(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/03/2017 Daniel Oliveira
O ruído mediático à volta da administração da Caixa Geral de Depósitos conseguiu, durante semanas, abafar os melhores resultados económicos e orçamentais de anos. A coisa prolongou-se numa espiral hiperbólica de adjetivação, em que a oposição decretou o regresso da “asfixia democrática” e um risco para o regular funcionamento das instituições. Quando o caso chegou ao ponto de enjoo, o Governo ganhou, por iniciativa própria ou não, um trunfo inesperado no campeonato dos escândalos: entre 2010 e 2014, €10 mil milhões tinham ido para offshores sem fiscalização tributária. Ainda a apanhar bonés, a oposição falou em notícias plantadas e tentou reduzir o caso a uma mera questão administrativa. Com alguma demagogia, os partidos mais à esquerda tentaram passar a ideia de que o dinheiro tinha voado sem pagar impostos, coisa que não podem saber. Houve mesmo quem comparasse os valores em causa com o dinheiro necessário para financiar o SNS. Depois de semanas de histeria demagógica com a CGD, PSD e CDS provavam do seu próprio veneno. No caso, um veneno fácil de administrar: a palavra offshore faz tocar todas as campainhas a quem sente que, estando longe da pirâmide social, paga quase sozinho os encargos do Estado.
Ficando pelo que sabemos, há duas dimensões deste episódio: a não publicação dos dados e o desaparecimento do radar destes €10 mil milhões. São coisas diferentes que só indiretamente se relacionam. A primeira é a mentira de Paulo Núncio, que contou três histórias diferentes sobre a não publicação das estatísticas do dinheiro saído para offshores. Entre a primeira versão, que responsabilizava a Autoridade Tributária por esta opção, e a última, em que o próprio assume uma escolha política consciente, há a certeza de que o ex-secretário de Estado, tendo deixadas claras as razões para resistir a esta publicação, assume o dolo da sua primeira mentira. As razões que deu para não publicar não convencem: as informações eram demasiado detalhadas, dando armas ao infrator, e eram pouco detalhadas, levando os cidadãos a um erro de perceção. A minha tese até é benigna: o Governo sabia que, no momento em que arrasava o país com medidas de austeridade e apertava o garrote fiscal, a informação de que o fluxo de dinheiro a sair para offshores atingia níveis históricos era politicamente inconveniente. Mas deixo esta leitura dos factos, condenável mas menos nociva, à condição. Veremos o que nos guardam novas revelações.
A segunda dimensão do tema é muitíssimo mais grave. A eliminação de dados, que terá resultado de um “erro informático”, não parece ter sido aleatória. Em 2014, ano de resolução do BES, estavam “ocultas” quase 98% das transferências para o Panamá. E os apagões parecem estar concentrados numa única instituição. Todos adivinham qual. Estes dados não chegam, pelo menos à hora e dia que escrevo este texto, para tirar conclusões. E muito menos para associar a evidente incúria do secretário de Estado a esta parte da história, de que parece por agora totalmente inocente. Mas chegam para perceber que esta novela pode só ter começado.
Uma coisa é certa: o caso da Caixa ficou soterrado. O dia da caça passou a dia do caçador: o Governo tem 2% de crescimento, o mais baixo défice de sempre e o jogo dos casos mediáticos a maltratar a oposição.
Ovar, 5 de Março de 2017
Álvaro Teixeira
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