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quinta-feira, 1 de junho de 2017

O triunfo do nada

Celso Filipe | cfilipe@negocios.pt

Celso  Filipe

Qual foi o tema que dominou o mundo, digamos, nas últimas 24 horas? A resposta é fácil. Foi um tweet do Presidente dos Estados Unidos em que o próprio escreve: "Despite the constant negative press covfefe."
O "covfefe" abalou o mundo, o real e o cibernético, com piadas, tentativas de adivinhas do que, afinal, significa esta gralha e o aproveitamento de putativas oportunidades de negócios, materializadas, por exemplo, no registo do domínio "covfefe".
O que importa que Donald Trump queira rasgar os acordos climáticos de Paris ou esteja a hostilizar a Alemanha, uma estratégia que visa fragilizar ainda mais a União Europeia e pinta um cenário favorável à Rússia, país que o actual inquilino da Casa Branca trata com um suspeito esmero?
Pelos vistos importa pouco. São assuntos sérios, espessos, sisudos, não têm a graciosidade de um "covfefe" que se presta a ser usado como uma plasticina, moldável às necessidades de todos: media, humoristas e políticos. Fazer um título com "covfefe" é dar largas à imaginação, é surfar no vazio, só para não ficar atrás dos outros.
Trump, que se podia ter limitado a apagar o tweet, ao constatar a existência de uma gralha, fez o contrário. Alimentou esta narrativa do nada, com um outro tweet. "Who can figure out the true meaning of "covfefe" ??? Enjoy!"
Donald Trump alimenta o inconsequente dando-lhe o palco do lugar que ocupa, o de Presidente norte-americano, desqualificando o cargo e lançando uma espécie de caça ao tesouro para descobrir o "verdadeiro significado" de "covfefe". É também uma demonstração de carácter. Ou, neste caso, da falta dele. O líder norte-americano, impante, recusa-se a aceitar uma mera gralha e manipula a situação, numa tentativa de a fazer reverter a seu favor.
O problema não é falar do "covfefe". É dar-lhe uma dimensão despropositada. É um sinal do tempo que se vive, onde o nada está a triunfar em toda a linha. Mais, onde os protagonistas do nada já estão no poder e actuam de forma a disseminá-lo transversalmente por toda a sociedade. Exagero? Talvez sim. Mas a verdade é que se acumulam sinais de que este nada se está a impor e que os "fait-divers" vão conquistando espaço mediático.
Por estes dias, ganha um renovado sentido este pensamento, atribuído ao filósofo chinês Confúcio: "Nada é bastante para quem considera pouco o suficiente." E isto é um perigo. Muito real.

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