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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Algo se vai passar na Saúde

Ladrões de Bicicletas


Posted: 22 Nov 2017 12:40 AM PST

Sem querer abusar do uso de sondagens, dir-se-ia que os partidos que apoiam o governo representam três quintos das intenções de voto, contra dois quintos da Direita.
E, apesar disso, o governo decidiu patrocinar um diálogo com a Direita para rever a Lei de Bases da Saúde, dando-lhe um destaque e eficácia que nem o sector privado tem no terreno, nem a Constituição da República Portuguesa lhe concede abertamente.
Após uma proposta de clarificação da Lei de Bases da Saúde, apresentada pelo dirigente do Bloco de Esquerda João Semedo e pelo fundador do Serviço Nacional de Saúde (SNS) António Arnaut, no sentido de blindar o SNS da predação privada - que tem penetrado graças a décadas de suborçamentação e desarticulação do SNS e até por uma ADSE pública que financia a actividade privada - o governo decidiu equilibrar essa iniciativa dando uma mão precisamente ao sector privado.
"Convidámos a doutora Maria de Belém Roseira para que constitua uma comissão, nos critérios que ela própria definirá, e que possa acolher todas as sensibilidades da sociedade portuguesa", anunciou o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, no Parlamento. Ora, Maria de Belém Roseira é muito mais do que uma polémica ex-ministra socialista da Saúde - Maria de Belém Roseira é actualmente consultora do grupo privado Luz Saúde (sucedânea da Espírito Santo Saúde) e desde 2006, além de integrar o Conselho Consultivo da Luz Saúde, foi consultora da Euromedics e Merck, duas empresas com interesses diretos no setor da Saúde.
Objectivo: Conseguir "consenso alargado" tendo em vista um "pacto orçamental" - o que quer que seja que isto queira dizer... - que permita preparar um plano para a saúde para "mais do que uma legislatura".
Ou seja, encontrar um meio termo, uma bissetriz, entre a defesa do sector público (supostamente no Governo e nos partidos que o apoiam) e as pretensões privadas. O problema de uma estratégia como essa é que, quando se começa a regatear tapetes, acaba-se por comprar algum. E a dúvida será por que preço.
Claro que o presidente da República, no seu objectivo político - nunca declarado na campanha eleitoral - de conseguir um bloco político central, já aplaudiu a iniciativa e alargou-a, contribuindo para forçar essa porta que deveria estar bem clarificada em prol da defesa do SNS, tal como prevê a Constituição que Marcelo Rebelo de Sousa prometeu fazer cumprir. Não as suas ideias: a Constituição.
"Desde que assumi funções tenho dito que, embora haja um pacto implícito, não declarado, em que os vários partidos aceitam a realidade da saúde em muitos aspetos sem os confrontos ideológicos de outros tempos, era desejável haver uma convergência explícita, expressa, assumida”. “Como disse aqui, agora mesmo, porventura não é fácil, não tem sido fácil haver este tipo de compromissos, mas não é razão para eu não deixar de o defender”, sublinhou.
Pergunta feita ao PR: Mas o sector de saúde público não tem perdido terreno para o privado?
Resposta do PR: “O que vale a pena é olhar para o sistema todo, olhando para realidade da sociedade portuguesa neste momento” em que Portugal não está em crise.
Ou seja, um presidente da República bem alinhado com o argumentário da Direita que sempre exigiu ser tratada como um parceiro ao nível do público, recebendo financiamentos do Estado, sob o lema "pensem nos utentes e não em quem presta Saúde".
É isto que está em jogo. E esperemos só que esta abertura do Governo ao sector privado não seja uma moeda de troca para a pacificação de Marcelo Rebelo de Sousa em relação ao governo.

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