que o capitalismo, nas suas mutações históricas, deu a certos homens a ilusão de uma certa influência, de um certo sucesso, de uma certa cobertura mediática que não só os condicionará a submeterem-se à autoridade, mas também atrairá a admiração das massas que só vêem o seu futuro através do prisma daqueles que são enobrecidos pelo sistema. O que induz este paradoxo de desempenho fracassado: a mesma geoestratégia, que aliena e desumaniza, também produz uma forma de enobrecimento e mediatização através de uma ilusão de sucesso, que fascina os pobres. Daí a sua incapacidade de escapar do bloqueio da invariância.

Assim, não é raro ver, particularmente no Haiti, activistas revolucionários que combatem o capitalismo no terreno económico e na luta dos trabalhadores, a correrem atrás dos atractivos culturais e académicos que o capitalismo produz através das suas instituições. O que cria um efeito paradoxal que aniquila o seu compromisso militante. Só podemos encontrar as causas desta manifestação no colapso da consciência e na perda de inteligência colectiva que o capitalismo alimenta através da cultura, do conhecimento e da tecnologia, realidades que são sempre percebidas como progresso. É através dos seus paradoxos que o neoliberalismo se perpetua, criando fissuras na consciência dos seres humanos que os impedem de integrar esses paradoxos num modelo de dados que torne evidente a sua interligação.

Não foi senão isto, essencialmente, o que George Orwell disse quando escreveu em 1984 que: “Os próprios nomes dos quatro ministérios que nos lideram revelam uma espécie de atrevimento na inversão deliberada dos factos. O Ministério da Paz trata da guerra, o da Verdade, da mentira, o do Amor, da tortura, o da Abundância, da fome. Estas contradições não são acidentais, nem são o resultado da hipocrisia comum, são exercícios deliberados de duplo pensamento. Na verdade, é apenas através da reconciliação dos opostos que o poder pode ser mantido indefinidamente. O velho ciclo não poderia ser quebrado de outra forma. Para que a igualdade humana seja para sempre posta de lado, para que os grandes, como os chamamos, mantenham perpetuamente os seus lugares, a condição mental dominante deve ser a loucura dirigida.” (George Orwell, 1984 , Gallimard, 1950, p. 253).

Não será esta loucura controlada precisamente a engenharia do caos que está em acção em todo o mundo? Mas quantos são capazes de saber que se trata de um verdadeiro processo científico que tende a garantir a confiança (portanto o desempenho) de um sistema, simulando falhas contínuas no seu ambiente para avaliar o impacto, planear uma melhor defesa e refinar a estratégia de manutenção do modelo? Não é este jogo perverso praticado por estes homens das sombras a quem Giulano Da Empoli, no seu livro Os Engenheiros do Caos, chama “engenheiros do caos”? Na verdade, são eles que implementam os algoritmos e processos para desviar a nossa raiva legítima, capturando nas suas redes a massa de públicos insatisfeitos, mas vulneráveis ​​e frágeis. No entanto, estes públicos, embora tenham todos os motivos para se levantarem contra as respectivas elites dos seus países, não estão, no entanto, menos sob a influência das elites, contendo a sua raiva através de plataformas de redes sociais que transmitem extensivamente temas populistas, através do respeito pelas instituições democráticas. , através do respeito pelos pactos republicanos. Tantos pseudovalores que não têm outro objetivo senão quebrar a resistência coletiva das pessoas.

É apenas uma forma de dizer que é navegando nas águas estagnadas das fissuras da consciência humana que os geoestrategas da desumanização asseguram o ressurgimento do seu modelo económico. E é por isso que nos parece que é na consciência que é preciso voltar atrás e repensar o materialismo histórico e orientá-lo para um materialismo sistémico.

Ouvir o som da indigência do mundo para além do nosso inconsciente coletivo

Lembremos que este fórum, nas suas sucessivas partes, não tem outras razões que o motivem, a não ser: alimentar, neste tempo que se reconfigura pelos múltiplos braços da espiral da indigência para todos, um problema contextual e construtivo para encorajar aqueles, daqui e de outros lugares, que realmente querem pensar e inovar as lutas contra a desumanização, a sistematizar os fundamentos do materialismo histórico, radicalizar a sua dialética num compromisso do EU no terreno da consciência, para o além do compromisso militante no campo da ação política.

Mas a acção política falhou em quase todo o mundo. A esquerda tornou-se mais reacionária e mais atraída pelo fascismo tecnológico do que a outrora direita fascista. É como se, com a ajuda da relatividade geral, a esquerda e a direita tivessem respectivamente invertido as suas linhas ideológicas sob o efeito das curvaturas e enganos da geoestratégia ocidental.

Se excetuarmos algumas raras vozes de uma esquerda extrema, em geral consciente, todos aqueles que nas redes sociais manifestam pensamento crítico contra o sistema são pessoas que navegam à vista na margem direita para as suas ondas tempestuosas, próximas dos níveis extremos.

Onde está o erro, senão na perda de rumo da bússola ideológica? "E como é na prática que o homem deve provar a verdade, isto é, a realidade e o poder do seu pensamento neste mundo e para o nosso tempo” (Karl Marx e Friedrich Engels, L'ideologie Allemande , Éditions sociales, 1968, pp. 31-32), a incapacidade das vanguardas marxistas, em todo o mundo, de colocar em prática a dialética da história para se apropriar dos três tempos necessários à abolição da alienação capitalista (Ibid., p.60) é ao mesmo tempo uma fracasso teórico e prático. Mas este fracasso teórico não é necessariamente o do marxismo, só pode ser o fracasso intelectual (falha da inteligência) daqueles que o interpretaram como uma teoria universal e imutável da acção revolucionária. Com efeito, segundo Alex Mucchielli (Savoir Interpréter , Armand Colin, 2012) as coisas só adquirem sentido para um observador num determinado contexto e de acordo com a posição que ocupa em relação a esse contexto.

No entanto, muitos marxistas ainda não estão conscientes de que a realidade social não é dada, de que não existe uma realidade verdadeira imposta a todos da mesma forma, por assim dizer, universal. Têm dificuldade em admitir que a realidade é uma construção que se estrutura em contacto com as incertezas da existência, e esta construção depende da forma como a consciência humana interpreta essas incertezas. Todo o nosso propósito é provar que este é o verdadeiro ensinamento do materialismo dialético. Infelizmente, este ensinamento não foi compreendido, porque nos concentramos mais nas fórmulas marcantes que decretam, ressoam como profissões de fé e se impõem como dogmas eternos. Como se os dialéticos materialistas, em todo o mundo, tivessem lido Marx, sem realmente compreender que o marxismo, por ser uma teoria científica, exige um esforço de contextualização, uma abordagem sistémica que nos convida a ir além da contradição para ceder ao paradoxo o status de um possível não excludente.

Se considerarmos que uma abordagem sistémica da lição marxista nos obriga a admitir a verdade da tese, de que são as condições de existência dos homens, decorrentes das forças produtivas e do estado social do seu contexto, que determinam a sua consciência, encorajá-los a agir para fazer história e transformar sua existência, não exclui o vaivém entre existência e consciência e certos estados de consciência plena ou vazia, onde respectivamente o ser pode estar totalmente desperto e permanecer em conexão com o ambiente ou estar sem peso num vazio cognitivo permanecendo totalmente desconectado do mundo. Isto permite-nos postular que a invariância da impotência dos povos face à sua desumanização e a impunidade arrogante e eficiente dos crimes ocidentais se devem ao facto de ser a consciência da grande maioria dos homens que não foi capaz de entrar em contradição (na luta, na revolta, na indignação) com o caráter insuportável que a alienação capitalista atingiu na história. O que dizemos aqui não é muito diferente do que escreveu Julian Assange: “Cada vez que testemunhamos uma injustiça e não agimos, estamos a formar o nosso carácter para sermos passivos... Acabamos então por perder toda a capacidade de nos defendermos [... ]. »

E é precisamente isso que o capitalismo faz: agora, na sua versão de geoestratégia de desumanização global e universal, treina a nossa consciência para ser passiva, dando-nos pequenas distrações, liberdades virtuais, valores pseudo-universais para nos manter afastados das esferas superiores. de plena consciência, e impede-nos de entrar nesta inquietação existencial que nos obriga a ver o duplo padrão (duplo pensamento) em tudo o que o Ocidente engrandece. Mas porque é que as vanguardas marxistas em todo o mundo não conseguiram compreender a advertência de Bourdieu contra o neoliberalismo? Um alerta, no entanto, facilmente descodificável, pois ao dizer-nos que “o neoliberalismo é apenas um programa de destruição de estruturas colectivas capazes de obstruir a lógica do mercado puro”, convidou-nos a perceber que a força de resistência dos povos reside agora na sua capacidade de obstruir a lógica do mercado (nas suas múltiplas manifestações), recusando o consumo de produtos que se revelem prejudiciais à nossa humanidade. Eles não tinham inteligência? Ou foram todos recrutados para os redemoinhos desta engenharia do caos que se infiltra nos corações das vanguardas mais doutrinadas?

Na verdade, se a história da indústria evoluiu, ao ponto de o capitalismo se ter transformado num poder insuportável que desumaniza todas as pessoas, e ainda assim esta dupla realidade não mobilizou os homens a rejeitarem os valores do capitalismo e a radicalizarem-se para transformarem a sua existência e realizarem-se humanamente na história, é necessariamente porque há uma falha na consciência humana. E quando a consciência humana falha, ela só pode suportar a existência. Isto é, aliás, o que o próprio Marx postula: "é igualmente claro que é impossível fazer história quando falta aos homens não apenas a faculdade de conceber o significado da história e os materiais para a ação de transformação da história". (Karl Marx e. Friedrich Engels, A Ideologia Alemã , Edições Sociais, 1968, p.58).

Há, portanto, no ruído ensurdecedor desta errância, as ondas de falhas de uma impotência e de uma invariância que, embora precária e alienante da existência das massas humanas em ecossistemas falidos, não tem sido capaz de despertar as suas consciências para as empurrár para empreendem a marcha rumo à apropriação do seu ser genérico, para a realização da celebração da humanidade e do fim da história. São as incertezas que pontuam este ruído que nos tornam tão insolentes ao questionar a inteligência das vanguardas marxistas em todo o mundo na sua apropriação da noção de consciência na teoria marxista da história.

Uma manifesta falta de consciência num ecossistema divergente

Convém lembrar aos papas infalíveis que detêm o monopólio da verdade da dialética materialista, que para nós não se trata de vestir a farda de especialista e de intérprete de Marx, mas de procurar, na consciência humana, a falha que os estrategas globalistas, engenheiros do caos, criadores de imposturas, guardiões do ressurgimento do carrossel invariável têm explorado com sucesso. Porque são eles que permitem que o capitalismo, na sua incessante metamorfose, alcance no século XXI aquilo a que Francis Cousin chama aquele “estágio onde o mundo inteiro [oscila e se afunda] num êxtase obsceno perante a sua dominação” (Francis Cousin, Ser versus ter, Para uma crítica radical e definitiva da falsidade onipresente, O retorno às fontes , 2012, p.6). Este êxtase obsceno foi particularmente evidente durante a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, em Julho passado: toda a Paris vibrava com cultura, desporto e luxo, embora ao mesmo tempo Gaza estava a ser sujeita ao genocídio, a Ucrânia continuava a ser transformada pela NATO num território de carne para canhão para enfraquecer a Rússia, o Haiti mergulhou na desapropriação do seu território pelos gangues federados pela ONU, tendo sido desde a escravatura um território de experimentação de desumanização.

Quem tem tempo para ter um interesse humano e autêntico por estes lugares distantes, exceto navegando, surfando nas notícias, na agitação das redes sociais, nas mentiras e na propaganda da mídia oficial?

Quantos suspeitam que as redes sociais fazem parte do arsenal tecnológico da engenharia do caos que a geoestratégia da desumanização implementa para colapsar as consciências e quebrar toda resistência autêntica contra as suas estruturas? Quem tem tempo para entender a inflação de mensagens sem sentido que circulam nas plataformas de mídia social?

Quantos sabem que “o processamento destes imensos dados díspares exige hoje a utilização de novas ferramentas (Big Data, inteligência artificial) que se tornaram instrumentos de poder no cenário internacional. E cujo uso impacta de forma mais geral os modos de governo político de nossas sociedades” (Amaël Cattaruzza, Geopolítica dos dados digitais: Poder e conflitos na era do Big Data , Le cavalier bleu, 2019). Quantos dentre as vanguardas das lutas populares no mundo sabem que certos compromissos exigem maior vigilância e, portanto, maior consciência dos riscos?

Não será isto, de forma divergente, um indício ecossistémico dessa inconsciência que se revela no sublime texto de Djamel Labidi), publicado no mesmo dia da primeira parte desta coluna no site Grand Soir? Há de facto uma divergência entre estes ecos de inconsciência, porque esta fraqueza, estes erros, que Djamel Labidi percebe como as causas dos golpes desferidos à resistência palestiniana na sua luta contra este Estado criado para o genocídio, por aqueles que queriam limpar a sua consciência relativamente aos crimes do nazismo, são algumas das manifestações daquilo que chamo de fracasso humano e perda de inteligência colectiva nas formas de luta e resistência das vanguardas dos povos do mundo inteiro contra a geoestratégia da desumanização. Se o capitalismo triunfa e se recicla, para além das suas crises, ao ponto de ameaçar de extinção toda a vida na terra, é na verdade porque os estrategas da desumanização, os criadores da impostura, foram capazes de detectar as falhas na consciência humana. Exploraram-nos para criar esta engenharia do caos que torna as pessoas impotentes, inconscientes da sua desumanização e em perpétuo êxtase face às atracções culturais, tecnológicas e libertárias, e da fumaça que produzem, por sua vez, paradoxalmente, mas sem escrúpulos, os geoestrategistas da caos.

Mas como podemos compreender este êxtase da maioria dos povos do mundo perante os artefactos culturais do capitalismo senão através do fracasso da sua consciência? Como podemos explicar que apesar de ter “obstruído [virtualizado] a realidade de modo que ela não possa mais levar a nada [que seja] capaz de superá-la, de modo a que ela esteja assim em condições de se reproduzir indefinidamente sem nunca mais retornar a nada, que não ela mesma, na eterna multiplicação da reificação” (Francis Cousin, Ser contra o ter, Para uma crítica radical e definitiva da falsidade onipresente, Le Retour aux source , 2012, p.6), o capitalismo continua a lucrar vendendo às massas os produtos de consumo que as amolecem, pelo equilíbrio invariável entre os paradoxos que a engenharia do caos gera para entorpecer os humanos?

Para responder a esta questão, sugiro ao leitor o excelente texto de Marti Michel (Ver aqui ),
publicado no Le Grand Soir em 5 de outubro de 2024 que é, como o de Labidi, é um eco divergente do colapso da consciência humana, que postulamos como a linha de falha que precisa de ser assegurada.

E nisso, apesar da precisão da análise de Labidi, devemos reconhecer que os geoestrategas da desumanização são fortes. Porque a força de uns nunca é absoluta, está sempre ligada às fraquezas de outros. Quando as pessoas de todo o mundo se munirem de novas vanguardas - ficando plenamente conscientes de que o seu compromisso contra a desumanização multifacetada requer a unidade do seu ser, e que a menor das suas experiências sensíveis na existência deve cristalizar a essência desse compromisso através duma luta radical -, a força mudará de mãos... na esperança de que amanhã o mundo não desapareça.

Porque ao ler as linhas das nossas mãos, suadas e trémulas de impotência face à desumanidade e à impunidade demonstradas pelos líderes ocidentais e pelas suas redes mediáticas, não é preciso ser Nostradamus para compreender que a verdadeira ansiedade apocalíptica se apoderou de quase todas as pessoas do planeta.

Elas adquirem uma consciência cada vez maior e mais aterrorizante, de que as linhas de incerteza, que fazem o mundo oscilar, desde a crise sanitária do coronavírus em 2019, entre o horror de uma falha humana pela realidade virtual do pós-humanismo e a engenharia do caos, estabelecendo o medo e a precariedade como modo de governo, se intensificaram, e tornaram-se mais precisas e claras em termos de ameaças aos seres humanos. Ninguém, exceto aqueles que vivem em total irreflexão analítica, em duplo pensamento, entre a insignificância e a inconsciência, ainda ousa duvidar de que existe um risco quase manifesto, entre a probabilidade absoluta e a certeza, de ver o mundo cair na loucura apocalíptica entre o outono de 2024 e o inverno de 2025.

Algo sombrio na minha plena consciência me diz que a equação 2+2=5, omnipresente, em 1984 de George Orwell , é um código de duplo pensamento em que sentido e absurdo coexistem, a tal ponto que os signos perdem o seu significado em qualquer equação, ao mesmo tempo em que têm um profundo , significado codificado que se refere ao elemento neutro da operação sugerida (o zero) pela equação colocada. A título de dica, deixo aos leitores a substituição do sinal de mais na equação 2+2=5 pelo elemento neutro da adição e a exclusão do sinal de igual que não tem mais significado.

Nos vemos em 2025 para o resto deste fórum... no outro mundo. Tremem humanos, o inverno de fogo está chegando, o grande bárbaro ocidental da desumanização prepara seu novo banquete para ressurgir sobre suas estruturas bárbaras em novas imposturas.