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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Chove. E é triste

Ricardo Marques

RICARDO MARQUES

JORNALISTA

28 de Fevereiro de 2018

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Há poucas coisas tão simples e tão complicadas como o tempo que faz lá fora numa manhã como esta. É o inverno, e o inverno é assim. É feito de chuva, de neve, de vento forte e de mar bravo, de trovoadas e granizo e frio. Há escolas fechadas, estradas cortadas, acidentes de trânsito e pessoas a quem acontecem coisa más. Muito más. Mas olhamos pela janela como quem olha para o mundo. E aceitamos. Faz parte da vida.

O mais complicado é explicar porquê. Porque é que, de repente, desata a chover e a nevar e há alertas de todas as cores? Tem a ver com o posicionamento do anticiclone dos Açores? Em parte, sim. Está iminente o choque de uma massa de ar quente vinda do Atlântico com uma massa de ar frio vinda da Rússia? Também - e quanto maior a diferença entre as duas massas mais severas são as condições do tempo. Mas há algo mais.

Comece por este artigo e siga para o The Guardian, onde é possível ler este texto que ajuda a complicar a situação. "Apesar de a maioria das notícias nos últimos dias terem tratado o frio na Europa num tom descontraído, existe a preocupação de que estamos a assistir não ao regresso dos invernos normais, mas sim à deslocação de algo que deveria estar a acontecer mais a norte", escreve o jornal. (Guerras de bolas de neve no Vaticano sempre deram melhores imagens do quegente a morrer de frio.)

O estado do tempo que temos, e que aceitamos calmamente sem pensar duas vezes, é na verdade a consequência direta de um fenómeno sério que terá ocorrido no vórtice polar, ao nível da estratosfera. Claro que, a seguir, será preciso explicar o que causou esse fenómeno e, provavelmente, o que causou a causa e por aí fora. E é aqui que, mesmo depois de ler o artigo, nos perdemos. A estratosfera é demasiado longe, o vórtice polar demasiado estranho e, convenhamos, há sempre coisas mais importantes.

A meteorologia ainda é uma ciência avessa aos extremos. Os meteorologistas são capazes de descrever o nascimento do elefante que está a chegar, podemprever o percurso que o paquiderme vai fazer e até se o dito vai ficar cansado pelo caminho. Avisam-nos que não é recomendável estar à frente do bicho e que, provavelmente, vai haver estragos. Mas há duas coisas que não conseguem garantir: quantos elefantes vão nascer e onde é que as suas enormes patas vão cair com mais força.

Essa incerteza – que nos leva a discutir se existe aquecimento global e a ficar em pânico com a seca e também com o excesso de chuva - é a derradeira certeza de que o ser humano ainda não sabe tudo. Mesmo que pense que sim.

Os homens conseguem meter um míssil numa janela do terceiro andar de um prédio numa rua na Síria, mas não conseguem adivinhar o local exato que vai ser arrasado por um tornado. São capazes de apontar uma arma carregada à cabeça de outro ser humano e de apertar o gatilho, com a certeza de que vão tirar uma vida, mas nada sabem sobre a próxima grande cheia. Sabem exatamente a quantidade de químicos que devem meter numa ogiva para desaparecer toda a vida num bairro, mas não lhes peçam para indicar qual árvore que vai ser destruída por um raio.

E depois olham incrédulos para o que resta de uma aldeia destruída por um deslizamento de terras, mas não perdem um minuto a olhar para uma cidade arrasada por bombas. A natureza é imprevisível, implacável e capaz de estragos que nos deixam desesperados com a nossa ignorância.

Estranho mundo este em que um dia de chuva nos preocupa como se fosse uma guerra e uma guerra nos parece tão banal como um dia de chuva. É ténue a linha que separa o inverno do inferno.

Olhamos pela janela, ainda chove. E nunca vai deixar de chover, porque estaremos sempre demasiado ocupados atentar compreender absolutamente a natureza e sem tempo para nos confrontarmos, a sério, com a irracionalidade dos nossos próprios atos.

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