Translate

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Governo próximo de um défice zero em ano eleitoral?

João Madeira

06:55

Défice em torno de 1,2% em 2017 facilita execução orçamental futura e cria condições para metas mais ambiciosas no Programa de Estabilidade. Mas pressão à esquerda pode travar ímpeto da consolidação.

Cristina Bernardo

Por altura da tomada de posse do Governo PS, no final de 2015, eram poucos os que acreditavam que um Executivo suportado por acordos com o Bloco de Esquerda e o PCP chegasse ao final da legislatura. E levantar a possibilidade de se atingir o final do mandato com um défice zero causaria certamente sorrisos de incredulidade. Mas, com meio caminho já feito, essa possibilidade começa a aparecer no horizonte.

Depois de um défice de 3% em 2015, expurgando o efeito Banif, o saldo negativo das contas públicas tem vindo a reduzir-se de forma mais rápida do que se antecipava, à boleia da melhoria da atividade económica. António Costa assumiu no início de janeiro que o défice orçamental de 2017 “rondará seguramente 1,2% do produto”, ficando assim abaixo da meta de 1,5% definida inicialmente.

Como explica ao Jornal Económico o economista-chefe do Montepio, Rui Serra, a melhoria do saldo orçamental reflete quer subidas de impostos acima do esperado no OE quer gastos que ficam aquém do orçamentado, “com a recuperação da atividade económica a impactar quer na receita, quer na despesa, nomeadamente ao nível das despesas com subsídio de desemprego”.

Mário Centeno foi prudente quanto ao valor final do défice de 2017, mas até o Conselho das Finanças Públicas, tipicamente mais conservador do que o Executivo, calculou na semana passada que a meta estabelecida para o ano passado irá ser superada. Rui Serra admite que o valor final pode até ser melhor do que o indicado pelo primeiro-ministro, caso a execução orçamental do final do ano tenha ajudado. “Estimamos um défice orçamental de 1,2% do PIB para 2017, não se excluindo a possibilidade de poder ficar num nível ainda inferior”, refere.

Confirmando-se que o compromisso de 2017 é superado, não é apenas na meta do ano passado que se ganha uma folga. Partindo de uma base mais positiva, com mais receitas e menos despesas do que o previsto inicialmente, a posição orçamental para os próximos anos também melhora. “Uma execução orçamental mais facilitada em 2017 coloca o ponto de partida para 2018 mais favorável”, sintetiza o economista do Montepio.

Isto significa que as últimas projeções de médio e longo prazo do Governo, apresentadas no Programa de Estabilidade (PE) do ano passado, são mais facilmente atingíveis ou até ultrapassáveis. Nesse documento, o Governo previa chegar ao final do mandato com um défice de 0,3% do PIB, mas a base de partida em 2017 era um défice de 1,5% – valor que entretanto já terá sido superado.

Meta nunca alcançada em democracia

Há medidas do lado da despesa que farão alguma pressão em 2018 e 2019 – caso dos gastos acrescidos com o combate e prevenção de incêndios ou as progressões nas carreiras da função pública, cuja reposição está a ser faseada – mas o Governo ganhou uma margem assinalável.

E o princípio de que o historial mais recente é um bom indicador do desempenho futuro ajuda a enquadrar o que pode acontecer na segunda metade do mandato. Expurgando os efeitos extraordinários de operações de recapitalização bancárias (Banif e CGD), o défice evoluiu de 3% em 2015 para 2% em 2016, tendo atingindo algo em torno de 1,2% no ano passado – uma redução de 1,8 pontos percentuais em dois anos. Um ritmo semelhante no resto do mandato levaria o Governo a chegar ao ano eleitoral de 2019 com uma meta de défice zero ou até de excedente orçamental, algo que nunca aconteceu em democracia.

Os primeiros sinais deste ano dão alento a uma perspetiva otimista. O FMI reviu em alta as projeções económicas globais para 2018 e 2019, o que pode ajudar a manter o crescimento da procura externa. Parte da receita extraordinária com a garantia do BPP vai passar para este ano e, com as elevadas amortizações antecipadas de dívida pública do empréstimo da troika, os encargos com juros devem diminuir este ano.

Isso quer dizer que o Governo vai já assumir em abril, com o novo PE, novas metas orçamentais mais ambiciosas?Não necessariamente, desde logo devido a uma questão política que não é menor: o Governo quer manter o ritmo de consolidação orçamental ou prefere usar a margem que ganhou para olear a geringonça com novas medidas acordadas à esquerda, nomeadamente no Orçamento do Estado para 2019, aumentando a despesa e/ou reduzindo a carga fiscal? Embora o PS tenha vindo a utilizar a redução do défice como arma política contra a oposição, isso também cria alguma fricção na geringonça. O BE e PCP acham que está a haver subinvestimento em educação e saúde, por exemplo, e talvez isso limite a vontade do Governo em mostrar serviço.

Assumir um número simbólico no défice poderia ficar bem num cartaz da campanha eleitoral de 2019, sobretudo quando o Rui Rio é viso como um homem de contas certas. Mas essa opção poderia trazer igualmente alguma agrura na relação com os partidos mais à esquerda.

Há depois as habituais incertezas no campo económico. Prever o que irá acontecer na economia global até 2019 é um exercício de difícil adivinhação, tantas são as variáveis e contingências, que Centeno pode optar por uma postura mais cautelosa e não alterar de forma vincada as metas assumidas anteriormente. É essa a perspetiva de Rui Serra: “A nossa previsão para 2018 é de que seja atingida a meta de défice de 1,1% (na sequência dos incêndios de outubro, o Governo tinha referido que o défice previsto para 2018 já não seria os 1% do OE 2018, mas 1,1%) e que, por força da continuação da recuperação da atividade económica, o défice em 2019 seja igual ou inferior a 1%”.

A possibilidade de atingir um equilíbrio pleno das contas públicas só será possível com estabilidade do crescimento e do emprego e, por essa via, das receitas fiscais e contributivas do Estado. Aliás, convém notar-se que, no caso de ocorrer uma disrupção económica que diminua a cobrança de impostos e os descontos, tudo o que foi escrito neste texto deixa de fazer sentido, porque o défice vai aumentar.

Sem comentários:

Enviar um comentário