29 Março 2018222
Onde se fabrica o dinheiro em Portugal? Como está protegido o local? E como seria negociada a libertação de reféns, caso alguém imitasse o assalto da série de ficção espanhola "Casa de Papel"?
“O que achas de 2.400 milhões de euros?”, pergunta “o professor” a Tóquio, quando a recruta para concretizar “o maior assalto da história”: sequestrar os funcionários e os visitantes da Casa da Moeda em Madrid e prolongar o sequestro o máximo de tempo possível, para permitir que os próprios reféns produzam 2.400 milhões de euros. Se estranhou as linhas anteriores, é porque ainda não viu “A Casa de Papel”, a série espanhola que está a ser um fenómeno na Netflix e que acompanha as peripécias de Berlim, Rio, Denver, Nairobi e os outros assaltantes profissionais que usam cidades como nomes de código.
A ideia dos argumentistas é sempre a de aproximar ao máximo a ficção à realidade, quando se trata de policiais deste tipo. Daí que tenhamos feito o exercício, trazendo a hipótese do assalto até Portugal. Onde fica a fábrica do dinheiro? Como está protegida? Quem agiria em caso de assalto? E quem teria de autorizar uma intervenção de atiradores? Sete perguntas e respostas para tentar perceber o que aconteceria se o ataque à Casa de Papel fosse em Portugal.
Onde é e como funciona a “Casa de Papel” em Portugal?
A Fábrica Nacional de Moneda y Timbre da série está localizada no centro da capital espanhola. Se os assaltantes se dirigissem à Imprensa Nacional – Casa da Moeda, junto ao Jardim do Arco do Cego, em Lisboa, por muito que os reféns trabalhassem, nunca seria um assalto muito proveitoso: ali só se fazem moedas. Para produzir notas, o local do crime teria de ser a 40 minutos do centro de Lisboa, na zona industrial do Carregado. É aí que fica localizada a Valora, uma empresa detida a 100% pelo Banco de Portugal, instalada numa área de 67 mil metros quadrados, junto a uma fábrica de batatas fritas. E é aí que chegam diariamente as carrinhas de transporte de valores para recolherem as notas que distribuem pelo sistema bancário.
“Agora vamos trabalhar”, avisa Nairobi na série espanhola, na primeira noite do assalto em que os reféns começam a imprimir notas de 50 euros. É “o trabalho mais bem pago da história: 2.400 milhões de euros”. Na fábrica portuguesa, quanto tempo seria necessário para produzir essa quantia? Em 2017, a Valora produziu 248 milhões de notas. (Foi a quantidade atribuída pelo Eurosistema ao Banco de Portugal — um dos 15 bancos centrais com capacidade de produzir dinheiro). Se as 248 milhões de notas fossem todas de 50 euros (as notas que, na série, os assaltantes produzem), a Valora teria produzido 12.400 milhões de euros num ano. Ou seja, para conseguirem atingir os 2.400 milhões de euros em notas, ou imprimiam notas de um valor superior, ou teriam de manter o sequestro durante dois meses e 8 dias, numa média aproximada, uma vez que em regime normal, as máquinas não trabalham 24 horas por dia.
O método de produção é semelhante ao de qualquer outra fábrica: há matéria-prima, máquinas, funcionários e um produto final. Cerca de 200 funcionários da Valora transformam o algodão preparado, que inclui produtos têxteis reciclados, em notas. A ser assaltada, os autores do crime sairiam da Valora com notas facilmente identificadas: todas as que são produzidas na empresa têm um número de série que começa com a letra M. Na série o bando tinha essa questão acautelada, porém.
Em 2017, a Valora produziu 143 milhões de notas de 20 euros, que dizem respeito a encomendas recebidas em 2016 e 2017
A circulação do dinheiro implica desgaste das notas. Por isso, além de imprimir notas novas, a Valora tem também uma importante função de regeneração do dinheiro. No departamento de saneamento da fábrica, existem cinco máquinas que avaliam as condições das notas a uma velocidade de 33 notas por segundo. Aquelas que estiverem danificadas são analisadas para avaliar a sua substituição. Em 2016, foi avaliada a qualidade de 627,5 milhões de notas entregues ao Banco de Portugal por empresas e bancos. 7757 notas foram retiradas de circulação por serem falsas, segundo o relatório do Banco de Portugal.
Só elementos da cúpula do Banco de Portugal é que decidem quem entra na casa forte. Os administradores do Banco de Portugal José de Matos e Hélder Rosalino (ex-secretário de Estado da Administração Pública) são, respetivamente, presidente e vogal da Valora. O administrador delegado da empresa é Eugénio Fernandes Gaspar. Será em Portugal o que tem as funções mais parecidas com as de Arturo Roman, o diretor da Casa da Moeda espanhola, uma personagem que incita vários outros reféns a iniciar esquemas de fuga, mas raramente tem a coragem de avançar primeiro.
Como funciona a segurança da “Casa das Notas”?
A segurança da “Casa das Notas” — na verdade, em Portugal, o nome Valora não dava para um título de uma série — foi pensada logo no momento em que foi construído o edifício. Como as instalações estão na área da GNR, o Banco de Portugal fez um protocolo com a Guarda para definir todo o sistema. O Comando optou por escolher a sua unidade de elite, a Unidade de Intervenção, como responsável por aquelas instalações. Por isso, no local, existe uma sala reservada aos militares da Unidade de Intervenção que ali prestam serviço 24 horas por dia, 365 dias por ano. Cada um deles faz turnos de seis horas e é substituído de oito em oito dias.
O próprio Banco de Portugal acordou com a GNR e comprou os carros a usar no patrulhamento do edifício. As viaturas ali utilizadas não saem do perímetro da fábrica, porque assim dificilmente alguém consegue alterá-las ou usá-las para promover um assalto no interior, por exemplo, através da instalação de uma câmara.
No interior do edifício foram montados sofisticados sistemas de videovigilância, que dispõem de sensores de movimento e de calor. Cá fora, se alguém pular um muro, o sistema de alarme dispara só pelo toque dos pés do suspeito no chão. Mesmo no interior do edifício está um cofre “suspenso no ar” para evitar assaltos por via subterrânea. Trata-se de um armazém com luzes fluorescentes, mas que guarda notas em paletes: durante uma visita permitida aos jornalistas em abril do ano passado, estavam visíveis várias paletes de 8 milhões de euros em notas de 20 euros, por exemplo. É nesse cofre que está uma reserva fiduciária em numerário. Ao lado do armazém há uma câmara com cerca de metade das reservas de ouro do país, avaliadas em 6 mil milhões de euros: são mais de 170 toneladas de barras de ouro — algumas ainda estão gravadas com uma foice e um martelo, símbolos da antiga URSS.
Mas não se pense que esta abertura a jornalistas seja uma rotina. Lá dentro, os funcionários não comunicam, estão separados por paredes de vidro à prova de bala. E as portas não abrem ao mesmo tempo. Não há entrega direta de materiais ou de dinheiro. Se for preciso entregar um saco é deixado num local, depois fecham-se as portas e abrir-se-ão outras para que outro funcionário pegue no saco. Não há comunicação entre eles sequer.
No exterior do edifício existem dois perímetros e uma equipa da unidade de elite da GNR, a Unidade de Intervenção, está permanentemente no local, apoiada por cães. Além do acesso às câmaras do Banco de Portugal, tem também câmaras próprias.
Assaltos com algumas semelhanças com o da série da Netflix não são só ficção e os funcionários do Banco de Portugal sabem disso. Um deles revelou ao jornal Eco que o cuidado é tanto que nem os filhos podem dizer na escola onde os seus pais trabalham, porque neste setor é comum a prática de tiger kidnaping — um tipo de crime em que são raptadas pessoas para que elas próprias executem outro crime. Tal como na série A Casa de Papel, em que são os próprios funcionários e visitantes da Casa de la Moneda que são mantidos sequestrados para serem eles a produzir as notas. Esta é uma das particularidades da série: os assaltantes não querem levar o dinheiro que ali está e que tem dono, querem produzir o próprio dinheiro.
No entanto, apesar dessas precauções de segurança, além dos administradores, há pelo menos mais três funcionários da Valora com perfil na rede Linkedin: uma diretora financeira, um diretor adjunto de produção e uma embaladora.
Porta de segurança do armazém de notas para expedição no Complexo do Carregado do Banco de Portugal
Quem era chamado a intervir em caso de assalto?
O Observador falou com o chefe da Secção de Operações, do Comando de Lisboa da GNR para perceber o que acontecia. O tenente-coronel Bolas admite que dificilmente alguém ali entraria. Uma outra fonte militar, que conhece o local, disse que mesmo se entrasse “dificilmente conseguiria sair”. O sistema de segurança ali instalado é “ímpar” no País, garante.
A título de exemplo, na série espanhola, o grupo de assaltantes consegue fazer uma emboscada ao carro com dois polícias que escolta a carrinha que leva o papel para as notas. E é assim que consegue entrar nas instalações. Em Portugal não são dois patrulheiros que escoltam estas carrinhas, mas militares da Unidade de Intervenção da GNR em número que depende da carga transportada — militares estes preparados para enfrentar os cenários mais extremos, mesmo os de guerra. O tenente-coronel Bolas explica que quando as carrinhas chegam ao Banco de Portugal no Carregado ficam num local completamente bloqueadas. “Só temos espaço para fazer a descarga e voltar a sair, nem sequer o veiculo pode arranjar balanço para arrancar”, descreve.
Como agiria a GNR e as outras forças?
Imaginando que um ou mais assaltantes conseguiriam entrar e fazer reféns, a primeira intervenção seria dos militares que ali prestam serviço permanente, que deviam fazer um perímetro de segurança, avisar a Unidade e acionar aquilo a que a Polícia chama de Incidente Táctico Policial (ITP). “Neste caso, com particularidades interessantes”, admite o tenente-coronel Bolas ao Observador. É que existem dois tipos de ITP: o normal e o grave.
Este último acontece quando está em causa um ataque terrorista ou uma intervenção que leve à participação de várias polícias — obrigando a secretária geral de Segurança Interna, Helena Fazenda, a assumir o comando da operação, em vez do comandante das forças no local. “Mas, neste caso, o BdP funciona como uma ilha, não pertence ao Comando Territorial de Lisboa, porque todo o efetivo que lá presta serviço é da Unidade de Intervenção”, explica.
Para mais, na série espanhola umas das reféns é filha de um diplomata o que, a acontecer em Portugal, obrigaria à intervenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros. “Considerando que é uma instalação crítica do Estado, estou em crer que o Governo teria de se envolver diretamente. Creio que se a secretária-geral não quisesse o Comando, teria de pelo menos assumir o controlo da operação”, considera o oficial. O que até podia ser feito a partir do seu gabinete em Lisboa.
Atiradores especiais da Unidade de Intervenção da GNR
Para o local seriam chamadas as várias valências da Unidade de Intervenção, como o Grupo de Intervenção de Operações Especiais, onde se incluem os negociadores e os especialistas em intelligence, o Grupo de Inativação de Engenhos Explosivos e até o Grupo de Intervenção Cinotécnica da Guarda (com cães polícias). Estes militares, que estão aquartelados na Pontinha, têm neste momento uma prontidão de zero minutos, ou seja, estão dentro das viaturas com os carros prontos a sair desde o momento em que exista um telefonema para o comandante. É assim desde os ataques em Paris, em que os países da União Europeia decidiram mudar os seus planos de alerta e alterar a prontidão de 30 minutos para zero.
Ainda assim, meia hora seria o tempo necessário para chegarem ao Carregado. “Num caso destes não me parece que a celeridade inicial seja muito relevante, porque o objeto do crime neste caso, pela frieza com que o mesmo foi planeado, não me parece que seja de fazer vítimas. Isso pode acontecer à posteriori se se enervarem”, considera o tenente-coronel Bolas. “Temos um protocolo de emprego de forças a aplicar face à tipologia do incidente. De acordo com o número de reféns, de assaltantes e com as armas usadas parece-me estarmos num tipo de incidente n.º5, o mais grave”, refere.
O plano de coordenação das forças e serviços de segurança num caso destes prevê que no posto de comando participem outras polícias. O oficial explica que Helena Fazenda poderia mandar chamar alguém do Serviço de Informações e Segurança ou mesmo da Força Aérea, caso fosse necessário, por exemplo, um helicóptero munido de câmaras para tentar perceber algo mais do assalto. Já a PJ normalmente está sempre presente num ITP, porque depois de terminado são eles que têm a competência para investigar este tipo de crimes.
O trabalho destas forças também poderá ser essencial para descobrir a identidade dos agressores e negociar com eles. Em “A Casa de Papel”, durante uma discussão entre Tóquio e Rio, uma refém acaba por fazer um vídeo do interior do local do crime que vai parar à mão da polícia. O vídeo permite identificar um dos assaltantes, Rio (especialista em programação e responsável pela inativação dos sistemas de segurança eletrónicos da Casa de Papel). Segue-se depois a identificação de Tóquio.
E a negociação?
Depois de avaliado o grau de ameaça, deve estabelecer-se a “ligação ao outro lado”, como explicou uma fonte policial ao Observador. E o incidente táctico policial, em teoria, desenvolve-se de acordo com vários fatores. Há reféns? Na ficção há funcionários e uma turma de jovens em visita de estudo. No Carregado trabalham cerca de 200 funcionários, mas não conseguimos saber se são permitidas visitas de estudo, uma vez que o Banco de Portugal não quis comentar nem responder às questões colocadas. As portas já chegaram a abrir-se, por exemplo, a jornalistas que tiveram direito a visitas guiadas e possibilidade de tirar fotografias.
É importante para as autoridades perceber se há vítimas e, sobretudo, perceber o que os assaltantes querem. E isso é trabalho para os negociadores.
A negociação é sempre feita por um negociador escolhido pelo seu perfil ou pelo perfil dos assaltantes. Em a “Casa de Papel” este trabalho é atribuído a “Raquel Murillo”, uma polícia que dizem ter o perfil ideal para o trabalho, mas que enfrenta alguns problemas pessoais. (Acaba de acusar o ex-marido, também ele polícia, de violência doméstica e o tribunal decreta uma ordem de afastamento da filha que têm em comum). Por vezes, os negociadores têm de recorrer a intérpretes e têm o trabalho mais dificultado.
A identificação dos suspeitos é um elemento importante para a negociação. “Descobrir a identidade das pessoas para perceber fragilidades, para criar laços, é importante, mas pode ter outro efeito”, avisa o oficial da GNR. No caso de um local tão fortemente vigiado, as autoridades iriam procurar ligações com funcionários que pudessem ser cúmplices.
Na série a polícia espanhola faz um vídeo com os pais de Rio a apelarem que ele se entregue e mostra-o. “Por vezes usamos intermediários, que podem ser importantes, um filho, a mulher, a mãe, que aparecem para desestabilizar emocionalmente. Quando eles percebem que já os identificámos deixam de ser uma coisa cinzenta. Conseguir sair do local e não ser descoberto dissipou-se. Isso pode gerar um sentimento de raiva e pode levar a suicídio ou homicídio.Outras vezes resulta muito bem, porque desestabiliza ao ponto de haver um convencimento da entrega”, explica o oficial da GNR.
Segundo a experiência do tenente-coronel Bolas, normalmente nos incidentes que envolvem armas de fogo, os suspeitos entregam-se ao fim de um dia e de uma noite de negociações. Mas já houve situações em que tal não aconteceu e que a Guarda teve que intervir, como a ocorrida no Pinhal Novo, em 2013, que acabou na morte do suspeito e de um militar da GNR.
As exigências dos assaltantes também fazem parte da vida real. Na série, para ganhar tempo, o “Professor” pede um barco que tinha sido apreendido com um carregamento de cocaína pelas autoridades. Por cá, se acontecesse no Carregado, a GNR admite que teria que dizer que não a certos pedidos. “As exigências são uma moeda de troca. São consideradas porque servem de moeda de troca ou ponte de entendimento. Devem ser atendidas na medida do possível, mas às vezes são negadas. São estabelecidas regras”, diz. Na série, os polícias fornecem comida e medicamentos sem qualquer discussão. “Porque ao nível biológico, se as pessoas passam fome ou sede, os seus níveis de ansiedade vão subir e vão ficar mais agressivas. Se comerem vai haver um relaxamento muscular e vai ser melhor para comunicar”, explica. Por vezes até existem pausas na negociação. As autoridades chegam a permitir que os suspeitos durmam. “Muitos deles acabam por se alcoolizar e o problema resolve-se de manhã quando passou a embriaguez”, diz.
A secretária geral de Segurança Interna, Helena Fazenda
Quando se decide intervir?
A resposta, na boca do tenente-coronel Bolas, não é simples. “Há várias questões, não há uma resposta linear. Mas existem orientações”, explica. Mais uma vez, usando o exemplo do Pinhal Novo, o oficial lembra que os “homens não disparam só à ordem, porque se aplica o princípio geral da legítima defesa”. Ou seja, se um atirador especial vê um suspeito com dois reféns que dispara sobre um deles e se prepara para atirar sobre o outro, então o atirador pode disparar.
“No Pinhal Novo, tínhamos no interior um militar nosso, que estava gravemente ferido e a esvair-se em sangue e que segundo o INEM ou atuávamos depressa ou ele morria. E foi esse perigo para a vida que determinou a entrada”, recorda.
Já nos casos de suicídio, em que os visados estão sozinhos, “negociamos até à exaustão, até ele se cansar”. Mas se houvesse um assalto à “Casa das Notas” no Carregado seria diferente. “Numa situação destas havia repercussões internacionais. Entraria aqui em questão a exposição em termos dos media ao nível internacional. Expõe o país e as suas fragilidades. Intervir ou não, em termos técnicos pode ser vantajoso… Mas enquanto houver diálogo há sempre a possibilidade de convencimento da desistência”, considera. Na série, também a mediatização do caso é abordada. As televisões estão sempre em cima do acontecimento. E, a certa altura, a negociadora, Raquel, questiona mesmo como os jornalistas conseguem tanta informação.
Para a GNR, o desfecho de um caso destes “ficaria muito dependente da forma como o discurso da negociação decorreria”. A ideia era perceber se “a GNR estava a perder tempo e a deixar os suspeitos organizarem-se”. Na série, os assaltantes querem tempo precisamente porque também estão a tentar cavar um túnel para fugir.
Tendo em conta que é percetível que os suspeitos não querem ferir alguém e que os ferimentos causados se deveram a vicissitudes ou acidentes por se terem enervado, o tenente-coronel considera que, num caso semelhante em território português, que a secretária geral de Segurança Interna teria que propor ao Primeiro Ministro uma solução: dar luz verde para os militares entrarem na fábrica do dinheiro.
O facto de suspeitos e vítimas estarem vestidos da mesma forma poderá parecer uma forma de complicar o cenário, mas a GNR considera que, numa intervenção, a forma como estão vestidos não faria diferença. “Nenhum agressor ou vítima é libertado até serem feitas as identificações. O facto de estarem vestidos de igual só serve para não termos uma identificação imediata, mas na verdade vai materializar-se quando ela aponta uma arma ou dispara. Supõe-se que uma vítima não aponte uma arma à polícia e que não constitua ameaça”, diz.
Uma fonte da PSP recordou ao Observador o assalto ao BES de Campolide, em Lisboa, que agitou o verão de 2008. Neste caso, eram dois os assaltantes que irromperam na agência e que fizeram reféns funcionários e clientes. Foram longas horas de negociação até que os dois homens deixaram sair os clientes, mantendo os gerentes no interior da dependência bancária. A PSP acabou, horas depois, por estacionar o carro que os assaltantes exigiam à porta do banco. Mas mal os dois se aproximaram da porta, os snipers (atiradores especiais da Unidade Especial de Polícia) abriram fogo. Um dos assaltantes morreu no local, o outro foi julgado e condenado a 11 anos de prisão. Foi a primeira vez que um atirador especial da PSP fez uma vítima mortal para salvar reféns.
No verão de 2008, dois assaltantes entraram no BES de Campolide e fizeram reféns
“Do ponto de vista psicológico era completamente diferente. Eles não eram assaltantes preparados como os da série, estavam nervosos, cansados e isso também é tido em conta ao longo da operação”, explicou a fonte, que esteve no caso do BES e que agora acompanha a série. “É um pouco irreal. Seria impossível deixar os assaltantes a produzir dinheiro lá dentro. Nem que cortássemos a luz e a água, teríamos que impedir que o fizessem”, disse. No caso do BES, foi o diretor nacional da PSP quem decidiu atirar. Informou o então ministro da Administração Interna, Rui Pereira, e ele disse “para fazer o que fosse necessário e adequado”.
Se os assaltantes produzem dinheiro, mas não roubam, qual é o crime?
A ideia dos nove assaltantes da série é sair sem roubar dinheiro, por isso a ideia é produzi-lo. A acontecer em Portugal, ainda assim os suspeitos incorriam num crime de contrafação de moeda, punível entre os três e os 12 anos. Na série, apesar de não quererem fazer feridos, os assaltantes acabam por ter alguns percalços, o que os pode levar a incorrer em crimes de tentativa de homicídio (o homicídio simples é punível com uma pena entre os 8 e os 16 anos), tanto de um polícia logo no início do assalto, como de reféns. Em causa podem estar ainda crimes de ofensas corporais graves, de posse de arma proibida e de posse ilegal de arma e, até, de associação criminosa e sequestro de mais de duas dezenas de reféns. Em cúmulo jurídico, a pena a aplicar a um destes assaltantes (todos eles têm antecedentes criminais) podia atingir facilmente a pena máxima de cadeia em Portugal, que é de 25 anos.
Texto de Carolina Branco e Sónia Simões, ilustração de Maria Gralheiro.
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