por estatuadesal
(Daniel Oliveira, In Expresso Diário, 30/01/2018)
Daniel Oliveira
Quando soube que o DIAP estava a fazer uma busca ao Ministério das Finanças pensei que alguma coisa de grave tinha acontecido. Quando percebi que a busca se devia à ida do ministro ao futebol percebi que tinha, de facto, acontecido alguma coisa: o Ministério Público decidiu dedicar-se à comédia. Das duas uma: ou o Ministério Público sabe de alguma coisa que todos nós ignoramos, ou está apostado em transformar este país num circo, destruíndo a credibilidade do Estado e das instituições. Bem sei que na cabeça de muitos procuradores, que têm o “Correio da Manhã” como leitura de referência, o estado natural de um político é o de arguido. Mas há limites para o ridículo.
A verdade é simples e ficou-se a saber logo no primeiro dia depois da manchete do “Correio da Manhã”, que assinalava, sempre com aquela má-fé perversa que afasta o pasquim do jornalismo, que dois dias depois de Mário Centeno ter ido à bola um prédio da empresa do filho de Luís Filipe Vieira teve direito a um “perdão fiscal”. Não era perdão fiscal nenhum, como sabia o pasquim. Era uma isenção de IMI para imóveis reabilitados claramente definida na lei. Esta isenção fiscal é legislada pela Assembleia da República, determinada e aplicada pela autarquia onde se situa o imóvel (no caso, a Câmara Municipal de Lisboa) e depois de verificar se cumprem os critérios. As Finanças limitam-se a dar seguimento. Assim sendo, ou o Ministério Público anda a investigar outra coisa qualquer ou bastaria não se ficar pela leitura do “Correio da Manhã” para ter poupado a viagem ao Ministério das Finanças.
Quanto à ida de Mário Centeno para o camarote presidencial, o que estranho é a estranheza. Por ali já passaram grande parte das figuras políticas nacionais, de Marcelo Rebelo de Sousa a Francisco Louçã. Eu próprio, que sou ninguém, já fui inúmeras vezes convidado para estar no camarote presidencial do Sporting e, apesar de preferir ver os jogos no meu lugar de sempre, já lá estive várias vezes. Assim como já fui convidado para ir a estreias de teatro e de cinema. A diferença é ser convidado ou pedir um convite? Adorava ver em que norma penal se enquadra essa distinção.
É absolutamente natural que o ministro das Finanças não vá para a bancada num jogo de risco como um Benfica-Porto. Nem sequer é para o defender a ele. As forças de segurança dispensam, para além de tudo o que um jogo desta natureza implica, preocuparem-se em saber por onde anda o ministro. Até para a cultura de taxista (sem desprimor para os taxistas, que não têm culpa nenhuma dos disparates da nossa justiça) que se instalou entre os procuradores há limites para a demagogia.
Mas está mesmo a acontecer e todos somos obrigados a comentar esta palhaçada judicial. Há até alguns juristas que, por uns minutos de palco, se oferecem à triste figura de comentar a dificuldade em provar que o benefício fiscal (que não lhe diz respeito, mas adiante) seja uma contrapartida da ida à bola sem pagar. E fazem-no sem se rirem. Acreditará esta gente que é assim que as coisas se passam? Que os ministros com o poder de Centeno se compram com dois lugares no camarote presidencial? Se os governos e autarquias favorecem os clubes de futebol – e muitas vezes favorecem –, não é por vantagens patrimoniais, é por vantagens políticas. É pelo enorme poder de influência que Benfica, Sporting e Porto têm junto de milhões de portugueses. É preciso viver totalmente alienado da realidade nacional para se pensar que é os clubes precisam de oferecer lugares no camarote para os seus presidentes exercerem a sua influência.
Mas os procuradores não estão alienados da realidade. Nem sequer acham que o tráfico de influências se faça assim. O que passa na cabeça dos magistrados é mais simples do que isso. É um vício que se instalou: o da visibilidade.
O Ministério Público trabalha mais para a notícia do que para a Justiça. Porque acha que é a notícia, sobretudo a que faz manchetes nos tabloides, que lhe reforça o poder político e institucional. Pouco interessa se estes inúmeros fogachos, a reboque de notícias de jornais, acabam em alguma coisa. Fica a aparência. Uma dinâmica que faz de Octávio Ribeiro o verdadeiro Procurador-Geral da República.
Só que, neste caso, o número mediático teve alguma repercussão externa. Não que a “nossa imagem lá fora” me tire o sono, mas há alguma respeitabilidade institucional de que o país depende. Uma busca judicial ao ministério do presidente do Eurogrupo não é coisa que se veja todos os dias. E não será fácil explicar aos líderes europeus as idiossincrasias da nossa Justiça. Se um ato tão inusitado como uma busca judicial ao Ministério das Finanças não tiver outra razão para além daquela que conhecemos, o Ministério Público não fez mal a Mário Centeno, fez mal ao país. E fá-lo sempre que transforma a Justiça portuguesa num prolongamento da cultura tabloide. O que é que vão investigar a seguir? Em casa de quem jantou o ministro esta semana? Se pagou os ingredientes? Qual era situação fiscal dos anfitriões? Não há criminalidade em Portugal, incluindo criminalidade de colarinho branco? Não têm nada de importante para fazer? Sobra assim tanto tempo e meios para serem as manchetes do “Correio da Manhã” a decidirem a agenda dos procuradores?
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