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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Extremismos


João Pedro Dias, Investigador em Assuntos Europeus

00:08

A cada eleição que se vai sucedendo, a primeira preocupação é saber se sairá fortalecido o 'sistema' ou o 'anti-sistema'. Lentamente, é este último que tem vindo a marcar pontos.

Decorreu na passada semana a eleição presidencial na República Checa. Por uma razoável maioria eleitoral, foi reeleito para o cargo que já foi, entre outros, ocupado por Vaclav Havel – o último Presidente da defunta Checoslováquia e o primeiro Presidente da República Checa –, Milos Zeman, o Presidente em funções, olhado de soslaio por grande parte dos dirigentes europeus, atentas as suas simpatias por Vlamidir Putin e as posições assumidas em muitas questões controvertidas que se têm colocado à União Europeia.

Personagem sobrante do velho mundo comunista pré-queda do muro de Berlim, pese embora os limitados poderes que a Constituição do país confere ao Presidente da República, Zeman tem-se caracterizado por uma permanente e consistente atitude crítica face às poucas medidas que a União Europeia tem conseguido adotar em matérias críticas e sensíveis, como as políticas de asilo e acolhimento de emigrantes, ou as formas como se deve relacionar com os países islâmicos.

Esta postura, aliás, tem sido responsável por uma crescente aproximação da República Checa quer à nova liderança polaca quer, sobretudo, às teses húngaras de Viktor Órban – posições concertadas largamente no quadro do chamado Grupo de Visegrado composto pela Hungria, pela Polónia, pela República Checa e pela Eslováquia. Curiosamente, quatro Estados provenientes do grupo antigos satélites soviéticos, que depois de se libertarem do jugo de Moscovo e se terem integrado na Europa da União, acabaram por denotar significativa permeabilidade às teses mais populistas e não menor simpatia pelo poder que provém do Kremlin e que Putin se prepara para estender até 2024.

Significa isto que, desta feita, com as eleições presidenciais na República Checa, se confirma uma tendência que parece ter vindo para ficar e que se tem mantido consistente na generalidade dos últimos atos eleitorais, independentemente das suas finalidades, que vão perpassando por este velho continente. As propostas mais extremistas e radicais, sejam de esquerda ou de direita, vão fazendo o seu caminho, vão acentuando a sua influência e, não raro, vão convergindo circunstancialmente em muitas matérias onde coincidem nas opções preconizadas, começando a exercer efetiva influência nos governos de muitos Estados europeus e acolhendo as mais populistas e nacionalistas das propostas políticas com que hoje a Europa se defronta.

A pertença à União Europeia e a aceitação das suas regras tem sido, invariavelmente, motivo de discórdia e linha divisória entre estes novos “extremismos emergentes” e um clássico “establishment” que, durante décadas, foi garantindo a alternância de governo elevando os estados da Europa a níveis de riqueza, bem-estar e proteção social sem paralelo nem igual na história. Várias razões poderão contribuir quer para o declínio das propostas clássicas e de dentro do sistema, quer para o surgimento e progressão rápida das novas alternativas extremistas, de esquerda e de direita, quase sempre populistas, associadas a valores nacionalistas e intolerantes, pactuantes com o autoritarismo e admiradoras e nostálgicas de formas de poder musculado.

A mais evidente dessas razões, curiosamente nem sempre a mais lembrada e nem sempre a mais estudada, prender-se-á, salvo outra e melhor opinião, com o banimento e o suprimento das posturas críticas existentes dentro do dito sistema por parte dos que maior influência nele conseguem exercer.

Ou seja, à medida que o tão propalado sistema clássico se foi fechando, à medida que foi ficando cada vez mais ortodoxo e tributário de uma linha de pensamento único – onde a diversidade se resume a aspetos de minudência e a alternância tomou o lugar da alternativa –, à medida que a crítica foi sendo silenciada e remetida para as margens do próprio sistema, foi o anti-sistema que ficou a ganhar, que começou a progredir, a afirmar-se de uma forma cada vez mais consistente. Quem não encontra alternativa ao sistema dentro do próprio sistema, por regra procura-a fora do sistema. Nas margens e nos extremos. À esquerda e/ou à direita. E o certo é que tem-na encontrado. Na Polónia, na Hungria, na República Checa, na Áustria, na Grécia, na Alemanha, em França, em Espanha – veremos como será em Itália e também em Portugal –, as margens do sistema têm crescido e em muitos destes países já condicionam ou intervêm na governação.

Atendendo aos valores que proclamam, às ideologias que defendem, aos métodos a que recorrem, ao discurso que utilizam, muitas vezes ao ódio que instigam – não são boas notícias para este velho continente já definido algures como o resto sobrante dum ocidente em processo acelerado de recuo. Por isso, cada ato eleitoral que se vai sucedendo começa por ser, sempre e em primeiro lugar, um teste aos sistemas políticos clássicos. Um teste às suas capacidades de resistência e resiliência às ameaças que sobre cada um continuam a pairar.

Face a cada eleição que se vai sucedendo, quando se começam a adivinhar resultados, a primeira preocupação ou curiosidade que se instala começa a ser a de saber se sairá fortalecido o sistema ou o anti-sistema. Lentamente, é este último que tem vindo a marcar pontos. Mas ainda não é tarde para um sempre recomendável regresso à normalidade.

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