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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

PSD: uma sabotagem muda, anónima e cobarde

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 26/02/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

“Há um problema não de natureza política mas ética”, disse sobre o PSD Fernando Negrão. O novo líder parlamentar do partido, escolhido por Rui Rio apesar de ter sido apoiante de Pedro Santana Lopes, teve apenas 35 votos favoráveis apesar da sua direção contar com 37 nomes. O que quer dizer que houve pessoas que aceitaram integrar a lista mas, no segredo da urna, votaram contra ela. Assim como quer dizer que, dos 53 que votaram branco e nulo (o que raio quer dizer um voto nulo de um deputado?), todos queriam outro líder parlamentar mas nenhum se chegou à frente.

Tenho lido muitas análises excessivamente otimistas em relação ao que está a acontecer. Recordam grupos como os das Opções Inadiáveis ou da Nova Esperança, quando se organizavam revoltas contra ou a favor de aproximações ao PS. À conversa sobre os entendimentos com os socialistas lá irei, noutro texto. Mas este, por tratar do processo de sabotagem a um líder acabado de ser eleito, não tem essa dignidade. Rui Rio não tomou ainda qualquer decisão, não deu qualquer passo que não tivesse sido anunciado em campanha. Esta revolta resulta de qualquer opção estratégica.

Sem qualquer rosto para liderar as tropas, os passistas apenas trabalham na derrota clamorosa do PSD nas próximas legislativas. Provavelmente para garantir a Costa uma maioria absoluta que provoque uma crise interna no partido

Aquilo a que estamos a assistir é ao estertor de um grupo parlamentar de qualidade bastante baixa – os maiores partidos da oposição costumam ter os melhores deputados, porque não os perdem para o Executivo –, onde Luís Montenegro consegue parecer um príncipe da política e Hugo Soares já é visto como alguém a ter em conta. A maioria destes deputados sabe que não terá lugar nas próximas listas e não tem, por isso, nada a perder. Não há qualquer motivação estratégica e programática no comportamento pouco ético dos deputados do PSD face ao líder eleito pelos militantes. Há apenas e só uma tentativa de sabotagem para impedir que Rui Rio consolide o seu lugar, obrigando-o a depender da vitória nas próximas eleições legislativas (muitíssimo improvável) para ficar no lugar.

Há uma diferença entre a forma como o PS e o PSD lidam com as suas contendas internas. O PS, depois de cada guerra, por vezes bem mais fratricida do que as do PSD, volta a integrar. José Sócrates foi o mestre nisso, mas Costa também o fez. Os seus grupos parlamentares são relativamente estáveis e, tirando um ou outro fogacho, os deputados obedecem aos novos líderes. Pelo contrário, a bancada do PSD é frequentemente varrida. O grupo de António José Seguro, que até tinha mais razões de queixa de António Costa do que os passistas têm de Rio e que foi muito mais violento na campanha do que os apoiantes de Santana Lopes, não foi purgado. Todos os que quiseram assumir novas responsabilidades assumiram. A história das guerras internas entre socialistas são épicas, desde o ex-secretariado a cisões formais, mas os processos de pacificação passam mais pela reintegração do que pelo afastamento. No PSD, cada novo grupo parlamentar tende a replicar as novas lideranças. Não é difícil perceber porquê: com todas as suas ambiguidades, o PS tem um corpo ideológico ou pelo menos de pertença a uma família ideológica que lhe dá identidade. Essa identidade permite uma unidade que, ao contrário do que acontece no PSD, não se faz exclusivamente em torno do líder.

A verdade é que esta revolta muda, anónima e cobarde, em vez do enfrentamento – os opositores de Rio até recorreram a uma barriga de aluguer para o enfrentar – socorre-se da sabotagem. Sem qualquer rosto para liderar as tropas, os passistas apenas trabalham para a derrota clamorosa do PSD nas próximas legislativas. Provavelmente para garantir a Costa uma maioria absoluta que provoque uma crise interna no partido. Não estamos perante um verdadeiro confronto entre visões diferentes do que deve ser o PSD, apesar dessas diferenças existirem. Estamos perante uma política de terra queimada para que, no meio dos escombros eleitorais do partido, o espírito do passismo renasça e, com um protagonista ainda não encontrado, reconquiste o PSD. Ou, pior do que isso, estamos apenas a assistir à birra de quem, sabendo-se vencido e sem futuro, não aceita partir sem provocar estragos.

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