27/2/2018, 22:35
Costa vai ser "condescendente", vai namorar, mas deputados do PSD avisam: atenção às paixões. Tem de vincar diferenças. Bancada cada vez mais irritada com Rio por não dar a cara pelo escolhido.
ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
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- Rita Dinis
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- Céu encoberto com forte possibilidade de precipitação e alguns raios de sol. Talvez apareça um arco-íris. A previsão da meteorologia para esta quarta-feira pelas 15h não difere muito da previsão que vários deputados arriscam fazer da estreia de Fernando Negrão no confronto quinzenal com o primeiro-ministro — marcado para esta quarta-feira às 15h, no Parlamento. Um confronto que deverá ter tanto de chuva como de sol: se, por um lado, com Costa e Rio em clima de paz e entendimentos, se espera “condescendência” da parte de António Costa, por outro, espera-se que o líder parlamentar do PSD aproveite o palco mediático para vincar as diferenças entre os dois partidos. “No meio de tanto namorico, o PSD não se pode apaixonar”, alerta um deputado ao Observador. “O debate quinzenal é a ocasião por excelência para vincar as diferenças em relação ao PS”, diz outro, referindo-se sobretudo aos temas da saúde, educação e falta de investimento em serviços públicos. Fernando Negrão não levanta a ponta do véu, mas, ao Observador, admite que a estratégia que vai adoptar será “sempre articulada” com a direção nacional do partido.
Numa coisa todos concordam: se o debate correr bem a Negrão, que é como quem diz, se Negrão não se render a Costa e for bem sucedido a “fazer oposição” ao Governo, é meio caminho andado para serenar as divergências entre a bancada — já que a outra metade do caminho ainda tem de ser percorrida pelo próprio Rui Rio, que, segundo aponta um deputado sob anonimato, não tem agido bem em todo o processo. “Rui Rio já devia ter vindo a público defender Fernando Negrão, em vez de o deixar a queimar em lume brando e de se esconder atrás dele“, diz, lembrando que desde que Negrão anunciou a sua candidatura até que foi eleito por margem humilhante, Rio “nunca pronunciou o nome dele” em público.
Mesmo não tendo o perfil “agressivo” de Hugo Soares ou Luís Montenegro, Fernando Negrão tem vários trunfos, dizem os vários deputados ouvidos pelo Observador, mesmo os que foram contra a sua eleição. Depois de ter sido presidente de uma das mais bem conseguidas comissões parlamentares de inquérito (a do BES), que lhe granjeou a fama de “grande rigor”, de “imparcialidade” e de alguém “respeitado por todos”, há deputados que lembram que também “sabe ser combativo”. “É preciso é que o deixem ser”, comenta um deputado social-democrata ao Observador, referindo-se à incógnita do debate: saber quais vão ser as instruções superiores.
Ao Observador, na segunda-feira à tarde, Fernando Negrão desvalorizava o peso da estreia no debate quinzenal com o primeiro-ministro. “Não é uma estreia, já fiz muitos debates no Parlamento”, dizia, recusando-se a revelar que temas vai levar na manga, e sublinhando apenas que o processo de preparação do debate será feito, como habitual, entre o líder, alguns vices da bancada e o presidente do partido. Preparado, diz que está há muito. “Sou deputado há nove anos, se eu não estivesse preparado para ser líder parlamentar com nove anos de deputado, tenho a certeza que me passariam um atestado de imbecilidade”, chegou a dizer dias antes de anunciar a sua candidatura.
[Veja no vídeo as diferenças entre o que Fernando Negrão disse antes e depois de ser eleito]
Pergunta-resposta-réplica. A “estaleca” do BES e o “raspanete” a Teresa Leal Coelho
A poucas horas de ser eleito, com apenas 35 votos a favor (de um total de 89), Fernando Negrão dizia numa entrevista à RTP que não queria fazer dos debates quinzenais uma “guerra” com o primeiro-ministro. “Tenciono ter sessões de trabalho com António Costa nos debates quinzenais”, afirmou, acrescentando que se tratava sobretudo de uma questão de estilo. “Nunca poderemos dissociar-nos do estilo. Será com certeza o meu estilo: transformar os debates não em guerras, na procura de frases que tenham efeito mediático ou de outra natureza, mas sim em sessões de trabalho”, insistiria na mesma entrevista. A mensagem que passou foi “infeliz”, admitiu ao Observador um deputado social-democrata, afirmando que “nos debates tem sempre de haver um elemento confrontacional de fiscalização do Governo”. Além de que o clima de consensos que reina entre o novo PSD e o velho PS não esvazia o discurso de oposição dos sociais-democratas.
Fazer consensos faz sentido, mas não pode nunca ser confundido com a não criação de uma alternativa política”, diz o mesmo deputado. “Isso não esgota o vasto leque de matérias onde as posições do PS e do PSD têm sido inconciliáveis”, acrescenta, destacando matérias relacionadas com o modelo económico, a saúde, a demografia e a segurança social.
A verdade é que o perfil dos consensos assenta que nem uma luva a Fernando Negrão, que é uma figura nada hostil aos deputados da esquerda mais à esquerda, nomeadamente aos que fizeram parte da comissão de inquérito ao BES, que presidiu em 2014 — como Pedro Nuno Santos, João Galamba, Mariana Mortágua ou Miguel Tiago. Ainda hoje a sua postura de mediador rigoroso e imparcial é lembrada da direita à esquerda. Na altura da apresentação das conclusões da comissão, Pedro Nuno Santos, que coordenava os trabalhos do PS, assinalou mesmo o papel “determinante” de Negrão, enquanto a bloquista Mariana Mortágua elogiou a sua “inteligência discreta”.
Numa entrevista à Frontline, em novembro de 2014, Negrão justificava esse perfil de “isenção e imparcialidade” com o facto de ser magistrado de formação e “ter sido juiz durante quase 20 anos”. Até admitia que isso lhe trazia alguns problemas enquanto membro de um partido, ou mesmo enquanto advogado: “Muitas vezes a solução que eu acho mais adequada não é propriamente a do partido a que eu pertenço, ou a do cliente que defendo”. Foi, por exemplo, o que aconteceu em maio de 2015, numa reunião da comissão de Assuntos Constitucionais, onde o presidente Fernando Negrão deu um enorme sermão público a uma deputada do PSD, Teresa Leal Coelho, por ter desrespeitado uma diligência sua.
“É corajoso e não tem medo de afrontar. Tenho a certeza de que não vamos ver um Fernando Negrão com medo de António Costa”, diz ao Observador um deputado, que lembra que Negrão pode, e deve, fazer uso das competências que adquiriu nos tribunais e na comissão de inquérito para ter “repentismo” na resposta. É que o estilo do debate quinzenal assemelha-se em muito ao estilo de uma comissão de inquérito: pergunta, resposta e réplica. “Num debate quinzenal é preciso ter capacidade de reação rápida, era uma coisa que o Hugo Soares tinha, até mais do que o Luís Montenegro. Vamos ver se ele tem”, afirma o mesmo deputado, acrescentando que a maior ou menor eficácia do debate não se mede apenas na agressividade do tom: o truque é fazer perguntas diretas. E é aí que entra a experiência em comissões de inquérito.
Com ou sem agressividade no tom, o que os deputados da bancada exigem a Fernando Negrão é que faça oposição: mesmo que Rui Rio, fora do Parlamento, tenha uma atitude mais diplomática, não perdoam se, dentro do Parlamento, Fernando Negrão se cingir a replicar a cordialidade do presidente do partido. “Se não o fizer no debate quinzenal, faz onde? Não é certamente nas reuniões à porta fechada com o primeiro-ministro”, ironiza um deputado, exigindo que Negrão use o palco quinzenal para mostrar ao PS que os dois partidos não são farinha do mesmo saco. Há mesmo quem lembre que é essa distribuição tácita que costuma reinar no partido: Passos Coelho também assumia uma postura mais institucional, enquanto Luís Montenegro era o braço armado do partido.
O PSD não pode ser o BE, ceder ao PS só porque quer ser poder”, diz um deputado social-democrata.
E onde anda Rio? “Escondido”, dizem
O mal-estar na bancada do PSD, que se instalou desde a eleição pífia de Fernando Negrão, está longe de serenar. Rui Rio manteve-se em silêncio sobre o processo e já fez saber que não vai estar presente na primeira reunião da bancada parlamentar presidida por Negrão, esta quinta-feira. O argumento que usou, na primeira e única declaração que fez sobre o assunto à saída de uma reunião em Belém, foi de que a direção da bancada ainda nem estava toda eleita — faltava eleger os coordenadores –, mas nem isso colhe junto dos deputados.
“Os coordenadores até já estão a trabalhar nas suas novas funções, e nem sequer fazem parte da direção, por isso não é justificação”, disseram ao Observador. A eleição dos 24 coordenadores e vice-coordenadores está marcada para a próxima sexta-feira, mas a lista de nomes ficou fechada mesmo antes da eleição da nova direção. É certo que Rui Rio diz que quer “trabalhar com todos os 89 deputados”, e, como reiterou esta terça-feira ao DN, tenciona manter uma “estreita articulação” com o grupo parlamentar, mas a demora em falar aos deputados está a “causar mal-estar”. Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, quando era presidente do PSD e não estava no Parlamento, fazia questão de estar presente todas as semanas nas reuniões do grupo parlamentar.
A ideia que a ausência e o silêncio de Rio passam é a de que está a deixar Fernando Negrão entregue aos lobos. “Se repararem, Rui Rio não disse uma única vez o nome de Fernando Negrão em todo este processo. Foi pelo Fernando Negrão que soubemos que era o candidato escolhido por Rio, foi pelo Fernando Negrão que soubemos que ia aceitar tomar posse com aquela votação depois de ter estado ao telefone com Rui Rio”, comentava um deputado. Tudo para dizer que Rui Rio já devia ter “vindo a público defender” Fernando Negrão, mas ao invés, está-se a “esconder” atrás dele para o caso de correr mal.
Em teoria, Rui Rio não vê o que se passa na bancada parlamentar como um problema que afete a sua imagem junto dos portugueses, e é por isso que não se quer envolver. Certo é que, não tendo representação no Parlamento, o debate quinzenal desta quarta-feira vai ser o momento-chave para o novo PSD de Rui Rio, pela cara e voz de Fernando Negrão, mostrar onde e com que tom se posiciona no espectro político. Não podendo invocar o argumento da ilegitimidade do Governo das esquerdas, há quem diga que só lhe sobra manter o discurso do velho PSD: o ataque à falta de investimento nos serviços públicos, à estratégia da cativação de despesa, ao estado dos serviços de saúde e aos problemas na educação. Tudo o que o PSD de Passos Coelho já dizia.
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