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terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Como os caciques de Ovar angariaram votos para Rio

Vídeo. Como os caciques de Ovar angariaram votos para Rio

14 Janeiro 20184.213

Rui Pedro Antunes

João Porfírio

Rita Dinis

Miguel Santos Carrapatoso

Na concelhia do diretor nacional de campanha de Rui Rio, militantes foram transportados em bloco por uma carrinha

de associação presidida por militante do PSD. O Observador filmou tudo.

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É a mais velha tática do caciquismo e era denunciada pelos quatro piscas de uma carrinha em segunda fila junto à

sede do PSD em Ovar: o transporte de militantes em bloco. Este sábado, duas horas depois de as urnas abrirem

para a eleição do novo líder do PSD, Salvador Malheiro, diretor nacional de campanha de Rui Rio, despedia-se de

um grupo de sete militantes com beijos e abraços. Pouco depois, um homem encaminhava essas pessoas

para uma Renault Traffic cinzenta que os levou a casa. A viatura é propriedade de um grupo recreativo presidido por

um militante do PSD. A acompanhá-los, dois operacionais do caciquismo, um deles como motorista.

O grupo é da “secção fantasma” do PSD de Ovar, onde há casos de militantes que vivem em moradas que

não existem ou outros de 17 militantes a viver na mesma casa. A rotina continuou pela tarde fora e Rui Rio — o

candidato que prometeu um “banho de ética” no início da sua campanha — ganhou confortavelmente em Ovar:

teve 409 votos, contra apenas 60 em Santana Lopes. Dos 792 inscritos votaram 476, uma participação de 60%.

[Veja a seguir o vídeo do Observador que mostra como foi feito o transporte em bloco de militantes]

Uma hora depois, a carrinha regressou com mais militantes e estacionou no mesmo local. Junto à porta da sede

do PSD de Ovar, no 1.º esquerdo do n.º 84 da Rua Ferreira de Castro, havia uma fila para votar que vinha do primeiro andar até à porta. Apesar disso, apenas 11 minutos depois de chegarem, os militantes “transportados” estavam de

volta à carrinha. O Observador seguiu então a carrinha, que percorreu cerca de 18 quilómetros até

Esmoriz, onde deixou os militantes em casa. Mas não numa zona qualquer: na Avenida Infante D. Henrique,

junto à Rua dos Pescadores, em Esmoriz.

Os militantes-fantasma de Ovar

É precisamente nesta avenida que existem os militantes-fantasma que já levaram a várias queixas no Conselho

de Jurisdição do PSD. Segundo o Expresso denunciou este sábado, é no n.º 79 desta avenida que

vivem alegadamente 17 militantes do PSD com as quotas em dia e com capacidade para votar nestas diretas. É

essa a morada que

consta na ficha desses 17 militantes, mas, na verdade, só ali vivem oito pessoas e nenhuma é filiada no PSD. Há

ainda militantes em condições de votar que supostamente moram ali ao lado, na Rua dos Pescadores, em números

de porta que não existem.

Em 2016, quando houve eleições na distrital de Aveiro, o então presidente da estrutura, Ulisses Pereira, denunciou

que nessa mesma Rua dos Pescadores tinham sido inscritos 80 militantes em junho e julho de 2015 (a tempo das eleições da distrital, a 5 de março). A esses juntavam-se outros tantos na Avenida Infante D. Henrique. Nesses dois meses foram inscritos 418 militantes na Secção de Ovar, dos quais 271 pertencem à freguesia de Esmoriz (onde se incluem os tais 80). Ulisses Pereira queixava-se então, em comunicado, que existiam “fortes indícios de irregularidades graves e de viciação e até de eventual falsificação dos dados dos militantes inscritos na referida Secção de Ovar”.

Confrontado com o transporte de militantes em bloco para a votação, Salvador Malheiro respondeu ao Observador: "Qual é o problema? Agora vão dizer que isto foi viciado? Deixem isso".

Mas há mais insólitos entre estes inscritos no Verão de 2015 naquela zona piscatória: 122 pessoas partilhavam três números de telemóvel (77 com o mesmo número de telemóvel, outros 33 com outro número e outros 11 com outro número). E pior, segundo se queixava então Ulisses Pereira: “Esta situação é tanto mais preocupante do ponto de

vista partidário, quanto 16 desses novos militantes, admitidos em junho e julho, em condições que se afiguram tão duvidosas, foram beneficiados (…) com a atribuição de casas por parte do município de Ovar, apenas quatro meses depois, em novembro de 2015, na operação de realojamento da Zona Prioritária da Praia de Esmoriz, quando todos sabemos que o Presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador Malheiro, é candidato a Presidente da Comissão Política Distrital de Aveiro, nas eleições de 5 de março”.

Facto: Malheiro acabou por ganhar as eleições e tornou-se líder distrital. Mesmo que do outro lado estivesse Ulisses Pereira com o apoio do líder parlamentar e figura cimeira do PSD de Passos Coelho, Luís Montenegro. No último ano, Malheiro começou a destoar de Passos, sendo um dos raros presidentes de distritais críticos do

ex-primeiro-ministro — e acabou a ser o homem-forte de Rio na campanha. No discurso da vitória, este domingo, Salvador Malheiro recebeu o maior aplauso da noite quando Rio disse o seu nome. Maior do que quando se referiu a Francisco Pinto Balsemão ou a Pedro Passos Coelho.

Mais uma viagem de militantes em bloco

Mas voltemos à Avenida Infante Dom Henrique neste sábado, dia de diretas no PSD que opunham Rui Rio a Pedro Santana Lopes. Após largarem os militantes que acabavam de votar, os caciques entretiveram-se uns minutos a conversar na zona piscatória. Mas logo voltaram a carregar mais militantes. Desta vez, quatro mulheres. Já

estava escuro, às 18h14, quando os militantes chegaram à sede. Antes de seguir para o quartel-general da noite eleitoral de Rio, o Hotel Sheraton do Porto, Salvador Malheiro continuava a operação de charme aos militantes do PSD e cumprimentava-os um a um.

Os “transportados” subiram para a sede, no primeiro andar, e, passados apenas oito minutos, regressaram e entraram na carrinha. Nesse momento, o motorista apercebeu-se da presença dos jornalistas do Observador. A carrinha ainda seguiu para deixar os militantes em casa, mas a operação acabou. A carrinha de nove lugares, sempre a mesma ao longo de toda a tarde, não voltou a aparecer — embora ainda faltasse mais de uma hora e meia para o fecho das urnas. Por cada viagem para levar e trazer militantes em bloco, foram mais de 30 quilómetros e cerca de quarenta minutos.

[Veja a seguir uma sequência de oito imagens captadas pelo Observador que mostra como foi feito o

transporte em bloco de militantes]

Imagem 1

O diretor nacional de campanha de Rui Rio, Salvador Malheiro, despede-se de sete militantes que foram votar à sede do PSD em Ovar.

O diretor nacional de campanha de Rui Rio, Salvador Malheiro, despede-se de sete militantes que foram votar à

sede do PSD em Ovar

Imagem 2

Uma hora depois, a carrinha volta com mais militantes e estaciona em frente à sede de campanha do PSD em Ovar. Militantes entram, depois de votar, na carrinha.

Uma hora depois, a carrinha volta com mais militantes e estaciona em frente à sede de campanha do PSD em Ovar.

Os militantes entram na carrinha, depois de votarem

Imagem 3

Perseguição à carrinha que vai levar pessoas a casa

A carrinha vai levar os militantes a casa

Imagem 4

Os militantes são deixados em casa, na Avenida Infante D.Henrique, junto à rua dos pescadores, em Esmoriz.

Os militantes são deixados na Avenida Infante D.Henrique, junto à Rua dos Pescadores, em Esmoriz

Imagem 5

Cacique e motorista conversam enquanto esperam mais militantes. Na suspeita Avenida, mais militantes foram encaminhados para a carrinha.

O cacique e o motorista conversam enquanto esperam mais militantes

Imagem 6

Militantes chegam à sede do PSD.

Os militantes saem da carrinha (aqui, tapada por um Mercedes) e chegam à sede do PSD

Imagem 7

Salvador Malheiro continua a operação de “charme” aos militantes doPSD e cumprimenta-os, um a um.

Salvador Malheiro continua a operação de charme aos militantes do PSD e cumprimenta-os um a um

Imagem 8

Militantes que foram votar e “cacique” entram na carrinha. Motorista apercebe-se da presença de jornalistas no local.

Os militantes que foram votar e o cacique entram na carrinha. O motorista apercebe-se da presença dos jornalistas

do Observador

Carrinha é de grupo recreativo presidida por militante do PSD

Questionado pelo Observador sobre a prática de transportar militantes em bloco para ir votar, Salvador Malheiro garantiu que não sabe “como as pessoas foram transportadas” e que, se houve “transporte de pessoas,

significa que as pessoas existem”. Para o presidente da câmara de Ovar e líder da distrital do PSD de Aveiro, “é natural que as pessoas se organizem para ir votar.”

Embora a carrinha cinzenta utilizada para o caciquismo não estivesse caracterizada, o Observador apurou que

pertence ao Grupo de Danças e Cantares de Santa Maria de Esmoriz. Ora, esta associação — que recebe, naturalmente, apoios da autarquia — é presidida por Lino Osvaldo Jorge, militante do PSD, que aparece em eventos ao lado do próprio Salvador Malheiro e de um dos seus companheiros de partido, o presidente da junta de freguesia de Esmoriz, António Bebiano.

Sobre a carrinha, Salvador Malheiro também responde como se fosse tudo natural: “O presidente é militante do

PSD, é normal que tenha ajudado a transportar pessoas”. O diretor de campanha de Rui Rio terminou a conversa com o Observador a tentar afastar suspeitas: “Qual é o problema? Agora vão dizer que isto foi viciado? Deixem isso”.

Já Lino Osvaldo Jorge, contactado pelo Observador, explicou que “o que aconteceu foi uma coisa espontânea”,

que “nunca tinha acontecido” e “não devia acontecer”. O presidente da associação justifica que “avariaram uns carros” e isso é que fez com que fosse utilizada a carrinha da associação. Sobre o motorista, Lino Jorge diz que “é o senhor que tem a garagem onde é guardada a carrinha” e garante que ontem nem estava em Esmoriz e que tudo foi feito à sua “revelia.”

O Observador enviou este domingo perguntas a Rui Rio sobre o tema e atualizará este artigo caso receba respostas.

Ovar foi um dos exemplos de caciquismo espalhado pelo país. E logo na concelhia e tendo como anfitrião o diretor

de campanha de Rui Rio, que sempre combateu e criticou este tipo de fenómenos dentro do partido e teve um forte papel nesse sentido quando foi secretário-geral de Marcelo Rebelo de Sousa. Em Lisboa, Rio contou com o

apoio de outro importante cacique, Rodrigo Gonçalves, cujas práticas o Observador denunciou em julho de 2017 durante as eleições para a distrital de Lisboa. Mas Rio perdeu no concelho de Lisboa e no distrito, embora por pouca margem. E Rodrigo Gonçalves perdeu a disputa pela concelhia da capital.

No último debate contra Santana Lopes, realizado nas rádios, Rui Rio — publicamente crítico do caciquismo —

admitiu que pudesse existir cacique a favor da sua candidatura. Em novembro, Carlos Abreu Amorim, apoiante de Santana Lopes e vice-presidente da bancada do PSD, afirmou na SIC Notícias que, “ao falar em perigos do caciquismo, Rui Rio devia olhar primeiro à sua volta”. Era uma indireta a Salvador Malheiro.

Na concelhia de Ovar existiam 804 militantes com as quotas pagas e em condições de votar nas diretas. Excluindo brancos e nulos, Rui Rio conseguiu 409 votos contra apenas 60 de Santana Lopes. No distrito de Aveiro, liderado por Salvador Malheiro, Rio também venceu com larga vantagem, tendo conseguido 2.782 votos contra 1.685 de Santana Lopes.

Rui Rio chega à TVI com Salvador Malheiro atrás (de gravata verde)

Caciquismo por todo o país: pagamentos de última hora e muita abstenção

Nesta eleição, as provas do tradicional caciquismo abundaram. Desde logo, o pagamento massivo de quotas nas últimas horas: a 15 de dezembro, antes do fecho dos cadernos eleitorais, no último dia para o pagamento de quotas, havia cerca de 50 mil inscritos, segundo a sede nacional do PSD; nos momentos derradeiros foram saldadas mais

de 20 mil quotas e os militantes ativos dispararam para mais de 70 mil. A quota é de 1 euro mensal, 12 euros por ano.

Em concelhias como Barcelos, no último dia de regularização, o número de militantes com quotas pagas passou de 684 para mais de 1.400 (mais de 700 quotas pagas por atacado em poucas horas). Foi um dos concelhos onde Santana e a sua entourage não esperava perder, apesar de se saber que a estrutura estava muito dividida: teve 450 votos e Rui Rio 500.

Em Famalicão, uma das maiores concelhias do país e que apoiava Pedro Santana Lopes, o número de militantes regularizados passou de 535 para quase 1.800 (mais de mil quotas pagas no último dia). Há mais exemplos, como

Vila Nova de Gaia, a segunda maior concelhia depois de Lisboa, onde Rui Rio era o favorito e onde havia de ganhar: de 1.658 inscritos, passou para 2.163 — mais 500 pagamentos nas últimas 24 horas, de acordo com dados das candidaturas. E Rui Rio esmagou, onde anos antes, em 2008, Santana tinha ganho a Passos e a Ferreira Leite: o portuense teve 704 votos e o lisboeta apenas 303.

O Observador esteve na mesa de voto de Vila Nova de Gaia por volta das 19h de sábado, a pouco tempo de

fecharem as urnas, e encontrou uma sala movimentada, mas não com mais de 50% de afluência. Por essa hora

tinham votado pouco mais de 900 pessoas, de um total de mais de 2100 militantes inscritos. Ao Observador, Cancela Moura, que foi o candidato do PSD à câmara nas últimas eleições, e que apoiava Rui Rio, não pareceu preocupado,

já que a afluência era semelhante ao habitual.

Rui Rio derrotou Santana Lopes e é o novo líder do PSD

Em Lousada, uma concelhia controlada pelo líder da JSD Simão Ribeiro — apoiante de Santana Lopes –, o

pagamento de quotas disparou no dia 15 de dezembro: passou de 670 para mais de 1.300 (o que corresponde a

cerca de 600 pagamentos súbitos). Santana ganhou com 704 votos e Rio teve 271. O Observador também passou

por Lousada no dia eleitoral, por volta das 18h, e encontrou uma sede praticamente vazia. A afluência tinha sido maior nas primeiras horas da tarde, explicou Simão Ribeiro, que era também candidato no concelho. Simão Ribeiro, líder

da JSD nacional, que tem uma forte influência junto dos jovens e da estrutura, admitiu mesmo ao Observador que

fez vários telefonemas para militantes, a dizer em quem votava (Santana Lopes) e porquê. Quem quisesse seguir o seu “conselho”, seguia.

No município de Lisboa, a maior concelhia do país — disputada de forma aguerrida por duas fações — houve uma verdadeira corrida aos multibancos no último dia: os militantes ativos com quotas em dia passaram de 3.677 para 4.752, um aumento de mais de mil quotas através de pagamentos de última hora. Depois, em Lisboa, só votariam 47% destas pessoas a quem as quotas foram pagas. A abstenção chegou aos 53%, o que significa que mais de metade das pessoas que pagaram a quota não quiseram ir votar, uma contradição nos termos (pode ver os resultados de Lisboa mais abaixo neste texto).

O nível de abstenção em todo o país nesta eleição para a liderança do PSD, chegou aos 40%. É, mais uma vez, a prova de que as quotas dos militantes são pagas em massa e por atacado. Muitos só votam se forem mobilizados diretamente pelos caciques locais para votar, transportados em carrinhas, autocarros ou depois de muita insistência por parte dos caciques que têm a incumbência de os levar a votar. Este nível de abstenção significa que 28,4 mil inscritos que pagaram quotas por todo o país não quiseram participar nas eleições internas. As últimas diretas disputadas em 2008 e 2010 tiveram menos abstenção e mais votantes do que a luta Rio/Santana.

Famalicão. Se a urna não vai à montanha, vai a montanha à urna

No vão da escada do edifício onde é a sede do PSD de Vila Nova de Famalicão também se vota. Não que as mesas de voto e as urnas estejam no vão da escada, na verdade estão no terceiro andar do prédio, sem elevador — o problema é que nem toda a gente consegue subir os degraus com a mesma facilidade. Por isso, se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé. Na tarde de sábado, na sede do PSD de Famalicão, o episódio insólito verificou-se mais do que uma vez: o presidente da mesa do plenário e um representante de cada lista desciam escada abaixo com a urna na mão para algumas pessoas mais idosas, e com mobilidade mais reduzida, poderem votar.

A palavra de ordem era não desperdiçar um único voto. No caso, uma senhora de 88 anos, que não quis ser identificada, ficou-se pelo vão escuro das escadas e esperou que lhe trouxessem a urna. Não esperaria muito. Bastou

a pessoa que estava à porta ligar a quem estava lá em cima e, num ápice, lá estava a urna em baixo. O cenário era insólito: sem luz nas escadas, com um dia cinzento e chuvoso que também não deixava entrar luz natural no hall do prédio, a militante idosa teve de pôr a cruz no boletim de voto e pôr o voto na urna à luz de uma lanterna.

O presidente da mesa do plenário segurava a urna, de costas voltadas para a eleitora para não ver o voto. E fazia

uma manobra de contorcionismo, com o braço atrás das costas a apontar a lanterna do seu telemóvel para o boletim. Ao lado dele, também de costas, um representante de cada lista.

Em Vila Nova de Famalicão, a urna desceu três andares, até ao vão de escada, para uma idosa votar em Santana Lopes, à luz da lanterna de um telemóvel, com os representantes das listas virados de costas.

Não é que fosse segredo em quem a senhora ia votar. O Observador falou com a eleitora, que não se coibiu de dizer que era em Santana Lopes. “Gosto muito do Santana, o outro é mais tristonho”, começou por dizer, para depois acrescentar: “E também é do Santana que o nosso presidente da câmara gosta mais”, disse, referindo-se a Paulo Cunha, líder concelhio e autarca de Famalicão. Mas depressa alguém lhe cortou a palavra para dizer que o carro

que a tinha ido levar ali já estava à espera para a levar de volta a casa.

O cenário foi esse durante grande parte da tarde de sábado, que o Observador testemunhou: muitos carros estacionados em segunda fila, muitos carros em quatro piscas, muitos carros que deixavam militantes à porta da

sede do PSD de Vila Nova de Famalicão, esperavam que votassem e seguiam viagem. O episódio da urna de voto

a descer escada abaixo voltou a acontecer pelo menos mais uma vez, e desta vez não se ficou pelo vão da escada, foi mesmo até a um desses carros que tinha ficado ali em quatro piscas. O processo foi o mesmo: o

presidente da mesa do plenário, um representante de cada lista, sendo um deles o deputado Jorge Paulo Oliveira,

e mais um ou outro ajudante desceram os três andares do prédio com a urna e o boletim de voto na mão e foram

levá-los junto de um carro. Os passageiros, no banco de trás, nem saíram. A urna foi até eles: primeiro do lado esquerdo, depois do lado direito. Mais dois votos.

A sede do PSD em Famalicão fica no terceiro andar deste edifício: a urna teve que descer duas vezes para militantes idosos poderem votar (FOTO: JOÃO SEGURO)

Se Braga é uma das distritais mais importantes do país, com maior número de militantes inscritos, a seguir a Lisboa e Porto, Vila Nova de Famalicão é a concelhia com maior peso no concelho, uma das maiores do país, com mais de 1.774 militantes — e centenas de quotas pagas à última hora. Era por isso um trunfo que tinha de ser bem jogado. A concelhia estava quase toda do lado de Santana Lopes, segundo apurou o Observador, à exceção das camadas mais jovens, uma vez que o líder concelhio da JSD tinha declarado apoio a Rui Rio. No final, Santana viria, de facto, a vencer em Vila Nova de Famalicão, por mais de 300 votos de diferença: teve 616 votos, contra 374 de Rui Rio. A abstenção no concelho rondou os 44%.

Lisboa. Afluência recorde, discrição máxima

Os métodos e táticas dos caciques de Lisboa ficaram evidentes quando o Observador acompanhou discretamente as eleições para a distrital do PSD/Lisboa, em julho do ano passado. A realidade era há muito conhecida, mas nunca

tinha sido documentada daquela forma. Dessa vez, Rodrigo Gonçalves jogava tudo na eleição de uma lista para os delegados de Lisboa à Assembleia Distrital, encabeçada por Nuno Morais Sarmento, com Manuela Ferreira Leite

como primeira subscritora. E ganhou. Pedro Pinto, próximo de Pedro Passos Coelho, assegurou a liderança da

distrital, mas viu a sua vitória limitada no concelho de Lisboa pela acção dos homens de Gonçalves — era o primeiro sinal objetivo de que o passismo começava a perder influência no aparelho social-democrata.

Este sábado, dia de eleições para a liderança do partido, lutava-se também pelo controlo do partido em Lisboa: as eleições para a concelhia do PSD/Lisboa punham em disputa duas fações: Rodrigo Gonçalves (presidente interino

e apoiante de Rui Rio) e Paulo Ribeiro (apoiante de Santana Lopes). Ao contrário do que tinha acontecido em julho, a palavra de ordem em Lisboa foi: discrição.

Rodrigo Gonçalves é um dos caciques de Lisboa e perdeu as eleições. Neste sábado, foram adoptadas medidas

“anti-Observador” para uma maior discrição

Apesar de dirigentes distritais falarem de uma afluência recorde — votaram 2.235 pessoas no concelho de Lisboa —

a abstenção também foi muito alta: 53% dos que tinham quotas pagas não votaram. Não se notou, porém, o mesmo movimento de carrinhas junto às mesas de votos, nem carros carregados de militantes à vista de toda a gente. Também não se viram os caciques a controlar as listas com os nomes dos militantes que já tinham ou não ido votar. Pelo menos, não como se vira da outra vez: ninguém ousou despejar eleitores, de forma a dar nas vistas, à porta do Hotel Sana, onde decorriam as eleições. Num raio de 1,5 quilómetros, não se registaram movimentações muito evidentes, a não ser uma grande circulação de táxis, fenómeno difícil de isolar dada a azáfama normal da Avenida Fontes Pereira de Melo.

Nas traseiras do hotel, na Rua Actor Tasso, por onde entravam muitos militantes, não houve o mesmo tipo de movimentação verificado em julho. Nas proximidades de um espaço de comida fast food, referido por fontes do partido como ponto estratégico para despejo de militantes, não se notou mobilização em massa. Na grande maioria dos casos, os militantes chegavam dois a dois e três a três. Se houve transporte de militantes, foi feito com cautela e longe dos jornalistas.

Apesar disso, dentro, na sala onde os militantes aguardavam a sua vez de votar, os sinais eram os mesmos de sempre: homens de Rodrigo Gonçalves (Rui Rio) e de Pedro Pinto (Santana Lopes), facilmente identificáveis pela forma como se dirigiam aos militantes e pela forma como pareciam coordenar as operações, estiveram sempre agarrados ao telemóvel, entre chamadas e muitas, muitas mensagens. Frequentadores ativos de salas de musculação seguiam com atenção as filas de eleitores, sempre colados ao ecrã do telemóvel. Muitas vezes, eram eles próprios que recebiam os militantes que chegavam. A cumplicidade, em muitos casos, era por demais evidente. “Está aqui gente que eu nunca vi”, reconheceu uma fonte da estrutura do PSD de Lisboa.

Desta vez, o aparelho social-democrata decidiu adotar medidas “anti-Observador”, como ouviu o jornal de fontes do partido. Ao contrário do que acontecera nas eleições anteriores, a entrada para a sala onde estavam as urnas foi barrada a jornalistas. Na anterior investigação do Observador, através da captação de vídeos, foi possível perceber como os candidatos e os seus apoiantes seduziam e acompanhavam os militantes praticamente até à urna. A ordem agora foi uma: só entrava quem fosse votar e os jornalistas ficavam à porta.

Quem acabou por sofrer com isso foram os militantes sociais-democratas. Em vez de aguardarem no interior da sala, como antes acontecia, os eleitores tinham de ficar à porta até serem chamados para entrar. O volume inesperado de eleitores fez o resto: durante largas horas, a fila de militantes que queriam votar fazia um “L”, dando a volta à sala do Sana onde decorriam as eleições. Quem entrava não escondia a desilusão. Quando se percebia que uma ou duas mesas das oito instaladas para votar estava com menor afluência, era-lhes dada prioridade, num processo tão bizarro como ineficaz: as delegadas esforçavam-se por se fazer ouvir acima do barulho que se instalara, entre queixas

à organização e desabafos de cansaço. “Mesa número 5! Mesaaaa núumero 5!! Mesaaaaaa núuuuumeroooo 5, ouviram!?!?!?”, gritava uma voz estridente, aqui e ali acompanhada por uma voz de homem. Acontece que muitos militantes não sabiam sequer em que mesa deviam votar.

A noite eleitoral acabaria por trazer um resultado inesperado: Paulo Ribeiro, apoiante de Santana, teve 1.117 votos, mais 98 sufrágios do que Rodrigo Gonçalves, apoiante de Rio, que contabilizou 1.019 votantes. Uma derrota difícil de encaixar para Gonçalves que, perdia assim uma longa luta pela maior concelhia do país e uma guerra

fratricida entre fações do PSD em Lisboa.

As explicações para esta derrota inesperada podem estar nas posições assumidas por Rui Rio. Segundo apurou o Observador, poderá ter contribuído para este resultado tangencial a mudança de lado de um dos sindicatos de voto:

o de Ismael Ferreira, que estava com Rodrigo Gonçalves, apoiante de Rui Rio. Como Ismael é pastor evangélico, terá mudado de fação por causa das posições mais liberais de Rio Rio quanto a causas fraturantes como a eutanásia.

Quanto à outra eleição, a que colocava frente a frente Pedro Santana Lopes e Rui Rio pela presidência do PSD, a vitória acabou por ir para o ex-presidente da Câmara de Lisboa, como era esperado, com 3.046 votos contra

2.286 votos do portuense. Mas não chegou para recuperar a distância que Rui Rio conseguiu no resto do país.

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