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(Francisco Louçã, in Público, 30/05/2017)
Francisco Louçã
Se isto e aquilo, a França entra à bomba, avisou Macron diante de Putin. Estamos por nossa conta e cá nos arranjamos, explicou Merkel depois da reunião da Nato com Trump (a imagem mostra-a com um canecão de cerveja, mas era campanha eleitoral). As duas fanfarronadas foram muito bem recebidas, temos líderes, conclui aquela opinião que vive ansiosa por sinais de autoridade.
Talvez devêssemos parar para pensar um minuto sobre estes sinais.
Foi assim que Trump ganhou as eleições, não foi? Conclusão, isto funciona mesmo. As promessas podem variar (um muro contra os mexicanos, bombardear o Irão ou erradicar a Coreia do Norte), mas resultam sempre. No caso dos Estados Unidos, nem é a primeira vez que colocar galões no ombro de um presidente lhe resolve uma crise, foi assim com o triste George Bush, mas foi também assim que Clinton tentou desviar as atenções do seu processo de impeachment, bombardeando a Líbia.
Em qualquer cenário, o militar é um produto vendável e uma boa guerra é sempre uma anestesia. Por isso, hoje tudo na mesma, só que em muito maior: com Trump, temos na Casa Branca mais militares (“Mad Dog” Mattis, Kelly e McMaster) e mais dirigentes de empresas do complexo militar (Lockheed, Rayheon, Honeywell, Boeing, Halliburton, Chertoff). Com Trump, o orçamento militar cresce mais 50 mil milhões de dólares, ou o mesmo que a totalidade do gasto militar da França. Com Trump, decuplicaram as vendas de armas nos primeiros cem dias: de 700 milhões com Obama passou-se para 6 mil milhões com o novo presidente. Com Trump, está em curso a maior operação de rearmamento da história, o contrato com a Arábia Saudita.
A equação é evidente: quanto pior for a situação interna nos Estados Unidos ou quanto mais fragilizada estiver a presidência Trump, maior é o risco de operações militares fora de portas. Até agora, e passou pouco tempo, Trump já multiplicou os bombardeamentos com drones, lançou uma “mãe de todas as bombas” no Afeganistão e uma mão cheia de Tomahwaks na Síria, tudo para impressionar, hesitando agora sobre o que atacar, se a Coreia do Norte se o Irão. Mas a equação não se engana: se houver crise interna, teremos guerra externa.
Claro que já ouço as vozes avisadas: isso é nos Estados Unidos, país de cobóis, na Europa é diferente. Sim, é diferente. Mas diferente em quê? Já ninguém se lembra, Hollande também andou a fazer o tour de África pelos aquartelamentos franceses e pela história das suas batalhas coloniais. Que vale então a proclamação de Macron? Vale exactamente um trumpismo: ele tem eleições dentro de duas semanas. O que vale a de Merkel? Idem, as eleições são no outono.
A militarização da Europa, facilitada pelo Daesh e pelas carnificinas como a de Manchester, é portanto uma estratégia política e eleitoral. Segue os passos de Trump. Se ignorarmos a prosápia que apresenta a Europa como o centro da sageza e os EUA como o faroeste, verifica-se que o contraste estratégico é nenhum. A motivação é também a mesma: se não se resolvem os problemas da hegemonia social, se os regimes vão tremendo por terem perdido os alicerces, a militarização é a resposta mais simples e mais imediata. O militar é só a força do político sem força. A guerra é só a política sem meios. A militarização da Europa é por isso útil para Macron e Merkel e é necessária para a convergência possível onde só se criou a divergência perigosa. Vamos portanto ter mais deste trumpismo elegante e europeu, que ainda nos pedem que aplaudamos.
Ver todos os dirigentes europeus a abanarem a cabeça prometendo gastar mais em armas, como se isso tivesse o mais pequeno efeito na protecção das populações contra atentados terroristas, é assustador: apresentam-nos a medida mais incompetente para não lutarem contra o problema, querem enganar-nos e lançar-nos na espiral de uma nova corrida aos armamentos como se a militarização das nossas sociedades fosse a resposta para o século XXI.
Ora, esta mistura de ignorância e atrevimento é fraca quando parece musculada. Dizia Napoleão, sabedor destas coisas, que as baionetas servem para tudo menos para nos sentarmos em cima delas. É uma lição de poder. Talvez os nossos exuberantes líderes europeus se devessem lembrar dessa lição.
Ovar, 31 de maio de 2017
Álvaro Teixeira
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