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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Bombaças do sultão do Bósforo

28/08/2017 por Ana Moreno 4 comentários


Digo a todos os meus compatriotas na Alemanha: Não apoiem o CDU, nem o SPD, nem os Verdes! São todos inimigos da Turquia”, declarou a semana passada o presidente turco, instando a comunidade turca na Alemanha – com os seus 1,25 milhões de eleitores inscritos – a não votar em nenhum dos três maiores partidos nas eleições legislativas de 24 de Setembro. E como é de esperar nesta cepa de homens cuja virilidade se enfoca numa sensibilidade exacerbada àquilo que entende por sua honra e numa desmedida ambição de poder,  acrescentou: “Trata-se de uma luta pela honra de todos os nossos cidadãos que vivem na Alemanha”.
Esta foi mais uma conta no longo rosário da subida de tensão entre os dois governos.
Em reposta, Angela Merkel (CDU) afirmou ser “totalmente inaceitável” que o governo turco se intrometa nas eleições alemãs e Sigmar Gabriel, ministro dos negócios estrangeiros (SPD), considerou “um acto excepcional de ingerência na soberania do nosso país”. Cem Özdemir (líder dos Verdes), ele próprio de origem turca e que vem exigindo uma resposta mais veemente aos desmandos do déspota, afirmou que “teria sido uma ofensa o seu partido não estar incluído na lista negra de Erdogan”; Erdogan que está a transformar o seu país numa prisão a céu aberto.
Erdogan precisa urgentemente de atiçar o conflito para assegurar internamente o seu poder. À reacção de Sigmar Gabriel, de que não tolerava a ingerência de Erdogan, este respondeu como um fedelho no recreio: “Quem pensa você que é para se dirigir assim ao presidente da Turquia? Meta-se no seu lugar!” “Há quanto tempo é político? Que idade tem você?”



Com as suas provocações, Erdogan tem conseguindo dividir profundamente a comunidade turca na Alemanha, até ao âmago das famílias, gerando um potencial de conflito altamente efervescente em vésperas de eleições. Özdemir: “O que mais me preocupa de momento é que Erdogan está a tentar instalar a radicalização nas mesquitas e associações turcas na Alemanha”.
Também por isso, até há cerca de um mês a resposta do governo alemão às provocações – por exemplo, quando Erdogan acusou de nazi o governo alemão – manteve-se comedida e quase nula. Porém, desde a prisão de cidadãos alemães na Turquia (actualmente, de um total de 54, 10 são-no por razões políticas) sob acusações desprovidas de fundamento – como aconteceu ao activista de direitos humanos Peter Steudtner – a página do Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão passou a alertar turistas alemães para possíveis perigos durante férias na Turquia. E quando surgiu uma “lista negra” de 680 empresas alemãs consideradas como suspeitas de apoiarem terroristas, entre as quais Daimler e BASF, Gabriel desaconselhou a empresas alemãs investimentos na Turquia (tendo a lista sido então retirada com a explicação das autoridades turcas de que se tinha tratado de um “problema de comunicação”) e anunciou uma análise crítica dos seguros de crédito à exportação que o estado alemão garante a empresas alemãs na Turquia.
Merkel por sua vez, embora reiterando que é contra a cessação das negociações de adesão da Turquia à UE (no âmbito da qual a Turquia recebe montantes chorudos para se ajustar aos standards europeus em várias áreas: 189 milhões de EUR até ao momento, estando previstos 4 mil milhões até 2020) declarou na semana passada, numa entrevista a “YouTubers”, que neste momento não há avanços no processo de negociação do alargamento da união aduaneira da Turquia com a UE.
No sábado passado (19/08), mais um dardo do déspota: a detenção, pela Interpol, do escritor alemão de origem turca Dogan Akhanli, durante as suas férias em Espanha, em cumprimento de um mandado de captura emitido por Ancara – para variar, por alegada ligação a um “grupo armado terrorista“. Políticos dos mais variados quadrantes políticos consideraram o uso da Interpol pela Turquia para conseguir a prisão das vozes críticas e independentes como um abuso. “É como telefonar para o SOS 112 só por brincadeira”, afirmou Özdemir. Entretanto liberto, Dogan Akhanli não pode porém ainda abandonar a Espanha com rumo à Alemanha.
Entretanto, a mulher de Sigmar Gabriel recebeu ameaças telefónicas no seu consultório e o ministro turco para os Assuntos Europeus, Ömer Celik, lançou 28 Tweets seguidos, acusando Gabriel de ser racista e de extrema direita – para Gabriel um sinal de que “já não tem mais argumentos”, afirmando que não leva as acusações a sério – o que não admira, já que, se fosse racista, Gabriel não teria casado com uma mulher turca no seu primeiro casamento, sendo também de há muito conhecido o seu empenhamento político em questões culturais.
Ontem chega a notícia de mais uma purga de Erdogan: o despedimento de mais de 900 funcionário públicos, ao abrigo de dois novos decretos de “Estado de Emergência”. Desde a tentativa de golpe ocorrida no ano passado, foram já despedidos ou suspendidos 140.000 funcionários públicos e presas mais de 50.000 pessoas, entre as quais numerosos jornalistas, cientistas, professores universitários e críticos do regime.
Perante a Europa e a Alemanha, Erdogan tem o trunfo cardinal do arrevesado acordo sobre refugiados com a UE. Ainda ontem, o comissário para o Orçamento e Recursos Humanos da União Europeia, Günther Oettinger, exigiu dos estados-membros mais dinheiro para satisfazer esse acordo com a Turquia. “Os países membros têm de financiar mais de dois mil milhões”. No âmbito deste acordo, a UE prometeu à Turquia seis mil milhões de EUR até 2018. A primeira tranche, de três mil milhões de EUR, está já vinculada até ao fim do ano, tendo Oettinger já alocado 300 milhões de EUR no projecto de orçamento para 2018, destinados à segunda tranche.
O calcanhar de Aquiles de Erdogan é a situação económica, porém, como para o capital a moral e os valores são secundários, os empresários continuam a investir na Turquia e a bolsa a subir, prevendo-se que a taxa de crescimento para 2017 aumente para 3,9%. Money makes the world go round.
E isto, apesar de a classificação da Turquia pelas agências de rating ser de “lixo”, sendo o elevado défice da conta corrente e o elevado nível de dependência de financiamento externo os principais problemas que aumentam a vulnerabilidade. No entanto, nos mercados financeiros, o risco de incumprimento para títulos do governo turco não é considerado mais elevado do que, por exemplo, o de Portugal.
Entretanto, Erdogan continua a atiçar o nacionalismo, a amanhar terreno para reintroduzir a pena de morte, a meter na cadeia quem se atreve a abrir a boca em nome da liberdade e da justiça, a dividir profundamente a sociedade turca, espalhando o medo e a desconfiança.

Fonte: Aventar

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