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terça-feira, 7 de março de 2017

As sete falhas graves do governador - estatuadesal

 

 

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 06/03/2017)
nicolau
O governador do Banco de Portugal não pode ser afastado do cargo, a não ser por motivo de uma falha grave. A legislação sobre a matéria foi criada pelo Banco Central Europeu para manter a independência dos governadores do eurosistema. Infelizmente, o BCE esqueceu-se de tipificar o que é uma falha grave, o que torna virtualmente impossível a um Governo nacional demitir o governador do seu banco central, a não ser que assassine alguém ou que fuja com os lingotes de ouro do país que se encontram à sua guarda.
Como Carlos Costa não fará nenhuma dessas coisas, o que o Governo anda a fazer é moer-lhe o juízo a ver se sai pelo seu próprio pé. Impôs-lhe uma vice-governadora (Elisa Ferreira), um vice-governador (Luís Máximo dos Santos), um administrador (Luís Laginha de Sousa) e não aceita um dos nomes propostos pelo governador (Rui de Carvalho). O objetivo é óbvio: fragilizar e condicionar Carlos Costa e obrigá-lo a tomar a decisão de sair.
Acontece que o governador tem, em primeiro lugar, o respaldo internacional do BCE e do FMI (e, já agora, de Pedro Passos Coelho). E tanto o BCE como o FMI detestam interferências do poder político sobre os bancos centrais. Por isso, vão estender uma enorme rede de proteção sob Carlos Costa, até porque, como se sabe, não gostam da atual solução governativa portuguesa (para não dizer que a detestam). Além do mais, o que não deixa de ser curioso, o mandato do governador (de cinco anos) só termina depois da atual legislatura – o que quer dizer que Carlos Costa vai sobreviver a António Costa (isto, claro, se este não se recandidatar ou não vencer as próximas legislativas).
Dito tudo isto, é no entanto cada vez mais claro que o governador cometeu várias falhas graves que, se fosse numa empresa privada, já teriam levado o acionista a rescindir contrato com ele. Vejamos as sete maiores falhas de Carlos Costa.
1) O não afastamento mais rápido de Ricardo Salgado da liderança do BCE. Cada vez há mais provas que desde 2011 se acumularam sinais mais e mais pesados de que o GES estava falido e que a situação estava a contaminar o banco. Esses sinais foram alvo de relatórios dos seus próprios serviços entregues ao governador. E o governador foi deixando andar. Quando atuou já a situação estava muito descontrolada.
2) Sabendo tudo isso, o governador não impede que Ricardo Salgado proceda a um aumento do capital do banco em 2014 em mais de mil milhões de euros, que dois meses depois se evaporaram. Foi um enorme rombo na credibilidade do sistema financeiro nacional (qual é o investidor europeu ou norte-americano que agora volta a apostar nele?) e a morte definitiva da bolsa portuguesa que, se já estava mal, se tornou um morto-vivo depois deste descalabro.
3) O governador escolhe então Vítor Bento para presidir à instituição, com o mandato de a recuperar. Mas apenas dois meses depois, aceita as imposições do BCE, que exigiam a devolução imediata de uma linha de crédito de €3000 milhões concedidos ao banco, cortando o seu acesso ao eurossistema; e aceita igualmente que a Comissão Europeia teste em Portugal, pela primeira vez, o seu modelo de resolução de um grande banco de um sistema financeiro da zona euro (e que não mais voltará a ser aplicado). A marca BES, profundamente enraizada nos mercados, desaparece e em seu lugar surge o Novo Banco, que ninguém conhece. Esta mudança vai levar o Novo Banco a perder milhares de clientes, enquanto milhares de pequenas e médias empresas, clientes do BES, entram em colapso com o desaparecimento do banco.
4) O governador pede encarecidamente a Vítor Bento para passar da presidência do BES para a do Novo Banco. Bento aceita com a condição de dispor de pelo menos três anos para implantar a marca no mercado e estabilizar o banco, antes de ele ser colocado à venda. Carlos Costa aceita as condições, mas dois meses depois dá o dito por não dito e alinha com a tese do Governo PSD/CDS de que o banco é para vender o mais rapidamente possível (havia eleições em outubro de 2015 e Passos Coelho não queria que o dossiê BES contaminasse o processo eleitoral). Vítor Bento demite-se. Entra Eduardo Stock da Cunha.
5) Aquando da resolução do BES, o governador anuncia que o Novo Banco nascia com um capital social de 4900 milhões de euros, livre de quaisquer ónus ou de ativos duvidosos. Desde aí o banco acumulou mais de três mil milhões de euros de prejuízos e os créditos duvidosos ascendem a 2,5 mil milhões, segundo a garantia do Estado que a Lone Star, o atual potencial comprador, exigia.
6) O governador dá nova e profundíssima machadada na imagem externa do país e na sua credibilidade perante os investidores internacionais no final de 2015 quando decide passar cinco emissões obrigacionistas de dívida sénior, num total de 1.985 milhões, quase todas nas mãos de investidores internacionais, que se encontravam no Novo Banco para o BES mau. As reações são violentas, são colocados processos em Londres e as notícias colocam Portugal, pelas piores razões, nas primeiras páginas do Financial Times e do Wall Street Journal e nos canais financeiros internacionais.
7) Também no final de 2015, o governador surpreende de novo o país pelas más razões com a resolução do Banif, um banco que Carlos Costa considerava viável, tendo convencido Vítor Gaspar, então ministro das Finanças, a que o Estado se envolvesse com 1,1 mil milhões de euros no capital da instituição. O governador permitiu que fossem enviados oito projetos de reestruturação do Banif para as autoridades comunitárias e que todos tenham sido chumbados sem que tomasse qualquer atitude, apesar de contar com elementos do Banco de Portugal no conselho de administração do Banif.
 
Ovar, 6 de março de 2017
Álvaro Teixeira













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