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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Ladrões de Bicicletas


Atitudes que persistem

Posted: 18 Jan 2018 02:19 PM PST

Confesso que tenho cada vez mais dificuldade em compreender o que leva ainda tantos comentadores críticos da zona euro a contribuir para a notícia falsa de que há um “debate europeu” em curso, do qual poderá sair uma qualquer reforma da arquitectura da zona euro favorável aos subalternos, isto se nos esforçarmos intelectualmente muito e fizermos propostas muito construtivas e tudo.
Esta atitude é filha de ilusões sobre a natureza da UE, potencialmente democrática e deliberativa, onde venceriam os melhores argumentos, dada a razoabilidade das elites do poder. Esta atitude persiste porque aquilo que passa por esfera pública transnacional é no seu melhor necessariamente monopolizada por intelectuais/académicos, naturalmente cada vez mais desligados dos eventuais movimentos de massas cá em baixo e muito propensos a valorizar ideias que supostamente resolvem problemas, apelando ao interesse próprio esclarecido das elites, até por causa dos incentivos existentes. As elites do poder chamam-lhes um figo. Os que apontam para os problemas que estão mesmo nas estruturas irreformáveis, os verdadeiramente críticos da UE, são bem menos úteis e, só por si, ignorados com relativa facilidade. E isto para usar e adaptar uma distinção já clássica de Robert Cox nos primórdios da economia política internacional.
Reparem que não se trata de defeito da UE, mas antes parte do seu feitio, desta lógica multi-escalar, uma máquina de cooptar e de anular potenciais intelectuais críticos e orgânicos, perigosos quando integrados em blocos contra-hegemónicos de base nacional. As ideias europeístas supostamente críticas são também filhas da fraqueza dos quadros teóricos mobilizados e nunca se transformam em força material porque não penetram nas massas, estando destinadas a ficar perdidas nos corredores de Bruxelas, que foram de resto desenhados para isso. As ideias dos grupos dominantes, por sua vez, têm todo o poder institucional do seu lado.
Esta atitude subestima ainda o mais importante nas relações internacionais, num quadro tão assimétrico e institucionalizado: o poder, de base geopolítica e de classe. O euro-keynesianismo só terá eventualmente alguma hipótese de despontar se servir para esconjurar espectros reais. Os espectros são fracos e antes disso há mais alternativas de política no bem municiado arsenal plutocrático de quem manda numa integração de resto anti-keynesiana desde que conta, ou seja, desde os anos oitenta, precisamente quando as elites perderam o medo do colapso.
Enfim, já se pagou muito caro por esta atitude intelectual e política, mas vão ser necessárias ainda mais derrotas, pelos vistos, embora seja realmente difícil no futuro próximo vir a repetir a performance da esquerda grega. Mas lá está, a farsa é se calhar muito mais variada do que a tragédia.

Pragmatismo

Posted: 18 Jan 2018 05:33 AM PST

A Direita sempre foi muito mais pragmática do que a Esquerda. Traça de forma clara os seus objectivos e actua em conformidade. De cada vez, encontra um valor moral para justificar o seu objectivo, mesmo que, no tempo, esses valores mudem para preservar o mesmo objectivo.
Um caso exemplar foi a posição do CDS em torno daquilo que apelidou de Geringonça. Ou melhor, um governo baseado num apoio parlamentar em que nenhum dos partidos apoiantes ganhara as eleições.
Paulo Portas foi o difusor dessa palavra, logo após as eleições de 2015, que pretendia ridicularizar a "manobra" feita através da criação de uma "frente dos perdedores", com partidos... de esquerda, aliás, das"esquerdas radicais". E fazendo-se esquecido que governos assim são prática corrente na Europa.
Em finais de 2015, o discurso do CDS insistiu e repetiu que o governo do Partido Socialista era um governo com "um primeiro-ministro não eleito". Ver aqui, ao minuto 22. Telmo Correia, em nome do grupo parlamentar do CDS, encerra a 3/12/2015, o debate do programa do Governo, gerando um burburinho imenso. Disse ele, reagindo ao barulho: "Não é?". Mais burburinho. "Eu digo não eleito, porque o contrário de não eleito é eleito. É quem ganhou as eleições para primeiro-ministro. E esse chama-se Pedro Passos Coelho e está ali sentado. Pensei que não havia dúvidas sobre isso". Palmas do PSD e CDS.
Nuno Magalhães, na sua missão de assegurar a ponte entre o dirigente demissionário Paulo Portas e o seu substituto, não caiu nessa ideia. Mas Assunção Cristas, na sua primeira grande intervenção à frente do CDS, desde 14/1/2016, no encerramento na especialidade do OE para 2016, a 23/2/2016, frisou precisamente o facto do governo ser "minoritário, apoiado na união das esquerdas que não se sabe quem está com quem e em que momento. (...) Quem apoia e quem defende este Orçamento?" (ver aqui, aos 2h43m).
Verdade seja dita que o CDS, rapidamente, não alimentou o tema. E deixou o PSD a fazer o discurso amargo, ressabiado.
Mas espantosamente, passados dois anos de manutenção de um governo supostamente instável, o CDS parece ter ficado convencido e passou a apoiar a possibilidade de um acordo parlamentar de partidos que não ganharam as eleições que viabilize um governo... de Direita. Disse-o Assunção Cristas hoje: Como demonstraram as eleições de 2015,


“mais importante do que saber quem fica em primeiro lugar nas eleições, o que é importante é saber que partidos é que é que conseguem ter uma maioria parlamentar de, no mínimo, 116 deputados”.

É sempre salutar mudar de opinião. E passar a apoiar a importância de uma Geringonça de direita...

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