Novo artigo em BLASFÉMIAS
por rui a.
Para quem, como eu, acredita nas virtudes da democracia, constituem um autêntico enigma as ultimamente tão invocadas «interferências externas que se registaram em eleições como as dos EUA ou França». Na verdade, de duas três: ou se acredita no bom senso do povo, e acredita-se na democracia, ou admitimos que o bom povo é ingénuo e ignorante, e, então, a democracia torna-se inviável. Tratando-se de países com sociedades desenvolvidas, como terão sido intrujados os cidadãos americanos e franceses? Diabolizando a Sra. Clinton com falsas notícias sobre ela? Exaltando falsas virtudes da Mme. le Pen? Mas não houve também, para contrabalançar, toneladas de notícias caluniosas sobre os demais candidatos a essas eleições? O bom povo não conseguirá distinguir, no meio desse lamaçal plurilateral, o que verdadeiramente lhe interessa e lhe julga convir? E, ademais, é precisamente para corrigirem os erros que os eleitores podem cometer, ou julgam ter cometido, que existe democracia e existem eleições. Se sábios e homens honestos estivessem sempre no poder, o valor destas seria decrescentemente menor...
Mas é com base nessa, esta sim, verdadeira intrujice, que o «nanny state» em que a União Europeia se tem vindo a transformar quer legislar para intervir na opinião publicada nas redes sociais e na comunicação social tradicional. Para já criaram um grupo de censores, dito doutro modo, «um grupo de peritos de alto nível para a apoiar no combate à desinformação online». O que será semelhante coisa? Onde conseguiram, estes cidadãos, alcançar semelhantes atributos? E por que têm eles que opinar sobre o que os outros cidadãos opinam, mesmo que as suas opiniões se fundamentem em falsidades? E, em política, o que é falso hoje não poderá ser verdadeiro amanhã? Em 2004, por exemplo, quantos militantes e dirigentes do PS não jurariam pela honradez de José Sócrates? Como reagiriam às supostas «fake news» que supostamente o difamavam? E quantos desses continuam a pôr hoje as mãos do fogo pelo seu antigo líder? Como reagiria, a montante, um «grupo de peritos» que tivesse de tomar decisões sobre essas notícias?
O velho «lápis azul» tem sempre mil e uma «boas» razões para existir. Da preservação da moralidade à segurança colectiva, não faltam pretextos. Invariavelmente alegados por quem o tem nas mãos.
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