Uma criança ferida num dos hospitais de Ghouta, que está sob bombardeamento das forças fiéis a Damasco há uma semana
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"Temos informações de crianças a morrerem à fome e a morte e a destruição chegam do ar de uma forma absolutamente abominável". Bastam 23 palavras para descrever a situação que se vive em Ghouta, área de Damasco sob controlo de grupos rebeldes incessantemente bombardeada pelas forças de Bashar al-Assad e seus aliados iranianos e russos.
A descrição da situação que se vive em Ghouta desde o passado sábado foi feita por David Miliband, dirigente da ONG International Rescue Committee (IRC) que apoia vários hospitais na área, horas antes de uma prevista votação no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação descrita na quinta-feira como "um inferno na terra" pelo secretário-geral da organização, António Guterres.
A resolução estabelecia um cessar-fogo de 30 dias e as condições para a entrada de ajuda médica e permitia a retirada de feridos. Grupos como o Estado Islâmico e a Frente Al Nusra não estão abrangidos pelo cessar-fogo. A entrada em vigor deste estava marcado para 72 horas após a aprovação. Mas as negociações prosseguiam nesta sexta-feira à noite, tendo-se verificado sucessivos adiamentos na tentativa de se conseguir um texto que não fosse alvo do veto da Rússia, um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança a dispor da prerrogativa. Moscovo já bloqueou 11 resoluções sobre a Síria, que seriam prejudiciais para o regime de Damasco e ontem estaria protelar as negociações na expectativa de dar mais tempo às forças no terreno para avançarem sobre a área nas mãos da oposição. Na quinta-feira, o representante da Síria na ONU, Bashar Safari, afirmara que é objetivo de Damasco a reconquista de Ghouta.
Durante o dia de sexta-feira, as tropas fiéis a Assas, apoiadas pelas forças iranianas e pela aviação russa, intensificaram os bombardeamentos naquela que está a ser qualificada como uma das operações militares mais mortíferas da guerra civil síria, pelo elevado número de baixas num curto espaço de tempo. O importante número de vítimas explica-se também pelo facto de Ghouta ser uma área densamente povoada, contendo mais de 400 mil pessoas. É também a última área na região de Damasco em poder das milícias da oposição, estando cercada desde 2013.
Desde domingo, morreram, pelo menos, 462 civis, dos quais 99 crianças, de acordo com uma estimativa do Observatório Sírio dos Direitos do Homem (USE). Só nesta sexta-feira, ainda segundo este grupo, perderam a vida 32 pessoas, entre as quais seis crianças, vítimas de bombas, granadas de obus e barris explosivos. Estes últimos, lançados em regra a partir de helicópteros, têm sido usados desde o início do conflito pelas unidades do regime de Damasco sobre alvos civis e são temidos, mais do que pelo seu poder destruidor, pelo tipo de ferimentos e mutilações que provocam.
Para um elemento da proteção civil síria, Mahmood Adam, ouvido pela Al Jazeera, está a assistir-se ao "ataque sistemático aos civis", ao "extermínio da sociedade nesta área". Citados pela Reuters, elementos de ONG presentes no terreno afirmaram que todas as instalações hospitalares tinham sido atingidas e que 12 delas ficaram sem condições para tratamento dos feridos.
Os bombardeamentos seriam uma ação preparatória da fase seguinte da operação: uma ofensiva terrestre. Sinal de que esta poderia estar iminente surgiu na noite de quinta-feira para sexta-feira quando foram lançados a partir do ar panfletos instando os civis a abandonarem as áreas sob controlo rebelde e indicando corredores seguros para atravessarem a frente de combate.
Foi com recurso a este modelo de operações que o regime de Assad conseguiu recuperar, a partir de 2016, os principais centros urbanos em poder das forças da oposição, como sucedeu em Homs e em Aleppo, onde os civis foram as principais vítimas de prolongados bombardeamentos. Alvo que está a suceder também em Ghouta e que, ao contrário do sucedido naquelas cidades com a retirada dos civis, tenderá a agravar-se. As forças da oposição comunicaram ao Conselho de Segurança da ONU recusarem "categoricamente qualquer iniciativa que inclua a saída dos habitantes das suas residências realojamento noutros locais".
Desde o final de novembro de 2017, apenas um comboio humanitário foi autorizado pelo regime de Damasco a entrar na área, o que sucedeu este mês. A guerra civil na Síria já provocou entre 340 mil a 400 mil mortos, consoante diferentes estimativas.
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